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Alice Bastos Reparo tecidual Introdução O reparo refere-se à restauração da arquitetura e da função dos tecidos após a lesão; Pode ocorrer por meio de dois tipos de reação: Regeneração através da proliferação de células residuais (não lesadas) e da maturação das células-tronco teciduais; Deposição de tecido conjuntivo para formar uma cicatriz. Regeneração Alguns tecidos conseguem substituir os componentes danificados e retornar ao seu estado normal; Envolve a proliferação celular (controlada por fatores de crescimento) e o desenvolvimento de células maduras a partir das células-tronco. Formação de cicatriz Ocorre quando os tecidos lesados não conseguem restituir-se por completo ou quando as estruturas de suporte tecidual estão severamente lesadas; Embora a cicatriz fibrosa não seja normal, ela fornece estabilidade estrutural suficiente para que o tecido lesado possa funcionar. Proliferação celular Vários tipos de células proliferam durante o reparo tecidual: O tecido lesado remanescente (tenta restaurar a estrutura normal); As células endoteliais vasculares (para criar novos vasos); Fibroblastos (origem do tecido fibroso para formar a cicatriz); Com base na sua capacidade de proliferação intrínseca, os tecidos do corpo são divididos em três grupos: tecidos lábeis ou instáveis, tecidos estáveis e tecidos permanentes. Tecidos lábeis ou instáveis As células são perdidas continuamente e substituídas pela maturação de células-tronco e proliferação de células maduras; Podem regenerar-se prontamente após a lesão, desde que a reserva de células-tronco esteja preservada; Exemplos: Células hematopoiéticas na medula óssea; Maioria dos epitélios de superfície (epitélios escamosos estratificados da pele, cavidade oral, vagina e cérvice; epitélio colunar do trato gastrointestinal, útero e tubas uterinas, epitélios cuboides dos ductos que drenam os órgãos exócrinos). Tecidos estáveis As células são quiescentes (estão no estágio G0 do ciclo celular) e possuem atividade proliferativa mínima; São células capazes de se dividir em resposta à lesão ou à perda de massa tecidual; Exemplos: Células que constituem o parênquima da maior parte dos tecidos sólidos (como rim, fígado e pâncreas); Alice Bastos Células endoteliais, fibroblastos e células musculares lisas. OBSERVAÇÃO! Com exceção do fígado, os tecidos estáveis têm capacidade limitada de se regenerar após eventuais lesões. Tecidos permanentes Na vida pós-natal, essas células são diferenciadas e não proliferativas; Qualquer capacidade proliferativa desses tecidos é insuficiente para produzir regeneração dos tecidos após lesões; O reparo é realizado pela formação de cicatriz; Exemplos: Neurônios; Células do músculo cardíaco. IMPORTANTE! A restauração da arquitetura normal dos tecidos pode ocorrer apenas se o tecido residual estiver estruturalmente intacto, ou após a ressecção cirúrgica parcial; Se o tecido inteiro estiver lesado por uma infecção ou inflamação, a regeneração é incompleta e é acompanhada de cicatriz. Controle da proliferação celular A proliferação celular é controlada por sinais promovidos pelos fatores de crescimento e pela matriz extracelular; Os fatores de crescimento são produzidos por células próximas ao local do dano; Essas células podem ser os macrófagos ativados pela lesão tecidual, células epiteliais e estromais; Os fatores de crescimento ativam as vias de sinalização, as quais induzem a produção de proteínas envolvidas na condução de células até o ciclo celular, e outras proteínas que liberam blocos no ciclo celular (pontos de checagem); As células também usam as integrinas para se ligar às proteínas da MEC, e os sinais das integrinas também podem estimular a proliferação celular. Cicatrização Quando o reparo não pode ser alcançado somente pelo processo de regeneração, ele ocorre por meio da formação de uma cicatriz (substituição das células lesadas por tecido conjuntivo); Em alguns casos, o reparo pode acontecer por meio de uma combinação de regeneração + formação de cicatriz. Etapas da formação de cicatriz A formação de cicatriz consiste em processos sequenciais que se seguem à lesão dos tecidos e à resposta inflamatória; Os processos são: Angiogênese; Formação do tecido de granulação; Remodelamento do tecido conjuntivo; O reparo começa no prazo de 24 horas depois da lesão, através da migração de fibroblastos e do estímulo de proliferação fibroblástica e de células endoteliais; Do terceiro ao quinto dia, o tecido de granulação especializado, característico do reparo, já é evidente. Alice Bastos Angiogênese É o processo de desenvolvimento de novos vasos sanguíneos a partir dos vasos sanguíneos existentes; Consiste nas seguintes etapas: 1. Vasodilatação (em resposta ao óxido nítrico) e aumento de permeabilidade (induzida pelo fator de crescimento endotelial vascular - VEGF); 2. Separação de pericitos (células que revestem os vasos sanguíneos) da superfície abluminal (é a superfície externa dos vasos, que não está voltada para o lúmen) e quebra da membrana basal, permitindo a formação de um broto vascular; 3. Migração de células endoteliais em direção à área de lesão tecidual; 4. Proliferação de células endoteliais logo atrás das células migratórias orientadoras; 5. Remodelamento em tubos capilares; 6. Recrutamento de células periendoteliais (pericitos para pequenos capilares e células musculares lisas para vasos maiores) para formar o vaso maduro; 7. Supressão da proliferação, com migração endotelial e deposição da membrana basal; O processo envolve várias vias de sinalização, interações célula-célula, proteínas da matriz extracelular (MEC) e enzimas teciduais. Fatores de crescimento Os fatores de crescimento endotelial vascular (VEGFs), principalmente VEGF-A, estimulam a migração e a proliferação de células endoteliais, iniciando, dessa forma, o processo de brotamento capilar na angiogênese; Também promovem a vasodilatação ao estimular a produção de NO e contribuem para a formação da luz vascular; Fatores de crescimento de fibroblastos (FGFs), principalmente o FGF-2, estimulam a proliferação de células endoteliais; Também promovem a migração de macrófagos e fibroblastos para a área da lesão, estimulando a migração das células epiteliais para recobrir feridas da epiderme; Angiopoietinas 1 e 2 possuem papel importante na maturação estrutural de vasos novos; PDGF e TGF-ẞ participam da estabilização dos vasos recém-formados; PDGF recruta as células musculares lisas; TGF-ẞ inibe a proliferação e a migração endotelial, além de melhorar a produção de proteínas da MEC. Sinalização Notch Regula o brotamento e a formação de ramos de vasos novos, garantindo que os vasos neoformados tenham o espaço adequado para fornecer sangue efetivamente para o tecido que está sendo reparado. Proteínas MEC Participam do brotamento de vasos por meio das interações com os receptores de integrina nas células endoteliais, ao proporcionar suporte para o crescimento dos vasos. Enzimas na MEC Destaque para as metaloproteinases de matriz (MMPs), que degradam a MEC para permitir o remodelamento e a extensão do tubo vascular. Alice Bastos Deposição de tecido conjuntivo Ocorre em duas etapas: Migração e proliferação de fibroblastos para o local da lesão; Deposição das proteínas da MEC produzidas por essas células; Esse processo é coordenado por citocinas e fatores de crescimento localmente produzidos (incluindo o PDGF, o FGF-2 e o TGF-ẞ); As principais fontes desses fatores são as células inflamatórias, principalmente os macrófagos ativados alternativamente (M2), que estão presentes nos locais de lesão notecido de granulação; Os locais de inflamação também são ricos em mastócitos e, em um meio quimiotático apropriado, linfócitos também podem estar presentes; Cada um deles pode secretar citocinas e fatores de crescimento que contribuem para a proliferação e a ativação de fibroblastos; Dentre as citocinas, o TGF-ẞ é a mais importante para a síntese e a deposição de proteínas do tecido conjuntivo; É produzido pela maioria das células no tecido de granulação; Sua atividade estimula a migração e a proliferação de fibroblastos, o aumento da síntese de colágeno e fibronectina, além de reduzir a degradação da MEC devido à inibição das metaloproteinases; À medida que o reparo prossegue, o número de fibroblastos e novos vasos proliferativos diminui; Os fibroblastos assumem um fenótipo mais sintético e, em consequência, há aumento na deposição de MEC; A síntese do colágeno é primordial para o desenvolvimento de resistência no local de reparo da ferida; A síntese é feita pelos fibroblastos logo no começo do reparo das feridas (dias 3 a 5) e prossegue por várias semanas, dependendo do tamanho da ferida; O acúmulo da rede de colágeno depende não apenas do aumento de síntese, mas também da diminuição da degradação; O tecido de granulação formado evolui para uma cicatriz composta principalmente de fibroblastos fusiformes e inativos, colágeno denso, fragmentos de tecido elástico e outros componentes da MEC; À medida que a cicatriz vai amadurecendo, ocorre diminuição vascular progressiva e o tecido de granulação (altamente vascularizado) é transformado em uma cicatriz pálida e avascular; Alguns fibroblastos adquirem características de células musculares lisas (presença de filamentos de actina), contribuindo para a contração da cicatriz ao longo do tempo. Remodelamento do tecido conjuntivo A maturação e a reorganização do tecido conjuntivo produzem a cicatriz fibrosa estável; Após a sua deposição, o tecido conjuntivo na cicatriz continua a ser modificado e remodelado; O resultado do processo de reparo é influenciado pelo equilíbrio entre a síntese e a degradação de proteínas da MEC; A degradação dos colágenos e de outros componentes da MEC é realizada pela família de metaloproteinases de matriz (MMPs); São chamadas assim porque dependem de íons de metal para sua atividade; As MMPs incluem: Colagenases intersticiais (MMPs-1, -2, -3): clivam o colágeno fibrilar; Gelatinases (MMP-2 e 9): degradam o colágeno amorfo e fibronectina; Estromelisinas (MMP-3, -10 e 11): degradam uma variedade de constituintes da MEC, incluindo proteoglicanos, laminina, fibronectina e colágeno amorfo; As MMPs são produzidas por fibroblastos, macrófagos, neutrófilos, células sinoviais e algumas células epiteliais; A síntese e secreção são reguladas de forma rígida por fatores de crescimento, citocinas e outros agentes; Alice Bastos Essas MMPs são produzidas como precursores inativos (zimogênios) que são ativados, posteriormente, por proteases encontradas provavelmente no local de lesão; Durante a formação da cicatriz, as MMPs são ativadas para remodelar a MEC depositada e posteriormente, sua atividade é inibida pelos inibidores de metaloproteinases de tecidos específicos (TIMPs); Os TIMPs são produzidos pela maioria das células mesenquimais. Fatores que influenciam o reparo tecidual O reparo tecidual pode ser alterado por vários fatores que reduzem a qualidade ou a adequação do processo de reparo ativo; As variáveis que influenciam podem ser extrínsecas ou intrínsecas ao tecido lesado, além de sistêmicas ou locais. Infecção É uma das causas mais importantes de demora no processo de reparo, uma vez que, prolonga a inflamação e aumenta a lesão tecidual local. Diabetes É uma doença metabólica que compromete o reparo tecidual por muitas razões; É uma das causas sistêmicas mais importantes de reparo anormal das feridas. Estado nutricional A deficiência de proteínas e a carência de vitamina C inibem a síntese de colágeno e retardam o reparo. Glicocorticoides (esteroides) Sua administração pode resultar na fraqueza da cicatriz devido à inibição da produção de TGF-ẞ e à diminuição de fibrose; Em alguns casos, seus efeitos são desejáveis; São receitados em alguns casos de infecções da córnea, com o intuito de reduzir a probabilidade da opacidade, que pode ocorrer por causa da deposição de colágeno. Fatores mecânicos Por exemplo, o aumento de pressão ou torsão, que podem provocar separação das férias. Perfusão deficiente Pode ser decorrente de arteriosclerose, diabetes ou drenagem venosa obstruída. Corpos estranhos Fragmentos de aço, vidro ou até mesmo osso, são capazes de impedir o reparo. Tipo e extensão da lesão tecidual A completa restauração pode ocorrer apenas em tecidos compostos por células estáveis e lábeis; Uma completa lesão provavelmente resultará em regeneração tecidual incompleta e, pelo menos, em perda parcial de função; A lesão dos tecidos compostos por células permanentes resulta em cicatrização com, no máximo, tentativas de compensação funcional pelos elementos viáveis remanescentes. Local da lesão e a característica do tecido no qual a lesão ocorre A inflamação que surge em espaços teciduais (ex.: pleural, peritoneal) desenvolve exsudatos extensos; Nesses casos ocorre a resolução: o reparo ocorre por meio da digestão do exsudato, iniciada pelas enzimas proteolíticas de leucócitos e pela reabsorção do exsudato liquefeito; No caso de ausência de necrose celular, a arquitetura normal dos tecidos é geralmente restaurada; Em situações de maior acúmulo, o exsudato evolui para organização: o tecido de granulação cresce dentro do exsudato e, por fim, forma-se uma cicatriz fibrosa. Referência KUMAR, V.; ABBAS, A. K.; ASTER, J. C. Inflamação e reparo. In: KUMAR, V.; ABBAS, A. K.; ASTER, J. C. Robbins & Cotran: bases patológicas das doenças. 9. Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016. p. 146-215.
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