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Direito Civil Nairo José Borges Lopes A Persistência da Memória (Salvador Dalí, 1931) DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 1 1 FATOS JURÍDICOS. CLASSIFICAÇÃO E EFEITOS "O real não está nem na saída, nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia." (Riobaldo, o filósofo do Sertão de Guimarães Rosa) A vida é uma sucessão de acontecimentos, de fatos originados por vezes da força da natureza e em outras oportunidades da conduta humana. O valor e o efeito desses fatos não são iguais. A norma jurídica é que irá dar valor a esses fatos, qualificando-os, adjetivando-os e juridicizando-os (Fato – Valor – Norma). Os fatos são relevantes para o direito quando interferem, direta ou indiretamente, no relacionamento intersubjetivo (inter-humano), afetando de algum modo o equilíbrio ou a posição entre as pessoas (físicas e/ou jurídicas) em sociedade (relações jurídicas). Dada a relevância, a norma imputa certos efeitos e/ou consequências quando esses fatos ocorrem. FATO JURÍDICO E FATO MATERIAL (AJURÍDICO) O fato jurídico se caracteriza pela produção de efeitos jurídicos, por isso se diferencia do fato material, que não produz efeitos jurídicos relevantes ou merecedores de consideração. Não importa a NATUREZA INTRÍNSECA DO FATO (o fato em si), mas sim a produção de EFEITOS NORMATIZADOS. Uma chuva de granizo pode ou não ser fato jurídico, a depender de seus efeitos. Assim, o Direito está contido no Mundo Fático. Para que um acontecimento pertença ao mundo jurídico, é preciso que ele passe por diferentes momentos: 1) Definição pela norma jurídica da hipótese fática merecedora de qualificação; 2) Concreção da hipótese definida na realidade (realização concreta da hipótese); 3) Incidência automática da norma sobre a hipótese; 4) Juridicização do acontecimento. DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 2 Exemplo: nascimento Ou, de forma mais simples (Maria Helena Diniz): 1) Fato: qualquer evento que atue sobre o direito subjetivo + 2) Juridicização: declaração/incidência da norma jurídica que confere efeitos ao fato (direito objetivo). DEFINIÇÃO DE FATO JURÍDICO E A QUESTÃO DOS EFEITOS Duas definições podem ser dadas sobre os fatos jurídicos, levando em conta (ou não) a produção de efeitos: - Caio Mário da Silva Pereira: fatos jurídicos são os acontecimento em virtude dos quais começam, se modificam ou se extinguem as relações jurídicas. - Washington de Barros Monteiro: fatos jurídicos são os acontecimentos contemplados pela lei, dos quais decorrem o nascimento, subsistência e perda dos direitos. Veja-se que todas definições levam em conta apenas os efeitos jurídicos do fato (aquisição, modificação, conservação e extinção). Porém, existem fatos jurídicos que nem sempre produzirão efeitos, fugindo, assim, da definição desses autores. Nelson Rosenvald cita o caso do testamento, que, uma vez revogado, jamais produzirá efeitos, mas mesmo assim é considerado fato jurídico. Seus efeitos seriam produzidos após a morte, mas se revogado deixará de existir, sem nunca ter produzido efeito algum (entendimento semelhante é adotado por Pontes de Miranda e Pietro Perlingieri). A conceituação adequada do fato jurídico deverá levar em conta essa possibilidade de ocorrência dos efeitos. Assim, os efeitos estão no ato apenas em potência. Poderão vir a ocorrer, porém, isso não o descaracteriza como fato jurídico. CONCEITO DE FATO JURÍDICO EM SENTIDO AMPLO é o acontecimento natural ou humano capaz de produzir efeitos (criar, modificar, conservar ou extinguir direitos ou situações jurídicas concretas) na ordem jurídica. DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 3 CLASSIFICAÇÃO (CONFORME CARLOS ROBERTO GONÇALVES) FATOS NATURAIS Os fatos naturais, também denominados fatos jurídicos em sentido estrito, dividem-se em: ■ ordinários, como o nascimento e a morte, que constituem respectivamente o termo inicial e final da personalidade, bem como a maioridade, o decurso do tempo; ■ extraordinários, que se enquadram, em geral, na categoria do fortuito e da força maior: terremoto, raio, tempestade etc. FATOS HUMANOS LÍCITOS – ATOS LÍCITOS OU ATOS JURÍDICOS EM SENTIDO AMPLO Os atos lícitos dividem-se em: ■ ato jurídico em sentido estrito ou meramente lícito; ■ negócio jurídico; e ■ ato-fato jurídico. DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 4 Nos dois primeiros exige-se a manifestação de vontade. No último, não há manifestação de vontade, daí sua natureza híbrida. ATO JURÍDICO EM SENTIDO ESTRITO. Quando o ato e seus efeitos (consequências) já se encontram previstas na lei, não havendo, por isso, qualquer dose de escolha da categoria jurídica. Exemplos: (1) a notificação, que constitui em mora o devedor, (2) o reconhecimento de filho e adoção, (3) a tradição, (4) a ocupação (5) o uso de uma coisa (6) casamento. A ação humana se baseia NÃO numa vontade qualificada, mas em simples intenção, como quando alguém fisga um peixe, dele se tornando proprietário graças ao instituto da ocupação. O ato material dessa captura não demanda a vontade qualificada que se exige para a formação de um contrato, p. ex.. Por essa razão, nem todos os princípios do negócio jurídico, como os vícios do consentimento e as regras sobre nulidade ou anulabilidade, aplicam-se aos atos jurídicos em sentido estrito não provenientes de uma declaração de vontade, mas de simples intenção (CC, art. 185) Quando se adota ou reconhece um filho, não é possível selecionar os efeitos que incidirão sobre esse ato jurídico. A paternidade deve ser exercida de forma completa e nos termos do que a lei já determina, não havendo margem de escolha, do tipo exercer os deveres de pai somente aos finais de semana etc. NEGÓCIO JURÍDICO É, em regra, bilateral. Exige vontade qualificada. Permite a criação de situações novas e a obtenção de múltiplos efeitos. A manifestação de vontade tem finalidade negocial: criar, modificar e extinguir direitos. DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 5 Mas há negócios jurídicos unilaterais, em que ocorre o seu aperfeiçoamento com uma única manifestação de vontade e se criam situações jurídicas: testamento, instituição de fundação, doação etc. ATO-FATO JURÍDICO Criação: Pontes de Miranda Acontecimento ocasional produzido pelo homem que possui relevância jurídica: achar tesouro (CC 1.264). É fato humano, porém sem a manifestação da vontade. Dá-se valor à consequência do ato, o fato resultante, sem se levar em consideração a vontade de praticá-lo. Muitas vezes, o efeito do ato não é buscado nem imaginado pelo agente, mas é fruto de uma conduta e é protegido pela lei, como no caso da pessoa que acha, casualmente, um tesouro. A conduta do sujeito não tinha por fim imediato adquirir-lhe a propriedade do tesouro (metade do tesouro), mas isso acaba ocorrendo, por força do disposto no art. 1.264 do Código Civil, ainda que se trate de um absolutamente incapaz. É que há certas ações humanas que a lei encara como fatos, sem levar em consideração a vontade, a intenção ou a consciência do agente, demandando apenas o ato material de achar. Assim, o louco, pelo simples achado do tesouro, torna-se proprietário de parte dele. Essas ações são denominadas pela doutrina atos-fatos jurídicos, expressão divulgada por Pontes de Miranda ATOS ILÍCITOS Não criam direitos, mas deveres e obrigações Os atos ilícitos, por serem praticados em desacordo com o prescrito no ordenamento jurídico, em vez de direitos, criam deveres, obrigações. Ato ilícito é fonte de obrigação: a de indenizar ou ressarcir o prejuízo causado. É praticado com infração a um dever de conduta, por meio de ações ou omissões culposas ou dolosas do agente, das quais resulta dano para outrem (CC, arts. 186 e 927). EFEITOS (CONSEQUÊNCIAS) DOS FATOSJURÍDICOS A corrente majoritária sobre o fato jurídico e seus efeitos leva em consideração que fato jurídico é aquele que importa ao Direito porque possui capacidade de criar, modificar, conservar e extinguir direitos ou relações jurídicas (Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona). DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 6 Nelson Rosenvald utiliza a expressão ―consequências dos fatos jurídicos‖. Aquisição, modificação, conservação e extinção dos direitos. AQUISIÇÃO DE DIREITOS CONCEITO: ―A aquisição de um direito é a sua conjunção [incorporação, união, encontro] com seu titular.‖ O direito de propriedade se adquire quando alguém dele se torna dono, por exemplo. FORMAS DE AQUISIÇÃO: Os DIREITOS DE PERSONALIDADE adquirem-se pelo mero nascimento com vida (art. 2º). Os DIREITOS PATRIMONIAIS se adquirem de das seguintes formas, as quais não são excludentes, mas se completam quando possível: a) Modo originário: a aquisição não tem relação com nenhum titular anterior. Não há transferência do direito (não há translatividade, nem relação de sucessão). O direito surge pela primeira vez. Ex.: ocupação de uma coisa abandonada (CC 1263) Avulsão (CC 1251); Caça e a pesca; Usucapião (CC 1238 e 1260. b) Modo derivado: ocorre a aquisição a partir de uma transmissão de direitos entre uma pessoa e outra (há sucessão). Nesse caso, o direito é adquirido com todas as qualidades ou defeitos do título anterior, visto que ninguém pode transferir mais direitos do que tem. Ex.: compra e venda de um bem. Ex.: se há uma hipoteca ou servidão num imóvel, ela será transferida ao adquirente (ninguém pode transferir mais direitos do que tem) Quanto às vantagens para as partes: a) Gratuita: quando só o adquirente aufere vantagem. Ex.: herança; doação pura (sem encargo); DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 7 b) Onerosa: quando se exige do adquirente uma contraprestação, possibilitando a ambos a obtenção de benefícios, como na compra e venda e locação. Quanto à sua EXTENSÃO, a aquisição pode ser: a) a título singular — a que ocorre no tocante a bens determinados: em relação ao comprador de um imóvel, por exemplo, na sucessão inter vivos, e em relação ao legatário, na sucessão causa mortis; b) a título universal — quando o adquirente sucede o seu antecessor na totalidade de seus direitos, como se dá com o herdeiro (herança sem testamento). Quanto ao TEMPO da aquisição: a) direito atual: é o direito subjetivo já formado e incorporado ao patrimônio da pessoa, podendo já ser exercido. Ex.: Direitos da personalidade, compra e venda de um bem móvel. b) Direito futuro: é o que ainda não se constituiu por completo, não podendo ser exercido. Há fatos pendentes que precisam ocorrer para a aquisição completa. A ―aquisição ocorre gradativamente‖. Ex.: se se compra uma casa a prestações mensais, a aquisição da propriedade somente ocorrerá com o pagamento da última parcela (CC 524)1. c) expectativa de direito: mera possibilidade ou esperança de se adquirir um direito, como o direito dos filhos herdarem bens dos pais quando estes morrerem. A expectativa não é amparada pelo direito. Ex.: as tratativas iniciais de um contrato não geram o direito de realizar a avença; direito de herança em vida. 1 Art. 524. A transferência de propriedade ao comprador dá-se no momento em que o preço esteja integralmente pago. Todavia, pelos riscos da coisa responde o comprador, a partir de quando lhe foi entregue. DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 8 d) Direito eventual: é um direito incompleto, porém já iniciado, já passada a fase preliminar. Desfruta de proteção jurídica. Depende de evento futuro para ser, de fato, exercido. Ver art. 130 CC2. Ex.: contratos aleatórios (seguro – art. 757, CC); aceitação de proposta de compra e venda (CC 434, primeira parte)3. Venda de coisa alheia: vender algo que ainda não possui, deve-se aguardar adquiri-la. e) Direito condicional: depende da ocorrência de alguma condição (evento futuro e incerto – CC 121), porém já se encontra completamente constituído. Apenas sua eficácia fica dependente do evento, que é elemento externo ao ato. Ex.: um advogado propõe que seu estagiário tornará sócio se este se formar em Direito. CONSERVAÇÃO DE DIREITOS: Para resguardar ou conservar seus direitos, muitas vezes, necessita o titular tomar certas medidas ou providências preventivas ou repressivas, judiciais ou extrajudiciais. As relações econômicas e sociais tornam inevitável e constante o conflito de interesses e a violação de direitos. Medidas de caráter preventivo: ANTES da VIOLAÇÃO. Visam garantir e acautelar o direito contra futura violação. Podem ser: a) de natureza extrajudicial: asseguram o cumprimento de obrigação, como as garantias reais (hipoteca, penhor, alienação fiduciária em garantia etc.) e as pessoais (fiança, aval); e b) de natureza judicial: correspondentes às medidas cautelares (urgentes) previstas no Código de Processo Civil (arresto, sequestro, caução, busca e apreensão, protesto, notificação, interpelação, interdito proibitório – ameaça etc.). Medidas de caráter repressivo: DEPOIS da VIOLAÇÃO. Visam restaurar o direito violado. A pretensão é deduzida em juízo por meio da ação. Ao Poder Judiciário compete dirimir os conflitos de interesses, salvo as hipóteses de escolha pelas partes do sistema de mediação e arbitragem. Nessa linha, dispõe a Constituição Federal que ―a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito‖ (art. 5º, XXXV). 2 Art. 130. Ao titular do direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou resolutiva, é permitido praticar os atos destinados a conservá-lo. 3 Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto: I - no caso do artigo antecedente; II - se o proponente se houver comprometido a esperar resposta; III - se ela não chegar no prazo convencionado. DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 9 A defesa privada ou autotutela só é admitida excepcionalmente, porque pode conduzir a excessos e injustiças. É prevista no art. 188, I e II, do Código Civil4, no caso de legítima defesa, exercício regular de um direito e estado de necessidade, e no capítulo da posse, em que se permite ao possuidor fazer uso da legítima defesa e do desforço imediato para manter-se ou restituir-se na posse por sua própria força, contanto que o faça logo e não se exceda (art. 1.210, §1º)5. MODIFICAÇÃO DE DIREITOS: Os direitos subjetivos nem sempre conservam as características iniciais e permanecem inalterados durante sua existência. Podem sofrer mutações quanto ao seu objeto, quanto à pessoa do sujeito e, às vezes, quanto a ambos os aspectos. A manifestação da vontade, com finalidade negocial, pode objetivar não apenas a aquisição e a conservação de direitos mas também sua modificação. A modificação dos direitos pode ser: ■ Objetiva: quando diz respeito ao seu objeto. Pode ser: a) qualitativa — o conteúdo do direito se converte em outra espécie, sem que aumentem ou diminuam as faculdades do sujeito. Ex.: dação em pagamento: é o caso, por exemplo, do credor por dívida em dinheiro que anui/concorda em receber determinado objeto, do mesmo valor, a título de dação em pagamento; e b) quantitativa — o objeto aumenta ou diminui no volume ou extensão, sem também alterar a qualidade do direito. Ex.: aluvião (art. 1250, CC): quando o proprietário de um terreno ribeirinho constata o acréscimo de terras nele havido em decorrência do fenômeno da aluvião. ■ Subjetiva: quando diz respeito à pessoa do titular, permanecendo inalterada a relação jurídica primitiva. Alteração inter vivos: Ex.: a cessão de crédito (art. 286), a desapropriação (art. 1.228, §3º) e aalienação são exemplos da primeira hipótese. 4 Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. 5 Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado. § 1 o O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse. DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 10 Alteração causa mortis: na sucessão causa mortis, desaparece o titular do direito, que se transmite incontinenti (imediatamente) aos herdeiros com a morte do de cujus. O caso dos direitos personalíssimos: Certos direitos, por serem personalíssimos, constituídos intuitu personae, são insuscetíveis de modificação subjetiva, como sucede com os direitos de família puros. EXTINÇÃO DE DIREITOS: Por diversas razões podem extinguir-se os direitos. Costumam ser mencionadas, dentre outras, as seguintes: o perecimento do objeto sobre o qual recaem, alienação, renúncia, abandono, falecimento do titular de direito personalíssimo, prescrição, decadência, confusão, implemento de condição resolutiva, escoamento do prazo, perempção da instância e desapropriação. Algumas causas de extinção dos direitos podem ser: a) subjetivas: quando o direito é personalíssimo e morre o seu titular. Ex.: direito de preferência (CC 520)6; direito de revogar a doação (CC 560)7; b) objetivas: perecimento do objeto sobre o qual recaem. Ex.: extinção do penhor (CC 1.436, II)8, campo invadido pelo mar etc.; c) concernentes ao vínculo jurídico: perecimento da pretensão ou do próprio direito material, como na prescrição e na decadência. Outros tipos de perda ou extinção: Alienação: transferência de um objeto a outro titular. A perda ocorre para o primeiro titular Renúncia: o titular de um direito (crédito, por exemplo) desiste de exercê-lo, renuncia a ele. Abandono: intenção do titular deixar a coisa porque não deseja mais ser seu dono. Ex.: jogar fora um objeto 6 Art. 520. O direito de preferência não se pode ceder nem passa aos herdeiros. 7 Art. 560. O direito de revogar a doação não se transmite aos herdeiros do doador, nem prejudica os do donatário. Mas aqueles podem prosseguir na ação iniciada pelo doador, continuando-a contra os herdeiros do donatário, se este falecer depois de ajuizada a lide. 8 Art. 1.436. Extingue-se o penhor: (...) II - perecendo a coisa; DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 11 2 NEGÓCIO JURÍDICO E SUA CLASSIFICAÇÃO CONCEITO Surgimento da denominação: 1749, na Alemanha. Formulação doutrinária: Savigny Os negócios jurídicos (por exemplo, os contratos) são, provavelmente, o tipo mais importante de atos jurídicos (sentido amplo = fatos humanos). Além de serem fenômenos da vontade, são fruto das necessidades econômicas e sociais das mais diversas. Realizamos negócios jurídicos muitas vezes não por querermos fazê-lo, mas por necessidade, umas mais urgentes, outras nem tanto. NEGÓCIO JURÍDICO é o acordo de vontades, que surge da participação humana e projeta efeitos desejados e criados por ela, reconhecidos pelo Direito, tendo por fim (finalidade negocial) a aquisição, modificação, transferência, conservação ou extinção de direitos. É uma composição de interesses. Francisco Amaral (apud GONÇALVES, 2010, p. 318-319): Negócio jurídico é ―a declaração de vontade privada destinada a produzir efeitos que o agente pretende e o direito reconhece. Tais efeitos são a constituição, modificação ou extinção de relações jurídicas, de modo vinculante, obrigatórios para as partes intervenientes.‖ TEORIA ADOTADA PELO CC 2002 TEORIA VOLUNTARISTA (TEORIA DA VONTADE). É dominante no Brasil, por exemplo, pela expressão do art. 112 do CC (nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem). Vontade = elemento volitivo = elemento propulsor do ato negocial DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 12 A VONTADE DEVE GUARDAR SINTONIA COM OS VALORES CONSTITUCIONAIS, A ORDEM PÚBLICA E O SOLIDARISMO SOCIAL (VIDE PRINCÍPIO DA SOCIALIDADE) Na teoria objetivista, que não é dominante entre nós, o negócio jurídico seria mais um meio concedido pelo ordenamento jurídico para a produção de efeitos jurídicos desejados pelas partes. TRANSFORMAÇÃO DA TEORIA DO NEGÓCIO JURÍDICO Possui relação com a própria modificação da teoria da vontade, que abandona a igualdade formal em busca da igualdade material e da proteção da pessoa humana. Veja-se o exemplo do contrato de adesão, que leva em conta a sociedade de massa (relações jurídicas em massa, em grande quantidade), principalmente no âmbito do direito do consumidor. O contrato de adesão é aquele no qual o aderente (contratante) não pode negociar e discutir as cláusulas, mas tão-somente aderir ao pré-estabelecido pela outra parte. A modificação na teoria do negócio jurídico diz respeito à aplicação dos princípios constitucionais nas relações negociais, que devem prezar pelo solidarismo social, buscando proteger quem tem menos poder na relação jurídica. A vontade das partes continua sendo o elemento principal do negócio, mas ela deve observar normas de caráter equitativo (justo), em busca do bem comum. Entram em cena os conceitos de boa-fé objetiva, proteção da confiança, função social do contrato. Ex.: proteção da confiança => apresentação de cheque pós-datado: se uma empresa diz para seu cliente que admite o pagamento de cheque pós-datado (―bom para‖) e, no dia seguinte o deposita (antes de vencido o prazo combinado), houve a quebra de confiança (boa-fé objetiva), podendo a empresa sujeitar-se à indenização pelo dano moral cometido contra o cliente (Sum. 370 STJ). CLASSIFICAÇÃO Os negócios jurídicos podem ser mais bem estudados se divididos em grandes grupos (classes), com diversidade de regimes legais, segundo vários critérios. A doutrina não é uníssona (pacífica) quanto à classificação. Adotaremos a classificação de Carlos Roberto Gonçalves. Segundo o referido autor, na classificação são considerados: ■ número de declarantes; ■ vantagens para as partes; ■ momento da produção dos efeitos; DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 13 ■ modo de existência; ■ formalidades a observar; ■ número de atos necessários; ■ modificações que podem produzir; ■ modo de obtenção do resultado etc. Abaixo, trataremos das principais: 1 UNILATERAIS, BILATERAIS E PLURILATERAIS Quanto ao número de declarantes ou de manifestações de vontade necessárias ao seu aperfeiçoamento (à sua constituição), os negócios jurídicos classificam-se em unilaterais, bilaterais e plurilaterais. ■ Unilaterais: são os que dependem de uma única manifestação de vontade, como ocorre no testamento, no codicilo, na instituição de fundação, na renúncia de direitos, na procuração, nos títulos de crédito, na confissão de dívida, na renúncia à herança e na promessa de recompensa. Subdividem-se em: a) receptícios: aqueles em que a declaração de vontade tem de se tornar conhecida do destinatário para produzir efeitos, como ocorre na denúncia ou resilição (art. 473, CC) de um contrato e na revogação de mandato (art. 682, I, CC); e b) não receptícios: aqueles em que o conhecimento por parte de outras pessoas é irrelevante, como se dá no testamento. ■ Bilaterais: são os que dependem de duas manifestações de vontade coincidentes sobre o objeto. Essa coincidência chama-seconsentimento mútuo ou acordo de vontades, que se verifica nos contratos em geral. Subdividem-se em: DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 14 a) bilaterais simples: aqueles em que somente uma das partes aufere vantagens, enquanto a outra arca com os ônus, como ocorre na doação pura (art. 538, CC) e no comodato (art. 579, CC); e b) sinalagmáticos: aqueles que outorgam ônus e vantagens recíprocos, como na compra e venda e na locação. Essa denominação deriva do vocábulo grego sinalagma, que significa contrato com reciprocidade. Podem existir várias pessoas no polo ativo e também várias no polo passivo sem que o contrato deixe de ser bilateral pela existência de duas partes. Dizer ―partes‖ significa identificar de que lado do negócio elas estão. Uma parte podem incluir várias pessoas. Por exemplo, na compra e venda de imóvel. Marido e mulher podem estar do mesmo lado (vendedores), formando, assim, a mesma ―parte‖ no negócio. ■ Plurilaterais: são os contratos que envolvem mais de duas partes, como o contrato de sociedade com mais de dois sócios e os consórcios de bens móveis e imóveis. As deliberações, nesses casos, decorrem de decisões da maioria (decisão colegiada). 2 GRATUITOS E ONEROSOS, NEUTROS E BIFRONTES Em relação às vantagens patrimoniais que podem produzir, os negócios jurídicos classificam-se em gratuitos e onerosos, neutros e bifrontes. ■ Negócios jurídicos gratuitos são aqueles em que só uma das partes aufere vantagens ou benefícios (se assemelha ao bilateral simples), como ocorre na doação pura e no comodato. Não há contraprestação da outra parte. ■ Negócios jurídicos onerosos são aqueles em que ambos os contratantes auferem vantagens, às quais, porém, corresponde uma contraprestação da outra parte. Exemplos: compra e venda (CC 481), a locação (CC 565 e Lei. 8.245/1991), a empreitada (CC 610) etc. Todo negócio oneroso é bilateral, porque a prestação de uma das partes envolve uma contraprestação da outra. Mas nem todo ato bilateral é oneroso. Doação é contrato (negócio jurídico bilateral), porém gratuito. O mesmo ocorre com o comodato e pode ocorrer com o mandato. Os negócios onerosos subdividem-se em: DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 15 a) comutativos: de prestações certas e determinadas. As partes podem antever as vantagens e os sacrifícios, que geralmente se equivalem, decorrentes de sua celebração, porque não envolvem nenhum risco. Ex.: compra e venda; e b) aleatórios: caracterizam-se pela incerteza, para as duas partes, sobre as vantagens e sacrifícios que deles pode advir. É que a perda ou lucro dependem de um fato futuro e imprevisível. O risco é da essência do negócio, como no jogo e na aposta (CC 814). ■ Negócios jurídicos neutros são os que se caracterizam pela destinação dos bens. Não podem ser incluídos na categoria dos onerosos nem dos gratuitos, pois lhes falta atribuição patrimonial. Em geral, coligam-se aos negócios translativos, que têm atribuição patrimonial. Enquadram-se nessa modalidade os negócios que têm por finalidade a vinculação de um bem, como o que o torna indisponível pela cláusula de inalienabilidade (impede a venda, doação etc. do bem) e o que impede a sua comunicação ao outro cônjuge mediante cláusula de incomunicabilidade (o bem deixa de ser partilhável em caso de eventual divórcio – CC 1668, I). A instituição do bem de família, a renúncia abdicativa (CC, 1804, parágrafo único), que não aproveita a quem quer que seja, e a doação remuneratória (CC 540) também podem ser lembradas. ■ Negócios jurídicos bifrontes são os que podem ser onerosos ou gratuitos, segundo a vontade das partes, como o mútuo (CC 586), o mandato (CC 653), o depósito (CC 627). A conversão só se torna possível se o contrato é definido na lei como negócio gratuito, pois a vontade das partes não pode transformar um contrato oneroso em benéfico (gratuito), visto que subverteria sua causa. Nem todos os contratos gratuitos podem ser convertidos em onerosos por convenção das partes. A doação e o comodato, por exemplo, ficariam desfigurados se tal acontecesse, pois se transformariam, respectivamente, em venda e locação. 3 ―INTER VIVOS‖ E ―MORTIS CAUSA‖ Levando-se em conta o momento da produção dos efeitos, os negócios jurídicos dizem-se inter vivos e mortis causa. ■ Inter vivos: destinam-se a produzir efeitos desde logo, isto é, estando as partes ainda vivas, como a promessa de venda e compra (CC 1417), a locação, a permuta (CC 533), o mandato (CC 653), o casamento (CC 1511) etc. ■ Mortis causa: são os negócios destinados a produzir efeitos após a morte do sujeito, como ocorre com o testamento (CC 1857), a doação estipulada em pacto antenupcial para depois da morte do testador. O evento morte, nesses casos, é pressuposto necessário à sua eficácia. Os negócios jurídicos mortis causa são sempre nominados ou típicos (já previstos na lei). DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 16 4 PRINCIPAIS, ACESSÓRIOS E DERIVADOS Quanto ao modo de existência, os negócios jurídicos denominam-se principais, acessórios e derivados. ■ Principais são os que têm existência própria e autônoma. Não dependem da existência de qualquer outro, como a compra e venda (CC 481), a locação e a permuta. ■ Acessórios são os que têm sua existência subordinada à do contrato principal, como se dá com a cláusula penal (CC 408), a fiança (CC 818), o penhor (CC 1431) e a hipoteca (CC 1473). Em consequência, como regra, seguem o destino do principal (o acessório segue o principal), salvo estipulação em contrário por vontade das partes ou pela lei. Desse modo, a natureza do acessório é a mesma do principal. Extinta a obrigação principal, extingue-se também a acessória, mas o contrário não é verdadeiro. ■ Negócios derivados ou subcontratos são os que têm por objeto direitos estabelecidos em outro contrato, denominado básico ou principal (sublocação e subempreitada, p. ex.). Têm em comum com os acessórios o fato de que ambos são dependentes de outro. Diferem, porém, pela circunstância de o derivado participar da própria natureza do direito versado no contrato-base. Nessa espécie de contrato, um dos contratantes transfere a terceiro, sem se desvincular, a utilidade correspondente à sua posição contratual (uma parte ocupará o lugar da outra, que cedeu). O locatário, por exemplo, transfere a terceiro os direitos que lhe assistem, mediante a sublocação. O contrato de locação não se extingue, e os direitos do sublocatário terão a mesma extensão dos direitos do locatário, que continua vinculado ao locador. 5 SOLENES (FORMAIS) E NÃO SOLENES (DE FORMA LIVRE) Em atenção às formalidades a observar, os negócios jurídicos apresentam-se como solenes, também chamados de formais, e não solenes ou de forma livre. ■ Solenes são os negócios que devem obedecer à forma prescrita em lei (forma estabelecida pela lei) para se aperfeiçoarem. Quando a forma é exigida como condição de validade do negócio, este é solene e a formalidade é ad solemnitatem ou ad substantiam, isto é, constitui a própria substância do ato (é da essência do negócio), como a escritura pública na alienação de imóvel acima de certo valor = + de 30 salários mínimos (CC 108), o testamento público como manifestação de última vontade (CC 1.864), a renúncia da herança (instrumento público ou judicial - CC 1.806) etc. Todavia, determinada forma pode ser exigida apenas como prova do ato. Nesse caso, trata-se de uma formalidade ad probationem tantum, como ocorre com a lavratura do assento do casamento no livro de registro, determinada no art. 1.536 do Código Civil. Diz-se que, em regra, a formalidade é ad probationem nos casos em que o resultado do negócio jurídico pode ser atingido por outro meio. ■ Não solenes são os negócios de forma livre. Basta o consentimento para a sua formação. Como a lei não reclama nenhuma formalidade para o seu DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 17aperfeiçoamento, podem ser celebrados por qualquer forma, inclusive a verbal. Podem ser mencionados como exemplos, dentre inúmeros outros, os contratos de locação e de comodato. Em regra, os contratos têm forma livre, salvo expressas exceções. Dispõe, com efeito, o art. 107 do Código Civil que ―a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir‖. 6 DISPOSITIVOS E OBRIGACIONAIS Levam em conta as modificações que podem produzir. Distinguem-se em dispositivos e obrigacionais. ■ Dispositivos: são os utilizados pelo titular para alienar, modificar ou extinguir direitos. Pode o titular de um direito de natureza patrimonial dispor de seus direitos, por exemplo, concedendo remissão de dívida (perdão – CC 385), constituindo usufruto em favor de terceiro ou com a tradição (transferência de propriedade de coisas móveis – o ato de entregar o objeto do negócio jurídico). ■ Obrigacionais: são os que, por meio de manifestações de vontade, geram obrigações para uma ou ambas as partes, possibilitando a uma delas exigir da outra o cumprimento de determinada prestação, como sucede nos contratos em geral. Frequentemente o negócio dispositivo completa o obrigacional. A alienação de uma propriedade, de natureza dispositiva, que se consuma com o registro do título ou da tradição, é precedida (quando algo vem antes) do contrato de compra e venda, de natureza obrigacional, pelo qual o adquirente se obriga a pagar o preço e o alienante a entregar a coisa objeto do negócio. 7 REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS Algumas regras: a) nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem (CC 112). Prevalência da teoria da vontade; b) Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração (CC 113); EMENTA: SEGURO DE VIDA. SUICÍDIO. ART. 798 DO CC/2002. PREMEDITAÇÃO. COMPROVAÇÃO PELA SEGURADORA. PRESUNÇÃO DE DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 18 BOA-FÉ DO SEGURADO. I - Nos termos da reiterada jurisprudência do STJ, "A interpretação do art. 798, do Código Civil de 2002, deve realizar-se de modo a compatibilizar o seu ditame ao disposto nos arts. 113 e 422 do mesmo diploma legal, que evidenciam a boa-fé como um dos princípios norteadores da nova codificação civil. Nessa linha, o fato de o suicídio ter ocorrido no período inicial de dois anos de vigência do contrato de seguro, por si só, não autoriza a companhia seguradora a eximir-se do dever de indenizar, sendo necessária a comprovação inequívoca da premeditação por parte do segurado, ônus que cabe à seguradora, conforme as Súmulas 105/STF e 61/STJ expressam em relação ao suicídio ocorrido durante o período de carência" (AgRg no AREsp 42273/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/10/2011, DJe 25/10/2011). (TJMG - Apelação Cível 1.0324.12.004598-8/001, Relator(a): Des.(a) Mota e Silva , 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 03/02/2015, publicação da súmula em 09/02/2015) c) Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se restritivamente (CC 114); d) Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente (CC 423); EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇAO COMINATÓRIA - CONTRATO COLETIVO DE PLANO DE SAÚDE - BENEFICIÁRIO - LEGITIMIDADE ATIVA - CIRURGIA DE QUADRIL - COLOCAÇÃO DE PRÓTESE - NEGATIVA DO PLANO DE SAÚDE PARA PAGAMENTO DA PRÓTESE - CLÁUSULA CONTRATUAL RESTRITIVA - ABUSIVIDADE - INTERPRETAÇÃO FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR - DANO MORAL - CONFIGURAÇÃO. Ainda que celebrado o contrato de seguro de saúde antes do advento da Lei 9.656/98, as previsões nele encerradas devem ser interpretadas em consonância com as disposições do Código de Defesa do Consumidor. A cláusula que limita ou restringe procedimentos cirúrgicos dos quais depende a vida do segurado são nulas por contrariarem a boa-fé, pois criam uma barreira à realização da expectativa legítima do consumidor, contrariando prescrição médica, provocando um desequilíbrio no contrato ao ameaçar o objetivo do mesmo, que é ter o serviço de saúde de que necessita o segurado, o que gera o dever de ressarcir o segurado que teve o procedimento cirúrgico negado. Gera dano moral indenizável a negativa de cobertura da prótese necessária ao sucesso da cirurgia de quadril, pois gera angústia e dor psicológica ao paciente, em virtude da incerteza sobre o tratamento da patologia sofrida. DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 19 V.V. Des. Batista de Abreu. (TJMG - Apelação Cível 1.0024.12.279640- 2/001, Relator(a): Des.(a) Pedro Aleixo , 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 23/10/2014, publicação da súmula em 30/10/2014) e) A transação interpreta-se restritivamente (CC 843); f) A fiança não admite intepretação extensiva (CC 819); g) A intenção das partes pode ser apurada pelo modo como vinham executando o contrato, na dúvida, da maneira menos onerosa ao devedor; h) As cláusulas contratuais não devem ser interpretadas isoladamente, mas em conjunto com as demais. DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 20 3 DOS DIFERENTES PLANOS/DIMENSÕES DO NEGÓCIO JURÍDICO. ESCADA PONTEANA O Código Civil de 2002 inicia-se já com a abordagem dos planos do negócio jurídico.9 No caso do art. 104, os de validade. A divisão do estudo do negócio jurídico em planos ou dimensões é de grande valia para a organização da disciplina, de modo que passa por todas as fases de constituição do negócio jurídico. Assim, não tem como o negócio ser eficaz (gerar efeitos desejados pelo sujeito), se antes ele não for válido e, logicamente, existir. São, portanto, os planos do negócio jurídico: a existência, a validade e a eficácia. Os dois primeiros elementos do negócio jurídico são essenciais (sem eles não há negócio jurídico), o último (eficácia), que compreende a condição, o termo e o encargo, é elemento acidental, isto é, pode haver ou não. Essa formulação gradativa se deve a Pontes de Miranda, importante civilista brasileiro. Por isso, alguns autores (como Flávio Tartuce) tratam os planos do negócio jurídico como ―Escada Ponteana‖. (Flávio Tartuce) 9 Isso porque as disposições que se seguem aplicam-se todas aos negócios jurídicos. Algumas delas é que se aplicam aos atos jurídicos em sentido estrito, conforme preceitua o art. 185. DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 21 PLANO DA EXISTÊNCIA PLANO DA VALIDADE PLANO DA EFICÁCIA Manifestação de vontade Vontade livre e consciente Condição Termo Encargo Agente Agente capaz Objeto Objeto lícito, possível, determinado ou determinável Forma Prescrita ou não defesa em lei PLANO DA EXISTÊNCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO. O plano da existência contempla os elementos constitutivos abaixo elencados (na falta de um deles, o negócio não existirá). PLANO DA EXISTÊNCIA Manifestação de vontade Agente Objeto Forma Aqui somente se menciona os substantivos. Veja-se que não há previsão sobre a teoria da existência no Código Civil de 2002, pois o art. 104 já se inicia no plano da validade. Porém, por razões didáticas e, até mesmo, práticas, se considera o plano existencial. São esses os requisitos de existência do negócio jurídico. a) MANIFESTAÇÃO DA VONTADE: pressuposto básico do negócio jurídico. A manifestação de vontade, por vezes, é limitada pelo princípio da supremacia da ordem pública (fruto do princípio da socialidade), possibilitando que o Estado interfira na relação jurídica privada para promover a igualdade entre as partes (dirigismo contratual). Exemplo disso é a Lei do Inquilinato (locações) e, principalmente, o CDC. DIREITO CIVIL - PARTE GERALPágina 22 A vontade, uma vez manifestada, obriga o contratante (obrigatoriedade dos contratos pacta sunt servanda) Pode ser expressa, tácita ou presumida. EXPRESSA: palavra escrita ou falada, gestos ou sinais. Tem que possibilitar o conhecimento imediato pela outra parte. TÁCITA: resulta de um comportamento do agente (pronto pagamento após ser informado do preço; aceitação de herança, realizando atos próprios da qualidade de herdeiro – art. 1.805). Nos contratos a regra é que seja expressa PRESUMIDA (é estabelecida pela lei): Silêncio: regra geral: art. 111, CC. EX.: art. 539, CC/2002 = aceitação de doação pura10; aceitação de herança (art. 1.807) O silêncio pode ser interpretado como manifestação tácita da vontade quando a lei, as circunstâncias ou os usos e costumes o autorizarem (art. 111). A vontade, uma vez manifestada, obriga o contratante, segundo o princípio da obrigatoriedade dos contratos (pacta sunt servanda), ao qual se opõe o da onerosidade excessiva (art. 478). Finalidade negocial da vontade: intenção criar, conservar, modificar ou extinguir direitos; b) AGENTE EMISSOR: sem o sujeito (pessoa natural ou jurídica) não se pode falar em ato, mas simplesmente em fato jurídico em sentido estrito (fato natural) c) IDONEIDADE DO OBJETO: objeto é a coisa ou a utilidade física ou ideal que ela gera. É o bem em torno do qual giram os interesses das partes. A vontade deve recair sobre objeto apto, que possibilite a realização do negócio que se tem em vista, uma vez que cada contrato tem objeto específico. Ex.: Objeto do mútuo: bem fungível (art. 589, CC) Comodato: bem infungível (art. 579, CC) Prestação de serviços: a própria atividade do sujeito passivo d) FORMA: meio pelo qual a declaração de vontade se exterioriza. 10 Art. 539. O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo. DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 23 PLANO DA VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO PLANO DA VALIDADE Vontade livre e consciente Agente capaz Objeto lícito, possível, determinado ou determinável Prescrita ou não defesa em lei Este plano contempla os requisitos para o negócio jurídico se tornar perfeito, ser válido. São verdadeiros qualificadores, adjetivos, a qualificar os elementos essenciais. Se faltar alguns dos elementos, o negócio é inválido (nulo ou anulável). O art. 104 do CC estabelece os requisitos de validade de caráter geral. Os requisitos de validade de caráter específico podem variar de acordo com cada negócio. Na compra e venda, os elementos essenciais a coisa, o preço e o consentimento. a) a CAPACIDADE DO AGENTE: é a aptidão para intervir e realizar negócio jurídico como sujeito. Trata-se da capacidade de fato (de exercício). A manifestação de vontade somente se faz válida e livre se o seu emissor possui plena capacidade para a prática dos atos da vida civil. b) OBJETO LÍCITO, POSSÍVEL, DETERMINADO OU DETERMINÁVEL - Lícito: que não contraria a lei, a moral ou os bons costumes. Pode ter outras denominações, como objeto jurídico ou imediato, que se denomina prestação (dar, fazer ou não fazer). O objeto material ou mediato é o bem sobre o qual incide a relação jurídica. - Possível: Impossibilidade física do objeto: deve ser absoluta, desafiando as lei da natureza. Por exemplo, vender terreno na lua. Se a impossibilidade for relativa, aplica-se a regra do art. 106 do CC/2002. DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 24 Impossibilidade jurídica: quando o direito proíbe a realização dos negócios em relação a determinados objetos. Por exemplo, não se admite negócio sobre herança de pessoa viva (art. 426) ou sobre bens fora do comércio. - Determinado ou determinável: o determinável equivale a dizer relativamente indeterminado ou suscetível de determinação no momento da execução. Admite-se, por isso, a venda de coisa incerta (art. 243). Por exemplo, vender safra de café futura. c) FORMA PRESCRITA E NÃO DEFESA: a forma é o meio de revelação (de exteriorização) da vontade. Forma prescrita é aquela já determinada pela lei. Não defesa é a não proibida (não vedada) expressamente pelo ordenamento jurídico. A forma possibilitará, com maior ou menor segurança, a prova do negócio. Existem dois sistemas para se determinar a forma: o consensualismo (forma livre) e o formalismo (forma obrigatória). O Brasil adotado o consensualismo, pois, em regra, a forma do negócio jurídico é livre, salvo se a lei, para maior segurança e seriedade, exigir forma específica, por exemplo escritura pública ou mesmo particular. Ver art. 107, do CC/2002. Ver também art. 166, IV e V, CC/2002. Espécies de forma: - livre (art. 107): predomina no direito brasileiro. É qualquer meio de manifestação de vontade; - especial ou solene (artigos 108, 1.964; 1.609 e 62): exigida pela lei como requisito de validade do negócio; - e contratual (art. 109): quando as próprias partes dizem qual forma deverá ser seguida. REGRAS DE REPRESENTAÇÃO Art. 115 a 120 Trata-se de regras sobre a validade da manifestação da vontade praticada por intermédio de terceiros, os representantes. A representação pode ser legal ou voluntária. - Legal: representante legal dos menores (os pais), dos menos incapazes (os tutores) e dos maiores incapazes (os curadores). - Convencional: se escolhe o representante, é voluntária. Um mandato (procuração). DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 25 PLANO DA EFICÁCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO. ELEMENTOS ACIDENTAIS: CONDIÇÃO, TERMO E ENCARGO. Art. 121 e ss. PLANO DA EFICÁCIA Condição Termo Encargo FACULTATIVOS: Esses elementos são introduzidos facultativamente pela vontade das partes. Já os elementos de existência e validade são exigidos pela lei. Por isso, são autolimitações à vontade, pois as partes que escolhem quando inseri-los em um negócio. ATOS PATRIMONIAIS: Se aplicam nos atos de natureza patrimonial (compra e venda, doação), mas não nos de natureza pessoal (casamento, adoção, emancipação). CONDIÇÃO CONCEITO: Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto. O evento não pode ser certo como a morte (nesse caso será termo). Elementos: futuridade e incerteza. ESPÉCIES DE CONDIÇÃO a) quanto ao modo de atuação: a) condição suspensiva (art. 125): os efeitos somente se produzirão se ocorrer o evento futuro e incerto: - Exemplos: doação: dou-te uma casa se/quando casar. - Contrato de honorários com advogado: quando o pagamento dos honorários ficar condicionado ao término do processo - Compra e venda: comprarei sua casa quando sair meu financiamento. b) condição resolutiva (art. 127): o negócio produz efeitos até que ocorra o evento futuro e incerto. DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 26 Ex.: - farei uma poupança em seu favor até você passar no vestibular - Doarei a você os alugueis de minha casa até você se formar - A financeira (Banco) é proprietária do veículo (alienação fiduciária) até que ocorra o integral pagamento das parcelas - Empresto minha caso (ou meu carro) até você se formar b) Quanto à licitude: lícitas ou ilícitas. Deve respeitar a lei, a ordem pública e os bons costumes (padrão de moralidade média da sociedade). a) Serão ilícitas quando (arts. 122 e 123)11: - privarem de todo efeito o negócio jurídico (perplexas): compra e venda de imóvel sob a condição do comprador não habitá-lo - condições ilícitas ou de fazer coisa ilícita: doar um dinheiro se alguém matar o desafeto do doador. - Que proíba alguém de secasar (direito de liberdade individual) - proibição de mudar de religião (direito de liberdade de crença/de religião); - obrigar a permanecer em determinado lugar - as incompreensíveis ou contraditórias: empresto minha casa desde que você não a use, more ou alugue c) quanto à possibilidade: a impossibilidade pode ser física ou jurídica. - as físicas ou juridicamente impossíveis: a) fisicamente impossíveis: ex.: dou-te um prêmio se você trazer um café em dois segundos; uma doação à pessoa se ela trouxer o mar até Minas Gerais); 11 Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes. Art. 123. Invalidam os negócios jurídicos que lhes são subordinados: I - as condições física ou juridicamente impossíveis, quando suspensivas; II - as condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita; III - as condições incompreensíveis ou contraditórias. DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 27 b) juridicamente impossíveis (doar um dinheiro à pessoa se ela renunciar ao seu trabalho) d) quanto à fonte: a) casuais: dependem de caso fortuito, de fato alheio à vontade das partes - te darei tal quantia se chover amanhã b) puramente potestativas: são arbitrárias (não pode) decorrem da vontade exclusiva uma das partes. Se a eficácia do negócio se subordinar ao arbítrio de uma só das partes (de quem propõe), não se admite. Ex.: farei uma poupança em seu favor se se eu quiser c) simplesmente potestativas: dependem da vontade de uma das partes, mas também de fatores externos. - Promessa de doação de o beneficiado vencer um torneio esportivo. Quanto à realização ou ao estado em que se encontram, as condições dividem-se em: a) Pendente: enquanto ainda não se verifica ou não se frustra o evento futuro e incerto. Enquanto pendente a condição suspensiva, não ocorre a aquisição do direito. b) Implementada: Quando ocorre o evento futuro e incerto, diz-se que ou o implemento da condição. c) Frustrada: quando não ocorre a condição. Se suspensiva, considera que o negócio sequer existiu, muito embora possa o titular do direito eventual praticar atos de conservação do bem que irá receber (art. 130). TERMO CONCEITO: É o evento futuro e certo que subordina o início ou o término da eficácia jurídica de determinado negócio jurídico. Elementos: futuridade e certeza. Os negócios instantâneos, que se consumam em um ato só, não necessitam de previsão deste elemento (termo). Espécies: DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 28 Termo incerto: quando a data da ocorrência é incerta, mas sabe-se que ela ocorrerá (evento morte). Ex.: te venderei a casa quando meu pai, que nela habita, falecer) Termo certo: possui data definida no calendário, ou um lapso de tempo determinado para ocorrer. Ex.: me pagará em 20/05/2015; me pagará em 10 dias; ―bom para 30 dias‖ Termo inicial (dies a quo): é a data ou momento certo para início da produção dos efeitos do negócio jurídico. O direito já se adquire, porém se torna exigível (direito de cobrar, p. ex.) somente quando ocorrer o termo inicial. Ex.: me prestará serviços de transporte a partir de fevereiro, quando começarem as aulas; os pagamentos das parcelas começarão em 30/60/90 dias. Termo final (dies ad quem): é a data ou momento que determina a extinção dos efeitos do contrato. Ex.: prestará serviços até 25/10/2015; a última parcela será em 25/10/2015. O espaço de tempo compreendido entre o termo inicial e o final se denomina prazo. Termo convencional: fixados pelas partes Termo legal: determinado pela lei Termo de graça: concessão feita ao devedor para que cumpra a obrigação (prorrogação do vencimento) ENCARGO CONCEITO: é a determinação acessória acidental do negócio jurídico que impõe ao beneficiário um ônus a ser cumprido, em prol de uma liberalidade maior. É uma autolimitação da vontade. NÃO CUMPRIMENTO DO ENCARGOS Exigir: ex. art. 553 (obrigatoriedade do encargo) Revogar o negócio: Ex. art. 562 CASOS Doação de imóvel para Prefeitura construir escola, creche, lar de idosos etc. Deixar herança (testamento) para alguém cuidar de pessoa, animal etc. DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 29 EXPRESSÕES: ―para que‖; ―com a obrigação de‖; ―com o encargo de‖ ENCARGOS ILÍCITOS OU IMPOSSÍVEIS: considera-se não escrito, salvo se for o motivo determinante do negócio, caso em que o invalidará (Art. 137) No caso do art. 137, remanesce o negócio puro, principal. Se o encargo da doação é que o beneficiário faça uma viagem turística a Saturno, prevalecerá a doação, afastando o encargo impossível fisicamente. Porém, no caso de doar um valioso imóvel para que nele seja construída uma casa de prostituição, se invalidará tudo, porque o motivo determinante da doação é ilícito. DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 30 4 DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS CONCEITO: são imperfeições que podem surgir no negócio jurídico, decorrentes de desvios e anomalias na formação da vontade ou na sua declaração. Vontade validade = livre e consciente e de boa-fé DEFEITOS = gênero ESPÉCIES: a) Vícios do consentimento: afetam a formação da vontade (livre) 1 - Erro ou ignorância 2 - Dolo 3 - Coação 4 - Lesão 5 - Estado de perigo b) Vícios sociais: afetam a declaração da vontade (boa-fé) 1 - simulação 2 - fraude contra credores 1 ERRO OU IGNORÂNCIA CONCEITO: erro é a falsa percepção da realidade ao realizar o negócio jurídico. O total desconhecimento da realidade caracteriza a ignorância. O CC 2002 trata os dois institutos da mesma forma. Quem erra, erra sozinho. Se a pessoa é induzida em erro, se configura o dolo. Erro substancial e escusável (perdoável, justificável – qualquer pessoa naquelas circunstâncias erraria)12: é aquele que ocorre sobre elemento essencial do negócio jurídico, como os citados pelo art. 139. - Escusabilidade: não se admite erro daquele que atuou com elevado grau de displicência ou negligência. Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal (escusabilidade), em face das circunstâncias do negócio. 12 Diverge ncia acerca da questa o da cognoscibilidade (princípio da confiança): para ser anula vel, na o se considera se era escusa vel, mas sim se a outra parte tinha conhecimento do erro e da ignora ncia e poderia, pelas circunsta ncias, intervir, esclarecendo o outro negociante (princí pio da confiança) (Enunciado 12 do CJF – I Jornada de Direito Civil). DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 31 Art. 139. O erro é substancial quando: I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais; II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante; III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico. Art. 139: 5 HIPÓTESES DE ERRO SUBSTANCIAL a) Erro sobre a natureza do negócio: acredita ser doação, mas é compra e venda b) Erro sobre a identidade do objeto: querer comprar determinado animal, mas levar outro; querer comprar lote valorizado, mas comprar outro em péssima localização em rua de mesmo nome; c) Erro sobre a qualidade do objeto: querer comprar relógio dourado de ouro, mas era dourado de latão. Anel de ouro e anel de cobre; quadro de pintor famoso, mas era réplica;d) Erro sobre a pessoa (identidade ou qualidade): doação a João, achando ser ele o salvador de seu filho, mas quem salvou foi Roberto; e) Erro de direito: importei mercadoria cuja circulação no dia anterior havia sido proibida (admite-se a anulação, não implicando em ato ilícito – ver sempre as circunstâncias do caso concreto). PRINCÍPIO DA CONSERVAÇÃO - CONVALESCIMENTO DO ERRO: art. 14213 e 14414 2 DOLO- Art. 145 CONCEITO: todo artifício malicioso empregado por uma das partes ou por terceiro com o propósito de prejudicar outrem, quando da celebração do negócio jurídico. Dolo é o erro provocado por terceiro. Dolus malus: art. 145 – é aquele artifício que consegue ludibriar uma pessoa sensata e atenta. Dolus bônus: tolerável no comércio em geral. Exaltação do bem a ser vendido. Dolo principal ou essencial: é o que dá causa ao negócio jurídico, sem o qual este não se realizaria. 13 Art. 142. O erro de indicaça o da pessoa ou da coisa, a que se referir a declaraça o de vontade, na o viciara o nego cio quando, por seu contexto e pelas circunsta ncias, se puder identificar a coisa ou pessoa cogitada. 14 Art. 144. O erro na o prejudica a validade do nego cio jurí dico quando a pessoa, a quem a manifestaça o de vontade se dirige, se oferecer para executa -la na conformidade da vontade real do manifestante. DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 32 Dolo acidental: art. 146 - não impediria a realização do negócio, mas seria realizado de outro modo. Ex.: carro cor sólida e carro de cor metálica (pode exigir a compensação pelo abatimento do preço). Requisitos: a) Intenção de induzir b) Malícia grave c) Seja a causa determinante d) Que proceda do outro contratante ou de terceiro Obs.: não se exige prova do efetivo prejuízo. Basta a prova do artifício malicioso ou ardiloso para induzir em erro. Dolo Positivo: há uma ação de um dos negociantes para induzir o outro em erro. Dolo negativo ou omissão dolosa: Art. 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado. A principal diferença com o erro é que no dolo há a intenção de auferir alguma vantagem de forma ardilosa, maliciosa, porém de forma omissiva. Dolo de terceiro: art. 148 3 COAÇÃO – Art. 151 CONCEITO: pressão física ou moral (psicológica) exercida sobre a pessoa, sobre seus bens ou à pessoa de sua família para obrigá-la a realizar negócio jurídico. Coação traduz violência: morte, cárcere privado, desonra, mutilação, escândalo etc. Tipos: Coação física (vis absoluta): age diretamente sobre o corpo da vítima, privando completamente sua autonomia. Nesse caso, a doutrina entende que não há vício do consentimento, pois sequer deixa margem de liberdade para a vítima escolher ou não praticar o ato. Ex.: segurar a mão da pessoa à força para assinar contrato ou colocar suas impressões digitais. Coação relativa ou moral (vis compulsiva): vício do consentimento - atua sobre a vontade da vítima, sem privá-la totalmente, deixando margem de escolha, podendo optar entre a relação do negócio jurídico e o dano que o terceiro lhe ameaça impor. Ex.: ameaçar revelar um segredo da pessoa caso ela não assine o contrato; ameaçar um dano à integridade da pessoa se ela não celebrar o contrato. DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 33 Condições da vítima – critério subjetivo: art. 152 – uma velhinha conseguiria coagir um lutador a negociar sob ameaça? Requisitos: a) Causa determinante do negócio b) Dano iminente, considerável e grave c) Injusta d) Atual ou iminente e) Justo receio f) Pessoa, bens ou família Excludentes da coação: Exercício regular de direito (ameaçar protestar um cheque não pago); temor reverencial (respeito ou obediência aos pais, ao superior hierárquico) Coação por terceiro: vicia o ato se a parte beneficiada tivesse ou devesse ter conhecimento da coação. Ambos respondem pelo vício (o terceiro e o beneficiado). Se a parte beneficiada nada sabia ou, pelas circunstâncias, não lhe fosse possível saber da coação, permanece válido o negócio, porém, pode o coagido pedir indenização para o terceiro que praticou a coação (art. 155). 4 ESTADO DE PERIGO – Art. 156 Dano físico ou pessoal O estado de perigo ocorre no momento em que se declara vontade assumindo obrigação excessivamente onerosa, por conta da necessidade de salvar a si ou a alguém a quem se ligar por vínculo afetivo. Ex.: Exigência de cheque-caução (garantia) para atendimento ou internação em caráter de urgência; Venda de um bem a preço vil para suprir necessidade de saúde Realização de péssimo negócio para obter quantia do resgate de um parente sequestrado Promessa de doação de quantia exorbitante a quem salvar um ente querido acidentado Diferença de coação: o negociante beneficiado não agiu com ameaça DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 34 5 LESÃO – Art. 157 Razões essencialmente econômicas CONCEITO: prejuízo decorrente da desproporção existente entre as prestações de um determinado negócio jurídico, em face do abuso da inexperiência, necessidade econômica ou leviandade (inconsequência, afoiteza) de um dos declarantes. ELEMENTOS: Elemento objetivo: desproporção/desequilíbrio econômico – lucro exagerado Elemento subjetivo: inexperiência, premente necessidade econômica (obter recursos) EXEMPLO: Para evitar falência e cumprir com sua dívida, a pessoa vende seu imóvel a preço vil, inferior ao preço de mercado. Aquele que, diante da necessidade de continuar a atividade, paga preço exorbitante pelo fornecimento de água, numa época de seca. O conhecimento da parte sobre a premente necessidade da outra é irrelevante. FRAUDE CONTRA CREDORES – ART. 158 CONCEITO: É o ato pelo qual o devedor desfalca o seu patrimônio, a ponto de se tornar insolvente, com o intuito de prejudicar os seu credores. Caracteriza-se a insolvência quanto o ativo, ou seja, o patrimônio do devedor, não é suficiente para responder pelo seu passivo. PRESSUPOSTOS: a) Elemento subjetivo: conluio fraudulento (consilium fraudis) - conhecimento da insolvência pela outra parte. Má-fé. Sobretudo em transmissões onerosas. Exceção: Má-fé presumida (dispensa prova do conluio): - alienação a título gratuito15 - Insolvência notória (art. 159): títulos protestados, várias ações em andamento - Insolvência presumida (art. 159): motivo para conhecimento pelo adquirente (ART. 159): parentesco, preço vil, amizade íntima etc. b) Elemento objetivo: prejuízo ao credor (eventus damni). OUTRAS HIPÓTESES LEGAIS: a) transmissões onerosas: provas de ambos os pressupostos: eventus damni (que a redução reduziu o devedor à insolvência) e o consilium fraudis (a má-fé do terceiro adquirente); 15 Doaça o feita por devedor reduzido a insolve ncia. DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 35 b) (i) transmissões a título gratuito e (ii) remissão de dívida (CC 158): nesses casos os credores não precisam provar o conluio fraudulento, pois a lei presume o propósito de fraudar. A remissão (ou perdão) de dívida também constitui uma liberalidade, que reduz o patrimônio do devedor. Ex.: doação a filhos, parentes; c) Pagamento de dívida não vencida (art. 162): Quando o devedor já insolvente paga o credor quirografário dívida ainda não vencida (CC 162). Se já tiver vencida a dívida, nada haverá; d) Concessão de garantias de dívidas (art. 163): quando o devedor já insolvente concede garantias de dívidas a algum credor, colocando-o em posição mais vantajosa que os demais (se anula somente a garantia). AÇÃO PAULIANA OU REVOCATÓRIA: tem natureza desconstitutiva: anula as alienações ou concessões fraudulentas, determinandoo retorno do bem ao patrimônio do devedor (acervo). São legitimados ativos os credores quirografários (sem garantia), que já o eram ao tempo da alienação fraudulenta (art. 158, §1º). Os credores com garantia real só poderão ajuizá-la se a garantia se tornar insuficiente (CC 158, §1º). A legitimação passiva é do devedor insolvente e da pessoa com quem ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta, bem como dos terceiros adquirentes, que hajam procedido de má-fé (CC 161). SIMULAÇÃO – ART. 167 CONCEITO: é uma declaração enganosa da vontade, visando aparentar negócio diverso do efetivamente desejado. ESPÉCIES: a) Absoluta: as partes não realizam nenhum negócio. Apenas fingem realizar (aparência externa), para prejudicar terceiro, subtraindo os bens de eventual execução ou partilha Exemplo: emissão cheque em favor de amigo e para saldá-lo dá um bem em pagamento para que esse bem não entre na partilha do divórcio; b) Relativa: as partes procuram ocultar o negócio verdadeiro, prejudicial a terceiro ou realizado em fraude à lei, dando-lhe aparência diversa. Compõe-se de dois negócios: o simulado, aparente, e o dissimulado, o oculto, mas verdadeiramente desejado. Exemplo: (i) para pagar menos imposto, as partes celebram negócio em valor inferior ao real. Simulado: preço menor; dissimulado: preço real. Anulado o valor aparente, valerá o valor real (ver efeitos abaixo). (ii) para doar bem à amante, transfere bem a terceiro, que transferirá para aquela. Simulado: compra e venda; dissimulado: doação. EFEITOS: se absoluta, acarreta a nulidade do negócio simulado. Se relativa, também será nulo, porém subsistirá o negócio dissimulado, se válido for na forma e no conteúdo. DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 36 4 TEORIA DA INVALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO arts. 166 a 184 CONCEITO Invalidade é a sanção imposta pela lei ao ato negocial em virtude da não observância de determinados requisitos legais, objetivando restituir a normalidade e a segurança das relações jurídicas. ABRANGÊNCIA DA EXPRESSÃO Nulidade e anulabilidade = gradação A expressão invalidade abrange a nulidade e a anulabilidade do negócio jurídico. ATO INEXISTENTE, NULO E ANULÁVEL - A doutrina menciona também o negócio jurídico inexistente (quando lhe falta algum elemento estrutural, como o consentimento). - O negócio é nulo quando ofende preceitos de ordem pública, que interessam à sociedade (CC 166 e 167). - É anulável quando a ofensa atinge o interesse particular de pessoas que o legislador pretendeu proteger (CC 171). ESPÉCIES DE NULIDADE: a) Absoluta e relativa (anulabilidade); b) Expressa ou textual (quando a lei declara nulo determinado negócio) e virtual ou implícita (quando a lei se utiliza de expressões como não pode, não se admite, etc.); Nulidade absoluta Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: a) celebrado por pessoa absolutamente incapaz; b) for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; c) o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; d) não revestir a forma prescrita em lei; e) for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; f) tiver por objetivo fraudar lei imperativa; g) a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção. h) em caso de simulação PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS a) Pode ser alegada por qualquer interessado ou pelo MP (quando couber intervir) DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 37 b) O juiz pode reconhecer de ofício. c) Ato nulo não admite convalidação (confirmação) (art. 16916): declara-se nulo e caberá às partes praticar novo ato, porém afastando os defeitos. Há quem admita que poderá convertê-lo em ato válido, se possível for suprir a nulidade. d) Não produz efeitos jurídicos (desde seu nascimento): a declaração de nulidade produz efeitos ex tunc (retroage para atingir desde o nascimento do ato)17 e) Objeto de ação declaratória. f) pode ser reconhecida a qualquer tempo Nulidade relativa (anulabilidade) A nulidade é menos grave. Está entre a nulidade absoluta e a plena validade do negócio. Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: a) por incapacidade relativa do agente; b) por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão (vícios do consentimento) ou fraude contra credores. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS a) Pode ser alegada somente pelos interessados b) O juiz não pode reconhecer de ofício. c) Ato anulável admite convalidação (confirmação) (art. 17218) – princípio da conservação (medidas sanatórias) d) Produz efeitos jurídicos até sua anulação: a anulação produz efeitos ex nunc. Porém, quanto à possibilidade de requerer perdas e danos ou ressarcimento, ela evitará o enriquecimento ilícito da parte beneficiada. Veja exemplo no rodapé19. e) Objeto de ação anulatória. f) Regra geral: prazo de 4 anos para requerer anulabilidade (art. 17820). Regra subsidiária: Ou 2 anos conforme art. 17921 (caso da venda de ascendente a descendente – art. 496) 16 Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo. 17 “Art. 182. Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente.” A expressão anulado deve ser entendida em sentido amplo, aplicando-se também à nulidade. 18 Art. 172. O negócio anulável pode ser confirmado pelas partes, salvo direito de terceiro. 19 Pessoa celebrou negócio jurídico em virtude de lesão (vício do consentimento). Deu entrada (sinal) de 15 mil reais. Após a invalidação do ato, ela deverá ser ressarcida da entrada paga. 20 Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado: I - no caso de coação, do dia em que ela cessar; II - no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico; III - no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade. 21 Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato. DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 38 Nulidade e anulabilidade Diferenças: a) A anulabilidade é decretada no interesse privado da pessoa prejudicada. A nulidade é de ordem pública e decretada no interesse da própria coletividade; b) A anulabilidade pode ser suprida pelo juiz, a requerimento das partes (CC 168, p. u.), ou sanada pela confirmação (CC 172). A nulidade não pode ser sanada pela confirmação nem suprida pelo juiz; c) A anulabilidade não pode ser pronunciada de ofício. A nulidade, ao contrário, deve ser pronunciada de ofício pelo juiz (CC 168, p. u.); d) A anulabilidade só ode ser alegada pelos prejudicados, enquanto a nulidade pode ser arguida por qualquer interessado, ou pelo MP (CC 168); e) Ocorre a decadência da anulabilidade em prazos mais ou menos curtos. A nulidade nunca prescreve (CC 169); f) O negócio anulável produz efeitos até o momento em que é decretada a sua invalidade. O efeito é, pois, ex nunc (natureza desconstitutiva). O pronunciamento do juiz sobre a nulidade, por sua vez, produz efeitos ex tunc, ou seja, desde o momento da emissão da vontade (natureza declaratória). Questões especiais: a) A invalidade do instrumento não induz à do negócio jurídico sempre que este puder ser provado por outro meio (CC 183); b) A invalidade parcial de um negócio não o prejudicará na parte validade, se esta puder se separar, tiver autonomia própria (CC 184); c) Se o negócio jurídico for nulo, mas contiver os requisitos de outro, poderá o juiz fazer a sua conversão, sem decretar a nulidade (CC 170).DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 39 5 ATO ILÍCITO E ABUSO DE DIREITO – art. 186 e seguintes CONCEITO: é uma das espécies de fato jurídico. É o ato praticado com infração de um dever legal de não lesar a outrem (neminem laedere – a ninguém se deve lesar). Tal dever é imposto a todos nos artigos 186 e 927 do CC. Também o comete aquele que pratica abuso do direito. Todo aquele que violar direito e causar dano a outrem fica obrigado a indenizá-lo. Antes da denominada Lex Aquilia, prevalecia a responsabilidade pessoal do agente. Hoje a responsabilidade é somente patrimonial. Admite-se a prisão civil somente do devedor de pensão alimentícia. Noções prévias. Da inexistência de diferença ontológica entre ilícito penal e ilícito civil. Em ambos os casos, a responsabilidade decorre de um fato juridicamente qualificado como ilícito, ou não desejado pelo Direito. Na primeira (penal), a responsab. é pessoal: o réu responde com privação de liberdade. Na civil, a responsabilidade é patrimonial, pois é o patrimônio do devedor que responde por suas obrigações. a) Responsabilidade Civil: violações privadas (interesse lesado é privado) b) Responsabilidade penal: repressão pública (interesse lesado é público) c) Exemplo: um sujeito, guiando seu veículo, ultrapassa o sinal vermelho e atropela um pedestre, causando-lhe lesões graves. Esse ato, por si só, pode gerar consequências nas três esferas de responsabilidade: i) civil (danos à pessoa, à integridade física = indenização) ii) penal (lesão corporal de natureza grave = privação da liberdade) iii) + administrativa (normas de trânsito = multa). Responsabilidade de acordo com a origem: contratual e extracontratual (aquiliana). a) Origem contratual: Prejuízo decorrente de infração à normas de um contrato. Descumprimento do acordo de vontades das partes (contrato). Gera perdas e danos (CC 389). A culpa é presumida, pois o contratante já sabia que deveria cumprir determinada obrigação. Exemplos: - artista contratado que não comparece ao show (contrato de prestação de serviços) - pegar um bem emprestado e não zelar por ele, estragando-o (contrato de comodato) - inquilino que deixa de pagar o aluguel (contrato de aluguel) DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 40 b) Origem extracontratual: Quando a responsabilidade deriva de infração ao dever legal e genérico de conduta (CC 927) imposto a qualquer pessoa, diz-se que a responsabilidade é extracontratual ou aquiliana. Tem origem no dever de não lesar outrem, fora de uma relação contratual. c) Consequência: desencadeia um processo de indenização, destinado a reparar ou a compensar o dano sofrido. Em ambas a consequência é a mesma: obrigação de ressarcir o prejuízo causado. Responsabilidade subjetiva e responsabilidade objetiva a) Responsabilidade subjetiva: teoria da culpa (precisa provar culpa). A responsabilidade subjetiva se funda na ideia de culpa lato sensu (abrange o dolo e a culpa em sentido estrito ou stricto sensu). Para ela ocorrer, deve haver a prova da culpa (lato sensu). Exemplos: acidente de trânsito; danos à honra da pessoa decorrente de difamação, lesão à integridade física, moral etc. b) Responsabilidade objetiva: teoria do risco (art. 927, parágrafo único e art. 933) e da culpa presumida (arts. 936, 937 e 938). Não precisa provar culpa. A teoria objetiva se funda no risco. É dispensada a prova da culpa, devendo ser provado apenas o dano e o nexo causal. Para essa teoria, todo dano deve ser indenizado, independentemente se o sujeito agiu com culpa (se ele quis ou atuou de forma negligente, imprudente ou com imperícia). Exemplos: dano a passageiros de veículo de transporte; danos ao consumidor; danos decorrentes de imóvel em ruínas; danos decorrentes animal, dano moral decorrente de inscrição indevida do nome no SPC/SERASA (dívida inexistente) etc. c) Teoria adotada pelo CC/2002: O CC se filiou, em princípio, pela teoria da responsabilidade subjetiva (art. 186), mas também admite em algumas hipóteses a responsabilidade objetiva, por exemplo nos casos do art. 927, p. u., e art. 933). Imputabilidade e responsabilidade: a questão da capacidade a) Responsabilidade dos privados de discernimento e dos menores REGRA: Sendo o inimputável privado de discernimento, ele não pode ser responsabilizado civilmente. No caso, a responsabilidade será atribuída ao seu representante legal (curador, tutor, genitor) (art. 932). EXCEÇÃO 1: Se este não dispuser de meios suficientes ou não tiver a obrigação de responder pelo prejuízos que causarem, será responsável o próprio incapaz. DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 41 EXCEÇÃO 2: Se a indenização imposta for capaz de levá-lo à privação do necessário (CC 928, caput e p. u.), a vítima não será ressarcida. EMANCIPAÇÃO VOLUNTÁRIA: Obs.: a emancipação voluntária concedida pelos pais não os exime da responsabilidade civil de arcar com a indenização decorrente de atos dos filhos (art. 932). Pressupostos da responsabilidade extracontratual (aquiliana) a) Ação ou omissão Ação é atitude positiva da pessoa, que causa dano a outrem. A omissão, quando a pessoa deveria agir e não o faz (negativa), também pode configurar o dano. Ato próprio (artigos 186 e 927) Quando a pessoa que deverá suportar a indenização é a própria causadora do dano. Ato de terceiro (art. 932) Quem pratica o ato é terceiro que esteja sob a guarda ou vigilância de quem será responsabilizado. Hipóteses do art. 932. Fato da coisa e do animal (artigos 936 e 937) Fato da coisa: art. 937 (danos decorrentes de imóvel em ruínas Fato do animal: art. 936 (o dono responde pelo dano causado) b) Culpa ou dolo do agente Trata-se do estudo do elemento subjetivo do ato ilícito, também chamado de culpa em sentido amplo. Para se verificar a ocorrência do ato ilícito, o CC/2002 exige que se comprove o elemento subjetivo (dolo ou culpa em sentido estrito). O CC/2002 adota, assim, como regra, a teoria da responsabilidade civil subjetiva, em que se deve comprovar a culpa. Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária (dolo), negligência ou imprudência (culpa), violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Dolo: é a violação deliberada, intencional, do dever jurídico. Culpa em sentido estrito (imprudência, negligência e imperícia): consiste na falta de diligência ou cuidado exigida a qualquer pessoa (homem médio). - Imprudência: irresponsabilidade, risco excessivo e desnecessário, que não foram previstos pelo sujeito. Exemplo: ultrapassar veículo a 120km/h, em uma curva. DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Página 42 - Negligência: é o descuido, a desatenção, consistente em um não agir. Exemplos: sair de viagem sem verificar os pneus do carro, que estavam carecas, ou os freios, em más condições; médico que esquece de retirar a gaze do paciente, vindo a causar sua morte ou danos graves; - Imperícia: pessoa que não observa regras técnicas que deveria conhecer. Exemplos: um motorista profissional que, em condições normais, não consegue fazer uma curva; anestesista que erra na dose do anestésico e mata o paciente; c) Relação de Causalidade (nexo causal) É o nexo causal entre a ação ou omissão do agente e o dano verificado. Vem expressa no verbo causar empregado no art. 186. Sem ela não existe a obrigação de indenizar. Determinado dano somente ocorreu por causa de determinada ação ou omissão. Se não há relação entre o dano e a ação ou omissão do sujeito, não se está configurado este pressuposto do ato ilícito. Exemplo: acidente de veículo que somente ocorreu em virtude de conversão inoportuna do outro condutor; morte que somente ocorreu por conta do ato lesivo praticado pelo causador do dano. d) Dano É o pressuposto inafastável,
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