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____________________________________________________________________________________________ Profa. Dra. Angela C. L. B. Trindade - UFPR 1 Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências da Saúde Curso de Farmácia Disciplina de Química Medicinal Farmacêutica Propriedades Físico -Químicas e Ação dos Fármacos Introdução As propriedades físico-químicas dos fármacos influem diretamente na ação biológica dos fármacos, sendo apropriado se referir a elas como propriedades biofarmacêuticas. Exemplos de tais propriedades incluem solubilidade, coeficientes de partição óleo/água, difusividade, grau de ionização, polimorfismo, que, em suma, são determinadas pela estrutura química das substâncias. Estas propriedades estão intimamente relacionadas com as fases farmacêutica (dissolução) e farmacocinética (ADME), repercutindo diretamente na sua biodisponibilidade e no tempo de meia- vida do fármaco. Por sua vez, a estrutura química (incluindo a estereoquímica) é essencial para a ação do fármaco em um receptor específico (fase farmacodinâmica). FIGURA 1: Fases importantes da ação dos fármacos (1). Para um determinado fármaco, haverá uma diferença entre disponibilidade fisiológica (biodisponibilidade) e resposta clínica. Isso porque tanto as propriedades físico-químicas quanto o reconhecimento ao receptor devem ser apropriados para a ação plena de um fármaco. Isto é atribuído ao fato de que um fármaco, deve não só atravessar várias membranas biológicas e interagir com fluidos inter e intracelulares, como também agir de forma apropriada no seu receptor alvo. Sob estas condições, as propriedades biofarmacêuticas podem contribuir para facilitar a absorção e distribuição para aumentar a concentração do fármaco nos vários sítios ativos. Além do mais, importância igual está no fato de que estas propriedades podem facilitar uma orientação específica na superfície do receptor para que uma seqüência de eventos seja iniciado para levar ao efeito farmacológico observado. Substâncias deficientes das propriedades biofarmacêuticas adequadas podem exercer ação farmacológica precária ou ser totalmente ineficazes. Desintegração da forma farmacêutica Dissolução da substância ativa Absorção Distribuição Metabolismo Excreção Interação fármaco- receptor EFEITO DOSE fármaco disponível para ação disponibilidade biológica fármaco disponível para absorção disponibilidade farmacêutica I - FASE FARMACÊUTICA II - FASE FARMACOCINÉTICA III - FASE FARMACODINÂMICA ____________________________________________________________________________________________ Profa. Dra. Angela C. L. B. Trindade - UFPR 2 Forma Fármaco em solução Fármaco no sangue farmacêutica FIGURA 2: Fases importantes da ação dos fármacos (2). Membrana celular: bicamada lipídica que apresenta proteínas inseridas por toda as sua extensão. Mecanismos de absorção das drogas Para a absorção dos fármacos é necessária a transposição de membrana biológicas. Estas membranas são as do trato gastrointestinal (principal) ou respiratório e vascular. Outras membranas podem estar envolvidas na distribuição dos fármacos no organismo, como as membranas da barreira hematoencefálica. FIGURA 3: Principais locais de absorção de fármacos no trato gastrointestinal. Tipos de transporte de fármacos através de membranas: 1 - Transporte ativo ou mediado (menos comum): • As membranas têm papel especializado, transportando a substância com gasto de energia. Requerimento usual para o transporte ativo são as similaridades estruturais entre o fármaco e o substrato normalmente transportado através da membrana. • O transporte do fármaco pode ocorrer contra um gradiente de concentração. • O mecanismo de transporte pode tornar-se saturado em altas concentrações do fármaco. Um aumento da concentração não irá resultar necessariamente em aumento da velocidade de absorção. Desintegração Dissolução Absorção através de membranas ____________________________________________________________________________________________ Profa. Dra. Angela C. L. B. Trindade - UFPR 3 • Podem ocorrer competições na presença de compostos estruturalmente similares. Ex: aminoácidos (fenilalanina, tirosina), metildopa, 5-fluorouracila, penicilina G e levodopa. FIGURA 4: Transporte ativo. 2 – Difusão passiva (grande maioria dos fármacos): • É determida pela tendência moléculas se moverem de um compartimento de maior concentração para outro de menor concentração para que se atinja um equilíbrio. • Neste caso, o aumento da absorção é proporcional ao aumento da dose. Não existe um transportador específico. • Principal fonte de variação na permeabilidade da membrana é a lipofilia da molécula, dada pela seu coeficiente de partição o/a. • O grau de ionização também tem influência este mecanismo de transporte. Os compostos quando menos ionizados, são mais bem absorvidos. FIGURA 5: Transporte passivo. 3 – Outros tipos (poucos casos): Absorção convectiva (compostos extremamente pequenos, menores que 4 Å de raio, passando pelos poros de água), absorção por par iônico (sais de amônio quaternário), endocitose (moléculas grandes). A: difusão passiva (transcelular) B: transporte ativo C: difusão intercelular (paracelular) D: difusão com expulsão ou metabolização do fármaco PgP: glicoproteína que devolve o fármaco para o lúmen intestinal CYP: enzima do complexo citocromo P450 no enterócito FIGURA 6: Processos e fatores que afetam a absorção de fármacos. ____________________________________________________________________________________________ Profa. Dra. Angela C. L. B. Trindade - UFPR 4 Fatores físico-químicos e absorção de fármacos 1 – Solubilidade em água A solubilidade dos fármacos é uma propriedade importante pra a sua absorção e, consequentemente, para a sua atividade. Para serem absorvidos, os fármacos devem estar solúveis no meio onde ocorrerá a absorção. Formas farmacêuticas sólidas devem, portanto, se desintegrarem (se dispersarem) e o princípio ativo deve ser solúvel no meio, constituído de água, íons, enzimas, bile e outros componentes, dependendo da porção do trato gastrointestinal onde se encontram. Fármacos pobremente solúveis em água não são absorvidos adequadamente, não atingindo concentrações plasmáticas ideais. Por sua vez, fármacos muito hidrossolúveis não atravessam as membranas plasmáticas por difusão passiva, que é o principal processo de absorção de fármacos. Portanto, é importante que seja determinado o coeficiente de partição o/a do fármaco, para se ter em conta a sua hidrossolubilidade, e que este seja apropriado. FIGURA 7: Importância da dissolução na absorção dos fármacos. Tabela 1 : Método empírico para determinar a hidrossolubilidade de uma substância Cada grupo Solubiliza em água Amônio (=N+=), carboxilato (-COO-) > 6 carbonos Álcool, fenol (-OH) 3 - 4 carbonos Amina (-N=), ácido carboxílico (-COOH), éster (-COOR) 3 carbonos Amida (-CONH-) 2 - 3 carbonos Éter (R-O-R), aldeído (-CHO), cetona (R-CO-R'), uréia (=N-CO-N=), carbamato (R-O-CO-N=) 2 carbonos Exemplos: Morfina (C17H19NO3): O HO OH N ������ ����� ����� ��� ��� ��� ��� Morfina 2 grupos OH ........................6 - 8 carbonos 1 grupo amina ...................... 3 carbonos 1 grupo éter .......................... 2 carbonos --------------------- solubilizados ..........11 - 13 carbonos (insolúvel em água na forma neutra) Ouabaína (C29H44O12): O OH CH2 OH OH OH CH3 OH O O O CH3 OH OH OH ����� �������������� ����� ����� Ouabaína 8 grupos OH ........................24 - 32 carbonos 2 grupos éter ......................... 4 carbonos 1 grupo éster .........................3 carbonos ---------------------- solubilizados .............31 - 39 carbonos (solúvel em água) ____________________________________________________________________________________________ Profa. Dra. Angela C. L. B. Trindade - UFPR 5 Em função da importância da dissolução na absorção, muitos fármacos ionizáveis (ácidos ou bases) são utilizados na terapêutica na forma de sais (mais hidrossolúveis). Além da solubilidade intrínseca do fármaco, é importante frisar que a velocidade de desintegração da forma farmacêutica e o tamanho das partículas também influenciam na etapa de dissolução do princípio ativo. FIGURA 8: Níveis sangüíneos de fenobarbital em função do tempo, após injeção intramuscular de três formas de dosagem distintas. 2 – Lipossolubilidade • A absorção depende da lipossolubilidade do fármaco, uma vez que esta propriedade está relacionada com a passagem através das membranas lipídicas. • O coeficiente de partição o/a (P) é uma maneira de se determinar a lipo ou hidrossolubilidade de uma substância e prever a sua absorção. • As substâncias mais lipofílicas, ou seja, com um maior coeficiente de partição o/a, normalmente são melhor absorvidas. • Para moléculas ácidas ou básicas, sua lipossolubilidade também será influenciada pelo grau de ionização, esta determinada pela constante de dissociação (pKa) e pelo pH do meio. • Entretanto, o coeficiente não pode ser demasiadamente alto, pois pode dificultar a dissolução dos fármacos nos líquidos do trato gastrointestinal. Mas, por via de regra, quanto mais alto o coeficiente de absorção o/a, maior a velocidade de absorção. Tabela 2: Comparação da absorção dos barbitúricos em cólon de rato e o coeficiente de partição clorofórmio/água do fármaco não ionizado. Barbitúrico Coeficiente de partição Porcentagem absorvida Barbital 0,7 12 Apobarbital 4,9 17 Fenobarbital 4,8 20 Alilbarbital 10,5 23 Butetal 11,7 24 Ciclobarbital 13,9 24 Pentobarbital 28,0 30 Secobarbital 50,7 40 Hexetal > 100 44 Tabela 3: Coeficiente de partição e absorção gastrointestinal de fármacos cardiotônicos Fármaco Coeficiente de partição P [CHCl 3/MeOH:H2O (16:84)] Absorção gastrointestinal (%) Tempo de meia -vida (h) Digitoxina 96,5 100 144 Digoxina 81,5 70-85 38 ____________________________________________________________________________________________ Profa. Dra. Angela C. L. B. Trindade - UFPR 6 Algumas modificações moleculares que resultaram em aumento da lipofilia: OH O OH O NH2 O OH CH3 NHO H ���� ���� ���� ���� OH O OH O NH2 O OH CH3 NHO HCl ���� ���� ���� ���� Tetraciclina Clortetraciclina ��� NN O O O HH n-C6H13 CH2CH3 NN O O O HH CH2CH3 Hexetal Fenobarbital ���� ���� NN O O O HH ��� NN S O O HH Pentobarbital Tiopental • Coeficiente de partição, P: - Mede a hidrofobicidade da molécula como um todo. - É considerado o parâmetro mais importante em estudos de permeação e de relações estrutura- atividade. - É a razão entre concentrações de uma substância, em condições de equilíbrio, em um sistema bifásico constituído por uma fase orgânica e uma fase aquosa: P = [fase orgânica] / [fase aquosa] - O sistema preferencial para determinação do coeficiente de partição, P, para emprego em estudos de QSAR/SAR é o sistema: 1-octanol : tampão fosfato pH 7,4 CH3 OH - Vantagens da utilização do 1-octanol como fase orgânica: - Possui ampla capacidade de dissolução; - Sua hidroxila pode agir tanto como doador como aceptor de elétrons na formação de ligação de hidrogênio; - As ligações de hidrogênio não precisam ser quebradas para a transferência da fase orgânica para a fase aquosa, assim, o coeficiente de partição reflete apenas as interações hidrofóbicas; - Imiscível, mas em condições de equilíbrio pode dissolver até 2,3 M de água; - Sua absorção no UV ocorre muito abaixo da zona onde ocorre a absorção da maioria dos fármacos; - É quimicamente estável, disponível comercialmente e não é volátil; - Assemelha-se aos fosfolipídeos das membranas biológicas, tendo uma parte apolar e uma cabeça polar. - Os valores de log P são mais comumente relacionados com a atividade biológica, descrevendo um modelo parabólico bilinear. FIGURA 9: Modelo bilinear usado para descrever as correlações entre a atividade biológica e a lipofilicidade de uma série de fármacos congêneres. ____________________________________________________________________________________________ Profa. Dra. Angela C. L. B. Trindade - UFPR 7 • Constante de Hansch, ππππ: - Mede a hidrofobicidade específica de grupos substituintes. - Pode ser determinado experimentalmente ou calculado. πX = log (PRX/PRH) Tabela 4: Valores de Hansch relativo a grupos substituintes em sistemas benzênicos dissubstituídos X ππππ X ππππ NO2 -0,28 OCH3 -0,02 F 0,14 OC2H5 0,38 Cl 0,71 COCH3 -0,55 Br 0,86 CF3 0,88 H 0,00 CN -0,57 CH3 0,56 NH2 -1,23 C2H5 1,02 N(CH3)2 0,18 OH -0,67 SO2NH2 -1,82 NHCOCH3 -0,97 SO2CH3 -1,63 X é o grupo substituinte π é a constante hidrofóbica de Hansch Fonte: HANSCH, C., LEO, A., HOEKMAN, D. Exploring QSAR: hydrophobic, eletronic and steric constants. Washington: ACS Professional Reference Book, 1995. v.2, 348p. 3 – Grau de ionização • Os fármacos são, em geral, ácidos ou bases fracas cujas formas neutra e ionizada se mantém em equilíbrio quando em solução. FIGURA 10: Proporção de fármacos ionizáveis listados no World Drug Index, correspondendo a aproximadamente 63% do total. • A forma dissolvida e não ionizada de ácidos ou bases é absorvida preferencialmente, isso porque a forma não ionizada é mais lipofílica. A absorção por difusão através das membranas neste caso depende do coeficiente de partição do fármaco. ____________________________________________________________________________________________ Profa. Dra. Angela C. L. B. Trindade - UFPR 8 FIGURA 11: Ionização e absorção passiva de ácidos ou bases fracas. • A maioria dos fármacos são ácidos e bases fracas e por isso os seus valores de pKa e o pH dos compartimentos onde se encontram serão muito importantes para sua absorção, pois isto determinará o grau de ionização do fármaco naquele compartimento. • Os compartimentos do trato gastrointestinal onde ocorrem a absorção são o estômago (menor proporção) e intestino delgado (duodeno, jejuno e íleo). • Alguns pHs dos fluidos biológicos: • Estômago: 1 a 3,5 (noite: 1,3) • Duodeno: 5 a 7 • Jejuno, íleo: 7 a 8 • Fluidos circulantes: 7,4 (plasma e fluido cerebrospinal) • Normalmente, a maioria dos fármacos são absorvidos no intestino. No entanto, os ácidos fracos e substâncias neutras podem ser absorvidos, em determinada proporção, no estômago. • O tempo de permanência do fármaco e a presença de alimento nos compartimentos do trato gastrointestinal também influencia a absorção. • O grau de ionização pode ser expresso pela equação de Henderson-Hasselbach: Para ácido fraco: HA + H2O A - + H3O + No equilíbrio: Ka = aH3O + ∗ a A- → Ka = [H3O+] [A-] aHA [HA] a = coeficiente de atividade pKa = - log Ka pH = - log [H3O +] → Para base fraca: B: + H 2O BH + + OH- No equilíbrio: Kb = aBH + ∗ a OH- → Kb = [BH+] [OH-] aB: [B:] pKb = - log Kb → pKb = pH - log [BH+] ou pH = - log [OH-] [B:] pKa = pH - log [A -] [HA] ���� ���� pKa = pH - log [B:] [BH+] ����� ���� ____________________________________________________________________________________________ Profa. Dra. Angela C. L. B. Trindade - UFPR 9 • A atividade biológica de muitos fármacos (ácidos ou bases fracas) também está diretamente relacionada ao seu grau de ionização. Enquanto alguns(fenóis e ácidos carboxílicos) agem na forma molecular, outros (sulfonamidas, sais de amônio quaternário, p.e. acetilcolina) o fazem na forma ionizada. Portanto, o pH desempenha importante papel na atividade biológica. Tabela 5: Relação entre atividade biológica e pKa de certas sulfas Sulfa Concentração mínima eficaz (M x 10 -6) pK a Porcentagem de ionização no pH 7 Sulfanilamida 2.500 10,5 0,03 Sulfapiridina 20 8,5 3,4 Sulfatiazol 4 6,8 61,6 Sulfadiazina 4 6,4 80,0 Bibliografia BARREIRO, E. J.; FRAGA, C. A. M. Química medicinal: as bases moleculares da ação dos fármacos. Porto Alegre: Artmed, 2001. Cap. 1, p. 29-35. BLOCK, J. H. Physicochemical properties in relation to biological action. In: DELGADO, J. N.; REMERS, W. A (ed.) Wilson and Gisvold’s textbook of organic medicinal and pharmaceutical chemistry. 10th ed. Philadelphia: Lippincott Willians & Wilkins, 1998. Cap. 2, p. 3-42. JAMBHEKAR, S. S. Biopharmaceutical properties of drug substances. In: FOYE, W. O. et al. Principles of medicinal chemistry. 4th ed. Media: Williams e Wilkins, 1995. Cap. 3, p. 12-24. THOMAS, G. Química Medicinal: uma introdução. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003 (vários capítulos).
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