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Comentário: Alguma poesia - Drummond

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Alguma poesia - Carlos Drummond de Andrade
Estilo literário de época
	O momento, como vimos pelo contexto histórico e social, era de crise, dentro e fora do país, o mundo se encaminhava para um novo conflito bélico, mal tendo se recuperado do primeiro, o contexto político brasileiro era bastante conturbado, a política Vargas acenava com o novo, mas acabou se processando em detrimento dos interesses do povo. A literatura, tanto na prosa como na poesia, refletiu as inquietações desse período.
	A poesia da Geração de 30 legou à literatura nacional extraordinários talentos. A consolidação das liberdades formais, conquistadas pela geração anterior, e o descompromisso em protagonizar uma revolução estética, fizeram com que esta geração pudesse cultivar tanto os versos brancos e livres como revisitar formas tradicionais. Ficando, então, conhecida, como uma fase de amadurecimento.
	Os temas tendem à universalização, reflexo das crises vividas naquele momento. A problemática social será uma constante e temática comum entre os poetas deste período, a indignação frente ao caos político e às injustiças sociais. A incerteza sobre os rumos da humanidade está presente na poesia deste período.
	Junto com essa universalização temática, surge também uma poesia de cunho intimista. A coexistência delas não é divergente, pois tal intimismo resvala no universal, fato compreensível se analisarmos o momento histórico, angústia e dilemas individuais são reflexo do caótico cenário mundial.
	A poesia religiosa é notadamente cultivada neste período, especialmente pelos articuladores da revista Festa, de caráter espiritualista católico e neossimbolista. Tal religiosidade na poesia não sacraliza dogmas litúrgicos, ela aparece num tom que ficou conhecido na poesia da época, tendo em vista a crise que se instalara no mundo, como o questionamento do estar-no-mundo.
	É importante lembrar que os autores vanguardistas da geração anterior continuavam vivos e atuantes, cada um seguindo sua própria trajetória literária, alguns acompanhando os novos rumos poéticos, outros não. A nova geração dá continuidade às conquistas de seus antecessores, mas também tem liberdade para reprocessar o tradicional, fortalecendo, assim, a poesia brasileira no que ela tem de próprio e também de universal. 
O autor
	Carlos Drummond de Andrade nasceu em 1902 em Itabira, Minas Gerais. Cursou o primário na cidade natal, o ginásio e o colégio, entre Itabira, Belo Horizonte e Nova Friburgo. Nessa última cidade estudou num colégio jesuíta, o Colégio Anchieta. Aos 17 anos, foi expulso de lá por uma desavença com um professor de Português linha dura. Aos 18 anos, foi morar em Belo Horizonte com a família e fez amizade com jovens boêmios e com eles lançou o Modernismo em Minas Gerais. Nessa mesma época iniciou o curso de Farmácia.
	Em 1924, escreveu uma carta para Manuel Bandeira dizendo-lhe da admiração que nutria por sua obra. No mesmo ano, ele, e o grupo de intelectuais de Minas, receberam os modernistas de São Paulo, como Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral. A partir daí, manteve correspondência com Mário até a morte desse. 
	No ano seguinte, casou-se com Dolores e concluiu seu curso de Farmácia, mas não se adaptou à profissão e acabou lecionando Português e Geografia no Ginásio Sul-Americano em sua terra natal, Itabira. Depois retornou a Belo Horizonte e se tornou redator chefe do Diário de Minas. 
	Em 1928, ano em que nasceu sua filha Maria Julieta, publicou na Revista de Antropofagia o poema No meio do caminho, poema que causou bastante estranheza devido às inovações formais e à técnica de reiteração. Depois deixou o Diário de Minas e foi trabalhar em publicações oficiais do Estado de Minas Gerais.
	Transferiu-se para o Rio de Janeiro em 1934 para trabalhar como chefe de gabinete de Gustavo Capanema, Ministro da Educação e Saúde Pública. A partir disso, segundo o próprio Drummond, sua vida triparte-se: era funcionário público para seu sustento e da família, cronista por obrigação e poeta por vocação.
	Em 1987, sua filha única falece devido a um câncer, Drummond não suportando a perda falece apenas doze dias depois, deixou algumas obras inéditas.
	Carlos Drummond de Andrade é considerado o maior poeta do século XX por muitos e o maior de todos os tempos por muitos outros. Foi cogitado várias vezes para o Prêmio Nobel, mas dizem alguns críticos que por ser um poeta que escrevia em língua portuguesa não ganhou o prêmio. Também foi cronista, mas essencialmente um poeta.
Obras:
· Alguma poesia (1930)
· Brejo das almas (1934)
· Sentimento do mundo (1940)
· José, publicado em Poesias (1942)
· José & Outros (1967)
· A rosa do povo (1945)
· Novos poemas (1948)
· Claro enigma (1951)
· Fazendeiro do ar (1954)
· A vida passada a limpo (1955)
· Lição de coisas (1962)
· Versiprosa (crônicas em verso); Reunião (1969 – compilação de dez livros acima)
· Boitempo& A falta que ama (1968)
· As impurezas do branco (1973)
· Menino antigo (Boitempo II) (1973)
· Discurso de primavera e algumas sombras (1977)
· Esquecer para lembrar (Boitempo III) (1979)
· A paixão medida (1980)
· Nova reunião (1983 – reúne dezenove livros do autor)
· Corpo (1984)
· Amar se aprende amando (1985)
· Poesia errante (1988)
· O amor natural (1992)
· Farewell (1996)
A obra
	Alguma poesia foi publicado em 1930, primeiro livro do autor, contém quarenta e nove poemas, muitos deles micro poemas, reúne produções que vão de 1925 a 1930 e é considerado como elo fundamental entre as primeira e segunda fases do nosso Modernismo.
	Alguma poesia foi produzidoainda sob os ecos da modernidade de 1922, nesta obra, Drummond pratica o poema piada, utiliza-se dos coloquialismos, cultiva a poesia do cotidiano e repudia as tendências vigentes até então, sobretudo as parnasianas e as simbolistas. 
	No entanto, o poema piada desenvolvido por Drummond é antes um desabafo, que procura disfarçar no humor as amarguras que sente. No prosaico, esconde a busca por uma poesia autônomae, ao se voltar para o cotidiano, acaba transcendendo o tempo e o espaço e nos lega o perene e o universal.
	Abaixo, alguns poemas selecionados desta obra para analisarmos como essas características descritas acima se manifestam:
NO MEIO DO CAMINHO
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
É possível observar em No meio do caminho como Drummond se vale de inovações formais, típicas das tendências da geração que o antecedeu, e da técnica de reiteração, repetindo os mesmos termos ao longo do poema. Ainda falando em tendências da geração anterior, é possível notar também que No meio do caminho é uma espécie de paródia de um poema do parnasiano Olavo Bilac, Nelmezzodelcamin, fazendo, assim, uso de um recurso muito acessado pelos modernistas da primeira fase.
QUADRILHA
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
Em Quadrilhasão também bastante notórias as técnicas formais dos modernistas da primeira fase, os versos livres (sem metrificação) e brancos (sem rimas) desfilam por todo o poema, que se desenvolve em coloquialismos. Além disso, o tema é muito cotidiano e prosaico, fala sobre relações amorosas e as trata de forma bastante irreverente.
POEMA DE SETE FACES
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Paraque tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é serio, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
	Mais uma vez, Drummond nos apresenta um poema de características formais da primeira fase do Modernismo, mas aqui, em Poema de sete faces, ele já demonstra reflexões comuns à segunda fase: a reflexão sobre o estar-no-mundo.
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