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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA NITERÓI - RJ 1ª AVALIAÇÃO: T.A. DO PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO RAÇA, CIÊNCIA E NAÇÃO: PERSPECTIVAS E SINGULARIDADES À LUZ DE NINA RODRIGUES, EUCLIDES DA CUNHA E EDGAR ROQUETTE-PINTO HUGO VIRGILIO DE OLIVEIRA PROFª.: SIMONE P. VASSALLO RAÇA, CIÊNCIA E NAÇÃO: PERSPECTIVAS E SINGULARIDADES INTRODUÇÃO: Segundo Lilia Schwarcz, no Dossiê Pensamento Social Brasileiro de 2011, com o estudo do pensamento social brasileiro hoje “procuramos estimular a reflexão sobre, de um lado, as conquistas cognitivas do pensamento social como área de pesquisa e sua consolidação; e, de outro, sobre a abertura de novas frentes de investigação e o enfrentamento consistente de desafios mais recentes, teórico-metodológicos, que se colocam à área e às ciências sociais de uma maneira geral.” No entanto, foi no final do século XIX que surgiram as primeiras teorias à respeito da evolução humana e desenvolvimento social no Brasil. Fugindo do humanismo rousseauriano em voga, autores como o naturalista Buffon e o jurista Cornelius de Pauw foram importantes difusores de estudos à respeito das diferenças sociais. Darwinismo, evolucionismo e positivismo foram as principais correntes que chegaram ao Brasil e impulsionaram os estudos à respeito do pensamento social brasileiro. Aqui trataremos especificamente das teorias antropológicas que contribuíram para a construção do pensamento social nacional de três cientistas sociais que se destacaram no início dos estudos sobre raça e nação e a constituição do Brasil enquanto estado nacional. São eles: Nina Rodrigues; Euclides da Cunha e Edgar Roquette-Pinto. Por fim, novamente é notável a junção das diferentes concepções que contribuíram para o início dos estudos sobre as diferenças que compunham as nações de modo geral. Desde aspectos de uma humanidade única advinda da Revolução Francesa e da aspiração à igualdade até as primeiras referências e pesquisas sobre as diferenças que começavam a surgir com os avanços dos desbravamentos e contatos com outros povos. RAÇA, CIÊNCIA E NAÇÃO: PERSPECTIVAS E SINGULARIDADES NINA RODRIGUES: Raimundo Nina Rodrigues foi um médico brasileiro do século XVIII que dedicou parte da sua vida ao desenvolvimento de estudos relacionados ao estudo das diferentes raças que compunham a nação brasileira. Conservador e inserido no contexto da abolição da escravatura, o médico tinha concepções que hoje são completamente ultrapassadas e consideradas racistas. Ficou conhecido pelo pessimismo e radicalismo com relação ao futuro de uma nação mestiça e de outras raças consideradas por ele como inferiores, degeneradas e enfraquecedoras. Uma das principais questões que rondavam o final do século XVIII era do que seria da população negra agora que estavam livres e como se daria o processo de igualdade no que diz respeito à cidadania. Para Nina, o conceito de igualdade e livre arbítrio eram ultrapassados, se opôs as ideias espiritualistas, que propunham uma mesma natureza para todos os povos, estas por sua vez, compreendidas como impossíveis de serem comprovadas cientificamente. Também foi adversário do direito e da legislação penal da época; segundo o autor, os juristas não tinham conhecimento científico e biológico para lidar com a população “diferente” que estava sendo agregada a sociedade. Segundo ele, a justiça só funcionaria como estava sendo exposta no caso de uma sociedade homogênea, o que não era o caso. Nina Rodrigues defendia diferentes imputabilidades entre as raças e o conceito mais moderno de “crime relativo”, em que o julgamento muda dependendo do indivíduo. Ele dividia a população brasileira em quatro tipos: brancos, negros, vermelhos e mestiços; esses últimos eram considerados um problema de segurança nacional e da degeneração e extinção de uma linhagem pura brasileira. Para ele o Brasil estava fadado ao fracasso graças aos mestiços, no entanto, considerando a iminência do problema, os dividia.em superiores, que poderiam ser aproveitados; evidentemente degenerados, que não tinham responsabilidade nenhuma; e os comuns, que poderiam ter suas responsabilidades suavizadas. Nesse período em que a medicina era considerada uma missão nacional, com o surgimento de epidemias de cólera e varíola; e com a chegada de doentes advindos da Guerra do Paraguai, a medicina nordestina aproveitou o momento para RAÇA, CIÊNCIA E NAÇÃO: PERSPECTIVAS E SINGULARIDADES comprovar seus estudos sobre a degenerescência dos mestiços e raças inferiores como caso científico. O médico se muniu de teorias conceituadas como o Darwinismo e teorias da antropologia criminal de Lombroso que serviram de embasamento para seus estudos e difundir a legitimidade da abolição da escravidão que ele mesmo não considerava ser o problema. Mais uma vez o autor reafirmava o papel decisivo dos médicos como os únicos com propriedade científica e biológica para lidar com outros tipos de raças. Nos últimos anos de sua vida, Nina Rodrigues publicou um último livro intitulado “Os Africanos no Brasil” que veio como uma exaltação nacional e com um papel decisivo nas pesquisas realizadas pelo autor. Nesse livro, ele é claro no seu objetivo: dimensionar o tamanho do problema “negro” buscando ratificar seus estudos como ciência determinante na construção da nacionalidade brasileira. Segundo ele, como não podíamos estancar o problema, deveríamos tentar constatar a gravidade dele para então diagnosticar a frouxidão da população. Por fim, apesar do radicalismo, não podemos ignorar as contribuições de Nina Rodrigues para a antropologia brasileira. A partir dos seus estudos nota-se uma enorme contribuição para o conceito de identidade que desde então se mostrava flexível, sujeito aos meios sociais e biológicos. Percebeu-se também que o problema das teorias de Nina Rodrigues não eram a diferença em si, mas a hierarquização e a desigualdade que ele propunha a partir delas. Além disso, Nina também nos alertou indiretamente para questionar o modo como são usadas e interpretadas mesmo as teorias mais modernas. EUCLIDES DA CUNHA: Euclides da Cunha foi um engenheiro militar, jornalista e cientista social do final do século XVIII. Diferente de Nina Rodrigues que foi um cientista de gabinete, Euclides teceu suas principais contribuições para os estudos sobre o Brasil a partir de trabalhos realizados em campo num dos principais conflitos na história do País: a Guerra de Canudos. Sua principal obra literária foi “Os Sertões” que serve até hoje como referência em diversas áreas do conhecimento e servindo como objeto de estudo a literatura, ciências sociais e geografia. RAÇA, CIÊNCIA E NAÇÃO: PERSPECTIVAS E SINGULARIDADES Depois de decepções com a carreira militar, Euclides viu sua realidade mudar quando foi enviado como jornalista do “Estado de São Paulo” para cobrir a Guerra de Canudos. Teve como influências literárias o romantismo e o naturalismo, buscando a construçãode um ideal de nação e o positivismo como auge das pesquisas científicas da época. Durante o tempo que ficou na região de Canudos e nos seus escritos, o autor focou seus estudos a partir do determinismo na sua conceitualização de raça e destacando os obstáculos na formação da nação, nas modificações geográfico-naturais do espaço e sociais da população brasileira. Apesar do peso de concepções científicas conservadoras, nota-se nos estudos de Euclides o surgimento de paradoxos, antagonismos e dicotomias que dificultavam uma conclusão única. Em “Os Sertões”, o autor divide o livro em três partes: a terra, o homem e a luta, seguindo o positivismo de Hyppolite Taine, mas ao contrário do que se espera dessa corrente teórica, Euclides se mostra mais instável nas conclusões: ao mesmo tempo que apresenta questões de inferioridade racial, ele também mostra certa dificuldade em concretizar sua argumentação devido a constante mudanças com relação a população local. De modo geral, apresenta como principais teses do livro o isolamento do sertanejo como principal fator para a diferença e dualidade entre o sertão e o litoral, uma marca muito forte na narrativa e no contexto da época; e também a apresentação da população interiorana como retrógrados, e não degenerados, devido ao não contato com a população litorânea. Posteriormente ao massacre de Canudos, Euclides direcionou seus estudos a região amazônica. Diferentemente do primeiro campo, o novo foco das pesquisas euclidianas é marcado por mais inconstância, os nativos da região eram mais nômades e eram muitos diversos em questões sociais e culturais entre si, e por questões mais cotidianas como o funcionamento de barracões, das crises financeiras de quem se mudava para a região e por denúncias das condições deprimentes do trabalho dos seringueiros. Sua segunda grande pesquisa se mostrou mais monótona. Por fim, nota-se que Euclides da Cunha apresenta uma enorme crítica e alerta para a “civilização” do litoral à respeito do problema da segregação espacial presente no país e da desconsideração dos obstáculos presentes nas sociedades RAÇA, CIÊNCIA E NAÇÃO: PERSPECTIVAS E SINGULARIDADES interioranas e suas respectivas realidades enquanto brasileiros. Para esse autor, o sertanejo é a verdadeira essência e herói nacional. Além disso, ele também deixou grandes contribuições para as ciências sociais ao trazer os primeiros dados à respeito da pluralidade entre as populações; para a geografia, ao desbravar o interior do país e constatar a viabilidade de uma expansão territorial; e para a literatura, com sua escrita romântica e suas contribuições para o português brasileiro. EDGAR ROQUETTE-PINTO: Médico e antropólogo, Edgar Roquette-Pinto foi um dos pioneiros a quebrar as correntes do positivismo e determinismo que impediam o início evolução e problematização das teorias preconceituosas e hierárquicas que constituíam o pensamento social. Indo na contramão dos cientistas sociais da época e da própria instituição que liderava, o Museu Nacional. Esse pesquisador afirmava que não havia qualquer sinal de degeneração presente nas diferentes raças que compunham a população nacional, mas de sua cultura inferior e que isso poderia ser resolvido com educação e devidas condições sociais. Como embasamento científico para sua teoria, Edgar se muniu dos esquemas mendelianos mais aprofundados na França e na América Latina; este que defendiam melhorias no desenvolvimento das raças menos cultas a partir de mais foco na saúde e no ensino. Ele foi um dos principais ativistas numa militância nacional com objetivo de desmistificar os ideais de constituição da população brasileira como frágil, impostos pelos estudos raciais europeus, e colocando em destaque os problemas de saneamento e na educação. No entanto, apesar do início de um movimento que evitava teorias racistas, ainda foi um começo; as questões que surgiam agora era sobre a inferioridade intelectual, a falta de cultura e civilidade. Roquette-Pinto partia de um princípio de higienização que via as outras raças como inferiores, não biologicamente, mas socialmente, e que precisavam aprender e assim se potencializar na construção e contribuição para a constituição da identidade de nação enquanto brasileiro. É mais notável quando observamos seus estudos à respeito dos concursos de “misses” e a RAÇA, CIÊNCIA E NAÇÃO: PERSPECTIVAS E SINGULARIDADES importância que ele dá a esses eventos como uma tentativa de chegar a uma espécie de par perfeito, o ápice da eugenia. Por fim, podemos notar o início da mudança do pensamento social brasileiro que começa a mudar seu foco das questões biológicas, para as sociais. Apesar de ainda haver indícios discriminatórios e segregacionais no pensamento de Edgar Roquette-Pinto, não podemos desconsiderar a importância e ousadia dos seus estudos e pesquisas na desconstrução da ideia de degeneração e racismo em voga. Enquanto a maioria dos cientistas sociais pensavam de uma maneira mais depreciativa, Roquette-Pinto apresenta certa expectativa mais positiva à respeito do futuro da nação, dentro de condições dignas para todos.
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