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Indaial – 2021 Química Farmacêutica Prof.ª Marcella Gabrielle Mendes Machado 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2021 Elaboração: Prof.ª Marcella Gabrielle Mendes Machado Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: M149q Machado, Marcella Gabrielle Mendes Química farmacêutica. / Marcella Gabrielle Mendes Machado – Indaial: UNIASSELVI, 2021. 222 p.; il. ISBN 978-65-5663-667-2 ISBN Digital 978-65-5663-668-9 1. Novos fármacos. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CDD 660 apresentação Olá, acadêmico! Seja bem-vindo ao Livro Didático Química Farmacêutica, que, como todas as ciências, está em constante evolução. Ano após ano, surgem novos registros de medicamentos criados pelas indústrias farmacêuticas, embora os números de registros sejam menores do que o esperado diante do investimento crescente na pesquisa e desenvolvimento de novos fármacos. Na Unidade 1, abordaremos os aspectos gerais da ação dos fármacos, que envolvem as propriedades físico-químicas e estereoquímica, as forças intermoleculares envolvidas na interação do fármaco com a biomacromolécula-alvo, entre outros. Além disso, veremos as fases do metabolismo de fármacos e a importância do metabolismo para a toxicidade de fármacos. Em seguida, na Unidade 2, estudaremos mais especificamente a relação entre a estrutura química e a atividade biológica dos fármacos que atuam sobre os sistemas nervoso central e periférico, cardiovascular, renal e endócrino. Por fim, na Unidade 3, o foco será a relação entre a estrutura química e a atividade biológica de agentes quimioterápicos, anti-inflamatórios e hormônios esteroides. A classe dos agentes quimioterápicos é muito ampla e, com isso, veremos exemplos para cada uma das subclasses que envolvem os antibióticos, os antimicrobianos, os tuberculostáticos, os antifúngicos, os antiprotozoários, os antivirais e os antineoplásicos. Ao longo do livro, veremos muitas estruturas químicas, esquemas e demais figuras com o intuito de apresentar o conteúdo de forma clara e fácil de entender, e, sempre que necessário, estruturas tridimensionais (3D) também serão utilizadas para melhor visualização de como o fármaco encontra-se ligado ao seu receptor. Também estarão disponíveis algumas sugestões de leituras complementares, a fim de ampliar ainda mais a compreensão acerca dos variados assuntos relativos à Química Farmacêutica. Bons estudos! Prof.ª Marcella Gabrielle Mendes Machado Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novi- dades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagra- mação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilida- de de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assun- to em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complemen- tares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! LEMBRETE sumário UNIDADE 1 — ASPECTOS GERAIS DA AÇÃO DOS FÁRMACOS ......................................... 1 TÓPICO 1 — FASE FARMACODINÂMICA .................................................................................... 3 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 3 2 FÁRMACOS ESTRUTURALMENTE ESPECÍFICOS .................................................................. 4 3 FORÇAS INTERMOLECULARES ENVOLVIDAS NA INTERAÇÃO FÁRMACO-RECEPTOR ..................................................................................................................... 8 3.1 INTERAÇÕES HIDROFÓBICAS .................................................................................................. 8 3.2 FORÇAS ELETROSTÁTICAS ....................................................................................................... 9 3.3 FORÇAS DE DISPERSÃO ........................................................................................................... 10 3.4 LIGAÇÃO DE HIDROGÊNIO .................................................................................................... 11 3.5 LIGAÇÃO COVALENTE ............................................................................................................. 12 4 PROPRIEDADES FÍSICO-QUÍMICAS E ATIVIDADE BIOLÓGICA ................................... 13 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 20 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 21 TÓPICO 2 — ESTEREOQUÍMICA DE FÁRMACOS ................................................................... 23 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 23 2 TEORIA DO ENCAIXE INDUZIDO ............................................................................................. 24 3 CONFIGURAÇÃO E ATIVIDADE BIOLÓGICA ....................................................................... 27 4 CONFORMAÇÃO E ATIVIDADE BIOLÓGICA ........................................................................ 32 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 36 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 37 TÓPICO 3 — METABOLISMO DE FÁRMACOS .......................................................................... 39 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 39 2 METABOLISMO DE FASE 1 .......................................................................................................... 40 2.1 OXIDAÇÃO ................................................................................................................................... 41 2.2 REDUÇÃO .....................................................................................................................................46 2.3 HIDRÓLISE.................................................................................................................................... 46 3 METABOLISMO DE FASE 2 ........................................................................................................... 48 4 IMPORTÂNCIA DO METABOLISMO PARA A TOXICIDADE DE FÁRMACOS ................................................................................................................................. 51 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 53 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 60 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 61 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................... 64 UNIDADE 2 — FÁRMACOS QUE ATUAM SOBRE OS SISTEMAS NERVOSO, CARDIOVASCULAR, RENAL E ENDÓCRINO............................................... 65 TÓPICO 1 — FÁRMACOS QUE ATUAM SOBRE O SISTEMA NERVOSO CENTRAL ................................................................................................ 67 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 67 2 ANESTÉSICOS GERAIS .................................................................................................................. 68 3 HIPNÓTICOS E SEDATIVOS ........................................................................................................ 71 3.1 BENZODIAZEPÍNICOS .............................................................................................................. 72 3.2 NOVOS AGONISTAS DO RECEPTOR BENZODIAZEPÍNICO ........................................... 75 3.3 BARBITÚRICOS ............................................................................................................................ 76 4 ANTIDEPRESSIVOS ........................................................................................................................ 77 4.1 INIBIDORES DA CAPTURA DAS MONOAMINAS .............................................................. 78 4.2 ANTAGONISTAS DO RECEPTOR DE MONOAMINA......................................................... 81 4.3 INIBIDORES DA MONOAMINOXIDASE (IMAOS) .............................................................. 81 5 ANTIPSICÓTICOS ........................................................................................................................... 83 6 ANTICONVULSIVANTES .............................................................................................................. 86 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 89 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 90 TÓPICO 2 — FÁRMACOS QUE ATUAM SOBRE O SISTEMA NERVOSO PERIFÉRICO ........................................................................................... 93 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 93 2 COLINÉRGICOS ............................................................................................................................... 94 2.1 AGONISTAS MUSCARÍNICOS ................................................................................................. 95 2.2 AGONISTAS NICOTÍNICOS ...................................................................................................... 96 2.3 ANTICOLINESTERÁSICOS ....................................................................................................... 96 3 ANTICOLINÉRGICOS .................................................................................................................... 98 3.1 ANTAGONISTAS MUSCARÍNICOS ......................................................................................... 99 3.2 ANTAGONISTAS NICOTÍNICOS ........................................................................................... 100 4 ADRENÉRGICOS ............................................................................................................................ 102 4.1 ALFA1 E 2 E BETA1 E 3-AGONISTAS ..................................................................................... 104 4.2 BETA2-AGONISTAS .................................................................................................................. 104 5 ANTIADRENÉRGICOS ................................................................................................................. 106 5.1 BETABLOQUEADORES ............................................................................................................ 106 5.2 ALFABLOQUEADORES ............................................................................................................ 108 RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 109 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 110 TÓPICO 3 — FÁRMACOS QUE ATUAM SOBRE OS SISTEMAS CARDIOVASCULAR, RENAL E ENDÓCRINO................................................. 113 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 113 2 ANTI-HIPERTENSIVOS ................................................................................................................ 113 3 CARDIOTÔNICOS ......................................................................................................................... 117 4 DIURÉTICOS ................................................................................................................................... 119 4.1 TIAZIDAS .................................................................................................................................... 120 4.2 DIURÉTICOS DE ALÇA ............................................................................................................ 121 4.3 DIURÉTICOS POUPADORES DE POTÁSSIO ....................................................................... 121 5 ANTITROMBÓTICOS ................................................................................................................... 122 5.1 ANTICOAGULANTES ORAIS ................................................................................................. 122 5.2 ANTICOAGULANTES BASEADOS NA HEPARINA .......................................................... 124 6 HIPOGLICEMIANTES ORAIS .................................................................................................... 126 6.1 SULFONILUREIAS..................................................................................................................... 126 6.2 BIGUANIDAS ............................................................................................................................. 127 LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 129 RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 134 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 135 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 137 UNIDADE 3 — AGENTES QUIMIOTERÁPICOS, ANTI-INFLAMATÓRIOS E HORMÔNIOSESTEROIDES .......................................................................................................... 139 TÓPICO 1 — AGENTES QUIMIOTERÁPICOS: ANTIBIÓTICOS E ANTIMICROBIANOS .......................................................................................... 141 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 141 2 BETALACTÂMICOS....................................................................................................................... 142 2.1 PENICILINAS ............................................................................................................................ 143 2.2 CEFALOSPORINAS ................................................................................................................... 146 3 MACROLÍDEOS .............................................................................................................................. 149 4 AMINOGLICOSÍDEOS ................................................................................................................. 151 5 QUINOLONAS E FLUOROQUINOLONAS ............................................................................. 154 6 OUTROS ANTIBIÓTICOS ............................................................................................................ 157 RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 160 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 161 TÓPICO 2 — OUTROS AGENTES QUIMIOTERÁPICOS ....................................................... 165 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 165 2 TUBERCULOSTÁTICOS ............................................................................................................... 165 2.1 ISONIAZIDA ............................................................................................................................... 166 2.2 ETIONAMIDA E PIRAZINAMIDA ........................................................................................ 167 2.3 ETAMBUTOL .............................................................................................................................. 168 3 ANTIFÚNGICOS ............................................................................................................................. 169 3.1 POLIENOS: ANFOTERICINA B E NISTATINA .................................................................... 170 3.2 AZÓIS ........................................................................................................................................... 171 3.3 ALILAMINAS ............................................................................................................................. 172 4 ANTIPROTOZOÁRIOS ................................................................................................................. 173 4.1 TRIPANOMICIDAS .................................................................................................................... 174 4.2 ANTILEISHMANIÓTICOS ....................................................................................................... 175 4.3 ANTIMALÁRICOS ..................................................................................................................... 176 5 ANTIVIRAIS .................................................................................................................................... 178 6 ANTINEOPLÁSICOS ..................................................................................................................... 181 6.1 AGENTES INTERCALANTES .................................................................................................. 182 6.2 MOSTARDAS NITROGENADAS ............................................................................................ 183 RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 185 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 186 TÓPICO 3 — ANTI-INFLAMATÓRIOS E HORMÔNIOS ESTEROIDES ............................. 189 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 189 2 ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO ESTEROIDES ........................................................................ 189 2.1 INIBIDORES SELETIVOS DE COX-2 ...................................................................................... 192 3 ANTI-INFLAMATÓRIOS ESTEROIDES ................................................................................... 194 4 HORMÔNIOS ESTEROIDES ...................................................................................................... 197 LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 202 RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 206 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 207 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 211 1 UNIDADE 1 — ASPECTOS GERAIS DA AÇÃO DOS FÁRMACOS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • compreender os aspectos que estão envolvidos no reconhecimento molecular de um fármaco com o seu biorreceptor; • entender a influência da estereoquímica na atividade biológica dos fármacos; • conhecer as fases do metabolismo de fármacos; • compreender como as alterações na estrutura dos fármacos podem alterar as fases farmacodinâmica e farmacocinética. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – FASE FARMACODINÂMICA TÓPICO 2 – ESTEREOQUÍMICA DE FÁRMACOS TÓPICO 3 – METABOLISMO DE FÁRMACOS Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 3 TÓPICO 1 — UNIDADE 1 FASE FARMACODINÂMICA 1 INTRODUÇÃO Para compreender os diferentes aspectos que estão envolvidos no reconhecimento molecular de um fármaco pelo seu biorreceptor, estudaremos o que ocorre durante a fase farmacodinâmica. É importante relembrar que, para um determinado fármaco exercer o efeito terapêutico desejado, deve percorrer algumas fases na biofase. Um fármaco administrado por via oral, em forma farmacêutica sólida, deve, inicialmente, passar pela fase farmacêutica na qual ocorrem os processos de desintegração, desagregação e dissolução. Com o fármaco em solução, ele passa para a fase farmacocinética, que engloba os processos de absorção, distribuição, metabolização e excreção. Após a fase farmacocinética, tem-se a fase farmacodinâmica, caracterizada pela interação do fármaco com o seu receptor biológico. Para a interação fármaco-receptor ocorrer, são necessárias forças intermoleculares que podem ser atrativas e/ou repulsivas, como interações hidrofóbicas, forças eletrostáticas e ligações covalentes. A afinidade de um fármaco por seu receptor depende, então, do somatório das forças de interação que ocorrem entre os seus grupamentos com os sítios complementares do receptor. Na fase farmacodinâmica, são de fundamental importância tambémas propriedades físico-químicas do fármaco, como a lipofilicidade, a solubilidade e a constante de ionização, para que o fármaco atinja concentrações plasmáticas capazes de exercer o seu efeito biológico. Assim, conheceremos todos esses aspectos relacionados com a fase farmacodinâmica dos fármacos. O conhecimento das forças intermoleculares envolvidas na ligação de um determinado fármaco com o seu receptor é de grande importância para o desenvolvimento e o planejamento de novos fármacos análogos, pois determinadas alterações na estrutura molecular do fármaco podem aumentar a força de interação com o seu receptor e, consequentemente, a sua afinidade. IMPORTANT E UNIDADE 1 — ASPECTOS GERAIS DA AÇÃO DOS FÁRMACOS 4 2 FÁRMACOS ESTRUTURALMENTE ESPECÍFICOS De maneira geral, um determinado fármaco pode ser classificado pela sua forma de interação com a biofase e a promoção do efeito biológico como estruturalmente inespecífico e estruturalmente específico (FRAGA, 2001). Os fármacos estruturalmente inespecíficos são aqueles que para promove- rem o seu efeito biológico dependem apenas das suas propriedades físico-químicas, como o coeficiente de partição e pKa. Via de regra, esses fármacos apresentam baixa potência e, com isso, são necessárias doses elevadas ou acúmulos no tecido-alvo. Um exemplo clássico de fármacos estruturalmente inespecíficos são os anestésicos gerais que atuam provocando perda de consciência. Como é possível observar na Figura 1, a potência dos anestésicos gerais halotano, isoflurano e sevoflurano, dada pelo MAC50 (concentração alveolar mínima necessária para provocar imobilidade em 50% dos pacientes) está diretamente relacionada com a sua lipossolubilidade. Dessa forma, o fármaco halotano, que é o mais lipossolúvel, é o anestésico mais potente (BARREIRO; FRAGA, 2015). O coeficiente de partição é a relação das concentrações de uma substância em uma fase aquosa e uma fase orgânica. Já o pKa é o negativo do logaritmo da constante de ionização (Ka), que representa a constante de equilíbrio de reações que envolvem íons. A respeito do coeficiente de partição e pKa, mais adiante será abordada a influência das propriedades físico-químicas na atividade biológica dos fármacos. NOTA FIGURA 1 – CORRELAÇÃO ENTRE AS PROPRIEDADES FISICO-QUÍMICAS E A ATIVIDADE DE FÁRMACOS ANESTÉSICOS GERAIS FONTE: A autora TÓPICO 1 — FASE FARMACODINÂMICA 5 Os anestésicos gerais interagem com as macromoléculas da biofase principalmente por interações de van der Waals. Esse tipo de interação, como veremos adiante, é de fraca energia. ESTUDOS FU TUROS Já os fármacos estruturalmente específicos exercem seu efeito biológico por meio de interações seletivas com seus alvos biológicos, geralmente biomacromoléculas, como enzimas, receptores acoplados a proteína G, receptores acoplados a canais iônicos, receptores nucleares, entre outros (FRAGA, 2001). A ação desses fármacos se deve a suas estruturas químicas, por isso, dentro de uma mesma classe de compostos, eles apresentam características estruturais comuns e pequenas variações na estrutura resultam em alterações na atividade biológica. Outra diferença desses fármacos está no fato de serem necessárias pequenas doses para produção do efeito esperado (BARREIRO; FRAGA, 2015). O reconhecimento do fármaco (ligante) pela biomacromolécula, ou seja, pelo seu sítio receptor, é dependente das propriedades estruturais do fármaco e do arranjo espacial dos seus grupos funcionais. Para que ocorra a interação do fármaco com a biomacromolécula, deve haver uma complementaridade molecular, que pode ser explicada pelo modelo chave-fechadura proposto pelo químico Emil Fischer (Figura 2). FIGURA 2 – MODELO CHAVE-FECHADURA E O RECONHECIMENTO LIGANTE-RECEPTOR FONTE: Barreiro; Fraga (2015, p. 21) UNIDADE 1 — ASPECTOS GERAIS DA AÇÃO DOS FÁRMACOS 6 O modelo chave-fechadura foi inicialmente criado, a fim de explicar a especificidade da interação entre uma enzima e seu substrato. Nesse modelo aplicado ao reconhecimento molecular dos fármacos pelo seu receptor, a biomacromolécula é considerada uma fechadura, o sítio receptor a fenda da fechadura, e as chaves os diferentes ligantes (fármacos) do sítio receptor; já a ação de abrir a porta corresponde às possíveis respostas biológicas da interação chave-fechadura (FRAGA, 2001). A Figura 2 exemplifica os três tipos de chaves: a chave original, a chave modificada e a chave falsa. A chave original é totalmente complementar à fechadura, encaixando-se adequadamente e resultando na abertura da porta. Essa chave corresponde ao agonista endógeno ou substrato natural, o qual interage com o sítio receptor da biomacromolécula levando a uma resposta biológica. Já a chave modificada é aquela que apresenta propriedades estruturais semelhantes à chave original, que permitem a abertura da porta. Essa chave corresponde a um agonista modificado da biomacromolécula, de origem natural ou sintética, e a resposta biológica obtida é similar à do agonista natural, porém com diferente intensidade. Por outro lado, a chave falsa apresenta propriedades estruturais com semelhanças mínimas, quando comparado à chave original, que permitem o acesso dessa chave à fechadura, mas sem a capacidade de abrir a porta. A chave falsa corresponde ao antagonista da biomacromolécula, de origem natural ou sintética, que se liga ao sítio do receptor, não promove a resposta biológica esperada e ainda bloqueia a interação pelo agonista endógeno e/ou modificado. Nas três situações apresentadas, podemos observar duas etapas que são significativas na interação do fármaco com a sua biomacromolécula ou o seu receptor: a interação fármaco-receptor e a promoção da resposta biológica. A interação fármaco-receptor pode ser expressa de forma quantitativa pelo termo afinidade, enquanto a promoção da resposta biológica pode ser expressa de forma quantitativa pelo termo atividade intrínseca (FRAGA, 2001). De modo mais claro, esses termos podem ser definidos como: • Afinidade: capacidade do fármaco em se complexar com o sítio complementar da biomacromolécula-alvo. • Atividade intrínseca: capacidade do complexo fármaco-receptor de desencadear uma determinada resposta biológica. A Tabela 1 apresenta as substâncias ligantes de receptores benzodiazepínicos. Os fármacos diazepam e midazolam atuam como agonistas desses receptores, promovendo os efeitos biológicos característicos dessa classe terapêutica de hipnóticos e sedativos. No entanto, essas substâncias se ligam ao receptor com diferentes afinidades, sendo que o midazolam apresenta maior afinidade pelo receptor benzodiazepínico. Já o flumazenil, nos mostra que uma maior afinidade não significa uma maior capacidade da substância em produzir uma determinada resposta biológica, pois este fármaco é o que possui maior afinidade pelo receptor, porém atua como antagonista sobre os receptores benzodiazepínicos, não desencadeando a resposta biológica esperada para os fármacos dessa classe terapêutica. TÓPICO 1 — FASE FARMACODINÂMICA 7 TABELA 1 – AFINIDADE E ATIVIDADE INTRÍNSECA DE LIGANTES DE RECEPTORES BENZODIAZEPÍNICOS FONTE: Adaptada de Barreiro; Fraga (2015, p. 22) Substância Afinidade do liganteKi* (nM) Atividade intrínseca do ligante Diazepam 11,0 Agonista Midazolam 3,1 Agonista Flumazenil 1,4 Antagonista *Ki: constante de afinidade pelos receptores benzodiazepínicos em preparações de cérebros de murinos (ensaio de “binding”). Tanto os fármacos agonistas e antagonistas possuem afinidade pelo receptor, porém os fármacos antagonistas não produzem efeito biológico algum e ainda impedem a ligação do agonista total ao receptor. Entre os agonistas, ainda temos os classificados como totais e parciais. Os agonistas totais produzem efeito máximo, enquanto osagonistas parciais apresentam menor efeito. IMPORTANT E UNIDADE 1 — ASPECTOS GERAIS DA AÇÃO DOS FÁRMACOS 8 3 FORÇAS INTERMOLECULARES ENVOLVIDAS NA INTERAÇÃO FÁRMACO-RECEPTOR De modo qualitativo, a afinidade e a especificidade da ligação fármaco- receptor são determinadas por interações ou forças intermoleculares, sendo que raramente a ligação fármaco-receptor é produzida por um único tipo de interação. Essas interações podem ser classificadas em interações hidrofóbicas, forças eletrostáticas, forças de dispersão, ligações de hidrogênio e ligações covalentes. 3.1 INTERAÇÕES HIDROFÓBICAS As interações hidrofóbicas são resultantes da interação entre cadeias e/ou subunidades apolares/hidrofóbicas, presentes tanto no fármaco ligante quanto no sítio receptor. Em regra, essas subunidades apolares são encontradas solvatadas por moléculas de água e, de acordo com Barreiro e Fraga (2015, p. 28), “[...] a aproximação das superfícies hidrofóbicas promove o colapso da estrutura organizada da água, permitindo a interação ligante-receptor à custa do ganho entrópico associado à desorganização do sistema”. Essas forças são individualmente fracas (aproximadamente 1 kcal/mol), mas, como frequentemente são observados elevados números de subunidades hidrofóbicas nos fármacos e biomacromoléculas, essa interação é considerada importante no reconhecimento do fármaco pelo seu receptor. Na Figura 3, temos um exemplo de diversas interações hidrofóbicas envolvidas no reconhecimento molecular do fator de ativação plaquetária (PAF) com o seu biorreceptor, uma proteína que contém uma bolsa lipofílica que interage com a cadeia alquílica do ligante – na figura, as moléculas de água formando camadas de solvatação estão representadas em azul. FIGURA 3 – RECONHECIMENTO MOLECULAR DO PAF VIA INTERAÇÕES HIDROFÓBICAS COM A BOLSA LIPOFÍLICA DE SEU BIORRECEPTOR FONTE: Barreiro; Fraga (2015, p. 29) TÓPICO 1 — FASE FARMACODINÂMICA 9 3.2 FORÇAS ELETROSTÁTICAS As forças eletrostáticas são resultantes da interação entre íons e/ou dipolos de cargas opostas, sendo que a intensidade dessa força é dependente da distância entre as cargas e da constante dielétrica do meio. A água, por exemplo, apresenta uma elevada constante dielétrica (ε = 80), decorrente de seu momento dipolo permanente, o que possibilita à água diminuir as forças de atração e repulsão entre dois grupamentos carregados que se encontram solvatados. A interação iônica é um tipo de força eletrostática, que, geralmente, é precedida pela dessolvatação dos íons e apresenta força de ligação de cerca 5 kcal/mol. Além disso, de acordo com Barreiro e Fraga (2015, p. 23), é “[...] dependente da diferença de energia da interação íon-íon versus a energia dos íons solvatados”. A interação iônica é comum na ligação de muitos fármacos com seus receptores, visto que, no pH fisiológico, alguns aminoácidos dos receptores biológicos encontram-se ionizados (por exemplo, arginina, lisina, histidina e ácido aspártico) e estes interagem com fármacos que apresentam grupos carregados. Na Figura 4, podemos ver a interação do flurbiprofeno com o seu biorreceptor, por meio de uma interação iônica. FIGURA 4 – RECONHECIMENTO MOLECULAR DO FLURBIPROFENO PELO SÍTIO ATIVO DA COX-1, VIA INTERAÇÃO IÔNICA FONTE: Autora As forças eletrostáticas apresentam outros dois tipos de interações: íon- dipolo e dipolo-dipolo, que apresentam energia entre 1 e 7 kcal/mol. No íon- dipolo, a interação ocorre entre um íon e uma espécie neutra que é polarizável, com carga oposta ao do íon. Já no dipolo-dipolo, a interação se dá entre dois grupos que apresentam polarizações de cargas opostas, decorrentes da diferença de eletronegatividade entre um heteroátomo e um átomo de carbono (FRAGA, 2001). Essas forças eletrostáticas encontram-se ilustradas na Figura 5. UNIDADE 1 — ASPECTOS GERAIS DA AÇÃO DOS FÁRMACOS 10 FIGURA 5 – INTERAÇÕES ÍON-DIPOLO (A E B) E DIPOLO-DIPOLO (C) E O RECONHECIMENTO FÁRMACO-RECEPTOR FONTE: Barreiro; Fraga (2015, p. 24) 3.3 FORÇAS DE DISPERSÃO As forças de dispersão de London ou interação de van der Waals ocorrem devido à aproximação de moléculas apolares que apresentam dipolos induzidos, resultantes de uma flutuação local transiente de densidade eletrônica entre grupamentos apolares próximos (por exemplo, ligações carbono-carbono; Figura 6). Essas interações são de fraca energia, cerca de 0,5 a 1 kcal/mol, porém, assim como as interações hidrofóbicas, são de grande importância para a ligação fármaco-receptor, pois, geralmente, observam-se interações múltiplas, que, quando somadas, alcançam uma contribuição energética significativa (FRAGA, 2001). Como exemplo, temos a losartana, um fármaco anti-hipertensivo que faz interações de van der Waals com os resíduos de aminoácidos hidrofóbicos do receptor de angiotensina II do subtipo 1 (AT1R; Figura 7). FONTE: A autora FIGURA 6 – INTERAÇÕES DE VAN DER WAALS PELA POLARIZAÇÃO TRANSIENTE DE LIGAÇÕES CARBONO-HIDROGÊNIO (A) OU CARBONO-CARBONO (B) TÓPICO 1 — FASE FARMACODINÂMICA 11 FIGURA 7 – RECONHECIMENTO DA LOSARTANA POR MEIO DE INTERAÇÕES DE VAN DER WAALS FONTE: Barreiro; Fraga (2015, p. 29) 3.4 LIGAÇÃO DE HIDROGÊNIO Entre as interações não covalentes, a ligação de hidrogênio é o tipo mais importante que pode ser observado nos sistemas biológicos (BARREIRO; FRAGA, 2015). Ligações de hidrogênio podem ser observadas na manutenção das conformações de proteínas, bem como da estrutura α-hélice do DNA, por exemplo. Essas interações ocorrem entre átomos eletronegativos (por exemplo, oxigênio, nitrogênio e flúor) e o átomo de hidrogênio de ligações do tipo O-H, N-H e F-H, em decorrência de suas polarizações, e apresentam força de cerca de 2 a 5 kcal/mol. Vários fármacos são reconhecidos pelo seu sítio-alvo através de ligações de hidrogênio, tendo, como exemplo, o saquinavir, um antiviral que interage com o sítio ativo da protease do vírus da imunodeficiência 1 (HIV-1), como podemos observar na Figura 8, na qual são apresentadas ligações de hidrogênio entre os fármacos e os resíduos de aminoácidos, ácido aspártico (Asp) e glicina (Gly), diretas e indiretas (quando intermediadas por moléculas de água). UNIDADE 1 — ASPECTOS GERAIS DA AÇÃO DOS FÁRMACOS 12 FIGURA 8 – INTERAÇÕES DE HIDROGÊNIO NO RECONHECIMENTO MOLECULAR DO ANTIVI- RAL SAQUINAVIR PELO SÍTIO ATIVO DA ASPARTIL PROTEASE DO HIV-1 FONTE: Adaptada de Barreiro; Fraga (2015, p. 32) 3.5 LIGAÇÃO COVALENTE Na ligação covalente, há a formação de uma ligação sigma entre dois átomos, que contribuem cada qual com um elétron. As interações que envolvem a formação de ligações covalentes são as de maior energia, cerca de 77 a 88 kcal/ mol. Como nos sistemas biológicos, a temperatura comum de 30 a 40 °C raramente rompe ligações mais fortes do que 10 kcal/mol em processos não enzimáticos; o complexo fármaco-receptor formado por meio de ligações covalentes dificilmente é desfeito, o que resulta em inativação do sítio receptor ou inibição enzimática irreversível (FRAGA, 2001). O ácido acetilsalicílico (AAS) é um fármaco que atua como inibidor irreversível da enzima prostaglandina endoperóxido sintase (PGHS), desencadeando efeitos anti-inflamatórios e analgésicos ao interromper a biossíntese de prostaglandinas. Essa interação AAS-receptor é de natureza irreversível, devido à formação de uma ligação covalente (Figura 9). A ligação covalente é formada por meio de um ataque nucleofílico da hidroxila do aminoácido serina-530 (Ser530) ao grupamento eletrofílico acetila do AAS, o que resulta em uma transacetilação. Barreiro e Fraga (2015, p. 32) ressaltam que “[...] atualmente se considera que a inibição da enzima prostaglandina endoperóxido sintase (PGHS) pelo AAS é um processo pseudoirreversível, pois o fragmentoSer-530-OAc é hidrolisado de forma tempo-dependente regenerando a enzima PGHS”. TÓPICO 1 — FASE FARMACODINÂMICA 13 FIGURA 9 – MECANISMO DE INIBIÇÃO IRREVERSÍVEL DA PGHS PELA ASPIRINA, VIA FORMAÇÃO DE LIGAÇÃO COVALENTE FONTE: Fraga (2001, p. 39) Embora as interações do tipo covalente sejam as de mais alta energia, muitas vezes, elas não são as mais adequadas no planejamento de novos fármacos, visto a irreversibilidade da interação fármaco-receptor. Por outro lado, esse tipo de interação é frequentemente visto em fármacos quimioterápicos, nos quais a inibição irreversível de determinado alvo molecular do patógeno é desejável. IMPORTANT E 4 PROPRIEDADES FÍSICO-QUÍMICAS E ATIVIDADE BIOLÓGICA As propriedades físico-químicas dos fármacos apresentam grande relevância na etapa de reconhecimento molecular do fármaco pelo seu biorreceptor, assim como na fase farmacocinética que abrange os processos de absorção, distribuição, metabolização e excreção, influenciando diretamente em propriedades como biodisponibilidade e tempo de meia-vida do fármaco. Uma propriedade físico-química muito importante e capaz de alterar o perfil farmacoterapêutico de uma substância é a lipofilicidade. De acordo com Barreiro e Fraga (2015), a lipofilicidade (log P) pode ser definida pelo coeficiente UNIDADE 1 — ASPECTOS GERAIS DA AÇÃO DOS FÁRMACOS 14 de partição (P) de uma substância entre uma fase aquosa e uma fase orgânica. O cálculo de P para um dado soluto em um sistema de dois compartimentos, sob condições de equilíbrio, é indicado na Figura 10, em que Corg e Caq são as concentrações do soluto nas fases orgânica e aquosa, respectivamente. FIGURA 10 – DETERMINAÇÃO DO COEFICIENTE DE PARTIÇÃO (P) DE UM SOLUTO FONTE: A autora Os valores de log P podem ser medidos experimentalmente e/ou calculados. O coeficiente de partição (P) é usualmente determinado pelo método de shake flask, empregando-se o sistema n-octanol/tampão fosfato de pH 7,4, sendo que a utilização do n-octanol decorre da sua semelhança estrutural com os fosfolipídios de membrana (SILVA, 2014). O log P pode ser calculado por meio da abordagem de Hansch, a qual utiliza o parâmetro π, que indica a contribuição hidrofóbica de um grupo substituinte na molécula. Há tabelas na literatura que determinam os valores de Hansch para cada grupamento. NOTA TÓPICO 1 — FASE FARMACODINÂMICA 15 Quanto à influência do coeficiente de partição na atividade biológica dos fármacos, os valores do logaritmo do coeficiente de partição (log P) são tradicionalmente correlacionados à atividade biológica. Os fármacos que apresentam maior log P, ou seja, que têm maior afinidade pela fase orgânica, tendem a exibir maior permeabilidade pelas membranas biológicas hidrofóbicas e, consequentemente, melhor perfil de biodisponibilidade, o que pode levar ao aumento dos efeitos terapêuticos do fármaco. Como exemplo, temos os fármacos cardiotônicos digitoxina e digoxina (Figura 11). A substituição de um hidrogênio por um oxigênio, grupamento mais polar na digoxina, diminui seu coeficiente de partição e, consequentemente, sua absorção gastrintestinal (Tabela 2). FIGURA 11 – FÁRMACOS CARDIOTÔNICOS DIGITOXINA E DIGOXINA FONTE: A autora R = H digitoxina OH digoxina TABELA 2 – RELAÇÃO ENTRE O COEFICIENTE DE PARTIÇÃO (P) E A ABSORÇÃO GASTRINTESTINAL DE FÁRMACOS CARDIOTÔNICOS FONTE: A autora Fármaco Coeficiente de partição P [CHCl3 / MeOH: H2O (16:84)] Absorção gastrintestinal (%) Tempo de meia-vida (h) Digitoxina 96,5 100 144 Digoxina 81,5 70 a 85 38 UNIDADE 1 — ASPECTOS GERAIS DA AÇÃO DOS FÁRMACOS 16 De acordo com Barreiro e Fraga (2015), existe uma lipofilicidade ótima para os fármacos, frequentemente compreendida entre valores de 1 a 3, a qual é capaz de expressar propriedades farmacodinâmicas e farmacocinéticas ideais, e um aumento desse valor, geralmente, leva à redução progressiva do processo de absorção do fármaco. O fármaco também pode se tornar tão hidrofóbico que passa a se acumular no tecido adiposo e, com isso, não alcança o sítio de ação. ATENCAO Outra propriedade físico-química que apresenta influência na atividade biológica de fármacos é a solubilidade, que, de acordo com Silva et al. (2004), é a “[...] medida da quantidade máxima de soluto que pode ser dissolvida em um determinado solvente”. Alguns fatores podem interferir na solubilidade de uma determinada substância, como: • tamanho molecular (ou iônico); • forças dispersivas ou dipolares; • polaridade (ou carga); • ligações de hidrogênio; • introdução grupos hidro/lipofílicos; • temperatura. Para os fármacos, devem apresentar adequada solubilidade para serem absorvidos e exercerem seu efeito biológico, sendo importante destacar que os fármacos geralmente são ácidos ou bases fracas, podendo formar sais. Contudo, na disponibilidade de mais de um sal para o mesmo fármaco, qual sal escolher? No exemplo do diclofenaco, que possui apresentações nos sais de potássio e de sódio, cujas solubilidades em água a 37 °C são de 120,5 mg/mL e 22,5 mg/mL, respectivamente; o diclofenaco potássico (Cataflan®) atinge o seu pico médio de concentração plasmática (cerca de 3,8 mcmol/L) cerca de 20 a 60 minutos após a administração de um comprimido de 50 mg. Já o diclofenaco sódico (Voltaren®) atinge o seu pico médio de concentração plasmática (5 mcmol/L), em média, 2 horas após o uso de um comprimido de 50 mg. Portanto, devido a maior solubilidade do diclofenaco de potássio, este atinge o pico médio da concentração plasmática mais rapidamente, o que pode ser preferível para condições agudas. TÓPICO 1 — FASE FARMACODINÂMICA 17 O polimorfismo de fármacos no estado sólido também pode influenciar na sua atividade biológica, visto que os polimorfos podem diferir na solubilidade e, consequentemente, na biodisponibilidade do fármaco. IMPORTANT E A fim de classificar os fármacos quanto a sua hidrossolubilidade e sua permeabilidade por difusão passiva, foi desenvolvido o Sistema de Classificação Biofarmacêutica, por Amidon et al., no qual os fármacos podem ser distribuídos em quatro classes, conforme pode ser visto na Figura 12 (LEMKE et al., 2008). FIGURA 12 – SISTEMA DE CLASSIFICAÇÃO BIOFARMACÊUTICA FONTE: Barreiro; Fraga (2015, p. 38) A maioria dos fármacos são ácidos ou bases fracas. A constante de ionização é uma propriedade físico-química especialmente importante na fase farmacodinâmica, devido à possibilidade de formação de espécies ionizadas do fármaco, que podem interagir com resíduos de aminoácidos do sítio ativo da biomacromolécula por forças eletrostáticas, como a ligação iônica ou interações íon-dipolo (BARREIRO; FRAGA, 2015). Essa propriedade também é importante na fase farmacocinética, pois as espécies não ionizadas atravessam mais facilmente as membranas biológicas por transporte passivo (Figura 13). Um determinado fármaco ácido (HA) pode perder o seu próton, levando à formação da espécie aniônica (A-) correspondente, enquanto um fármaco básico (B) pode ser protonado, resultando na formação da espécie catiônica (BH+). UNIDADE 1 — ASPECTOS GERAIS DA AÇÃO DOS FÁRMACOS 18 FIGURA 13 – GRAU DE IONIZAÇÃO E ABSORÇÃO PASSIVA DE ÁCIDOS OU BASES FRACAS FONTE: Barreiro; Fraga (2015, p. 32) A constante de ionização (Ka) frequentemente é expressa pelo negativo do seu logaritmo (pKa), o qual pode ser calculado pela seguinte fórmula: 𝑝𝐾𝑎 = 𝑝𝐻 − 𝐿𝑜𝑔 [𝒆𝒔𝒑é𝒄𝒊𝒆 𝒊𝒐𝒏𝒊𝒛𝒂𝒅𝒂] [𝒆𝒔𝒑é𝒄𝒊𝒆 𝒏ã𝒐 𝒊𝒐𝒏𝒊𝒛𝒂𝒅𝒂]𝑝𝐾𝑎 = 𝑝𝐻 − 𝐿𝑜𝑔 [𝒆𝒔𝒑𝐞𝒄𝒊𝒆 𝒊𝒐𝒏𝒊𝒛𝒂𝒅𝒂] [𝒆𝒔𝒑𝐞𝒄𝒊𝒆 𝒏𝒂𝒐 𝒊𝒐𝒏𝒊𝒛𝒂𝒅𝒂]𝑝𝐾𝑎 = 𝑝𝐻 − 𝐿𝑜𝑔 [𝒆𝒔𝒑𝐞𝒄𝒊𝒆 𝒊𝒐𝒏𝒊𝒛𝒂𝒅𝒂] [𝒆𝒔𝒑𝐞𝒄𝒊𝒆 𝒏𝒂𝒐 𝒊𝒐𝒏𝒊𝒛𝒂𝒅𝒂]𝑝𝐾𝑎 = 𝑝𝐻 − 𝐿𝑜𝑔 [𝒆𝒔𝒑𝐞𝒄𝒊𝒆 𝒊𝒐𝒏𝒊𝒛𝒂𝒅𝒂] [𝒆𝒔𝒑𝐞𝒄𝒊𝒆 𝒏𝐚𝒐 𝒊𝒐𝒏𝒊𝒛𝒂𝒅𝒂] A fração ionizada do fármaco pode ser dada pelo termo α, sendo possível calcularo percentual de ionização de ácidos e bases a partir das seguintes fórmulas: 𝑷𝒂𝒓𝒂 á𝒄𝒊𝒅𝒐𝒔: % 𝑖𝑜𝑛𝑖𝑧𝑎çã𝑜 α = 100 − 𝟏𝟎𝟎 𝟏+ 𝐚𝐧𝐭𝐢𝐥𝐨𝐠 [𝐩𝐇− 𝐩𝐊𝐚] 𝑷𝒂𝒓𝒂 𝒃𝐚𝒔𝒆𝒔: % 𝑑𝑒 𝑖𝑜𝑛𝑖𝑧𝑎çã𝑜 α = 100− 𝟏𝟎𝟎 𝟏 + 𝐚𝐧𝐭𝐢𝐥𝐨𝐠 [𝐩𝐊𝐚− 𝐩𝐇] Para ácidos: % ionização Para bases: % ionização 𝑷𝒂𝒓𝒂 á𝒄𝒊𝒅𝒐𝒔: % 𝑖𝑜𝑛𝑖𝑧𝑎çã𝑜 α = 100 − 𝟏𝟎𝟎 𝟏+ 𝐚𝐧𝐭𝐢𝐥𝐨𝐠 [𝐩𝐇− 𝐩𝐊𝐚] 𝑷𝒂𝒓𝒂 𝒃𝐚𝒔𝒆𝒔: % 𝑑𝑒 𝑖𝑜𝑛𝑖𝑧𝑎çã𝑜 α = 100− 𝟏𝟎𝟎 𝟏 + 𝐚𝐧𝐭𝐢𝐥𝐨𝐠 [𝐩𝐊𝐚− 𝐩𝐇] Como os principais compartimentos biológicos apresentam pH definidos, como a mucosa gástrica que tem pH 1, a mucosa intestinal que tem pH 5 e o plasma que tem pH 7,4; a determinação do pKa e da porcentagem de ionização de determinado fármaco é importante para a previsão do comportamento dos fármacos na fase farmacocinética e o direcionamento da sua ação biológica. Um exemplo é o anti-inflamatório piroxicam, um fármaco ácido (pKa = 6,3), cuja absorção se dá ao nível do trato gastrintestinal, sob a forma não ionizada (HA). Quando absorvido, o piroxicam apresenta alta porcentagem de ionização no pH sanguíneo e é distribuído ligado às proteínas plasmáticas. No tecido com TÓPICO 1 — FASE FARMACODINÂMICA 19 um processo inflamatório instaurado, há a redução significativa do pH pela ação de proteases, o que leva a mais de 95% do piroxicam se encontrar na forma não ionizada e ser absorvido por esse tecido, exercendo seu efeito biológico (BARREIRO; FRAGA, 2015). Na Figura 14, é possível observar os cálculos de ionização desse fármaco para diferentes compartimentos biológicos. FIGURA 14 – GRAU DE IONIZAÇÃO DO PIROXICAM EM DIFERENTES COMPARTIMENTOS BIOLÓGICOS FONTE: Barreiro; Fraga (2015, p. 34) 20 Neste tópico, você aprendeu que: • Os fármacos estruturalmente inespecíficos são aqueles que dependem apenas das suas propriedades físico-químicas para promoverem o efeito biológico, enquanto os fármacos estruturalmente específicos exercem seu efeito por meio de interações seletivas com seus alvos biológicos. • A interação fármaco-receptor depende de forças químicas que se estabelecem entre a molécula do fármaco e o sítio receptor da biomacromolécula, e quanto maior a intensidade das forças químicas que ligam o fármaco ao receptor, maior é a intensidade da resposta farmacológica. • Raramente, a ligação fármaco-receptor é produzida por um único tipo de interação, sendo que as interações podem ser classificadas em hidrofóbicas, forças eletrostáticas, forças de dispersão, ligações de hidrogênio e ligações covalentes. • Interações hidrofóbicas ocorrem entre cadeias ou subunidades apolares. Forças eletrostáticas são resultantes da interação entre dipolos e/ou íons de cargas opostas. Forças de dispersão são resultantes da aproximação de moléculas apolares por dipolo induzido. Ligações de hidrogênio ocorrem entre átomos eletronegativos e o átomo de hidrogênio de ligações do tipo O-H, N-H e F-H. Ligação covalente é a formação de ligação sigma entre dois átomos que contribuem cada qual com 1 elétron. • A ligação covalente é a de maior energia, cerca de 77 a 88 kcal/mol, enquanto as interações hidrofóbicas (aproximadamente 1 kcal/mol) e as forças de dispersão de London (cerca de 0,5 a 1,0 kcal/mol) são de fraca energia. • As propriedades físico-químicas dos fármacos, como a lipofilicidade, a solubilidade e a constante de ionização, apresentam grande relevância na etapa de reconhecimento molecular do fármaco pelo seu biorreceptor • Log P é a medida de lipofilicidade. Os valores de Log P podem ser medidos experimentalmente e/ou calculados. RESUMO DO TÓPICO 1 21 1 Os anestésicos locais bloqueiam reversivelmente os canais de sódio voltagem-dependentes, aumentando o limiar de dor. Sobre a estrutura geral do anestésico local representado na figura a seguir, considerando o tipo de interação intramolecular indicado pela letra A, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Interação íon-dipolo. b) ( ) Ligação de hidrogênio. c) ( ) Interação de van der Waals. d) ( ) Ligação covalente. 2 Na interação do fármaco com o seu receptor biológico, deve haver uma complementaridade molecular, a qual pode ser representada pelo modelo chave-fechadura de Emil Fischer. A respeito do reconhecimento do fármaco pelo seu receptor, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas: ( ) Um agonista modificado, que interage com seu receptor biológico, apresenta propriedades estruturais semelhantes ao agonista endógeno ou substrato natural. ( ) Um fármaco antagonista promove a resposta biológica esperada, porém com intensidade diferente do agonista natural. ( ) Um fármaco antagonista bloqueia o sítio receptor da biomacromolécula, impedindo a interação de um agonista endógeno e/ou modificado. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) V – V – F. b) ( ) V – F – V. c) ( ) F – V – F. d) ( ) F – V – V. AUTOATIVIDADE FONTE: A autora 22 3 Dificilmente a ligação do fármaco com o seu receptor é produzida por um único tipo de interação molecular. No entanto, entre os diferentes tipos de interações não covalentes, tem-se um tipo muito importante para os sistemas biológicos, responsável pela manutenção da estrutura α-hélice do DNA e caracterizado por ocorrer entre átomos eletronegativos e o átomo de hidrogênio de ligações do tipo O-H, N-H e F-H. Com base nesse tipo de interação, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Ligação de hidrogênio. b) ( ) Ligação iônica. c) ( ) Interação de van der Waals. d) ( ) Ligação covalente. 4 A atividade farmacológica de um composto é determinada por diversos fatores, e dentre eles tem-se a estrutura das macromoléculas envolvidas no reconhecimento molecular ligante-receptor. Com base nessa informação e observando a figura a seguir, quais as forças intermoleculares envolvidas na ligação do benzodiazepínico com o seu receptor (A, B e C)? Justifique. FONTE: A autora 5 A sulfanilamida apresenta log P = -0,66. O que significa um composto ter log P negativo? É possível a sulfanilamida ser insolúvel na água? Justifique. FONTE: A autora 23 TÓPICO 2 — UNIDADE 1 ESTEREOQUÍMICA DE FÁRMACOS 1 INTRODUÇÃO Embora o modelo chave-fechadura proposto por Emil Fischer seja útil para compreender a interação do fármaco com a biomacromolécula e os eventos envolvidos nesse reconhecimento, esse modelo é considerado “grosseiro” quando se analisa o que acontece na realidade, visto que a interação entre o fármaco e a biomacromolécula é tridimensional e dinâmica (FRAGA, 2001). Dessa forma, o tamanho molecular do fármaco (ligante), as distâncias interatômicas e o arranjo espacial entre os grupos farmacofóricos da molécula são de fundamental importância na compreensão dos aspectos envolvidos em uma interação fármaco-receptor. Na Figura 15, podemos observar, do ponto de vista tridimensional, o complexo fármaco-biomacromolécula, ilustrado pela interação do fármaco atorvastatina com a enzima hidroximetilglutaril-coenzima A (HMG-CoA) redutase, com um enfoque no arranjo espacial dos aminoácidos que constituem o sítio ativo (em laranja). FIGURA 15 – REPRESENTAÇÃO TRIDIMENSIONAL DO COMPLEXO DA HMG-COA REDUTASE COM O INIBIDOR ATORVASTATINA FONTE: Barreiro; Fraga (2015, p. 17) Assim, abordaremos a relevância da estereoquímica na atividade biológica dos fármacos. 24 UNIDADE 1 — ASPECTOS GERAIS DA AÇÃO DOS FÁRMACOS Para o melhor entendimento da estereoquímica de fármacos, é importante definirmos alguns conceitos: • Isômeros são compostos diferentes com a mesma fórmula molecular. • Estereoisômeros são isômeros cujos átomos possuem a mesma conectividade, mas diferem pelo arranjo espacial. • Enantiômeros são estereoisômeros que são imagens especulares um do outro, porémnão são superponíveis. • Diastereoisômeros são estereoisômeros que não são imagens especulares um do outro nem se superpõem. • Uma substância é quiral quando não é sobreponível com a sua imagem especular. IMPORTANT E 2 TEORIA DO ENCAIXE INDUZIDO A fim de introduzir os aspectos dinâmicos envolvidos no reconhecimento molecular de um fármaco pela biomacromolécula-alvo, Koshland propôs a teoria do encaixe induzido (PATRICK, 2013). De acordo com essa teoria, ocorre um ajuste topográfico e eletrônico (na maioria das vezes, reversível) entre o fármaco e o receptor que desencadeia o estímulo e resulta no efeito biológico. O acomodamento conformacional é recíproco no sítio receptor, e ele ocorre até que os valores de energia do complexo fármaco-receptor (ligante-biorreceptor) sejam os menores possíveis (Figura 16). FIGURA 16 – REPRESENTAÇÃO ESQUEMÁTICA DA TEORIA DO ENCAIXE INDUZIDO FONTE: Barreiro; Fraga (2015, p. 18) TÓPICO 2 — ESTEREOQUÍMICA DE FÁRMACOS 25 A interpretação da interação do fármaco-receptor pela teoria do encaixe induzido pode ser exemplificada pelas diferentes conformações bioativas de novos inibidores da enzima acetilcolinesterase (AChE), planejados como análogos (isto é, semelhantes) estruturais da tacrina, um fármaco utilizado no tratamento da doença de Alzheimer. Na Figura 17, podemos perceber que as três moléculas apresentam a unidade farmacofórica (tetraidro-4-aminoquinolina), responsável pela atividade biológica, porém suas orientações conformacionais bioativas e, consequentemente, seus modos de reconhecimento molecular pelo sítio receptor são relativamente distintos (BARREIRO; FRAGA, 2015). Pequenas alterações na estrutura de compostos de uma série congênere, ou seja, estruturalmente relacionada, podem resultar em grandes mudanças no perfil de interação com o receptor biológico, levando a possíveis interpretações comparativas falsas. IMPORTANT E FIGURA 17 – SOBREPOSIÇÃO DAS CONFORMAÇÕES BIOATIVAS DE INIBIDORES DA ACETIL- COLINESTERASE APÓS RECONHECIMENTO MOLECULAR PELO SÍTIO ATIVO DA ENZIMA FONTE: Adaptada de Barreiro; Fraga (2015, p. 18) 26 UNIDADE 1 — ASPECTOS GERAIS DA AÇÃO DOS FÁRMACOS No momento do reconhecimento molecular de determinados fármacos pelo biorreceptor, certos resíduos de aminoácidos podem ser expostos, a fim de permitirem a interação intermolecular com determinado grupamento do ligante. Assim, a Figura 18 mostra dois derivados peptoides inibidores da metaloproteinase-3 de matriz (MMP-3). O derivado 1 apresenta a subunidade N-metil-carboxamida terminal (destacada em azul), que se liga ao biorreceptor-alvo por meio de duas ligações de hidrogênio, ligação intermolecular importante para formação desse complexo fármaco-biorreceptor. Já o derivado 2 não apresenta essa subunidade, tendo como substituinte um grupamento hidrofóbico fenila, o que nos levaria a pensar que esse derivado mostraria uma menor afinidade pelo sítio receptor por não ser capaz de realizar ligações de hidrogênio. No entanto, o sítio ativo da MMP-3, induzido pela presença do derivado 2, expõe o aminoácido hidrofóbico leucina (Leu), o qual interage com a subunidade hidrofóbica fenila do derivado 2, proporcionando sua afinidade pela enzima-alvo. FIGURA 18 – ESTRUTURA CRISTALOGRÁFICA DOS COMPLEXOS ENTRE INIBIDORES PEPTOIDES COM A METALOPROTEASE-3 DE MATRIZ FONTE: Adaptada de Barreiro; Fraga (2015, p. 19) TÓPICO 2 — ESTEREOQUÍMICA DE FÁRMACOS 27 Com relação à interação fármaco-receptor e à teoria do encaixe induzido, Barreiro e Fraga (2015, p. 19) acrescentam que: pode-se considerar que a interação entre um bioligante e uma proteína deve ser imaginada como uma colisão entre dois objetos flexíveis. Nesse processo, o choque inicial do ligante com a superfície da proteína deve provocar o deslocamento de algumas moléculas de água superficiais sem, entretanto, garantir o acesso imediato ao sítio ativo, uma vez que o transporte do ligante ao sítio de reconhecimento molecular deve envolver múltiplas etapas de acomodamento conformacional que produzam o modo de interação mais favorável entálpica e entropicamente. 3 CONFIGURAÇÃO E ATIVIDADE BIOLÓGICA O químico Piutti, em 1886, foi um dos primeiros pesquisadores a relatar a relevância da configuração absoluta de compostos na atividade biológica. Esse pesquisador descreveu as diferentes sensações no paladar de enantiômeros do aminoácido asparagina (Figura 19), as quais eram decorrentes, de modos distintos, de interação do ligante pelo receptor localizado nas papilas gustativas (FRAGA, 2001). FIGURA 19 – PALADAR DOS ESTEREOISÔMEROS DA ASPARAGINA FONTE: Adaptada de Barreiro; Fraga (2015, p. 20) 28 UNIDADE 1 — ASPECTOS GERAIS DA AÇÃO DOS FÁRMACOS Muitas propriedades dos enantiômeros são idênticas, como a faixa de fusão e ebulição, e solubilidade. Outras podem ser diferentes: atividade biológica, gosto, cheiro, rotação do plano da luz polarizada (rotação óptica). ATENCAO Em 1933, Easson e Stedman elaboraram um modelo de três pontos, propondo que o reconhecimento molecular de um ligante com um simples carbono assimétrico pelo receptor biológico deveria envolver a participação de pelo menos três pontos e, dessa forma, o reconhecimento molecular de um determinado isômero não seria muito eficaz, caso perdesse um ou mais pontos de interação com o receptor ou, ainda, apresentasse novas interações repulsivas com resíduos de aminoácidos do receptor (FRAGA, 2001). O modelo de três pontos pode ser exemplificado pelo reconhecimento estereoespecífico do fármaco propranolol (Figura 20). O enantiômero (S)- propranolol é reconhecido pelos receptores β-adrenérgicos, por meio de três principais pontos de interação: • Interações hidrofóbicas entre o receptor e o grupamento lipofílico naftila do fármaco. • Ligação de hidrogênio entre o aspartato e o átomo de hidrogênio da hidroxila da cadeia lateral do fármaco. • Interação do tipo íon-dipolo entre a asparagina e o grupamento amina da cadeia lateral do fármaco (ionizado em pH fisiológico). Por outro lado, o enantiômero (R)-propranolol apresenta apenas dois pontos de interação, o ponto de interações hidrofóbicas e o ponto de interação íon-dipolo, o que altera drasticamente sua atividade betabloqueadora devido à menor afinidade com o receptor decorrente de um ponto de interação e, além disso, esse enantiômero apresenta efeitos secundários associados à inibição do processo de conversão da tiroxina, um hormônio da tireoide, a tri-iodotironina. FIGURA 20 – RECONHECIMENTO MOLECULAR DOS GRUPAMENTOS FARMACOFÓRICOS DOS ENANTIÔMEROS DO PROPRANOLOL PELOS RECEPTORES BETA1 E BETA2-ADRENÉRGICOS TÓPICO 2 — ESTEREOQUÍMICA DE FÁRMACOS 29 FONTE: Adaptada de Barreiro; Fraga (2015, p. 21) O enantiômero de um fármaco que apresenta o efeito farmacológico desejado e que exibe maior afinidade e potência pelos sítios-alvo, é denominado eutômero, enquanto seu antípoda, ou seja, o enantiômero de menor afinidade pelo sítio do receptor, é denominado distômero. NOTA No entanto, a magnitude da influência da configuração absoluta na atividade biológica só ganhou força a partir da “tragédia da talidomida”, um fármaco muito utilizado por gestantes nas décadas de 1950 e 1960 para o alívio do mal-estar matinal, que resultou no nascimento de mais de 10 mil crianças em todo o mundo com malformações congênitas. A talidomida, comercializada em sua forma racêmica, ou seja, uma mistura em que os seus isômeros estão presentes em quantidades equivalentes, foi a responsável pelos casos de teratogenicidade, embora os estudos clínicos realizados na época não tenham indicado a sua toxicidade. De acordo com Machado (2013), os isômeros da talidomida (Figura 21) apresentam diferenças entre siem relação à ação terapêutica e aos efeitos secundários. Os efeitos teratogênicos são atribuídos ao enantiômero de configuração absoluta S, enquanto o enantiômero R é desprovido desse efeito tóxico e é o isômero responsável pelos efeitos sedativos de interesse para o alívio de enjoos. É importante destacar que, nesse caso, a obtenção do isômero R, em sua forma pura, não é viável, visto que, quando administradas separadamente, as formas R e S sofrem rápida interconversão in vivo. 30 UNIDADE 1 — ASPECTOS GERAIS DA AÇÃO DOS FÁRMACOS FIGURA 21 – ESTEREOISÔMEROS DA TALIDOMIDA FONTE: A autora Atualmente, os efeitos biológicos dos estereoisômeros são avaliados antes de um fármaco ser lançado no mercado, e muitos produtos são comercializados enantiomericamente puros, ou seja, apresentando apenas um dos isômeros. No Quadro 1, encontram-se alguns exemplos de fármacos estereoisômeros e suas atividades biológicas. Assim como a configuração absoluta tem grande importância na atividade biológica de fármacos, a configuração relativa, para isômeros geométricos (diastereoisômeros), também pode repercutir no reconhecimento molecular do ligante pela biomacromolécula e, consequentemente, na atividade biológica, devido à diminuição de pontos de interação e redução de sua afinidade para ligantes alicíclicos, conforme pode ser observado na Figura 22. QUADRO 1 – COMPARAÇÃO ENTRE A ATIVIDADE BIOLÓGICA E A CONFIGURAÇÃO ABSOLUTA DE SUBSTÂNCIAS RELACIONADAS ENANTIOMERICAMENTE FONTE: Adaptado de Bermudez; Barragat (1996) Nome da substância Configuração dextrogira(ou como especificado) Configuração levogira (ou como especificado) Fenilalanina Doce Amargo Verapamil Ação antitumoral Ação antiarrítmica Cloranfenicol (R,R) Antibacteriano (S,S) Inativo Etambutol (R,R) Causa cegueira (S,S) Tuberculostático Penicilamina forma R: extremamente tóxico forma S: antiartrítico Propranolol Contraceptivo Anti-hipertensivo, antiarrítmico FIGURA 22 – CONFIGURAÇÃO RELATIVA E RECONHECIMENTO MOLECULAR LIGANTE-RECEPTOR TÓPICO 2 — ESTEREOQUÍMICA DE FÁRMACOS 31 FONTE: Barreiro; Fraga (2015, p. 22) Um exemplo, dado por Barreiro e Fraga (2015), que ilustra a influência da isomeria geométrica (cis-trans, E-Z) na atividade biológica de um determinado fármaco é o trans-dietilestilbestrol, um estrogênio sintético que apresenta uma configuração relativa quanto aos grupamentos para-hidroxifenila, que mimetiza o arranjo molecular do ligante natural, o hormônio estradiol, com uma distância de 12,0 Å entre os grupamentos farmacofóricos. Já o cis-dietilestilbestrol apresenta distância entre os grupamentos farmacofóricos (7,7 Å) inferior à necessária ao reconhecimento molecular pelo receptor biológico e, consequentemente, tem atividade estrogênica menor do que o isômero trans, em cerca de 14 vezes (Figura 23). FIGURA 23 – RECONHECIMENTO MOLECULAR DOS GRUPAMENTOS FARMACOFÓRICOS DOS ESTEREOISÔMEROS TRANS E CIS-DIETILESTILBESTROL FONTE: Fraga (2001, p. 41) Para ficar mais bem familiarizado e obter melhor clareza sobre a relação da quiralidade com o efeito farmacológico dos fármacos, sugerimos a leitura do seguinte artigo científico: http://qnesc.sbq.org.br/online/cadernos/03/quiral.pdf. Ótima leitura! DICAS http://qnesc.sbq.org.br/online/cadernos/03/quiral.pdf 32 UNIDADE 1 — ASPECTOS GERAIS DA AÇÃO DOS FÁRMACOS 4 CONFORMAÇÃO E ATIVIDADE BIOLÓGICA A conformação refere-se ao arranjo espacial das moléculas, a qual é variável, devido à rotação das ligações sigma. Esse tipo especial de estereoisomeria está relacionado a energias inferiores a 10 kcal/mol e é de extrema importância para o reconhecimento molecular de substâncias endógenas, como a dopamina e a acetilcolina, ou exógenas, que dependem da modulação de certos subtipos de receptores (por exemplo, D1/D2/D3/D4/D5 e muscarínicos/nicotínicos) (FRAGA, 2001). Para entender as diferenças entre os termos configuração e conformação: • Configuração: mudança de “forma” requer quebra de ligação. Com isso, as moléculas são diferentes. • Conformação: mudança de “forma” não requer quebra de ligação; está relacionada apenas com o giro de ligação. Com isso, as moléculas são iguais. Na conformação, tem-se os confôrmeros, estruturas que podem ser convertidas de uma para outra mediante rotação e deformação, mas não ruptura de ligações, e se encontram em equilíbrio tão rápido que, sob condições comuns, não podem ser isoladas. Um exemplo ilustrativo da importância dos fatores conformacionais de uma substância para o seu reconhecimento molecular é o da acetilcolina, um relevante neurotransmissor do sistema nervoso parassimpático. A acetilcolina é capaz de sensibilizar e atuar em dois subtipos de receptores: • receptores muscarínicos: localizados predominantemente no sistema nervoso periférico; • receptores nicotínicos: localizados predominantemente no sistema nervoso central. Os efeitos biológicos são diferentes quando a acetilcolina interage com cada um dos subtipos dos receptores e cada uma dessas interações envolvem arranjos espaciais diferentes dos grupamentos farmacofóricos (grupos acetato e amônio quaternário) com o sítio receptor. Entre essas possíveis conformações, temos a antiperiplanar, em que o afastamento entre os grupamentos farmacofóricos da acetilcolina é máximo, e a sinclinal, na qual os grupamentos farmacofóricos apresentam um ângulo de 60 graus entre si. A conformação antiperiplanar da acetilcolina está envolvida na interação com o subtipo muscarínico, enquanto a sua conformação sinclinal é a forma reconhecida pelo subtipo nicotínico, como pode ser visto na Figura 24, na qual também podemos observar o reconhecimento molecular dos ligantes de origem natural muscarina e nicotina, pelos receptores muscarínicos e nicotínicos, respectivamente. TÓPICO 2 — ESTEREOQUÍMICA DE FÁRMACOS 33 Os fatores conformacionais são determinantes para os fármacos psicotrópicos. A dopamina, um neurotransmissor da classe das catecolaminas, apresenta diferentes confôrmeros, devido à unidade catecólica ser capaz de realizar ligações de hidrogênio intramoleculares, que levam a diferenciar as hidroxilas meta e para da unidade catecólica nos seus diferentes confôrmeros. A diversidade conformacional da dopamina influencia diretamente nas interações com os seus subtipos de receptores biológicos, uma vez que os grupamentos funcionais contribuem com interações que são relevantes, do ponto de vista energético, e ainda apresentam distâncias diferentes entre si, que alteram o reconhecimento molecular (BARREIRO; FRAGA, 2015). FIGURA 24 – VARIAÇÕES CONFORMACIONAIS DA ACETILCOLINA E O RECONHECIMENTO MOLECULAR SELETIVO DOS GRUPAMENTOS FARMACOFÓRICOS PELOS RECEPTORES MUSCARÍNICOS E NICOTÍNICOS FONTE: Fraga (2001, p. 42) 34 UNIDADE 1 — ASPECTOS GERAIS DA AÇÃO DOS FÁRMACOS Na Figura 25, podemos ver os confôrmeros da dopamina, nas quais temos as conformações sinclinais ou “gauche” nos confôrmeros a e b, com distância intramolecular de 6,2 Å entre os grupamentos amino terminal e a para-hidroxila do sistema catecólico, e as conformações anticlinal em c e antiperiplanar em d, em que os grupamentos citados ficam mais afastados em cerca de 7 Å e 7,8 Å, respectivamente (BARREIRO; FRAGA, 2015). FIGURA 25 – CONFÔRMEROS DA DOPAMINA FONTE: Barreiro; Fraga (2015, p. 294) TÓPICO 2 — ESTEREOQUÍMICA DE FÁRMACOS 35 No desenvolvimento de novos fármacos, algumas estratégias de modificação molecular são utilizadas com o intuito de deslocar o equilíbrio de variados confôrmeros para uma conformação definida, o que é chamado de restrição conformacional, como a anelação e o efeito-orto. NOTA Os aspectos abordados neste tópico destacam a importância das propriedades estereoquímicas das moléculas sobre a formação de interações entre os ligantes/fármacose o sítio receptor, necessárias para desencadear o efeito biológico esperado. Além disso, a estereosseletividade dos enantiômeros pode influenciar na farmacocinética do fármaco, podendo alterar o metabolismo – como será visto no Tópico 3. 36 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • A interação entre o fármaco e a biomacromolécula-alvo é tridimensional e dinâmica, e, com isso, o tamanho molecular, as distâncias interatômicas e o arranjo espacial entre os grupos farmacofóricos da molécula são importantes em uma interação fármaco-receptor. • Na teoria do encaixe induzido, ocorre um ajuste topográfico e eletrônico entre o fármaco e o receptor, que resulta no efeito biológico. • No modelo de três pontos, o reconhecimento molecular de um ligante com um carbono assimétrico pelo biorreceptor deve envolver a participação de pelo menos três pontos de interação. • A “tragédia da talidomida” mostrou a magnitude da influência da estereoquímica de fármacos na atividade biológica e, hoje, os efeitos biológicos dos estereoisômeros são avaliados antes de um fármaco ser lançado no mercado, sendo muitos produtos comercializados enantiomericamente puros. • A conformação refere-se ao arranjo espacial das moléculas e é de grande importância no reconhecimento molecular de substâncias endógenas, como a dopamina e a acetilcolina. 37 1 A estereoquímica de fármacos é uma propriedade que deve ser considerada na interação entre o fármaco e o receptor, sendo os estereoisômeros aqueles cujos átomos possuem a mesma conectividade, porém diferem pelo arranjo espacial. A respeito dos estereoisômeros, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas: ( ) Apresentam algumas propriedades físico-químicas idênticas e outras diferentes. ( ) As diferenças na solubilidade entre R e S explicam, muitas vezes, alterações na fase farmacocinética. ( ) A faixa de fusão é uma análise simples que permite diferenciar compostos R e S. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) F – F – F. b) ( ) V – F – V. c) ( ) F – V – F. d) ( ) V – F – F. 2 A acetilcolina é um relevante neurotransmissor do sistema nervoso parassimpático, capaz de sensibilizar mais de um subtipo de receptor, podendo exercer efeitos biológicos diferentes. Sobre a interação dos confôrmeros da acetilcolina com os seus respectivos receptores, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) O confôrmero antiperiplanar é responsável pela interação com receptores muscarínicos. b) ( ) O confôrmero sinclinal é responsável pela interação com receptores muscarínicos. c) ( ) O confôrmero anticlinal é responsável pela interação com receptores nicotínicos. d) ( ) O confôrmero sinclinal apresenta a conformação de mais alta energia e deve interagir com o receptor por encaixe-induzido. 3 A conformação é de grande importância no reconhecimento molecular de substâncias endógenas pelo seu receptor biológico e está relacionada com o arranjo espacial das moléculas. Analise a estrutura a seguir e classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas: AUTOATIVIDADE FONTE: A autora 38 FONTE: A autora ( ) Essa estrutura corresponde à dopamina, que apresenta diversos confôrmeros. ( ) A subunidade catecólica dessa substância pode formar ligação de hidrogênio intramolecular. ( ) Os grupamentos amino terminal e a para-hidroxila na conformação antiperiplanar encontram-se mais próximos, com distância intramolecular de 6,2 Å. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) F – F – V. b) ( ) V – F – V. c) ( ) V – V – F. d) ( ) V – F – F. 4 Anos após de ter sido retirada do mercado após diversos casos de malformação congênita, a talidomida foi reintroduzida no mercado devido a seus efeitos anti-inflamatórios para o tratamento de hanseníase. Sabendo que a forma S da talidomida é a responsável pelo efeito teratogênico, a separação quiral do estereoisômero R é justificada, a fim de o paciente utilizar apenas a forma ativa e evitar a teratogenicidade? Justifique. 5 Na busca por novos análogos do estradiol com atividade contraceptiva, foram desenvolvidos os compostos 1 e 2. Considerando as estruturas apresentadas na figura a seguir, o que você esperaria da atividade de cada um dos compostos com base no estradiol como referência? Justifique. 39 TÓPICO 3 — UNIDADE 1 METABOLISMO DE FÁRMACOS 1 INTRODUÇÃO O metabolismo é uma das fases da farmacocinética que está diretamente ligada à depuração dos fármacos e, dessa forma, evita que ocorra um acúmulo indesejado do fármaco na biofase. Do ponto de vista fisiológico, o metabolismo de fármacos pode ser mensurado pela biodisponibilidade e clearance – ambos parâmetros farmacocinéticos. A biodisponibilidade é um parâmetro influenciado pelo metabolismo pré-sistêmico, enquanto o clearance sofre influência do metabolismo pós-sistêmico. Esses dois parâmetros combinados influenciam a quantidade total do fármaco disponível na circulação sanguínea, a qual é medida por meio da área sob a curva (AUC) de um gráfico de concentração plasmática do fármaco versus tempo (Figura 26). FIGURA 26 – ÁREA SOB A CURVA (AUC) VERSUS O TEMPO E A INFLUÊNCIA DA BIODISPONIBILIDADE E CLEARANCE FONTE: A autora O fármaco livre, ou seja, aquele não complexado a proteínas, é depurado principalmente pelo fígado e pelos rins. De modo geral, os fármacos lipofílicos sofrem metabolismo hepático, enquanto os fármacos hidrofílicos sofrem metabolismo renal. Os fármacos lipofílicos ainda sofrem um processo de reabsorção após filtração glomerular, sendo impedidos de serem depurados pelos rins, pois, para isso, o fármaco deve ser transformado em metabólitos mais hidrofílicos, por meio de reações enzimáticas, que serão vistas mais adiante (BARREIRO; FRAGA, 2015). 40 UNIDADE 1 — ASPECTOS GERAIS DA AÇÃO DOS FÁRMACOS Do ponto de vista molecular, as reações de metabolismo de fase 1 e fase 2 têm como principal objetivo transformar fármacos lipofílicos em metabólitos hidrofílicos, a fim de favorecer a eliminação por via renal. ATENCAO Tradicionalmente, o metabolismo é dividido em metabolismo de fase 1 ou biotransformação e metabolismo de fase 2. De acordo com Barreiro e Fraga (2015), recentemente, foi incluído na classificação de Williams o metabolismo de fase 3, que inclui as proteínas transportadoras de efluxo, que auxiliam o processo de detoxificação. O conhecimento do metabolismo de fármacos é imprescindível no desenvolvimento de novos fármacos, visto que o efeito terapêutico do fármaco depende, como já vimos, da sua complementaridade molecular com o receptor- alvo, etapa que, por sua vez, depende da quantidade do fármaco que atinge o sítio-alvo. Os parâmetros de biodisponibilidade e meia-vida são influenciados diretamente pelo metabolismo, bem como as reações de fase 1 e fase 2 influenciam na intensidade e duração dos efeitos biológicos e/ou tóxicos dos fármacos e dos seus metabólitos ativos. A seguir, conheceremos um pouco mais sobre cada uma dessas fases. 2 METABOLISMO DE FASE 1 O metabolismo de fase 1 ou biotransformação envolve reações de oxidação, redução e hidrólise, e, em casos especiais, as desalquilações, um tipo especial de reação oxidativa. As primeiras geralmente resultam em metabólitos hidroxilados, enquanto as desalquilações formam metabólitos com a introdução de radicais OH, NH2 e SH (BARREIRO; FRAGA, 2015). Embora as reações de fase 1 gerem metabólitos de maior polaridade, quando comparados aos fármacos originais, na maioria das vezes, elas são insuficientes para aumentar a hidrofilia, a ponto desses metabólitos serem eliminados pela via renal. Com isso, de modo geral, o metabolismo de fase 1 atua funcionalizando a estrutura molecular do fármaco,
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