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Direito Constitucional

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DIREITO CONSTITUCIONAL
1. DIREITO CONSTITUCIONAL E CONSTITUIÇÃO
1.1. ORIGEM E CONTEÚDO DO DIREITO CONSTITUCIONAL
ESTADO: organização de um povo sobre determinado território, dotado de soberania. Os elementos do Estado são a soberania, o povo e o território.
Todo Estado possui uma Constituição “Constituição material do Estado”.
CONSTITUCIONALISMO: movimento político, jurídico e ideológico ideia de estruturação racional do Estado e limitação do seu poder, através da elaboração de um documento escrito. O constitucionalismo surgiu com a Constituição dos Estados Unidos (1787) e Constituição da França (1791), com a valorização da liberdade formal (laissez faire) e individualismo.
DIREITO CONSTITUCIONAL: nasce com o constitucionalismo. Originalmente referia-se apenas à ordem jurídica fundamental do Estado liberal. Aos poucos foi se desvinculando desses ideais, passando a representar toda e qualquer forma de organização política. Atualmente, apresenta feição política e forte conteúdo democrático e social. Mantém-se o traço marcante, qual seja a limitação, pelo Direito, da ingerência do Estado (Governo) na esfera privada. Direito Constitucional é um ramo do direito público. Aliás, é muito mais do que isso: consubstancia a matriz de toda a ordem jurídica de um Estado, é um tronco do qual deriva todos os demais ramos.
1.1.1. OBJETO DO DIREITO CONSTITUCIONAL QUANTO AO FOCO DE INVESTIGAÇÃO
	DIREITO CONSTITUCIONAL ESPECIAL
	DIREITO CONSTITUCIONAL COMPARADO
	DIREITO CONSTITUCIONAL GERAL
	Estuda uma Constituição específica vigente. É dogmática, pois analisa, interpreta, sistematiza e critica as regras e os princípios vigentes.
	Estudo comparativo de Constituições. É descritivo e pode adotar:
(a) critério temporal (vertical) – confrontam no tempo Constituições de um mesmo Estado;
(b) critério espacial (horizontal) – confrontam diferentes Constituições vigentes;
(c) critério da mesma forma de Estado – confrontam Constituições que adotam as mesmas regras vigentes.
	Delineia, sistematiza e dá unidade aos princípios, conceitos e instituições presentes em vários ordenamentos constitucionais. Caráter científico, pois define as bases da teoria geral do Direito Constitucional (ex.: conceito, fontes e classificação das Constituições).
1.2. CONSTITUIÇÃO: NOÇÕES INICIAIS, OBJETO E EVOLUÇÃO
As normas de uma Constituição devem dispor de:
· Forma do Estado;
· Órgãos integrantes da sua estrutura;
· Competências dos órgãos integrantes;
· Aquisição do poder;
· Exercício do poder;
· Limitações ao poder do Estado: separação de poderes (freios e contrapesos) e direitos e garantias fundamentais.
“Constituição ideal” (J. J. Gomes Canotilho): escrita, direitos fundamentais individuais, sistema democrático formal, limitação do poder do Estado.
No Estado Moderno observa-se uma expansão do objeto das Constituições, tratando-se de temais cada vez mais amplos. Daí a tendência contemporânea de elaboração de Constituições de conteúdo extenso (Constituições analíticas ou prolixas).
1.2.1. CONSTITUIÇÃO EM SENTIDO SOCIOLÓGICO, POLÍTICO E JURÍDICO
	SENTIDO SOCIOLÓGICO
(Ferdinand Lassale)
	SENTIDO POLÍTICO
(Carl Schmitt)
	SENTIDO JURÍDICO
(Hans Kelsen)
	A Constituição é a soma dos fatores reais de poder que regem uma nação (econômico, militar, político, religioso, etc.). A Constituição escrita só tem eficácia, ou seja, só determina as inter-relações sociais dentro de um Estado quando for construída em conformidade com tais fatores; do contrário, terá efeito meramente retórico (“folha de papel”).
	A Constituição é uma decisão política fundamental sobre a definição do perfil primordial do Estado, que teria por objeto, principalmente, a forma e o regime de governo, a forma de Estado e a matriz ideológica da nação; normas do documento constitucional que não derivem de decisão política não são “Constituição”, mas apenas “leis constitucionais”.
	A Constituição é estritamente formal, consistindo na norma fundamental de um Estado, paradigma de validade de todo o ordenamento jurídico e instituidora da estrutura do Estado; a Constituição é uma norma pura, como puro dever-ser, sem qualquer consideração de cunho sociológico, político ou filosófico.
1.2.2. CONSTITUIÇÃO EM SENTIDO MATERIAL E FORMAL
	SENTIDO MATERIAL
	SENTIDO FORMAL
	Conjunto de normas escritas ou não escritas cujo conteúdo seja considerado propriamente constitucional.
	Existência de um documento único, escrito por um órgão soberano instituído para essa finalidade, que contém, entre outras, as normas de organização política.
	Uma norma é constitucional a partir de seu conteúdo, pouco importando a forma como foi inserida no ordenamento jurídico.
	Uma norma é constitucional a partir da forma pela qual ela foi introduzida no ordenamento jurídico, e não o seu conteúdo.
Considerando os sentidos material e formal, a Constituição é definida como o conjunto de normas, escritas ou não, que estabelecem estrutura básica para o poder do Estado, regulam o exercício e a transmissão desse poder, enumeram os direitos fundamentais.
1.3. CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES
1.3.1. QUANTO À ORIGEM
São outorgadas, promulgadas e cesaristas.
As outorgadas são impostas e nascem sem a participação popular. Resultam de ato unilateral de uma vontade política soberana. Alguns doutrinadores a chamam de “cartas constitucionais”.
As democráticas, também chamadas de populares, votadas ou promulgadas, apresentam participação do povo, através de democracia direta ou representativa.
As cesaristas, ou bonapartistas, são elaboradas unilateralmente pelo detentor de poder, dependendo de ratificação popular por meio de referendo. Como ao povo apenas cabe referendar a vontade do agente, ela não é democrática.
1.3.2. QUANTO À FORMA
São escritas e não escritas.
As escritas, também chamadas de instrumentais, passam por um conjunto de regras sistematizadas e formalizadas por um órgão constituinte, em documentos escritos. Elas se ramificam em codificadas e legais. As codificadas são compiladas num único documento; as legais, por documentos diversos. A CF/88 é codificada. Com a EC 45/2004 alguns doutrinadores têm entendido que a CF está migrando para um modelo legal.
As não escritas sedimentam-se por usos e costumes, leis esparsas, convenções e jurisprudências. Não quer dizer que não exista lei escrita; o que não existe é um conjunto de regras sistematizadas.
1.3.3. QUANTO AO MODO DE ELABORAÇÃO
São as dogmáticas e as históricas.
As dogmáticas são sempre escritas, segundo dogmas ou ideias fundamentais da teoria política e do direito. Podem ser ortodoxas/simples (numa só ideologia) ou ecléticas/compromissórias (síntese de ideologias distintas). A CF/88 é tipicamente dogmática e eclética.
As históricas, também chamadas de costumeiras, não escritas, resultam da lenta formação histórica, do lento evoluir das tradições, dos fatos sociopolíticos.
OBS: As Constituições dogmáticas tendem a ser menos estáveis, pois com o passar do tempo há a necessidade de atualizações. As históricas tendem a apresentar maior estabilidade.
1.3.4. QUANTO AO CONTEÚDO
São as materiais e as formais.
As materiais são aquelas que cuidam de assuntos essenciais à organização e ao funcionamento do Estado e estabelecem os direitos fundamentais. Não importa o processo de elaboração ou a natureza do documento que a contém, mas sim o conteúdo. Pela concepção material, podem existir normas constitucionais fora do texto de uma Constituição escrita. Não é correto dizer que a CF/88 é do tipo material.
As formais integram uma Constituição elaborada por um rito especial (rígida) independentemente do seu conteúdo. Trata-se exclusivamente do processo de elaboração. A CF/88 é do tipo formal. Segundo a concepção formal, todos os Estados possuem uma Constituição, mas nem sempre haverá uma Constituição em sentido formal. Todas as normas de uma Constituição rígida têm o mesmo valor, ou seja, não há hierarquia.
OBS 1: O controle de constitucionalidade das leis é realizado sob o enfoque estritamente formal.
OBS 2: A supremacia formal decorre da rigidez, isto é, daexistência de um processo legislativo distinto. A supremacia material decorre do conteúdo da norma constitucional.
OBS 3: Numa Constituição escrita e rígida, todas as normas constitucionais são dotadas de supremacia formal. Numa Constituição não escrita, flexível, as normas são dotadas tão somente de supremacia material.
OBS 4: Não há um rol taxativo de normas materialmente constitucionais, e menos ainda de normas formalmente constitucionais.
OBS 5: Normas formalmente constitucionais podem se transformar em materialmente constitucionais, e vice-versa.
1.3.5. QUANTO À ESTABILIDADE
São imutáveis, rígidas, flexíveis e semirrígidas.
As imutáveis, também chamadas de permanentes, graníticas, intocáveis, estão em desuso, pois são aquelas que não admitem modificação do seu texto.
São rígidas aquelas que exigem um processo legislativo especial para modificação do texto. A CF/88 é rígida.
Flexíveis são aquelas que permitem modificação pelo mesmo processo legislativo de elaboração e alteração das demais leis.
Semirrígida, ou semiflexível, exige um processo legislativo mais difícil para alteração de parte de dispositivos e mudança de outros de forma mais simples. A única CF semirrígida foi a do Império (1824).
OBS 1: Embora a regra seja as Constituições serem rígidas, nem todas aquelas escritas necessariamente serão.
OBS 2: A rigidez não impede mudanças na Constituição.
OBS 3: Não é correta a ideia de que a rigidez está associada à estabilidade e permanência. O correto é a rigidez assegurar certa estabilidade e possibilidade de atualização.
OBS 4: Da rigidez decorre o princípio da supremacia formal da constituição.
OBS 5: Rigidez é pressuposto para o surgimento e efetivação do controle de constitucionalidade das leis. Numa Constituição flexível não se pode falar em controle de constitucionalidade.
OBS 6: Não confunda rigidez com cláusulas pétreas. Pode haver Constituição rígida sem cláusulas pétreas, bem como Constituição flexível com tais cláusulas.
OBS 7: Alexandre de Moraes classifica a CF/88 em super-rígida, pois em regra poderá ser alterada por processo legislativo diferenciado, mas em alguns pontos ela é excepcionalmente imutável.
OBS 8: Uadi Lammêgo Bulos classifica as Constituições em transitoriamente flexíveis e transitoriamente fixas.
1.3.6. QUANTO À CORRESPONDÊNCIA COM A REALIDADE (CRITÉRIO ONTOLÓGICO)
Normativas, nominativas e semânticas.
As normativas conseguem regular a vida política do Estado, por estarem em consonância com a realidade social.
As nominativas não conseguem regular a vida política do Estado, apesar de terem sido criadas para este fim. Sendo assim, são prospectivas, voltadas para um dia serem realizadas na prática.
As semânticas não têm o fim de regular a vida política, mas sim de beneficiar os detentores de poder de fato.
1.3.7. QUANTO À EXTENSÃO
São as analíticas e as sintéticas.
As analíticas (longas, largas, prolixas, extensas, amplas, desenvolvidas) possuem conteúdo extenso, versando sobre matérias além da organização básica do Estado. A CF/88 é prolixa.
As sintéticas (básicas, concisas, tópicas, breves, sumárias, sucintas) possuem conteúdo abreviado, versando tão somente sobre princípios gerais ou enuncia regras básicas de organização e funcionamento do sistema jurídico estatal.
OBS: Para Paulo Bonavides, Constituições concisas dão maior flexibilidade do arcabouço constitucional, bem como maior flexibilidade.
1.3.8. QUANTO À FINALIDADE
Garantia, balanço e dirigente.
É garantia quando há limitação dos poderes estatais, ou seja, há limite de ingerência do Estado. Constituição-garantia é o modelo clássico.
Balanço registra estágio das relações de poder no Estado. O texto é elaborado para espelhar certo período político e quando é finalizado outro texto é elaborado.
Dirigente define fins, programas, planos e diretrizes para atuação futura dos órgãos estatais. Constituição dirigente representa uma das marcas do Estado Social (Welfare State).
1.4. CLASSIFICAÇÃO E ESTRUTURA DA CF/88
CF/88: escrita codificada, democrática, dogmática eclética, rígida, formal, analítica, dirigente, normativa, principiológica, social e expansiva.
1.4.1. PREÂMBULO
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”
Existe relevância jurídica? A doutrina possui 3 posições: (a) tese da irrelevância jurídica: o preâmbulo não se situa no domínio do Direito, mas sim no da política; (b) tese da plena eficácia: o preâmbulo tem a mesma eficácia jurídica de quaisquer outras disposições constitucionais; (c) teste da relevância jurídica indireta: o preâmbulo tem papel orientador na identificação das características da Constituição, mas não das normas.
STF firmou entendimento que o preâmbulo da CF/88 não constitui norma central.
Conclusões sobre o preâmbulo: (a) não se situa no Direito Constitucional; (b) sem força normativa; (c) não é norma de observância obrigatória pelos entes federados; (d) não é parâmetro para declaração de inconstitucionalidade; (e) não constitui limitação à atuação do poder constituinte derivado.
1.4.2. PARTE DOGMÁTICA
Constitui o corpo principal e permanente, dividido em nove títulos. Congrega normas essenciais à organização e funcionamento do Estado brasileiro. Possui também normas programáticas e inúmeras regras tidas por apenas formalmente constitucionais (pois não tem relação com a organização básica do Estado).
1.4.3. ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS (ADCT)
ADCT reúne 2 grupos distintos de preceitos: (a) regras para assegurar transição do regime anterior para o regime constitucional novo; (b) regras não relacionadas à transição, de caráter transitório e com eficácia jurídica exaurida finda a situação prevista.
Característica básica da ADCT: existência de eficácia jurídica somente até o momento da situação nele prevista; depois disso, há exaurimento do objeto. Mas, embora transitórios, os dispositivos são formalmente constitucionais, ou seja, somente poderá ser modificado por meio de emendas à Constituição.
1.4.4. ELEMENTOS DA CONSTITUIÇÃO
Classificação segundo José Afonso da Silva. (a) elementos orgânicos: normas que regulam a estrutura do Estado e do poder. (b) elementos limitativos: normas que consagram o elenco dos direitos e garantias fundamentais. (c) elementos socioideológicos: normas que revelam o caráter de compromisso das Constituições modernas entre o Estado individualista e o Estado social. (d) elementos de estabilização constitucional: normas que asseguram a solução de conflitos constitucionais, a defesa da Constituição, do Estado e das instituições democráticas. (e) elementos formais de aplicabilidade: normas que estabelecem regras de aplicação das normas constitucionais.
1.5. ENTRADA EM VIGOR DE UMA NOVA CONSTITUIÇÃO
Problemática: aferição do texto constitucional anterior, das normas infraconstitucionais e a eficácia sobre relações jurídicas de fatos passados.
1.5.1. VACATIO CONSTITUTIONIS
Normalmente existe no texto constitucional o momento de entrada em vigor. Não sendo expressa a vigência é imediata, a partir da promulgação.
Vacatio constitutionis: interregno entre publicação e entrada em vigor. Nesse período continua valendo a Constituição anterior. CF/88 não trouxe cláusula específica sobre a vigência do texto. Assim, a mesma entrou em vigor na data da publicação da promulgação.
1.5.2. RETROATIVIDADE MÍNIMA
Característica do poder constituinte originário é o seu caráter ilimitado e autônomo. O legislador não é obrigado a observar norma jurídica da Constituição anterior. Desse modo, nada impede que o novo texto tenhaaplicação retroativa.
Segundo jurisprudência do STF, novas normas constitucionais, salvo expressamente em contrário, aplicam-se de imediato. Essa é a retroatividade mínima. A regra no Brasil é que o texto constitucional apenas alcança efeitos futuros de negócios celebrados no passado. Ademais, o STF entende que a regra é aplicável somente às normas constitucionais federais.
	RETROATIVIDADE MÍNIMA
	RETROATIVIDADE MÉDIA
	RETROATIVIDADE MÁXIMA
	Lei nova alcança prestações futuras (vencíveis a partir da entrada em vigor) de negócios celebrados no passado.
	Lei nova alcança prestações pendentes (vencidas e ainda não adimplidas) de negócios celebrados no passado.
	Lei nova só alcança novos negócios celebrados após a sua entrada em vigor.
OBS: A retroatividade mínima não atinge normas infraconstitucionais (leis e atos normativos).
1.5.3. ENTRADA EM VIGOR DA NOVA CONSTITUIÇÃO E CONSTITUIÇÃO PRETÉRITA
Nova Constituição promulgada revoga integralmente a antiga, independentemente de compatibilidade. Há uma autêntica revogação total, ou ab-rogação.
DESCONSTITUCIONALIZAÇÃO: doutrina minoritária entende que a promulgação de nova Constituição não acarretaria, obrigatoriamente, a revogação da anterior. Seria necessário analisar cada dispositivo: aqueles incompatíveis seriam revogados; os compatíveis, recepcionados, mas na condição de leis comuns (daí o nome de desconstitucionalização). A CF/88 não adotou isso, nem de forma genérica, nem em dispositivo específico.
1.5.4. DIREITO ORDINÁRIO PRÉ-CONSTITUCIONAL
SITUAÇÃO: Caso todas as normas infraconstitucionais fossem revogadas em consequência de uma nova Constituição haveria um vácuo normativo no ordenamento jurídico.
SOLUÇÃO: Leis anteriores são aproveitadas desde que o conteúdo não conflite com o novo texto constitucional.
1.5.4.1. DIREITO ORDINÁRIO PRÉ-CONSTITUCIONAL INCOMPATÍVEL
Se incompatíveis, não poderão ingressar no novo ordenamento constitucional, ficando automaticamente revogadas. É o entendimento da jurisprudência do STF e aceito pela doutrina dominante. Alcança não apenas leis formais, mas também decretos, regimentos, portarias, atos administrativos em geral, etc.
Parte da doutrina discorda desta situação, defendendo que a revogação pressupõe obrigatoriamente o confronto entre normas de mesma natureza, de mesma hierarquia. Em outras palavras: uma lei só pode ser revogada por outra lei.
1.5.4.1.1. INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE
Uma norma torna-se inconstitucional em momento posterior à entrada em vigor de novo texto constitucional com ela conflitante.
Para o STF há mera revogação da lei, já que nenhuma lei pode ser declarada inconstitucional em confronto com Constituição futura. Juízo de constitucionalidade pressupõe contemporaneidade, ou seja, uma lei só é confrontada com a Constituição vigente à época, e não em nova.
CF/88: Declaração de inconstitucionalidade das leis pelo Judiciário ocorre com decisão da maioria absoluta do plenário ou do órgão especial do tribunal. Em regra, órgãos fracionários (câmaras, turmas ou seções) não podem declarar inconstitucionalidade das leis ou atos normativos (reserva de plenário).
1.5.4.2. DIREITO ORDINÁRIO PRÉ-CONSTITUCIONAL COMPATÍVEL
Celso Ribeiro Bastos: “Trata-se de um processo abreviado de criação de normas jurídicas, pelo qual a nova Constituição adota as leis já existentes, com ela compatíveis, dando-lhes validade”.
REQUISITOS:
1) Estar em vigor no momento da promulgação da nova Constituição. A recepção não alcança normas não vigentes. Não estando em vigor no momento da promulgação da nova Constituição, recorre-se ao instituto da repristinação. Nosso sistema jurídico, salvo disposição expressa em contrário, não admite repristinação;
2) Ter conteúdo compatível. É evidente que a nova Constituição não permitirá que leis antigas contendo disposições contrárias aos seus comandos ingressem no regime constitucional que se inicia;
3) Ter sido produzida de modo válido, de acordo com a Constituição de sua época. Produzida em desacordo, não será recepcionada. Se uma lei nasceu com vício de inconstitucionalidade, não se admite que a nova Carta Política a constitucionalize. Em outras palavras, não é possível a ocorrência da constitucionalização superveniente. Não é possível convalidação de lei inconstitucional.
OBS 1: Compatibilidade material. No cotejo entre norma antiga e nova Constituição, observa-se se há compatibilidade do conteúdo, sendo irrelevantes os aspectos formais da norma antiga. Não importa questionar se existe ou não, na nova Constituição, espécie normativa antiga, que disciplinava a matéria.
OBS 2: A recepção ou a revogação não precisam estar expressas.
SITUAÇÕES:
1) Não cabe investigar se houve ou não mudança na determinação da espécie normativa exigida para disciplinar a matéria;
2) O status da norma pré-constitucional recepcionada será determinado pela nova Constituição, conforme matéria normativa por ela exigida para disciplina da matéria sobre a qual versa a norma antiga. O mesmo raciocínio vale para a situação inversa;
3) Poderá acontecer de uma norma pré-constitucional permanecer com o mesmo status no novo ordenamento;
4) Poderá ter mudança do ente federado competente para o tratamento da matéria, sem prejuízo para a recepção da lei;
5) Há a possibilidade de a recepção alcançar apenas partes de um ato normativo, devendo a análise ser feita individualmente;
6) Pode ocorrer a recepção somente de parte de um dispositivo da lei antiga que foi recepcionada;
7) Poder haver, na mesma lei pré-constitucional, dispositivos recepcionados com status diferentes;
8) A recepção ou revogação ocorre sempre na data da promulgação do novo texto constitucional;
9) Emendas constitucionais têm o mesmo efeito sobre o direito ordinário a eles anterior, referente à recepção ou revogação.
1.5.4.3. DIREITO ORDINÁRIO PRÉ-CONSTITUCIONAL NÃO VIGENTE
Como já é sabido, se a norma não estiver vigente no momento da promulgação da nova Constituição não há que se falar em recepção. E ainda, o novo texto constitucional não restaura, automaticamente, tacitamente, lei que não esteja mais em vigor no momento da promulgação.
REPRISTINAÇÃO: vigência de leis poderá ser restaurada por nova Constituição, desde que haja disposição expressa no texto.
	RECEPÇÃO
	REPRISTINAÇÃO
	Direito pré-constitucional em vigor no momento da promulgação da nova Constituição.
	Direito pré-constitucional não mais vigente no momento da promulgação da nova Constituição.
	Fenômeno tácito, ocorrendo independentemente de dispositivo expresso no texto constitucional.
	Fenômeno que só ocorre se houver disposição expressa no texto constitucional.
1.5.4.4. DIREITO ORDINÁRIO EM PERÍODO DE VACATIO LEGIS
Vacância da lei. A lei em vacância já integra o ordenamento jurídico, mas ainda não tem força obrigatória para os seus destinatários. Doutrina dominante entende que lei vacante não entra em vigor no novo ordenamento constitucional.
1.5.5. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DO DIREITO PRÉ-CONSTITUCIONAL
	EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DE SUA ÉPOCA
	EM FACE DE CONSTITUIÇÃO FUTURA
	Trata-se de reconhecimento de constitucionalidade ou inconstitucionalidade.
	Trata-se de reconhecimento de recepção ou revogação.
	Verificação da compatibilidade material e formal.
	Verificação da compatibilidade material.
1.6. CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUANTO AO GRAU DE EFICÁCIA E APLICABILIDADE
Constitucionalismo moderno refuta a ideia de que normas constitucionais não têm eficácia jurídica; elas se diferenciam quanto ao grau de eficácia e aplicabilidade. Segundo Ruy Barbosa, as normas são autoexecutáveis e não autoexecutáveis. Mas a classificação predominante na doutrina e jurisprudência é a de José Afonso da Silva.
1.6.1. CLASSIFICAÇÃO DE JOSÉ AFONSO DA SILVA
	NORMAS DE EFICÁCIA PLENA
	NORMAS DE EFICÁCIA CONTIDA
	NORMAS DE EFICÁCIA LIMITADA
	São aquelas que produzem ou têm possibilidade de produzir todos os efeitos essenciais, não exigindo elaboração de novas normas para completarem o alcance e sentido. São também denominadas de aplicabilidade direta, imediata,integral.
	São aquelas que também têm aplicabilidade direta, imediata, mas não integral. O legislador constituinte regulou suficientemente os interesses da matéria, mas deixou margem à atuação restritiva discricionária do Poder Público.
	São aquelas que não produzem os seus efeitos essenciais, incidindo totalmente a partir de norma infraconstitucional ulterior que lhes dê eficácia. São também denominadas de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida.
OBS 1: Características das normas de eficácia contida: (a) em regra, exigem atuação do legislador ordinário, fazendo expressa remissão a uma legislação; (b) enquanto não houver normação restritiva sua eficácia será plena; (c) sua eficácia pode ser afastada pela incidência de outras normas constitucionais.
OBS 2: Existem dois grupos distintos para as normas de eficácia limitada: (a) normas definidoras de princípio institutivo ou organizativo, em que o legislador traça esquemas gerais de estruturação e atribuições de órgãos, para que em momento posterior sejam estruturados em definitivo. Podem ser impositivas (quando determina que o legislador emita uma legislação) ou facultativas (quando não há obrigação); (b) normas definidoras de princípios programáticos, que traçam princípios e diretrizes a serem cumpridos.
OBS 3: Distinções entre normas de eficácia contida e normas de eficácia limitada.
	NORMAS DE EFICÁCIA CONTIDA
	NORMAS DE EFICÁCIA LIMITADA
	São de aplicação direta e imediata;
A normatização ordinária imporá limites;
A ausência de regulamentação promoverá o amplo direito.
	São de aplicação indireta e mediata;
A normatização ordinária assegurará o exercício do direito;
A ausência de regulamentação não promoverá o exercício do direito.
1.6.1.1. EFICÁCIA DAS NORMAS PROGRAMÁTICAS
Normas programáticas estabelecem um programa, um rumo inicialmente traçado. Não são normas voltadas para o indivíduo, mas sim para os órgãos estatais. Estas normas são características de uma constituição do tipo dirigente, pois exigem do Estado atuação futura. Tais normas não produzem efeitos com a promulgação da Constituição, mas em contrapartida não se pode afirmar que sejam desprovidas de eficácia jurídica.
O constitucionalismo moderno as considera de eficácia negativa, pois (a) revogam disposições contrárias ou incompatíveis (eficácia paralisante) e (b) impedem que sejam produzidas normas posteriores que contrariem os programas estabelecidos por elas (eficácia impeditiva).
OBS: Normas programáticas têm eficácia imediata, direta e vinculante? Sim, nas seguintes situações: (a) dever para o legislador ordinário; (b) condicionam a legislação futura; (c) informam a concepção do Estado e da sociedade e inspiram sua ordenação; (d) sentido teleológico para interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas; (e) atividade discricionária da Administração e Judiciário; (f) criam situações jurídicas subjetivas de vantagem ou desvantagem.
1.6.2. CLASSIFICAÇÃO DE MARIA HELENA DINIZ
Propõe uma classificação que combina critérios de intangibilidade e de produção de efeitos concretos.
	NORMAS COM EFICÁCIA ABSOLUTA
	NORMAS COM EFICÁCIA PLENA
	NORMAS COM EFICÁCIA RELATIVA RESTRINGÍVEL
	NORMAS COM EFICÁCIA RELATIVA COMPLEMENTÁVEL
	São intangíveis e não poderão ser contrariadas nem mesmo por meio de emenda constitucional.
	São plenamente eficazes desde a entrada em vigor da Constituição, mas poderão ser atingidas por emenda constitucional.
	Apesar de terem aplicabilidade imediata, embora sua eficácia possa ser reduzida, restringida nos casos e na forma que a lei estabelecer.
	Não têm aplicação imediata e dependem de normas posterior que lhes desenvolva a eficácia.
2. PODER CONSTITUINTE
2.1. CONCEITO
É aquele exercido pelo legislador constituinte, sendo o poder de elaborar e modificar normas constitucionais.
OBS: Em Constituições rígidas temos a figura de 2 legisladores, quais sejam o constituinte (que elabora normas constitucionais) e o ordinário (que elabora normas infraconstitucionais). Temos ainda a distinção entre poder constituinte (poder de criar a Constituição) e poderes constituídos (resultado da criação, ou seja, são os poderes estabelecidos).
2.2. TITULARIDADE
Para o francês Emmanuel Sieyès (primeiro idealizador da teoria do poder constituinte) a titularidade é da nação. Contemporaneamente é hegemônico o entendimento de que o titular do poder constituinte é o povo. A soberania popular, que é, na essência, o poder constituinte do povo, é a única fonte de que procedem todos os podres públicos do Estado.
2.3. FORMAS DE EXERCÍCIO
O poder constituinte originário pode manifestar-se na criação de um novo Estado (poder constituinte histórico) ou na refundação de um Estado (poder constituinte revolucionário). Importante salientar que o seu exercício nem sempre é democrático, mesmo sendo o povo o titular do poder constituinte. Assim, temos 2 formas de exercício desse poder, quais sejam a democrática (poder constituinte legítimo) e a autocrática (poder constituinte usurpador).
A outorga constitui a criação autocrática da Constituição, enquanto que a democrática se dá por assembleia nacional constituinte ou convenção, através de promulgação. Pode, ainda, haver maior participação popular (democracia representativa e democracia participativa). Tem sido mais frequente a democracia participativa (referendo popular).
OBS 1: Todas as Constituições democráticas brasileiras foram promulgadas diretamente por assembleia constituinte, sem qualquer participação popular direta no ato de promulgação.
OBS 2: Seja legítima, seja por usurpação, sempre que houver ruptura da ordem constitucional estabelecida, e sua substituição por outra, ocorre manifestação do poder constituinte.
2.4. ESPÉCIES
2.4.1. ORIGINÁRIO
Inaugural, fundacional, primogênito, genuíno, primário, de primeiro grau, inicial. É o poder de elaborar uma Constituição. Há sempre 2 momentos no processo constituinte: num primeiro momento o material, em que há decisão política para criação de um novo Estado; posteriormente há o formal, em que se elabora a Constituição em si. O poder constituinte originário apresenta as seguintes características:
a) POLÍTICO, pois faz nascer a ordem jurídica. É o poder de criar uma Constituição;
b) INICIAL, porque representa a base da ordem jurídica. Não tem ele referência alguma com a norma jurídica precedente;
c) INCONDICIONADO, pois não está obrigado a seguir qualquer procedimento predeterminado;
d) PERMANENTE, pois não se esgota no momento do seu exercício, ficando em estado latente após elaboração da Constituição;
e) ILIMITADO, porque não tem que respeitar limites postos pelo direito anterior.
OBS 1: O poder constituinte originário é ilimitado no que diz respeito ao aspecto jurídico. Não há necessidade de obediência a qualquer limite imposto pelo atual ordenamento constitucional. Como decorrência disso não é possível ao Judiciário fiscalizar a validade das normas inseridas na Constituição, no momento de sua elaboração.
OBS 2: Alguns constitucionalistas consideram que as características ilimitada e incondicionada restringem-se ao âmbito do ordenamento jurídico pátrio. O Direito Internacional funcionaria como uma limitação. Além disso, Gomes Canotilho menciona que o poder constituinte originário deve obediência, também, a padrões e modelos de conduta espirituais, culturais, éticos e sociais. Ainda, há autores que sugerem a existência de limites impostos pelo direito natural (direito suprapositivo, valores éticos superiores, consciência jurídica coletiva). Por fim, existe objeções de ordem lógica, em que não se poderia estabelecer norma constitucional que implique aniquilação ou desaparecimento do Estado. No Brasil, a doutrina considera que ao poder constituinte originário não há limites.
2.4.2. DERIVADO
Instituído, constituído, secundário, de segundo grau. É o poder de modificar a CF e também de elaborar Constituições estaduais. É passível de controle de constitucionalidade. O poder constituinte derivado apresenta as seguintes características:
a) É um PODER JURÍDICO, porque integrao Direito e está presente e regulado na CF;
b) DERIVADO, por ser instituído pelo poder constituinte originário;
c) LIMITADO, ou subordinado, já que encontra limitações constitucionais expressas e implícitas;
d) CONDICIONADO, pois sua atuação deve observar fielmente as regras predeterminadas pelo texto constitucional.
O poder constituinte derivado subdivide-se em:
· REFORMADOR: é o poder de modificar a CF, desde que respeitadas as regras e limitações impostas pelo poder constituinte originário. Existem 2 procedimentos distintos para modificação do texto constitucional, que é por emenda constitucional (rígido) e por revisão constitucional (simplificado). A doutrina clássica classifica as limitações em temporais (quando estabelece um período em que não pode haver modificação), circunstanciais (quando veda modificação durante uma circunstância excepcional), materiais (quando enumera matérias que não podem ser abolidas) e processuais ou formais (quando a Constituição estabelece exigências no processo legislativo de elaboração de sua modificação);
· DECORRENTE: é o poder que a CF atribui a estados-membros para se auto-organizarem, elaborando suas próprias Constituições. O STF entende que a Lei Orgânica do DF é equiparada à Constituição estadual. Ademais, municípios não dispõem de poder constituinte derivado decorrente.
2.4.3. DIFUSO
É o poder de fato que atua na etapa da mutação constitucional, meio informal de alteração da Constituição. É chamado de difuso porque não é formalizado (positivado). É um poder de fato porque nasceu do fato social, político e econômico. É meio informal porque se manifesta por intermédio das mutações constitucionais, modificando o sentido das Constituições, mas sem alteração no texto.
2.4.4. SUPRANACIONAL
Transnacional, global. É o poder de fato encarregado de fazer e reformular as Constituições transnacionais, supranacionais ou globais. Tem sua fonte de validade na cidadania universal, na multiplicidade de ordenamentos jurídicos, no desejo dos povos de se integrarem e interagirem.
3. PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
3.1. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
Os primeiros quatro artigos da CF/88 estabelecem a forma de Estado e de governo, proclama o regime político democrático, institui a garantia da separação de Poderes, bem como os valores e os fins orientadores do ordenamento constitucional.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
A forma de Estado é a federação, significando uma coexistência de unidades dotadas de autonomia política (poder de auto-organização, competências legislativas e administrativas e autonomia financeira). Há o princípio da indissolubilidade do vínculo federativo, não havendo no Brasil o direito de secessão. Forma federativa é cláusula pétrea (CF, art. 60, §4º, I).
A forma de governo é a república. A CF/88 não instituiu como cláusula pétrea a forma republicana de governo. O conceito de república está relacionado com o princípio democrático e com o princípio da igualdade. Caráter eletivo, representativo, transitório e com responsabilidade.
Quanto ao regime político: Estado Democrático de Direito. Assegura-se a participação popular no exercício do poder com a finalidade de obter igualdade material entre os indivíduos (igualdade material = condições materiais mínimas necessárias a uma existência digna). O parágrafo único do art. 1º reforça o princípio democrático.
Os elementos essenciais da democracia são: (a) princípio da maioria; (b) princípio da liberdade; (c) princípio da igualdade. A democracia no País é semidireta ou participativa, conjugada com os institutos da democracia direta (plebiscito, referendo e iniciativa popular).
FUNDAMENTOS (“SO-CI-DI-VA-PLU”):
1) SOBERANIA: o poder do Estado brasileiro é superior a todas as demais manifestações de poder e em igualdade com os demais Estados independentes;
2) CIDADANIA: a expressão é em sentido abrangente. O Poder Público atua assegurando e oferecendo condições materiais para integração do indivíduo na sociedade política;
3) DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: nosso Estado é uma organização centrada no ser humano. Existem duas posições jurídicas ao indivíduo: direito de proteção individual e dever de tratamento igualitário;
4) VALORES SOCIAIS DO TRABALHO E DA LIVRE INICIATIVA: o Estado é capitalista e ao mesmo tempo assegura o valor social do trabalho em detrimento ao capital;
5) PLURALISMO POLÍTICO: reconhecimento e garantia de inclusão de diversas correntes de pensamento e grupos representantes de interesses existentes.
O art. 3º enumera os OBJETIVOS FUNDAMENTAIS (“CON-GA-ER-PRO”) a serem perseguidos pelo Estado Brasileiro. Tais objetivos têm em comum assegurar a igualdade material entre os brasileiros, possibilitando a todos iguais oportunidades para alcançar o desenvolvimento de sua personalidade.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
O art. 4º enumera 10 PRINCÍPIOS QUE REGEM AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS (“IN-PRE-AUTO-NÃO-IGUAL-DEFE-SO-RE-CO-CO). De forma geral, tais princípios reconhecem a soberania, no plano internacional, como elemento de igualdade entre os Estados e reconhece o ser humano como centro das preocupações. Vale lembrar que não existem princípios absolutos, seguindo-se a lógica da ponderação. O parágrafo único define o objetivo do Brasil no plano internacional.
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
I - independência nacional;
II - prevalência dos direitos humanos;
III - autodeterminação dos povos;
IV - não-intervenção;
V - igualdade entre os Estados;
VI - defesa da paz;
VII - solução pacífica dos conflitos;
VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;
IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
X - concessão de asilo político.
Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.
3.2. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS – TEORIA GERAL E REGIME JURÍDICO
3.2.1. ORIGEM
Alguns autores consideram como marco inicial a Magna Carta inglesa de 1215. Enquanto isso, J. J. Gomes Canotilho ensina que a positivação ocorreu com a Revolução Francesa, com a Declaração dos Direitos do Homem (1789) e com as declarações formuladas pelos Estados Americanos (1776).
Os primeiros direitos fundamentais tinham a intenção de impor limites e controles do Estado, visando à proteção da liberdade do indivíduo frente o Estado. Foram, portanto, direitos negativos, liberdades negativas, direitos de defesa. Somente no século XX passou-se a ter feição positiva, exigindo atuação comissiva do Estado.
3.2.2. OS QUATRO STATUS DE JELLINEK
Georg Jellinek, professor alemão, final do século XIX.
3.2.3. DISTINÇÃO ENTRE DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS
	DIREITOS HUMANOS
	DIREITOS FUNDAMENTAIS
	Direitos pertencentes ao homem, universalmente considerado, sem referência a determinado ordenamento jurídico ou limitação geográfica.
	São aqueles reconhecidos como tais em determinado ordenamento jurídico, de certo Estado.
3.2.4. DISTINÇÃO ENTRE DIREITOS E GARANTIAS
	DIREITOS
	GARANTIAS
	Bens jurídicos em si mesmos considerados, conferidos às pessoas pelo texto constitucional.
	Instrumentos queasseguram o exercício dos direitos, bem como a devida reparação.
3.2.5. CARACTERÍSTICAS
Segundo Alexandre de Moraes: (a) imprescritibilidade; (b) inalienabilidade; (c) irrenunciabilidade; (d) inviolabilidade (dispostos infraconstitucionais ou atos de autoridade pública devem observar os direitos fundamentais); (e) universalidade; (f) efetividade (Poder Público deve garantir a efetivação dos direitos); (g) interdependência; (h) complementariedade; (i) relatividade/limitabilidade.
OBS 1: São imprescritíveis as ações referentes a reparar violação de direitos humanos ou direitos fundamentais da pessoa humana.
OBS 2: Para Canotilho, direitos fundamentais são normas abertas, pois permite a inserção de novos direitos não previstos no texto original.
OBS 3: Não há um rol taxativo de direitos fundamentais. Isso está expresso na CF (art. 5º, §2º):
§2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
3.2.6. DIMENSÕES OBJETIVA E SUBJETIVA
	DIMENSÃO SUBJETIVA
	DIMENSÃO OBJETIVA
	Relativa aos sujeitos da relação jurídica. Diz respeito aos direitos de proteção e de exigência de prestação por parte do indivíduo face ao Poder Público.
	Relativa ao conjunto de valores objetivos básicos de conformação do Estado Democrático de Direito.
OBS: No campo subjetivo, direitos fundamentais possibilitam ao sujeito obter do Estado a satisfação de seus interesses; sob ótica objetiva, os mesmos direitos sintetizam valores básicos da sociedade e seus efeitos irradiam-se pelo ordenamento jurídico, alcançando a atuação dos órgãos estatais.
3.2.7. CLASSIFICAÇÃO
A classificação leva em consideração o momento do surgimento e reconhecimento pelos ordenamentos constitucionais.
	PRIMEIRA GERAÇÃO
(direitos negativos, liberdades negativas, direito de defesa)
	SEGUNDA GERAÇÃO
(direitos positivos, direitos do bem-estar, liberdades positivas, direitos dos desamparados)
	TERCEIRA GERAÇÃO
	Final do séc. XVIII
Estado Liberal
Liberdade
Direitos civis e políticos
	Início do séc. XX
Estado Social
Igualdade
Direitos sociais, econômicos e culturais
	Séc. XX
Estado Fraterno
Direito ao meio ambiente, à paz, ao progresso, à defesa do consumidor
OBS 1: Alguns reconhecem direitos de quarta e quinta gerações. Paulo Bonavides considera direito à democracia, à informação e ao pluralismo jurídico como quarta dimensão. Para Norberto Bobbio a quarta dimensão decorre dos avanços da engenharia genética.
OBS 2: Nova dimensão de direitos fundamentais não implica substituição dos anteriores. Os direitos de geração posterior transformam-se em pressupostos para a compreensão e realização dos direitos anteriores.
3.2.8. DESTINATÁRIO
Inicialmente, pessoas naturais. Com o passar dos tempos, as pessoas jurídicas. Modernamente, as Constituições asseguram direitos fundamentais às pessoas estatais. Importante salientar que existem direitos que podem ser usufruídos por todos, mas há outros restritos a determinadas classes.
3.2.9. RELAÇÕES PRIVADAS
Direitos fundamentais regulam principalmente as relações entre Estado e particular (relações verticais). CF/88 não expressa as relações horizontais, ou seja, entre particulares. Em alguns casos resta clara a incidência de direitos fundamentais nas relações privadas, como por exemplo o direitos dos trabalhadores.
O entendimento doutrinário é que os direitos fundamentais aplicam-se às relações privadas. Jurisprudência do STF já assegurou (“as violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito”).
3.2.10. NATUREZA RELATIVA
Direitos fundamentais não são absolutos, visto que encontram limites nos demais direitos igualmente consagrados pelo texto constitucional. Não podem os direitos fundamentais ser utilizados como escudo protetivo da prática de atividades ilícitas.
3.2.11. RESTRIÇÕES LEGAIS
CF/88 não possui direitos/garantias de caráter absoluto. Razões de interesse público legitimam a adoção de medidas restritivas, autorizadas expressa ou implicitamente. Tais restrições são classificadas em (a) reservas legais simples, quando a Constituição limita-se a estabelecer que restrição do legislador ordinário seja prevista em lei, e (b) reserva legal qualificada, quando, além da restrição prevista em lei, a Constituição estabelece condições para a norma restritiva.
OBS: Direitos e garantias constitucionais não são passíveis de ilimitada restrição. Leva-se em consideração o princípio da razoabilidade, da proporcionalidade, da proibição de excesso. Temos aqui a teoria dos limites dos limites: refere-se aos limites ao estabelecimento de limitações legais aos direitos constitucionais.
3.2.12. CONFLITO (OU COLISÃO)
Há conflito quando, em caso concreto, uma das partes invoca um direito, enquanto a outra invoca outro direito. Vale lembrar que não existe hierarquia entre direitos fundamentais.
Na hipótese de conflito entre direitos fundamentais, o intérprete realiza um juízo de ponderações; quando for entre dois ou mais direitos fundamentais, o intérprete lança mão do princípio da concordância prática ou da harmonização, coordenando e combinando os bens jurídicos em conflito.
Conclusão: conflito só pode ser resolvido em cada caso concreto.
3.2.13. RENÚNCIA
Direitos fundamentais são irrenunciáveis. Entretanto, o constitucionalismo moderno admite, em caso concreto, renúncia temporária e excepcional, como o caso de programas de TV (reality shows), em que os participantes renunciam ao direito da inviolabilidade da imagem, da privacidade, da intimidade.
3.3. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CF/88 – ASPECTOS GERAIS
3.3.1. APLICABILIDADE IMEDIATA
Art. 5º (...)
§1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
Direitos e garantias fundamentais são de caráter perceptivo e não meramente programático. Maior eficácia possível, independentemente de regulamentação pelo legislador ordinário. Existe, no entanto, direitos e garantias fundamentais que não são autoaplicáveis. Em outras palavras, embora a regra seja a aplicabilidade imediata, alguns direitos e garantias constitucionais são de eficácia limitada.
3.3.2. ENUMERAÇÃO ABERTA E INTERPRETAÇÃO
Direitos fundamentais não são estanques e não podem ser reunidos num elenco fixo. São uma categoria aberta e potencialmente ilimitada, podendo ser ampliada pelo reconhecimento de novos direitos. São passíveis, ainda, de alterações qualitativas, em função da diversidade de significados e alcance que passam a apresentar com a evolução histórica.
A enumeração dos direitos fundamentais na CF/88 não é fechada, exaustiva. Diante disso, temos os conceitos de:
a) Direitos fundamentais formalmente constitucionais: aqueles expressamente previstos na CF/88;
b) Direitos fundamentais materialmente constitucionais: não previstos na CF/88, mas em outras normas jurídicas;
c) Direitos fundamentais catalogados: enumerados no catálogo próprio dos direitos fundamentais (arts. 5º a 17);
d) Direitos fundamentais não catalogados: previstos fora do catálogo dos direitos fundamentais.
3.3.3. RESTRIÇÕES E SUPRESSÕES ADMITIDAS CONSTITUCIONALMENTE
Em situações excepcionais e gravíssimas de estado de defesa e estado de sítio, há a possibilidade, sem autorização prévia do Judiciário, de restrições ou suspensões temporárias. Assim, nesses casos não há controle judicial preventivo; porém, o Judiciário pode ser provocado posteriormente para coibir eventuais abusos cometidos pela autoridade administrativa (controle repressivo, a posteriori).
3.3.4. TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS COM FORÇA DE EMENDA CONSTITUCIONAL
Art. 5º (...)
§3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucionalnº 45, de 2004)
Importante lembrar: tratados e convenções internacionais que versem sobre direitos humanos. Outros tratados internacionais que não sejam acerca de direitos humanos não terão status de emenda constitucional.
Seus termos deverão ser respeitados por toda a legislação infraconstitucional superveniente, sob pena de inconstitucionalidade. Em outras palavras, em razão do status de EC, essa convenção representa uma ampliação do parâmetro para controle de constitucionalidade, bem como parâmetro para aferição da validade das leis pelo Judiciário.
A primeira norma internacional incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro ocorreu em 2008: Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
3.3.5. TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
Art. 5º (...)
§4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
Em regra, o princípio da soberania não permite que um Estado se obrigue a acatar decisão judicial proferida por outro Estado. No Brasil, a competência para homologar sentenças estrangeiras é do STJ. O acatamento de decisão judicial proferida por Tribunal Internacional Penal representar um abrandamento da soberania do Estado, em respeito aos direitos humanos, à proteção da humanidade.
ADCT
Art. 7º. O Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos.
Em 2002 surgiu a 1ª corte internacional: o Tribunal Penal Internacional, criado pelo Estatuto de Roma. Ele é competente para julgar crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crime de agressão de um país a outro. Sua jurisdição segue o princípio da complementaridade, em que a competência da corte internacional não se sobrepõe à jurisdição penal dos Estados soberanos. Este Estatuto foi aderido expressamente pelo Brasil, sendo, portanto, submetido ao Tribunal Penal Internacional.
OBS: Alguns constitucionalistas consideram inconstitucional o Estatuto de Roma, pois prevê, dentre outros dispositivos, a prisão perpétua.
3.4. DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS PREVISTOS NA CF/88 (ART. 5º)
O caput do art. 5º enumera 5 direitos fundamentais básicos: (a) direito à vida; (b) direito à liberdade; (c) direito à igualdade; (d) direito à segurança; (e) direito à propriedade. O caput também menciona que esses direitos são assegurados aos “brasileiros e aos estrangeiros residentes no País”. Há consenso de que os direitos valem aos estrangeiros que se encontrem em território nacional.
3.4.1. DIREITO À VIDA
É o mais elementar dos direitos fundamentais. Garante a vida intra e extrauterina. O direito à vida não se resume ao mero direito da sobrevivência física, mas também o direito a uma existência digna, tanto espiritual quanto material.
OBS 1: STF decidiu que não constitui crime a interrupção da gravidez (“antecipação terapêutica do parto”) nas hipóteses de gravidez de feto anencéfalo. A decisão cabe somente a este caso e não se estende a outra deficiência ou má-formação.
OBS 2: STF decidiu pela legitimidade da realização de pesquisas com a utilização de células-tronco, pois elas não ofendem o direito à vida, tampouco violam a dignidade humana.
3.4.2. DIREITO À LIBERDADE
Direito de primeira geração (liberdades públicas), de forma ampla e genérica. A liberdade é em acepção ampla, compreendendo não somente a física, de locomoção, mas também a de crença, de convicções, de expressão de pensamentos, de reunião, dentre outras.
3.4.3. PRINCÍPIO DA IGUALDADE (ART. 5º, CAPUT, E I)
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, (...)
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
É a base fundamental do princípio republicano e da democracia. Tratamento igual aos que se encontram em situação equivalente e desigual na medida da desigualdade.
	IGUALDADE NA LEI
	IGUALDADE PERANTE A LEI
	Tem como destinatário o legislador, vedando-o a estabelecer leis com tratamento discriminatório entre pessoas com tratamento idêntico.
	Tem como destinatário o intérprete da lei, impedindo-o que dispense tratamento distinto a quem a lei considerou iguais.
Importante salientar que este direito admite tratamento diferenciado. O que não se admite é arbitrariedade de tratamento, sem razoabilidade. Assim, este princípio não veda tratamento discriminatório entre indivíduos, quando há razoabilidade para a discriminação. Exemplo é a Lei Maria da Penha.
Este princípio não impede, ainda, tratamento discriminatório em concurso público, desde que haja razoabilidade para tal. Mas somente serão lícitas se previstas em lei, não sendo o edital meio idôneo para impor restrições. Por fim, não se cogita ofensa ao princípio da igualdade quando as discriminações são previstas no texto constitucional.
Súmula Vinculante 37: Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento da isonomia.
OBS 1: Em julgamento histórico, STF decidiu por unanimidade que a política de cotas raciais é constitucional, representando meio apto a efetivar a igualdade material e permitir a suplantação de desigualdades ocasionadas por situações históricas particulares.
OBS 2: STF firmou entendimento de que a CF/88 não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Não importa estar a família formal ou informalmente constituída, ou integrada.
3.4.4. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE (ART. 5º, II)
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
Ideia de “governo das leis”, expressão da vontade geral, e não mais “governo dos homens”, em que prevalecia a vontade e os caprichos de um governante. Por um lado, somente a lei pode criar obrigação; por outro, a falta de lei impeditiva de certa ação permite tal conduta.
Relevante atentar que ao Poder Público não cabe atuar nem contrariamente à lei, nem na ausência da lei. Também é relevante mencionar que a discricionariedade não é instituto realizado na ausência da lei, mas sim atuação nos limites da lei quando esta permite margem para agir conforme oportunidade e conveniência.
OBS 1: Percebe-se maior rigidez do princípio da legalidade em dispositivos da CF/88, como o inciso I do art. 150 (atividade de tributação) e inciso XXXIX do art. 5º (princípio da legalidade penal).
LEGALIDADE X RESERVA LEGAL
Falamos em reserva legal quando o texto constitucional exige expressamente regulação mediante lei para matéria específica. Dependendo do que se interpreta da expressão “em virtude de lei”, poderia haver sobreposição dos comandos constitucionais. Teríamos um comando geral (legalidade) e outro específico (reserva legal).
A “lei” no que tange ao princípio da legalidade refere-se à lei formal, enquanto que a cláusula de reserva legal seria somente uma espécie de reiteração, embora desnecessária. Há juristas que consideram que “em virtude de lei” aplica-se à lei formal e também a atos normativos infralegais. A jurisprudência, embora não expressamente, também entende da mesma forma. A doutrina predominante reconhece uma rigidez menor ao princípio da legalidade.
Para José Afonso da Silva, legalidade significa submissão e respeito à lei, ou atuação dentro do estabelecido pelo legislador, enquanto que reserva legal refere-se à regulamentação de matérias por lei formal. Para Alexandre de Moraes, legalidade é a necessidade de lei elaborada conforme regras constitucionais do processo legislativo, enquanto que a reserva legal incide apenas sobre campos materiais especificados na CF/88.
	LEGALIDADE
	RESERVA LEGAL
	Exige lei formal, ato com força de lei, ou atos expedidos nos limites destes.
Maior abrangência.
Menor densidade ou conteúdo.
	Exige lei formal ou atos com força de lei.
Menor abrangência.
Maior densidade ou conteúdo.
3.4.5. LIBERDADE DE EXPRESSÃO (ART. 5º, IV, V, IX, XIV)
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
Regra ampla, pois qualquer pessoa, em princípio, pode manifestar o que pensa, desde que não o faça deforma anônima. A vedação ao anonimato possibilita a responsabilização de quem cause danos a terceiros em decorrência de expressão de juízo ou opiniões.
Esta vedação impede, ainda, como regra geral, o acolhimento de denúncias anônimas (delações apócrifas). Quer dizer que não é admitida instauração de procedimento formal unicamente a partir de delação apócrifa. Em outras palavras: denúncias anônimas não podem, isoladamente, fundamentar a instauração de procedimento formal contra denunciado.
STF: diploma de jornalismo e registro profissional não é condição para o exercício da profissão de jornalista.
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
Critério da proporcionalidade, assegurando a resposta no mesmo meio de comunicação em que o agravo foi veiculado, com mesmo destaque, duração ou tamanho.
Danos morais e materiais – que são cumulativos – aplicam-se tanto a pessoas físicas quanto a pessoas jurídicas. Ainda, o STF firmou entendimento de que TCU não pode manter em sigilo a autoria de denúncia apresentada contra administrador público.
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
A liberdade de expressão, mesmo com o fim da censura prévia, não dispõe de caráter absoluto. Ainda, STF considerou a Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67) integralmente revogada por incompatibilidade material com a CF/88.
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;
Todos têm direito de acesso a informações que possam ser de interesse geral, mas não existe esse direito para casos que apenas interessem esfera privada de determinada pessoa.
Proteção ao sigilo da fonte tem como mais importantes destinatários os profissionais do jornalismo, possibilitando a eles obterem informações que, sem tal garantia, certamente não conseguiriam. Por fim, não há conflito desta com a vedação ao anonimato, uma vez que o jornalista veiculará a notícia em seu nome.
3.4.6. LIBERDADE DE CRENÇA RELIGIOSA E CONVICÇÃO POLÍTICA E FILOSÓFICA (ART. 5º, VI, VII, VIII)
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
Escusa de consciência, objeção de consciência ou alegação de imperativo de consciência. Esse direito não permite que a pessoa deixe de cumprir obrigação legal a todos imposta. Se o Estado estabelece a prestação alternativa e o indivíduo recusa o seu cumprimento, aí sim poderá ser privado de direitos. Assim, o inciso VIII veicula uma norma constitucional de eficácia contida. Conforme inciso IV do art. 15, o indivíduo estará sujeito à suspensão dos direitos políticos.
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;
O Brasil é um Estado laico, conforme dispõe o inciso I do art. 19:
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
A liberdade religiosa contempla tanto a liberdade de aderir quanto a não adesão a qualquer religião ou seita religiosa.
3.4.7. INVIOLABILIDADE DA INTIMIDADE, DA VIDA PRIVADA, DA HONRA E DA IMAGEM DAS PESSOAS (ART. 5º, X)
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
A indenização – material e moral – pode ser cumulativa.
QUESTÕES RELEVANTES:
a) Segundo o STF, para a condenação por dano moral não se exige a ocorrência de ofensa à reputação do indivíduo;
b) Expressão “danos morais” não se restringe à ofensa à reputação, dignidade e imagem da pessoa. Sendo assim, perda de ente familiar é indenizável a título de danos morais;
c) Ações de investigação de paternidade: STF reconhece a impossibilidade de coação do possível pai para exame de DNA, pois implica ofensa a diversas garantias constitucionais;
d) Estado responde por atos ofensivos (morais) praticados por agentes públicos, inclusive por autoridade judiciária, no exercício de suas funções;
e) Pessoas jurídicas têm direito à indenização por danos morais, mas não podem ser sujeito passivo de crime de calúnia e injúria;
f) Jurisprudência do STF: sigilo bancário é espécie do direito à privacidade e sua inviolabilidade é assegurada. Mas é possível quebra do sigilo, desde que observados os procedimentos estabelecidos em lei e com respeito ao princípio da razoabilidade;
g) Lei Complementar nº 105/01: autoriza a quebra de sigilo bancário por agentes do fisco, sem necessidade de ordem judicial;
h) Jurisprudência do STF: MP não tem competência para determinar quebra de sigilo bancário.
HIPÓTESES DE QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO:
1) Por determinação judicial;
2) Por determinação do Legislativo, por aprovação em plenário da CD, do SF ou do plenário de suas CPIs;
3) Por determinação das autoridades e agentes fiscais tributários, quando houver procedimento administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames forem essenciais.
3.4.8. INVIOLABILIDADE DOMICILIAR (ART. 5º, XI)
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;
Conceito de casa é abrangente: estende-se a qualquer compartimento privado não aberto ao público, ondem alguém exerça profissão ou atividade. Exemplos: escritórios, consultórios, dependências privativas da empresa, quarto de hotel.
Só poderá haver ingresso durante o dia; para prestar socorro, diante de desastre ou flagrante delito, pode-se adentrar em qualquer hora do dia ou da noite. Buscas e apreensões só são legítimas se determinadas pelo Judiciário (reserva jurisdicional).
STF: ingresso de autoridade policial em recinto profissional à noite, para instalação de equipamentos de captação acústica e acesso a documentos no ambiente de trabalho de acusado. Provimento judicial válido.
3.4.9. INVIOLABILIDADE DAS CORRESPONDÊNCIAS E COMUNICAÇÕES (ART. 5º, XII)
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
A inviolabilidade não é absoluta, visto que não existem direitos e garantias fundamentais de caráter absoluto no Estado brasileiro.
STF: é possível a interceptação das correspondências e comunicações telegráficas e de dados sempre que tais liberdades estiverem sendo utilizadas como instrumento de práticas ilícitas.
REQUISITOS PARA INTERCEPTAÇÃO:
a) Lei prevendo hipóteses e forma para interceptação telefônica, necessariamente em casos de investigação criminal ou instrução processual penal;
b) Existência de investigação criminal ou instrução processual penal;
c) Ordem judicial específica para o caso concreto.
A autorização para interceptação telefônica deve-se exclusivamente para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Vale dizer, não é válida para processo administrativo. Entretanto, segundo jurisprudência do STF, uma vez obtidas provas por esse meio é possível a utilização para instrução processual de natureza administrativa.
Lei nº 9.296/96 regulamentou esse dispositivo. Além das comunicações telefônicas, legitima ainda a interceptaçãoem sistemas de informática e telemática, e-mail, fax e outros.
SITUAÇÃO: A Lei apenas admite interceptação em indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal punível com reclusão. Ainda, se a prova não puder ser obtida por outros meios. Entretanto, STF entende que, de forma fundamentada, legal e legítima, o dispositivo pode ser usado para casos de crimes com pena de detenção, desde que conexos com aqueles puníveis com reclusão.
Período de 15 dias, prorrogável por igual tempo. Jurisprudência do STF admite prorrogação por sucessivas vezes em casos de fatos complexos.
Por fim, STF entende que a interceptação não impede o acesso aos dados em si, mas protege apenas a comunicação desses dados.
	INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA
	ESCUTA TELEFÔNICA
	GRAVAÇÃO TELEFÔNICA
	Captação de conversa feita por um terceiro, sem o conhecimento dos interlocutores.
	Captação de conversa feita por um terceiro, com o conhecimento de apenas um dos interlocutores.
	Captação de conversa por um dos interlocutores, sem consentimento ou ciência do outro.
	Sujeição à ordem judicial.
	Não sujeita à ordem judicial
	Não sujeita a ordem judicial.
3.4.10. LIBERDADE DE ATIVIDADE PROFISSIONAL (ART. 5º, XIII)
XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
Trata-se de norma constitucional de eficácia contida. Enquanto não estabelecidas em lei as qualificações para o exercício de uma profissão, qualquer indivíduo poderá exercê-la.
3.4.11. LIBERDADE DE REUNIÃO (ART. 5º, XVI)
XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;
Pessoas associam-se temporariamente tendo por objetivo um interesse comum. Refere-se não apenas às reuniões estáticas, mas também àquelas em percurso móvel (manifestações).
CARACTERÍSTICAS:
a) Finalidade pacífica: não há direito à realização de reuniões com fim de praticar atos de violência;
b) Ausência de armas: se algum manifestante, isoladamente, estiver portando arma, esse fato não provoca a dissolução da reunião;
c) Locais abertos ao público: evita-se a perturbação da ordem pública, ou mesmo lesão a eventual direito de propriedade;
d) Não frustração de outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local;
e) Desnecessidade de autorização: autoridades públicas não têm competência para decidir ou não a realização da reunião;
f) Necessidade de prévio aviso à autoridade competente: para que sejam tomadas as providências cabíveis.
OBSERVAÕES:
1) CF/88: situações excepcionais (estado de defesa e estado de sítio) podem restringir o direito de reunião.
2) STF considerou válidas as manifestações de descriminalização do uso de drogas.
3) Em situações em que ocorram lesão ou ameaça de lesão ao direito de reunião, o remédio constitucional cabível é o mandado de segurança.
3.4.12. LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO (ART. 5º, XVII A XX)
XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;
XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;
XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado;
XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;
Diferentemente de reuniões, as associações têm caráter de permanência, de continuidade, e ainda podem tornar-se pessoas jurídicas. As associações tratadas nesses dispositivos devem ser entendidas em caráter amplo (podem ser partidos políticos, associações sindicais).
Para José Afonso da Silva existem 4 direitos: (1) o de criar associação; (2) o de aderir a qualquer associação; (3) o de desligar-se da associação; (4) o de dissolver espontaneamente a associação.
Segundo Alexandre de Moraes, a interferência arbitrária do Poder Público pode acarretar responsabilidade tripla: (1) de natureza penal, por crime de abuso de autoridade; (2) de natureza político-administrativa, por crime de responsabilidade; (3) de natureza civil, cabendo indenizações por danos materiais e morais.
3.4.13. REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL X SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL (ART. 5º, XXI E LXX; ART. 8º, III)
Usualmente, a legitimidade ativa para ajuizar ação é do próprio titular do direito. Entretanto, ele pode conferir a alguém atribuição para representá-lo – temos aqui a figura do representante –, podendo este ajuizar a ação em nome do representado, desde que autorize expressamente o representante para tal. Temos ainda a chamada legitimidade ativa extraordinária – caso de substituição processual –, em que o substituto ajuíza em nome próprio defesa de direito alheio. Nesse caso não há necessidade de o substituído autorizar expressamente a substituição.
XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente; (representação processual)
(...)
LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:
(...)
b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados; (substituição processual)
	REPRESENTAÇÃO JUDICIAL
	SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL
	Necessidade de autorização expressa dos associados.
	Desnecessidade de autorização expressa dos associados.
	Defesa do direito dos associados em outras ações judiciais (exceto o mandado de segurança coletivo) ou recursos administrativos.
	Defesa do direito dos associados por mandado de segurança coletivo.
Art. 8º (...)
III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;
Segundo STF, aos sindicatos cabe o instituto de substituição processual, podendo defender o empregado em ações coletivas ou individuais para garantia de direito relacionado ao vínculo empregatício. Trata-se de racionalização e celeridade processual, pois ajuíza-se um único processo ao invés de milhares feitos pelos trabalhadores.
3.4.14. DIREITO DE PROPRIEDADE (ART. 5º, XXII A XXXI)
XXII - é garantido o direito de propriedade;
O direito de propriedade já é assegurado no caput do art. 5º. Além disso, o art. 170 traz como princípio fundamental da ordem econômica do País a propriedade privada.
À época do Liberalismo Clássico o direito de propriedade era visto como um direito absoluto. Em nosso Direito Constitucional positivo não mais é cabível como um direito absoluto. Por ser um Estado Democrático Social de Direito a propriedade deve atender a uma função social. O proprietário de terreno urbano não pode mantê-lo não edificado ou subutilizado; o de terreno rural não pode mantê-lo improdutivo. Existe a possibilidade de desapropriação quando necessário à tutela do interesse público, como nas hipóteses de desapropriação por utilidade ou necessidade pública, requisição administrativa ou requisição de bens no estado de sítio.
Trata-se de uma norma de eficácia contida. Apesar de não conter a expressão “nos termos da lei”, normas constitucionais de eficácia contida podem ser restringidas por meio de conceitos de larga difusão, como “necessidade ou utilidade pública”, “interesse social” e “perigo público iminente”, segundo aponta José Afonso da Silva.
Direito de propriedade abrange tanto bens corpóreos quanto os incorpóreos. Exemplos de bens incorpóreos são propriedade intelectual, direitos de autor, direitos relativos à propriedade industrial.
XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;
XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusivenas atividades desportivas;
b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas;
Os direitos autorais têm sua proteção regulamentada na Lei nº 9.610/98.
XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;
A regulamentação desse direito está na Lei nº 9.279/96.
XXX - é garantido o direito de herança;
XXXI - a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do "de cujus";
A CF/88 enumera, ainda, o direito de herança, que não impede, porém, a incidência de tributo sobre o valor dos bens transferidos. Estados e DF têm competência para instituir imposto sobre transmissão causa mortis. Entretanto, não pode a carga tributária representar ônus tão elevado a ponto de ocorrer confisco.
XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento;
3.4.15. DESAPROPRIAÇÃO (ART. 5º, XXIV)
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;
Desapropriação – ou expropriação – é o procedimento de direito público em que o Poder Público transfere para si a propriedade de terceiro, por utilidade pública, necessidade pública ou interesse social. Neste último caso, há pagamento de justa e prévia indenização.
A desapropriação por interesse público, via de regra, requer prévia e justa indenização em dinheiro, exceto em casos de pagamento em títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo SF (se for área urbana não edificada, subutilizada ou não utilizada), ou títulos da dívida agrária (se for reforma agrária).
Existem ainda 3 hipóteses de desapropriação:
	DESAPROPRIAÇÃO URBANÍSTICA
	DESAPROPRIAÇÃO RURAL
	DESAPROPRIAÇÃO CONFISCATÓRIA
	Caráter sancionatório, aplicando-se a proprietário de solo urbano que não atenda à exigência de promover adequado aproveitamento de sua propriedade. Aqui o expropriante é o município. A indenização é paga em títulos da dívida pública, com prazo de resgate de até 10 anos. Regulado pela Lei nº 10.257/01.
	Incide sobre imóveis rurais destinados à reforma agrária. O expropriante é a União, exclusivamente. A indenização é paga em títulos da dívida agrária, resgatáveis em até 20 anos, a partir do segundo ano de emissão.
	Incide sobre propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração do trabalho escravo. As terras confiscadas destinam-se à reforma agrária e a programas de habitação popular. Não há indenização ao proprietário.
OBSERVAÇÕES:
1) O mecanismo de desapropriação requer procedimento administrativo e, na maioria das vezes, existe ainda a fase judicial.
2) A competência para legislar sobre desapropriação é privativa da União, podendo ser delegada aos Estados e ao DF, para questões específicas, por meio de lei complementar.
3) A competência para declarar a necessidade ou utilidade pública, ou o interesse social do bem, é da União, Estados, DF e municípios. Há um caso em que a competência é privativa da União: desapropriação por interesse social para o fim específico de promover a reforma agrária.
4) A competência de execução – para promover efetivamente a desapropriação – é ampla, englobando entidades da Administração direta e indireta, inclusive os delegados (desde que expressamente autorizados em lei ou contrato).
5) Regras sobre a desapropriação: Decreto-Lei nº 3.365/41, Lei nº 4.132/62, Lei nº 8.629/93, Lei Complementar nº 76/93.
3.4.16. REQUISIÇÃO ADMINISTRATIVA (ART. 5º, XXV)
XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;
Trata-se da requisição administrativa. A propriedade do bem requisitado, entretanto, não é retirada do particular. Ao Estado é outorgada a prerrogativa de utilizar propriedade privada, de forma compulsória e gratuita. A indenização só ocorrerá caso haja dano.
OBS: A requisição pode ser civil ou militar. Militar, para resguardo da segurança interna e manutenção da soberania nacional; civil, para evitar danos à vida, à saúde e aos bens da coletividade. A competência para legislar sobre requisições civis e militares é privativa da União, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra.
3.4.17. DEFESA DO CONSUMIDOR (ART. 5º, XXXII)
XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;
O constituinte originário preocupou-se com o tema. O inciso V do art. 170 estabelece como princípio fundamental da ordem econômica a defesa do consumidor. Ainda, no art. 48 do ADCT, estipulou-se prazo de 120 dias para elaboração de um código de defesa do consumidor que, por sua vez, foi publicado somente 2 anos depois (Lei nº 8.078/90). Presume-se a disparidade existente na relação de consumo: “o consumidor é o lado mais fraco”.
3.4.18. DIREITO DE INFORMAÇÃO (ART. 5º, XXXIII)
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
Instrumento de natureza administrativa, derivado do princípio da publicidade. Trata-se de um dos meios tendentes a viabilizar o controle popular sobre a coisa pública. Apesar disso, o direito de informação não é absoluto: quando o sigilo for imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, o Poder Público pode limitar o acesso a determinada informação (Lei nº 12.527/11 disciplina a questão).
3.4.19. DIREITO DE PETIÇÃO (ART. 5º, XXXIV, ‘a’)
XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
Instrumento de natureza democrática e informal. Assegura a participação política e possibilidade de fiscalização da coisa pública. É importante destacar as 2 situações que ensejam a petição: (a) defesa de direitos; (b) reparação de ilegalidade ou abuso de poder.
A legitimação é universal: qualquer pessoa, física ou jurídica, nacional ou estrangeira, pode peticionar. Apresentada a petição, a autoridade pública é obrigada a receber, a examinar e a expedir resposta em tempo razoável. Omissão injustificada enseja responsabilização civil, administrativa e criminal.
OBSERVAÇÕES:
1) Direito de petição não pode ser utilizado como sucedâneo da ação penal. CF/88 prevê apenas uma norma sobre ação penal privada subsidiária da pública, quando houver inércia do MP.
2) Direito de petição não torna apto o interessado a postular em juízo, em nome próprio, devendo haver a presença de advogado. Não se confunde direito de petição com direito de postular em juízo.
3) Direito de petição não confunde com a obtenção judicial a respeito de qualquer pretensão, pois para esse fim é imprescindível o advogado.
3.4.20. DIREITO DE CERTIDÃO (ART. 5º, XXXIV, ‘b’)
XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
(...)
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;
Garantia constitucional de natureza individual destinada à defesa de direitos e esclarecimentos de situações de interesse pessoal do requerente.
OBS

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