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Relato reflexivo sobre as experiências vividas em estágio supervisionado para Licenciatura em Física na escola pública Pedro Simão, em Alegre - ES Andriele da Silva Vieira (andri.mvieira@hotmail.com) Introdução O Estágio Supervisionado III encerra o ciclo de estágios obrigatórios para o curso de Licenciatura em Física. Essa disciplina tem como objetivo estabelecer a relação entre teoria e prática docente, fortalecendo o desenvolvimento de competências profissonais para atuação em sala de aula. Foi realizada uma pesquisa para levantar dados sobre os estudantes, dentre esses dados podemos destacar resultados obtidos que vão descrever a relação aluno-escola, a relação aluno-estudo, aluno-família e aluno-perspectiva de futuro. Essa pesquisa foi realizada com 28 estudantes do ensino médio da escola Pedro Simão, sendo 20 alunos do 1º ano e 8 alunos do 2º ANO. Também foi realizado uma reflexão sobre a atual conjuntura do ensino público brasileiro, considerando as experiências vividas em todas as disciplinas de estágio do curso de licenciatura em Física, além de outras situações de docência vividas ao longo da graduação. Parte um: resultados e algumas ponderações sobre a pesquisa realizada A escola O campo de estágio foi desenvolvido na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio (EEEFM) Professor Pedro Simão, localizada no bairro Clério Moulin. Ela oferece Ensino fundamental II e Ensino Médio (EM) regular nos turnos da manhã, tarde e noite, além de ofertar Educação de Jovens e Adultos (EJA) no período noturno. A escola tem uma estrutura adequada, mas se percebe que o número de alunos dentro de sala de aula é grande. Os resultados da pesquisa escolar realizada apenas em duas turmas (1º e 2º Ano do EM) mostram que a escola promove poucas atividades extraclasse. A figura 1 ilustra um gráfico que comprova essa afirmação. Figura 1: Gráfico sobre atividades extraclasse realizadas pela escola. Pelo que foi relatado, essas atividades se limitam basicamente a futebol ou alguma coisa relacionada a esportes. Um aluno relatou uma visita feita aos laboratórios da UFES, porém nada mais que isso. Os alunos As turmas observadas e acompanhadas foram o 1º e 2º ano do EM vespertino, tendo cerca de 25 alunos frequentes no 1º ano e cerca de 8 alunos frequentes no 2º ano. Os resultados da pesquisa mostram que a maioria dos alunos que compõem essas turmas reprovaram em anos anteriores e, provavelmente, em diferentes séries. A figura 1 mostra o gráfico de distribuição de idade das turmas observadas. Figura 1: Distribuição de idade do 1º e 2º anos do EM vespertino. Outros dados interessante de expor aqui é a relação do aluno com a escola. De acordo com o questionário, cerca de 20% dos alunos pensam em desistir da escola com frequência (Figura 2), porém cabe salientar que o que foi observado durante a realização do questionário aplicado não reproduz os resultados apresentados. O motivo? Preguiça! Ao notarem que deveriam justificar a resposta abaixo caso já tivessem pensado em desistir da escola, os alunos mudavam a resposta anterior apenas para não responderem, isso gerou um conflito de observação e coleta de dados pois a maioria relatou imediatamente ao ler a pergunta que já pensaram inúmeras vezes em desistir da escola. Figura 2: Gráfico sobre desistência dos alunos em relação aos estudos. Os que responderam com seriedade à pesquisa relataram vários motivos pelo qual já pensaram em abandonar a escola. Podemos destacar entre eles: racismo e bullying (1 resposta), consideram a escola cansativa (2 respostas), reprovação (1 resposta) e o mais comum que é por conta de trabalho (3 respostas). Uma coisa intrigante, porém muito legal é que grande parte dos alunos se sentem motivados e gostam de ir à escola, além de se sentirem acolhidos pela mesma. Figura 2: Gráficos sobre a relação do aluno com a escola. O contexto O contexto dos alunos será apresentado em etapas. A primeira delas diz respeito à esfera familiar, se propondo a apresentar e discutir a relação da família com a vida escolar dos alunos e como isso afeta o desempenho e o interesse dos estudantes com relação à escola. A figura 3 mostra quantas pessoas e que familiares moram com esses alunos. Figura 3: Informações sobre condição de moradia dos alunos. Como foi orientado que não se contasse com eles mesmos para responder a essa pergunta, podemos concluir que a maioria dos alunos mora com mais de quatro pessoas na mesma casa, mas não podemos concluir muita coisa a partir desses dados pois não sabemos a fundo as condições de moradia ou financeira desses alunos. Outro resultado observado é que a maioria dos alunos moram com a mãe, mas quase metade desse grupo não mora com o pai. Podemos observar também que dois alunos possuem filhos. A escolaridade do principal responsável pelo estudante também foi levantada (Figura 4). Apontamos que o responsável principal de 22 alunos é a mãe, 2 é o pai, 2 são os irmãos e 2 por outros familiares. Figura 4: Grau de escolaridade do principal responsável. Com os dados apresentados na figura 4 nota-se, infelizmente, a baixa instrução acadêmica dos familiares. Isso pode afetar os alunos tanto de forma positiva quanto negativa, mas evidencia que o estudo dentro do contexto familiar talvez não seja prioridade. Apresentamos também como é a relação da família com a instituição escolar e com a vida escolar dos estudantes (Figura 5). Figura 5: Relação da família e vida escolar dos estudantes. É perceptível pelos dados apresentados que a maioria dos alunos não têm apoio familiar para as atividades escolares, o que pode influenciar no interesse dos alunos diante da escola. Isso pode ser justificado pela falta de escolaridade apresentada na figura 4, pois o familiar se abstêm de ajudar por talvez não saber o conteúdo ou algo assim. Outra discussão que podemos levantar é a relação dos alunos com os estudos. Constatamos pela figura 6 que poucos alunos se dedicam fora do horário escolar, mas apesar disso, a maioria relatou que encontra relação entre o conteúdo visto dentro de sala de aula e o cotidiano. Figura 6: Relação entre aluno e estudo. Quanto aos recursos que possuem, a maioria tem acesso à internet, mas não dispõem de computador ou notebook em casa. Logo, presume-se que eles usem apenas o celular. Figura 7: Alunos com acesso a internet e que possuem computadores. Importante apontar ainda que alguns alunos trabalham no contraturno, mas nem todos especificaram qual tipo de trabalho realizam (Figura 8). Figura 8: Alunos que trabalham no contraturno. A perspectiva Apesar de tudo que já foi exaustivamente relatado nas aulas de estágio, os alunos acreditam que a escola seja importante. Para a maioria deles a escola auxilia no egresso a um curso superior e a conseguir emprego (Figura 9). Figura 9: Opinião dos alunos Também foi perguntado a eles o que a escola poderia fazer para prepará-los para o futuro. E o interesse deles é bem grande em relação a cursos preparatórios e cursos técnicos(Figura 10). Figura 10: Perspectiva O que me surpreendeu é que a grande maioria dos alunos pretende fazer curso superior após o EM. Dá pra ressaltar ainda os alunos que não sabiam responder, pois ainda estão no 1º ano e ainda não almejam esse objetivo. Figura 11: Gráfico da quantidade de alunos que querem fazer curso superior. E entendendo que a UFES - Alegre é a oportunidade mais próxima e viável a esses meninos, foram levantadas algumas questões para saber se eles conhecem o campus. A primeira pergunta queria saber quantos alunos conheciam a UFES - Alegre. Mesmo o campus sendo bem conhecido na cidade, ainda há alunos que não conhecem e/ou que nunca visitaram a UFES. É importante se atentar a esses dados e tentar estabelecer uma melhor relação entre universidade e escola, promovendo maior aproximação entre as instituições. Figura 12: Relação de alunos que conhecem a UFES. Apesar de muitos alunos terem interesse em fazer curso superior e conhecerem a UFES, poucos sabem como é feito o processo de ingresso na universidade. Talvez seja porque a maioria dos alunos ainda está no 1º ano, mas devemos ficar alarmados e procurar informar esses estudantes para que futuramente eles saibam como entrar em um curso superior. Figura 13: gráfico do conhecimentos do aluno sobre o processo de seleção da UFES. Esses são alguns dados que considerei serem mais importantes para serem expostos, uma vez que se for discutir todos os dados do questionário, esse relatório ficará muito grande. O questionário completo pode ser acessado através do link de convite de colaboração enviado por e-mail. PARTE 2: Texto reflexivo Diante de todos os estudos e questionamentos feitos nas aulas teóricas de estágio, eu me propus a fazer uma reflexão sobre encontrar os responsáveis por não deixar que a escola evolua e se desenvolva junto com a sociedade (se é que posso dizer que a sociedade evoluiu), chegando à situação que presenciamos hoje não só na escola Pedro Simão, mas no sistema educacional brasileiro como um todo. Nessa reflexão não entram apenas as experiências vividas nas disciplinas de estágio, mas representa toda uma passagem por projetos como PIBID e residência pedagógica, além das minhas lembranças do EM, já que o ensino não teve mudanças expressivas até então. Aponto neste texto quem são os culpados por toda essa situação de precariedade do ensino público e já adianto o veredito: são absolutamente todos os envolvidos! E, claramente, direi o porquê. Os culpados A primeira das culpas recai obviamente nos órgãos governamentais que se propõem a “cuidar” da educação do país. Começamos com o órgão de maior poder e influência na educação brasileira, que é o Ministério de Educação e Cultura (MEC). Acho que não tenho nem palavras para expressar a desordem e a “balbúrdia” que ocorre hoje neste ministério. Sinceramente, não dá pra entender como um chefe de Estado negligencia a educação dessa forma. Obviamente serei breve nessa discussão, pois se formos falar de todas atrocidades cometidas dará para escrever um livro inteiro praticamente. Outra responsável pelo caos é a Secretaria de Educação do ES (SEDU). Considero uma palhaçada o que fazem com o ensino público do estado. Atuando em duas escolas diferentes por conta do estágio e do Programa residência pedagógica vejo que o descaso é geral. Uma das coisas que fiquei sabendo agora no fim do período é que as notas são dadas por área, funciona assim: o aluno deve atingir 180 pontos referentes à área de ciências da natureza, o que nos leva logicamente a pensar que as disciplinas de Física, Química e Biologia devem ter 60 pontos cada uma. Mas não! Se o aluno tirar 90 pontos em biologia, 70 em química e míseros 20 pontos em física ele passa, mesmo a escola e o professor da disciplina evidenciando que esse aluno não tem a mínima condição de seguir para o próximo ano. Isso é imposto pela SEDU e nem os professores, nem a administração da escola pode questionar, o que constata a total falta de interesse desse órgão no que de fato ocorre no dia a dia do ambiente escolar. A escola também é culpada por não assumir o papel que se espera dela. Na escola campo de estágio, por exemplo, é possível perceber uma postura de escola enquanto prestadora de serviços e que não tem desejos de mudar a realidade a qual está inserida. Essa escola também é um caos quando se trata de organização e talvez devido a isso desperdiça os recursos a ela disponíveis. Um exemplo claro disso é a biblioteca da escola que funciona mais como um depósito de tralhas do que qualquer outra coisa. A postura de administração pedagógica da escola também não funciona muito bem. Não foi observado em nenhum momento professores sendo cobrados com relação ao conteúdo dado em sala, mas apenas na relação de aprovados e reprovados do trimestre. Também não é observado uma autonomia pedagógica da escola, já que ela segue todas as instruções que a SEDU impõe. Essa escola não perpassa uma condição de possuir conhecimento, parece ser mesmo apenas um prédio em que diversas crianças e adolescentes se reúnem para passar cinco horas do dia e depois ir embora. Os professores também levam a culpa desse processo de sucateamento da escola. A maioria dos professores observados na escola campo de estágio são desanimados, sempre reclamando dos alunos, não têm interesse no processo de aprendizagem do aluno e, pelo que foi observado, não faz questão de planejar a aula e levar ou propor coisas que despertem o interesse do aluno. Acredito que alguns professores tomam como muleta a precarização da profissão e não fazem questão de mudar ou de fazer alguma coisa além do que são pagos para fazer. O que parece é que vão para escola apenas para cumprir o horário de serviço e não se envolvem nem com os alunos e nem com a escola. Os alunos são outros fatores de culpa, pois eles não parecem entender o que a escola representa de fato. Parece que eles vão lá apenas para passar o tempo, talvez porque sejam obrigados a irem pra escola. Mas o desinteresse, pelo menos nas aulas de física, muito grande mas como os professores relataram, esse desinteresse se estende para outras matérias. O aluno desacredita do processo de ensino da escola e do professor e fica desanimado para realizar tarefas repetitivas como lista de exercícios e cópias de quadro. Também parece haver na educação brasileira de forma geral a desinformação dos estudantes com relação à luta por reivindicações na melhoria do ensino público. Para eles, o que é apresentado é mediano e sabemos que o ensino público de algumas regiões infelizmente não chega nem a isso. A estagiária também leva culpa, pois vendo toda a situação que ocorria naquele contexto escolar deixou se desanimar com relação à escola e, consequentemente com relação aos alunos, mesmo que tivesse sido perceptível que aqueles alunos possuíam potencial paraprojetos desafiadores. Acredito que a estrutura organizacional da escola deixou muito a desejar, e muitas das vezes eu me sentia frustrada dentro da escola, mesmo não fazendo parte de fato dos professores e demais funcionários que estão ali todo dia. Parte 3: Considerações finais É um pouco complicado fazer considerações finais quando se trata de educação. Parece que uma discussão sobre uma única questão se ramifica e se une com outras discussões tão pertinentes quanto a inicial e quando se vê já passou duas horas de aula, como ocorreu em quase toda aula teórica de estágio (risos). Mas brincadeiras a parte, a educação brasileira precisa URGENTEMENTE passar por uma reformulação geral. Parece que o que é decidido nos órgãos superiores não é dialogado com o contexto real que as escolas vivem. Neste contexto, quando se propõe projetos e planos para educação geralmente eles não dão certo por não se encaixarem na realidade das escolas. E mesmo os projetos que dão certo, infelizmente são descontinuados quando governos mudam, o que é de uma negligência abismal da sociedade que não entende que a educação pública e de qualidade deve ser um direito indiscutível e um mecanismo inquestionável para promoção do desenvolvimento social, tecnológico, histórico, etc. Entender o processo de formação docente em sua totalidade é de uma complexidade absurda. Temos que entender principalmente que a formação docente não se dá apenas nos estudos teóricos ou apenas práticas na sala de aula. Essa formação depende de fatores como a convivência humana, o desenvolvimento social que ocorre ao interagir com um grupo de seres humanos. Além disso, é preciso ter muita empatia e admiração pela profissão, pois sabemos de todas as situações difíceis envolvendo a prática docente no Brasil. Neste contexto, o que fica de lição para os possíveis próximos anos como PROFESSORA DE FÍSICA (meu Deus, que desespero) é que há sempre alguma coisa para se inspirar e se motivar e o importante é não deixar que a apatia ou o comodismo tome conta de nós. temos sempre que buscar o melhor dentro nós e nos doarmos ao máximo naquilo que acreditamos! “Ensinar exige alegria e esperança”. O autor dessa frase é o maior pesquisador e estudioso da educação brasileira, reconhecido mundialmente, em que o nome não pode ser citado segundo o presidente (sic) da república (pra entender um pouco o quão sombrio são os tempos atuais para quem quer ver a educação tomar outros rumos que não sejam os expostos nessa reflexão). Mas vou citar mesmo assim e com destaque porque sou rebelde: PAULO FREIRE.
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