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Neuroesquistossomose - Guia Rápido

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NEUROESQUISTOSSOMOSE: GUIA RÁPIDO DE UMA DOENÇA 
NEGLIGENCIADA 
Uma das principais causas de mielorradiculopatia, incapacitando principalmente 
homens jovens em idade produtiva 
 
A esquistossomose ​AINDA é endêmica em uma vasta extensão do Brasil,                     
permanecendo um grave problema de saúde pública e acometendo ​milhões de pessoas,                       
com um número expressivo de formas graves.  
Das seis espécies de Schistosoma que parasitam o homem, somente o ​S. mansoni                         
existe de forma expressiva nas Américas do Sul e Central. Nesse continente, o comércio de                             
escravos é considerado como o principal fator responsável pela introdução da doença. As                         
outras espécies não são aqui encontradas devido à inexistência de hospedeiros                     
intermediários (caramujos) suscetíveis à infecção. [1] 
A África Subsaariana, por sua vez, é endêmica para ​S. mansoni ​e S. haematobium​;                           
enquanto isso, ​S. japonicum é quase que restrito a partes da China, Indonésia e Filipinas. Em                               
países desenvolvidos, os casos relatados são usualmente de viajantes para alguma das áreas                         
endêmicas, e considerando-se que o período de latência é bem variado, pode levar até ANOS                             
para o aparecimento de sintomas. 
Assim, a despeito de todo este tempo que se conhece a doença, como diversas outras                             
negligenciadas de “países subdesenvolvidos e emergentes”, o tratamento ainda é bem                     
limitado, havendo a possibilidade de ​seqüelas graves e ​irreversíveis quando o diagnóstico e                         
a terapêutica são retardados. 
Aqui, vamos resumir de forma bem objetiva os principais pontos que devem ser                         
atentados para o diagnóstico, bem como um guia de doses e fármacos disponíveis..  
 
Reconhecer a neuroesquistossomose é muito mais do que a clássica pergunta: ​já                       
tomou banho de rio? -  
INTRODUÇÃO 
 
● Locais de acometimento no sistema nervoso: geralmente parênquima cerebral ou                   
medula espinhal (esta, mais comum ao ​S. Mansoni​) 
● Contaminação: Penetração na pele ⇒ migração pelos capilares e sistema linfático ⇒                       
sistema porta (maturação por algumas semanas) ⇒ larvas migram pelo sistema                     
venoso para o trato gastrointestinal (​S. mansoni e S. Japonicum​) ou urinário (​S.                         
haematobium​) ⇒ após 4-12 semanas, os ovos são liberados através de fezes ou urina                           
⇒ contaminam os caramujos (hospedeiro intermediário)... e o ciclo recomeça… 
○ Larvas adultas podem viver entre 5 e 7 ANOS(!!!) - ou mais - numa pessoa                             
adulta, continuamente liberando ovos 
 
Aquele desenho que todo mundo cansou de ver em livros de biologia da escola.... 
 
 
Mas… como a esquistossomose pode dar sintomas neurológicos? 
 
Neuroesquistossomose Aguda 
A aguda reação eosinofílica do início da infecção pode levar a um quadro de                           
encefalopatia, ou até raramente, síndromes de tronco encefálico. 
 
Neuroesquistossomose Crônica 
O comprometimento neurológico ocorre quando as larvas ou os ovos migram                     
retrogradamente através do plexo venoso epidural (avalvular), conectado ao sistema venoso                     
portal. 
O ovos são imunogênicos e causam inflamação granulomatosa mediada por CD4+ ⇒                       
a inflamação leva à morte dos ovos e edema local com efeito de massa, congestão e fibrose 
O tamanho dos ovos variam com as espécies: o ​S. japonicum​, por ser menor, em geral                               
migra para o parênquima cerebral; enquanto os ​S. mansoni ​e S. haematobium​, ovos maiores,                           
migram preferencialmente para o cordão espinhal lombossacral. 
 
Quadro Clínico e Exames Complementares 
A maioria dos pacientes com quadro neurológico ​não possuem sintomas de doença                       
sistêmica concomitante​: ​ou seja, nada de esperar aquele barrigão d’água característico!!!                     
Em regiões endêmicas, talvez pela maior exposição, homens jovens compõem o quadro                       
clássico, e a neuroesquistossomose tende a ser uma das ​principais causas de mielopatia e                           
síndrome da cauda eqüina​. 
Os sintomas se dão de forma ​aguda ou subaguda​, com o pico em geral em duas                               
semanas. Os níveis medulares mais acometidos são entre ​T11 e L1​, possivelmente devido ao                           
aumento de anastomoses portais neste nível; os granulomas podem estar na medula espinal,                         
nas raízes nervosas ou, mais comumente, em ambos. 
As queixas iniciais geralmente são: dor lombar com ou sem irradiação radicular ou dor                           
assimétrica em MMII; muitas vezes relacionado a esforços físicos, tais como levantar peso,                         
exercício abdominal, período prolongado em posição agachada, esforço evacuatório etc [4]. 
O outros achados comuns em geral são componentes de uma síndrome medular                       
baixa ou cauda eqüina, incluindo fraqueza e distúrbios sensitivos (seja hipoestesias ou                       
hiperestesia) em membros inferiores, distúrbios esfincterianos, impotência sexual e reflexos                   
anormais (hipoativos/abolidos ou, eventualmente, exaltados). 
 
       
 
DIAGNÓSTICO 
Neuroesquistossomose deve ser suspeitado em provindos (habitantes ou               
viajantes) de áreas endêmicas que se apresentem com quadro clínico compatível com                       
mielorradiculopatia aguda/subaguda - ou, no caso da forma cerebral, uma ou mais lesões                         
expansivas em parênquima cerebral. 
 
 
A identificação dos ovos nas fezes (sensibilidade máxima de 40%) ou a presença de                           
ovos nas evidenciada pela biópsia de mucosa retal (sensibilidade de aproximadamente 95%)                       
são vitais para o diagnóstico, especialmente em áreas endêmicas. 
Quadro Clínico 
Agudo ou Subagudo - 2 semanas 
● Paraparesia, na maioria das vezes, de evolução progressiva e, às vezes, paraplegia 
● Paraparestesia e hipoestesia principalmente em região selar (S1 a S5) 
● Alterações esfincterianas vesical e retal, tanto com incontinência como retenções 
● Impotência sexual 
● Reflexos anormais (hipoativos/abolidos ou, eventualmente, exaltados). 
Diagnóstico 
● Evidência de lesão intramedular espinhal​ em região torácica baixa, lombar e/ou 
sacral OU evidência de lesão de cauda eqüina; usualmente, com a combinação de 
sintomas clínicos com a localização da lesão 
● Confirmação da atividade de esquistossomose​ ativa por parasitológico de fezes 
(orienta-se no mínimo 3 amostras) ou exame histopatológico de biópsia retal; 
sorologia pode servir para pacientes viajantes, porém não para habitantes de áreas 
endêmicas onde a soroprevalência é alta. 
● Exclusão de outras causas de mielorradiculopatia​, incluindo herpes simplex tipo 
2, citomegalovírus, varicela zóster, meningite tuberculosa, sífilis meningovascular, 
polirradiculopatia de Lyme, aracnoidite fúngica, neurocisticercose espinal, 
neurosarcoidose, neoplasia (incluindo neurolinfomatose) 
Os achados de neuroimagem são inespecíficos, mas úteis no auxílio diagnóstico e na                         
exclusão de possíveis diagnósticos diferenciais. As principais alterações descritas na                   
Ressonância Magnética são : aumento do diâmetro da medula espinhal e/ou de raízes da                         
cauda eqüina nas imagens ponderadas em T1; hiperintensidade do sinal em T2 na região                           
acometida, representando aumento do conteúdo de água (edema); e captação heterogênea                     
de contraste (eventualmente homogênea)devido à quebra da barreira hematoencefálica,                   
com pequenas áreas focais de acentuação formando frequentemente um padrão granular. 
 
 
 
CONTINUUM (MINNEAP MINN) 2018;24(5, NEUROINFECTIOUS DISEASE):1489– 1511 
 
Por sua vez, a forma ​cerebral é muitas vezes não reconhecida, sendo mais                         
comumente causada pelo ​S. japonicum (há, no entanto, alguns relatos de caso cujo agente                           
etiológico foi S. mansoni​). O quadro clássico em geral cursa com a forma de ​pseudotumor                               
(única ou múltiplas lesões), ocorrendo durante a infecção crônica. Cefaléia pode estar                       
presente em qualquer fase da doença e outros sintomas dependerão da localização da lesão                           
no cérebro: hemiparesia, distúrbios visual e sensitivo, crises convulsivas, alteração do estado                       
mental, distúrbios de fala, vômitos e ataxia. Em Tomografia Computadorizada ou                     
Ressonância Magnética, as lesões (solitárias ou múltiplas) tem localização mais comum em                       
região subcortical, aparecendo com hipodensidade ou hiperintensidade em T2, com edema,                     
e realce por contraste heterogêneo com bordas irregulares. O padrão “arborizado” da                       
imagem é característico, mas não específico, não podendo o diagnóstico ser dado apenas                         
por critério de imagem. 
 
CONTINUUM (MINNEAP MINN) 2018;24(5, NEUROINFECTIOUS DISEASE):1489– 1511 
 
Em geral, tende a haver melhora radiológica diante da melhora clínica. 
 
 
O estudo do líquido cefalorraquidiano ( LCR​), em geral, pode revelar: 
● elevação discreta a moderada do conteúdo protéico em 95% dos casos  
● níveis normais de glicose 
● pleocitose em 91% dos casos, com predomínio de linfomononucleares; presença de                     
eosinófilos em 41 a 90% dos casos  
● elevação de gamaglobulina em 76% dos casos. 
Pode-se ainda realizar pesquisas imunológicas tais como ELISA, hemaglutinação                 
indireta, reação de imunofluorescência indireta, reação periovular que visam à identificação                     
de anticorpos anti-Schistosoma mansoni no LCR. No entanto, a passagem de anticorpos                       
anti-Schistosoma mansoni para o líquido cefalorraquidiano não indica necessariamente                 
comprometimento do sistema nervoso pela esquistossomose, especialmente em áreas                 
endêmicas, permanecendo o LCR, porém, como uma importante ferramenta de diagnóstico                     
diferencial. [4] 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
TRATAMENTO 
Apesar de ser uma doença conhecida há mais de 100 anos, não encontramos na                           
literatura grandes ​trials​ para o tratamento da neuroesquistossomose. 
O início precoce do tratamento está relacionado à diminuição da possibilidade de                       
gravidade das seqüelas neurológicas, ainda que sejam r​elatados benefícios em pacientes                     
tratados com até 12 meses de história. 
Diante da clara reação granulomatosa, que acarreta edema e congestão venosa dos                       
tecidos do Sistema Nervoso Central, ​corticosteróides (​a medicação mais amada em                     
Exames Complementares 
Parasitológico de 
Fezes 
A identificação dos ovos nas fezes (sensibilidade máxima de 40%). 
Orienta-se coleta de pelo menos 03 amostras. 
Biópsia de mucosa 
retal 
Sensibilidade de aproximadamente 95% 
Ressonância 
Magnética 
● aumento do diâmetro da medula espinhal e/ou de raízes da                   
cauda eqüina nas imagens ponderadas em T1;  
● hiperintensidade do sinal em T2 na região acometida,               
representando aumento do conteúdo de água (edema) 
● captação heterogênea de contraste (eventualmente         
homogênea) devido à quebra da barreira hematoencefálica,             
com pequenas áreas focais de acentuação formando             
frequentemente um padrão granular.   
● Forma cerebral: localização mais comum em região             
subcortical, aparecendo com hiperintensidade em T2, com             
edema, e realce por contraste heterogêneo com bordas               
irregulares. O padrão “arborizado” da imagem é             
característico, mas não específico.  
Estudo de LCR  ● elevação discreta a moderada do conteúdo protéico em 95%                 
dos casos  
● níveis normais de glicose 
● pleocitose em 91% dos casos, com predomínio de               
linfomononucleares; presença de eosinófilos em 41 a 90%               
dos casos  
● elevação de gamaglobulina em 76% dos casos 
Imunologia 
específica 
Pouco útil para área endêmica 
Exames laboratoriais 
e outras testes 
imunológicos 
Úteis ao diagnóstico diferencial: Vitamina B12. Herpes, HTLV, 
anticorpo antifosfolípide, sífilis, hepatites, tuberculose, HIV, CMV, 
lúpus, entre outros.   
neurologia​) são essenciais no tratamento de ambas as formas espinhal e cerebral. Inclusive                         
seu início precoce parece estar relacionada a diminuição do comprometimento neurológico                     
sequelar, especialmente nas formas medulares: orienta-se início ​mesmo antes da                   
confirmação diagnóstica e, preferencialmente, pelo menos ​um dia antes do início do                       
anti-parasitário. Não há consenso sobre a duração da corticoterapia, variando de 7 dias a 12                             
meses, porém com maior recidiva de sintomas neurológicos quando retirada antes do 6º                         
mês. [5] 
Praziquantel é um efetivo antiparasitário para todas as espécies de ​Schistosoma​.                     
Apesar de não ser efetivo contra os ovos, praziquantel destrói os vermes adultos, reduzindo a                             
deposição de ovos. O tempo de administração é variável entre os consensos, orientando-se,                         
em geral, dose única nos consensos brasileiros - alguns consensos internacionais sugerem 3                         
dias para ​S. mansoni​ e 6 dias nas formas cerebrais de ​S. japonicum. 
 
 
 
Ressalta-se ainda a administração de ​ivermectina (12mg via oral dose única -                       
apresentação usual de 6mg/cp) para a prevenção de estrongiloidíase disseminada antes da                       
pulsoterapia com metilprednisolona, bem como as suplementações de ​Cálcio (1220 a                     
1500mg/d) e ​Vitamina D ​(800UI a 2000UI/d) diante da corticoidoterapia prolongada. 
  Há relatos de sucesso outros antiparasitários, tais como ​Oxaminiquine (15-20 mg/kg                       
via oral em dose única) ou ​Albendazol (10-15mg/kg, em 03 tomadas), porém ambos com                           
perfil de tolerabilidade semelhantes ao praziquantel.  
Pode haver necessidade de intervenção cirúrgica em caso de bloqueio da circulação                       
do LCR, piora clínica a despeito de tratamento medicamentoso, descompressão, biópsia e                       
liberação de raiz nervosa. Seu uso com objetivo diagnóstico, porém, é pouco utilizado, devido                           
à boa acurácia do diagnóstico clínico. [2,5] 
Em casos de ​epilepsia secundária às formas cerebrais, orienta-se a introdução de um                         
fármaco antiepiléptico, de preferência não indutor enzimático, com tentativa de desmame                     
entre 6-12meses. [2]  
Por fim, lembramos que todo paciente necessita de uma abordagem multidisciplinar,                     
tendo a enfermagem, fisioterapia, nutrição, psicologia e outras, papel fundamental no                     
tratamento e acompanhamento destes pacientes.  
 
Tratamento 
Praziquantel  50-60 mg/kg (apresentação de 600mg/cp) em adultos via oral em 
dose única, podendo ser dividido em 2-3 doses com intervalo de 4 
horas para evitar intolerância gastrointestinal.   
Metilprednisolona  15mg/kg/d (dose máxima de 1g - apresentação de 500mg/FA) via 
venosa por 05 dias - idealmenteiniciada 1 dia antes da 
administração do praziquantel. 
Prednisona  1mg/kd/dia dose única, usualmente pela manhã, iniciada após a 
pulsoterapia. Manter por 6 meses, com desmame gradual após, a 
depender do quadro clínico. 
 ​CONCLUSÃO 
Devido à complexidade do mecanismo de transmissão da esquistossomose e                   
diversidade dos fatores condicionantes, o controle da doença depende de várias ações                       
preventivas: a) diagnóstico precoce e tratamento oportuno; b) vigilância e controle dos                       
hospedeiros intermediários; c) ações educativas em saúde; d) ações de saneamento para                       
modificação das condições domiciliares e ambientais favoráveis à transmissão. [1] 
 
 
 
 
 
Manoel Augusto Pirajá da Silva, que descobriu e identificou o Schistosoma mansoni, agente                         
etiológico da esquistossomose mansoni, em 1908, no estado da Bahia. [1] 
 
 
 
Referências 
1) http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/vigilancia_esquistossome_mansoni_diretri
zes_tecnicas.pdf 
2) CONTINUUM (MINNEAP MINN) 2018;24(5, NEUROINFECTIOUS DISEASE):1489– 1511 
3) http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/doencas_infecciosas_parasitaria_guia_bols
o.pdf 
4) http://www.revistaneurociencias.com.br/edicoes/2001/RN%2009%2001/Pages%20from
%20RN%2009%2001-7.pdf 
5) Revista Brasileira de Neurologia e Psiquiatria. 2015 Set./Dez;19(Ed. Especial):165-209.                 
http://www.revneuropsiq.com.br  
 
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/vigilancia_esquistossome_mansoni_diretrizes_tecnicas.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/vigilancia_esquistossome_mansoni_diretrizes_tecnicas.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/doencas_infecciosas_parasitaria_guia_bolso.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/doencas_infecciosas_parasitaria_guia_bolso.pdf
http://www.revistaneurociencias.com.br/edicoes/2001/RN%2009%2001/Pages%20from%20RN%2009%2001-7.pdf
http://www.revistaneurociencias.com.br/edicoes/2001/RN%2009%2001/Pages%20from%20RN%2009%2001-7.pdf

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