Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Copyright © 2015 Ana Paula Cortat Zambrotti Gomes, André Baptista Barcaui, Anna Cherubina Scofano, Dayse Azevedo Gomes Direitos desta edição reservados à EDITORA FGV Rua Jornalista Orlando Dantas, 37 22231-010 — Rio de Janeiro, RJ — Brasil Tels.: 0800-021-7777 — 21-3799-4427 Fax: 21-3799-4430 editora@fgv.br | pedidoseditora@fgv.br www.fgv.br/editora Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação do copyright (Lei no 9.610/98). Os conceitos emitidos neste livro são de inteira responsabilidade dos autores. 1a edição — 2015 Preparação de originais: Sandra Frank Editoração eletrônica: FA Studio Revisão: Fatima Caroni Capa: aspecto:design Ilustração de capa: Felipe A. de Souza Desenvolvimento de eBook: Loope – design e publicações digitais | www.loope.com.br Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV Gomes, Ana Paula Cortat Zambrotti Coaching e mentoring / Ana Paula Cortat Zambrotti Gomes...[et al.]. - Rio de Janeiro : Editora FGV, 2015. (Gestão de pessoas (FGV Management)) Em colaboração com André Baptista Barcaui, Anna Cherubina Scofano, Dayse Azevedo Gomes. Publicações FGV Management. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-225-1791-6 1. Coaching executivo. 2. Mentores nos negócios. 3. Pessoal – Treinamento. I. Barcaui, André B. (André Baptista). II. Scofano, Anna Cherubina. III. Gomes, Dayse Azevedo. IV. FGV Management. V. Fundação Getulio Vargas. VI. Título. VII. Série. CDD — 658.3124 mailto:editora@fgv.br?subject= mailto:pedidoseditora@fgv.br?subject= http://www.fgv.br/editora http://www.loope.com.br Aos nossos alunos e aos nossos colegas docentes, que nos levam a pensar e repensar nossas práticas. Sumário Capa Folha de Rosto Créditos Dedicatória Apresentação Introdução 1 | Relação entre coaching e mentoring Aspectos da sociedade contemporânea Mudanças no mundo do trabalho Diferenças entre os processos Desenvolvimento de competências Evolução do conceito de carreira Conceito de carreira na atualidade Trabalho e carreira para as diferentes gerações Vantagens e desafios de cada processo 2 | Processo de mentoring Definição e objetivos Características do mentoring Perfil do mentor e do mentorado Mentoring B2B A aplicação do mentoring no exercício da liderança Requisitos ao processo de mentoring Técnicas do mentoring Etapas do mentoring Programas de mentoring Fatores críticos de sucesso 3 | Processo de coaching Definição e objetivos O coaching nos dias atuais: conceito, propósito e fundamentos Características do coaching O líder como coach A formação de um coach profissional Os tipos de aplicação de coaching Tipologia Técnicas de coaching Etapas de um processo básico de coaching Riscos do processo 4 | Impactos no desenvolvimento pessoal e profissional Autoconhecimento Autodesenvolvimento e autocontrole Valores e visão de futuro Plano de ação e ajuste de metas Gerência do tempo Conclusão Referências Os autores Apresentação Este livro compõe as Publicações FGV Management, programa de educação continuada da Fundação Getulio Vargas (FGV). A FGV é uma instituição de direito privado, com mais de meio século de existência, gerando conhecimento por meio da pesquisa, transmitindo informações e formando habilidades por meio da educação, prestando assistência técnica às organizações e contribuindo para um Brasil sustentável e competitivo no cenário internacional. A estrutura acadêmica da FGV é composta por nove escolas e institutos, a saber: Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape), dirigida pelo professor Flavio Carvalho de Vasconcelos; Escola de Administração de Empresas de São Paulo (Eaesp), dirigida pelo professor Luiz Artur Ledur Brito; Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE), dirigida pelo professor Rubens Penha Cysne; Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc), dirigido pelo professor Celso Castro; Escola de Direito de São Paulo (Direito GV), dirigida pelo professor Oscar Vilhena Vieira; Escola de Direito do Rio de Janeiro (Direito Rio), dirigida pelo professor Joaquim Falcão; Escola de Economia de São Paulo (Eesp), dirigida pelo professor Yoshiaki Nakano; Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), dirigido pelo professor Luiz Guilherme Schymura de Oliveira; e Escola de Matemática Aplicada (Emap), dirigida pela professora Maria Izabel Tavares Gramacho. São diversas unidades com a marca FGV, trabalhando com a mesma filosofia: gerar e disseminar o conhecimento pelo país. Dentro de suas áreas específicas de conhecimento, cada escola é responsável pela criação e elaboração dos cursos oferecidos pelo Instituto de Desenvolvimento Educacional (IDE), criado em 2003, com o objetivo de coordenar e gerenciar uma rede de distribuição única para os produtos e serviços educacionais produzidos pela FGV, por meio de suas escolas. Dirigido pelo professor Rubens Mario Alberto Wachholz, o IDE conta com a Direção de Gestão Acadêmica pela professora Maria Alice da Justa Lemos, com a Direção da Rede Management pelo professor Silvio Roberto Badenes de Gouvea, com a Direção dos Cursos Corporativos pelo professor Luiz Ernesto Migliora, com a Direção dos Núcleos MGM Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo pelo professor Paulo Mattos de Lemos, com a Direção das Soluções Educacionais pela professora Mary Kimiko Magalhães Guimarães Murashima e com a Direção dos Serviços Compartilhados pelo professor Gerson Lachtermacher. O IDE engloba o programa FGV Management e sua rede conveniada, distribuída em todo o país e, por meio de seus programas, desenvolve soluções em educação presencial e a distância e em treinamento corporativo customizado, prestando apoio efetivo à rede FGV, de acordo com os padrões de excelência da instituição. Este livro representa mais um esforço da FGV em socializar seu aprendizado e suas conquistas. Ele é escrito por professores do FGV Management, profissionais de reconhecida competência acadêmica e prática, o que torna possível atender às demandas do mercado, tendo como suporte sólida fundamentação teórica. A FGV espera, com mais essa iniciativa, oferecer a estudantes, gestores, técnicos e a todos aqueles que têm internalizado o conceito de educação continuada, tão relevante na era do conhecimento na qual se vive, insumos que, agregados às suas práticas, possam contribuir para sua especialização, atualização e aperfeiçoamento. Rubens Mario Alberto Wachholz Diretor do Instituto de Desenvolvimento Educacional Sylvia Constant Vergara Coordenadora das Publicações FGV Management Introdução Estamos vivendo um momento de transição no que diz respeito à área de gestão de pessoas. Trata-se da migração de uma lógica de departamento de pessoal para o chamado RH estratégico (Ulrich, 2000). Inicialmente, a área concentrava atividades meramente burocráticas, tais como admissão, registros e folha de pagamento. Em seguida, passou a trabalhar com treinamento, avaliação de desempenho e demais dimensões funcionais, mas ainda de forma fragmentada. Mais recentemente, ganhou contornos estratégicos, aproximando-se das áreas de negócios (Wood Jr., Tonelli e Cooke, 2012). Considerando esse contexto de evolução, parece não haver mais dúvidas de que pessoas não são recursos; são geradoras de recursos. Produtos ou serviços isoladamente não são mais diferenciais. O que destaca hoje uma organização é a gestão do conhecimento, a inovação, a dimensão humana. Isso significa que as organizações precisam de pessoas competentes, motivadas e comprometidas. O que se espera hoje de gestores, bem como de analistas e de técnicos de gestão de pessoas está alinhado aos novos papéis da área, sobretudo o de parceiro estratégico da organização. Esperam-se, portanto, profissionais com capacidade de liderança, visão sistêmica,flexibilidade, capacidade de negociação, além da capacidade para discutir as estratégias da empresa e desenvolver políticas alinhadas a tais estratégias. Esperam-se profissionais que discutam o negócio com as outras áreas da empresa e que tenham a ética e a sustentabilidade norteando todas as suas ações. Diante do exposto, leitor, entendemos que no atual ambiente de negócios é tarefa do profissional buscar permanentemente o autoconhecimento e o autodesenvolvimento. É preciso identificar suas competências e trabalhar para aprimorá-las, bem como adquirir outras que ainda não tem. Nesse sentido, processos como os de coaching ou mentoring podem ser muito úteis. Você, provavelmente, já ouviu falar sobre tais processos. Eles ganharam bastante espaço nas revistas de negócios e em sites especializados. O número de cursos oferecidos sobre o tema parece, também, ter se multiplicado, assim como o número de profissionais que hoje se dedicam a essa atividade. O objetivo deste livro é apresentar a essência do conceito tanto de coaching quanto de mentoring, as características dos processos, bem como discutir as aplicações no âmbito individual e organizacional. Para tanto, o livro está dividido em quatro capítulos, além desta introdução e da conclusão. O capítulo 1 apresenta os principais aspectos que caracterizam a sociedade em que vivemos e como esses aspectos penetram no mundo do trabalho. Em seguida, discute como o ambiente de negócios responde às principais mudanças. Por fim, traz à tona o desenvolvimento de competências e a gestão de carreira, a fim de contextualizar o surgimento e a disseminação do coaching e do mentoring nas organizações contemporâneas. O capítulo 2 aborda o processo de mentoring. Apresenta o conceito e as características do processo, bem como o perfil do mentor e do mentorado. Traz, ainda, o mentoring B2B e a aplicação do mentoring no exercício da liderança. Por fim, apresenta os requisitos, as técnicas e as etapas, além de discutir programas ligados ao processo e seus fatores críticos de sucesso. O capítulo 3, por sua vez, traz o processo de coaching. Inicialmente, são apresentados o conceito e as disciplinas que fundamentam o processo, bem como as principais abordagens metodológicas. Em seguida, são apresentados os tipos de aplicação mais comuns de coaching, assim como as macroetapas de um processo, para ilustrar sua aplicação. Por fim, são discutidas a formação do coach, as vantagens e os riscos inerentes ao processo. Nos capítulos 1, 2 e 3, foram apresentados aspectos mais teóricos acerca do tema, ou seja, uma base conceitual, que permitiu trazer a prática à tona. O capítulo 4 tem, portanto, contornos mais pragmáticos. São abordados os impactos dos processos de coaching e de mentoring no desenvolvimento pessoal e profissional dos indivíduos. Partimos do entendimento de que o ponto inicial para escolhas, mudanças, aquisições e aprimoramento de competências, bem como para a gestão da carreira é o autoconhecimento. Como sugere Vergara (2010:67), “a busca do autoconhecimento, certamente, conduz ao autodesenvolvimento”. Na sequência, portanto, o capítulo trata do autodesenvolvimento e do autocontrole. Traz, ainda, considerações sobre valores e visão de futuro. A primeira parte, portanto, é dedicada ao diagnóstico. A partir daí, explora o plano de ação e ajuste de metas. Por fim, o capítulo aborda a questão da gerência do tempo, que pode ser um aliado nos processos de desenvolvimento pessoal e profissional. Esperamos, caro leitor, que a leitura deste livro possa provocar-lhe reflexões interessantes na busca pelo autoconhecimento e pelo autodesenvolvimento. Esperamos que possa, também, despertar sua curiosidade intelectual sobre o tema, além de uma postura crítica e independente, seja você um gestor, um técnico, um coach, um mentor ou, de forma geral, um profissional interessado em compreender melhor as práticas de gestão de pessoas. 1 Relação entre coaching e mentoring A sociedade contemporânea vem sendo alvo de reflexões e discussões por estudiosos de várias áreas do saber. Na antropologia, por exemplo, Barbosa (2012) apresentou o tema com foco nas juventudes e gerações. Já na psicanálise, Damasceno (2011) trouxe à tona a sociedade contemporânea e seus meios de competência. Na comunicação, Sibilia (2008) abordou a intimidade, a vida privada e a realidade em tempos nos quais dispositivos tecnológicos concorrem e, muitas vezes, se sobrepõem às demais formas de socialização. Por fim, na administração, Piccinini e colaboradores (2006) brindaram-nos com um mosaico do trabalho na sociedade contemporânea. Trata-se de uma sociedade marcada por grandes transformações de ordem política, econômica, social, cultural e tecnológica. Tais transformações têm impacto na vida cotidiana, no comportamento de cada um de nós, seja nas relações de família, de comunidade ou no âmbito do trabalho. Há quem diga, leitor, que esta é uma sociedade do espetáculo (Debord, 1994), de modernidade líquida (Bauman, 2001), de policrises (Morin, 2013). Mas que aspectos caracterizam a sociedade em que vivemos? Como eles penetram no mundo do trabalho? De que forma o ambiente de negócios responde às mudanças? É o que veremos ao longo deste capítulo, que contextualiza o surgimento e a disseminação do coaching e do mentoring nas organizações. Aspectos da sociedade contemporânea Sociedade do espetáculo, nas palavras de Debord (1994), é aquela em que o real tornou-se imagem e a imagem tornou-se real. É a sociedade em que o natural e o autêntico deram lugar à teatralidade e à representação. É a sociedade da aparência. Até que ponto a sociedade contemporânea guarda relações com o que Debord publicou originalmente em 1967? Seguindo essa linha de reflexões, deparamo-nos com o que Bauman (2001) chamou de modernidade líquida. É a sociedade imersa na fluidez, que “não pode manter a forma ou permanecer em seu curso por muito tempo” (Bauman, 2007:7). É a sociedade representada pela flexibilidade, mas, também, pela insegurança e pela incerteza. É, ainda, tomando emprestadas as palavras de Morin (2013), a sociedade marcada pelas policrises, ou seja, infinitas crises causadas pela mundialização, pela ocidentalização e pelo desenvolvimento. O que se pode depreender de reflexões filosóficas ou sociológicas do atual contexto é que mercado, consumo, tempo e identidade são elementos que podem nortear uma discussão sobre os principais aspectos da sociedade contemporânea. Você, leitor, certamente já ouviu frases do tipo: “Devemos ficar atentos às demandas do mercado”; “Se consumo, logo existo”; “Não temos tempo a perder” ou, ainda, “Mostre-se como for”. Tais elementos estão, obviamente, inter-relacionados, trazendo imbricadas consequências para a sociedade. O mercado, primeiro dos aspectos a serem abordados, é quase uma entidade nos dias atuais. É um senhor, um senhor que não perdoa. Podemos dizer que o mercado é implacável com aqueles que não se rendem à competição. Ele cobra, exige, mas também reconhece e premia quem entra no jogo para ganhar. A lógica de mercado é permeada pela busca do sucesso, pela cultura da performance, pela individualidade. É o que se pode ver, por exemplo, no filme espanhol O que você faria?, dirigido por Marcelo Piñeyro, que traz sete executivos disputando uma vaga em uma grande empresa. O grupo recebe uma série de tarefas. Quem sobreviver, ficará com a vaga. As situações, ancoradas na competitividade extrema, levam os candidatos ao limite. O sucesso a qualquer preço, do diretor James Foley, é outro exemplo de como a lógica do mercado insufla relações competitivas, perversase degradantes no ambiente de trabalho. O filme é centrado na tarefa de um grupo de corretores de imóveis que, movidos por uma disputa interna na empresa, tentam desesperadamente fechar vendas. Ao final, os prêmios pelo desempenho variavam de um Cadillac à demissão. Em resumo, falar sobre o mercado é falar sobre competitividade, sobre sucesso; é expor winners e loosers. O segundo aspecto a ser abordado, o consumo, guarda forte vínculo com o mercado. Consumir é um direito daqueles que venceram, que performaram, que se anteciparam às exigências do mercado. Consumir para preencher um vazio. Consumir em busca da felicidade. Consumir para existir. O que se pode depreender é que o consumismo exacerbado é fruto de uma inversão de valores. É o ter em detrimento do ser, muito bem apresentado por Woody Allen, em Blue Jasmine. A personagem central, que dá nome ao filme, é uma mulher deprimida, que vive entre as lembranças do passado cercado de luxo e gastos intermináveis, e a atual busca pela felicidade, pautada em negações, mentiras e desejos de consumo. Em tempos em que o que vale é o ter, evocamos aqui o compositor, para dizer que “é preciso aprender a só ser” (Gil, 2006). Da mesma forma que mercado e consumo, o tempo é um aspecto que não deve ser abordado de maneira isolada; ao contrário, ele complementa o que foi dito acerca dos dois primeiros aspectos. Falar sobre tempo na sociedade contemporânea é falar sobre o imediatismo e sobre a espera; sobre o tempo do mercado e o do indivíduo; sobre o tempo objetivo e o subjetivo. É falar, tomando emprestadas as palavras do poeta Renato Russo, sobre o tempo perdido, aquele que passou e não temos mais, e aquele que ainda está por vir. As máximas “tempo é dinheiro” e “não temos tempo a perder” são muito bem retratadas, por exemplo, no filme Amor sem escalas, do diretor Jason Reitman, que mostra um executivo capaz de levar a vida em uma bagagem de mão. Seus dias são de aeroportos em aeroportos, de hotéis em hotéis, tendo como grande meta chegar ao fantástico número de 10 milhões de milhas voadas. O filme, caro leitor, provoca a reflexão sobre o vazio, a frustração e a fragilidade das relações. Por fim, o quarto aspecto a ser abordado aqui é a identidade. Com a expansão das mídias sociais, “o show do eu”, utilizando as palavras de Sibilia (2008), veio para legitimar a cultura de observação do outro e, sobretudo, da exposição de si próprio. Sibilia (2008) resgata Nietzsche para indagar “como alguém se torna o que é”. Afinal, vivemos um fenômeno de superexposição do cotidiano de pessoas comuns, o que foi muito bem ilustrado por Woody Allen, no cinema, em Para Roma, com amor. No filme, o personagem Leopoldo Pisanello passou, da noite para o dia, a ser perseguido por fotógrafos e admirado por multidões. Cansado de tamanha exposição, ouviu de seu motorista uma simples explicação: “Você é famoso, por ser famoso”. Uma fama tão frágil que no dia seguinte é esquecido e outra pessoa comum passa a viver dias de glória. O eu da sociedade contemporânea deseja ser amado e apreciado; busca incessantemente aprovação alheia (Sibilia, 2008). Como se dá a construção da identidade em um contexto em que prevalece o parecer, em detrimento do ser? É preciso aparecer para ser? Se ninguém vê, essa coisa (ou o indivíduo) não existe? Essas são questões, caro leitor, para reflexão em tempos em que o real é o postado e o imaginário é o privado. Os aspectos abordados aqui, obviamente, não esgotam a leitura sobre a sociedade contemporânea, mas, certamente, ajudam a compreender as mudanças que vêm ocorrendo no mundo do trabalho, foco da próxima seção deste capítulo. Mudanças no mundo do trabalho Se, por um lado, a sociedade contemporânea é marcada por incertezas, crises, instabilidades e mudanças rápidas, por outro lado, é tempo de oportunidades, de parcerias, de desafios e de valorização do ser humano. O mundo do trabalho não está imune a essas ambiguidades e contradições. As organizações sofrem as pressões impostas pelo ambiente de negócios, marcado pela competição mais acirrada e que exige a aquisição de novas competências organizacionais e o aprimoramento das existentes. Da mesma forma, os profissionais, sejam eles gestores, técnicos ou autônomos, se encontram cada vez mais envolvidos com dilemas de carreira, de ordem imediata, como a manutenção do emprego, ou ligados à mudança planejada, ou seja, que visam ao alcance de um sentido maior para o trabalho. Independentemente dos motivos, lidar com tais questões implica investir em desenvolvimento de competências individuais. É o desenvolvimento de competências organizacionais e individuais que permite às empresas repensar seus modelos de negócio, redefinir seus mercados, mudar suas estratégias. Esse processo, no entanto, ocorre, muitas vezes, sem a devida reflexão, crítica, fundamentação. Em meio à turbulência e, não raro, ao despreparo gerencial, muitas empresas recorrem a soluções de prateleira, aos chamados modismos gerenciais. Desde o início da década de 1990, vários pesquisadores têm discutido o surgimento e a disseminação de tais modismos no âmbito das organizações. Abrahamson (1991), por exemplo, provocou reflexões sobre o assunto que, anos depois, também foi alvo de estudos no Brasil. Ainda no final da década de 1990, Caldas e Wood Jr. (1999, 2000) lançaram diversos olhares sobre práticas de gestão adotadas em outros países e introduzidas em organizações brasileiras. Os autores argumentam que a inserção do Brasil no contexto global de negócios e a importação de modelos de gestão provocaram um afastamento entre o discurso, de base gerencialista norte-americana, e a prática, notadamente marcada pelas singularidades brasileiras. Como resultado, observamos no Brasil uma importação de tecnologia gerencial para inglês ver (Caldas e Wood Jr., 1999), de forma instantânea e superficial. Em outras palavras, trata-se da adoção de modelos e práticas estrangeiros, sem levar em consideração a realidade, a cultura e a maturidade das organizações brasileiras. Numa linha semelhante à de Caldas e Wood Jr. (1999, 2000), Barbosa (2002) explora o tema, abordando aspectos da cultura de negócios que guardam estreita proximidade com a realidade da gestão de pessoas. Você, caro leitor, tem ideia de que aspectos são esses? Vamos ver aqui os principais: ■ ■ ■ ■ foco no curto prazo, na execução, nos resultados, em detrimento do planejamento e da reflexão; apresentação e uso de ferramentas gerenciais que, supostamente, como alerta a autora, conduzem ao sucesso; adestramento, em lugar da aprendizagem, ou seja, transmissão de informações, ideias e valores, sem preocupação em despertar uma visão crítica e independente; redução da complexidade organizacional, ou seja, uma simplificação, por vezes exagerada, da realidade. Você já vivenciou situações em que tais aspectos vieram à tona? Pense um pouco sobre isso. Muitos profissionais são frequentemente procurados por gestores interessados em consultorias, treinamentos ou palestras ligados à gestão de pessoas. Em muitos dos casos, precisam resolver um problema urgente ou algo supostamente pontual. Trabalhar a motivação dos funcionários, prepará- los rapidamente para determinada mudança, deixá-los prontos para um novo cargo ou adaptá-los à cultura organizacional são exemplos de demandas para as quais muitos gestores (ou os ainda chamados departamentos de RH) recorrem a profissionais externos (consultores, coaches, palestrantes). Essa realidade ratifica as considerações de Caldas e Wood Jr. (1999) e de Barbosa (2002), além de ilustrar fortemente a afirmação de Wood Jr., Tonelli e Cooke (2012:24), de que “agestão de pessoas se tornou uma porta escancarada para a entrada de modismos gerenciais”. Os autores consideram, no entanto, que, apesar da emergência e da disseminação de práticas de sucesso duvidoso, é possível reverter a situação. Eles advogam um esforço de capacitação dos profissionais de gestão de pessoas, tanto de forma específica, nas disciplinas da área de humanas, quanto de forma geral, em uma perspectiva de negócios. Além disso, o estímulo ao pensamento crítico, que considera a evolução histórica da área, os dilemas e os paradoxos organizacionais, bem como as novas tendências, é imprescindível para alinhar discurso e prática na gestão de pessoas. Assim, recomendamos que você, leitor, avalie cuidadosamente as necessidades da organização, no que diz respeito à gestão de pessoas, e as suas próprias, no que se refere ao desenvolvimento de competências e à gestão de carreira, antes de contratar um serviço, seja ele coaching, mentoring, consultoria ou cursos de capacitação. Diante do exposto, você pode estar se perguntando agora se os processos de coaching e de mentoring não estariam inseridos nessa lógica de modismos gerenciais. A resposta é sim e não, como veremos a seguir. Diferenças entre os processos “Mais do que um jargão”. É dessa forma que Whitmore (2010:XI) abre a introdução de seu livro. Ele fala sobre a popularização do termo coaching e do risco que o processo tem corrido de ser mal interpretado ou utilizado de forma inadequada, tal como outras práticas gerenciais. Da mesma forma, alertamos aqui, como Rego e colaboradores (2007) o fizeram, para o fato de que os processos de coaching e de mentoring não estão livres de uma adoção inadequada ou baseada em moda, o que, para algumas pessoas, pode parecer uma visão muito crítica. A questão é que até as chamadas revistas de negócios ou literatura pop-management, usando as palavras de Paes de Paula e Wood Jr. (2002), estão fazendo menção à adoção indiscriminada e aleatória de processos como o coaching, por algumas empresas. O uso sem critérios se dá, muitas vezes, em virtude da ausência de um diagnóstico organizacional. Ocorre em razão do desejo de resolver problemas ou de obter resultados rápidos. E, como reforçam os autores, “as desilusões ocorrem com frequência” (Rego et al., 2007:451). Advogamos aqui que o problema não está centrado nas práticas, ferramentas de gestão ou processos como coaching e mentoring. Como diz Barbosa (2002, 2003:84), “tecnologias gerenciais [ferramentas, modelos] são, sem dúvida alguma, instrumentos importantes no mundo corporativo contemporâneo”. A grande questão reside, sobretudo, nos motivos e no como será a adoção, bem como na escolha e nos papéis a serem exercidos pelos profissionais envolvidos, o que pode ser verificado, por exemplo, na pesquisa da American Management Association (AMA, 2008) sobre atualidades e tendências do coaching em âmbito mundial, no período 2008-2018. Um dos grandes achados da pesquisa diz respeito ao fato de que, quanto mais claro for o motivo para a adoção do coaching, maior é a percepção de sucesso, em termos de resultado do processo. Outros aspectos importantes abordaram o público-alvo dos processos e a seleção do profissional (coach), seja ele interno ou externo, como veremos adiante. Podemos dizer que o mesmo se aplica ao processo de mentoring. Consideramos, portanto, caro leitor, como Wood Jr., Tonelli e Cooke (2012), que o rumo da área de gestão de pessoas merece reflexões permanentes, mas que não deve perder a “permeabilidade saudável ao conhecimento gerado no exterior [em outros países]” (Wood Jr., Tonelli e Cooke, 2012:24). É nesse contexto que os processos de coaching e mentoring são aqui discutidos. Coaching e mentoring são termos que ganharam grande repercussão hoje em dia. O número de cursos, palestras, formações, publicações e sites especializados sobre o tema é abundante. No entanto, não se pode dizer que são práticas novas. Como veremos nesta seção, eles ocorrem desde a Grécia antiga. Podemos dizer, de modo geral, que coaching e mentoring são formas de desenvolvimento de pessoas (Milaré e Yoshida, 2007; Rego et al., 2007). Entendemos, tal como Vergara (2010:110), que desenvolvimento “pressupõe a atualização do potencial de todas as dimensões humanas: física, emocional, intelectual, espiritual”. Sendo assim, coaching e mentoring não são produtos acabados; ao contrário, são processos. São relações de troca, ou seja, vias de mão dupla. Mas quais são as diferenças entre os dois processos? Mentoring é um processo no qual um profissional experiente assume a responsabilidade de ajudar um profissional iniciante a melhorar seu desempenho, a exercer novas funções, a desenvolver sua carreira. O mentoring possui uma origem muito antiga. Surgiu na antiga Grécia. Os registros em literatura indicam que seu início nos reporta à Odisseia de Homero, com origem na lendária Guerra de Troia. Naquele período, Odisseu (Ulisses), rei de Ítaca, no cumprimento do seu papel, teve de ocupar seu posto, dirigindo-se ao combate nas frentes de batalhas. Antes de ausentar-se, designou a responsabilidade dos cuidados necessários aos negócios e a sua família à figura do amigo de nome Mentor, filho de Alcímon, e de sua confiança, vindo a se transformar no protetor e conselheiro de Penélope, esposa de Odisseu (Homero, 1974). A partir de então, aqueles que propiciavam algum tipo de conselho de natureza amiga, sábia, intelectual, ou de ordem estratégica, voltado aos negócios e à vida, passaram a ser denominados mentores. A mentoria foi bastante notada em séculos passados. Transformou-se em um meio comum de repasse de aprendizado e conhecimentos aos filhos dos nobres, às dinastias, assim como no cristianismo. Filósofos gregos, tais como Sócrates, Platão e Aristóteles, exerceram com maestria o papel de mentores, mas nem sempre agradaram a todos, conforme interesses particulares, porém ampliaram horizontes, visões e contribuíram em essência para o desenvolvimento do pensamento humano. De modo geral, podemos dizer que o mentor acompanha, orienta, serve de exemplo, compartilha informações sobre sua experiência, provoca reflexões. Nas palavras de Milaré e Yoshida (2007:89), a tarefa do mentor é preparar o indivíduo para uma “promoção ou para aumentar sua responsabilidade, realizando ajustes finos referentes às características comportamentais ou desempenho, aumentando sua exposição às outras áreas da organização”. Mentores podem ser indicados formalmente pela empresa, caracterizando um processo intencional, ou podem interagir de forma natural com o outro, caracterizando um processo informal (Vergara, 2010). Coaching, por sua vez, é uma relação de parceria entre o profissional e o indivíduo, que dá suporte ao alcance de resultados, a partir de metas estabelecidas durante o processo. A essência do coaching é estimular o potencial do indivíduo, a fim de otimizar sua performance (Whitmore, 2010). Se considerarmos a lógica e o propósito do processo de coaching, encontraremos seus primeiros indícios em passagens bíblicas, nas figuras de conselheiros de reis e governantes. Também encontramos na Grécia antiga, a partir de Sócrates (470 a.C.-399 a.C.) com sua maiêutica – método de fazer perguntas, cujo objetivo era extrair das pessoas suas próprias respostas –, pois as perguntas são as respostas e, depois, com seu discípulo Platão (428a.C.-347a.C.), que afirmava que encontramos a felicidade quando utilizamos nossos talentos na sua potencialidade máxima (Krausz, 2007). Etimologicamente, a palavra coaching deriva do inglês coach, que significa o ato de treinar, ensinar, instruir, preparar alguém.Na literatura especializada e também nas histórias populares, encontramos diferentes abordagens e explicações para a origem do termo, com destaque para sua utilização no século XV como sinônimo de “carruagem de quatro rodas” (koczi), que transportava os passageiros em terreno áspero, do seu ponto de partida para seu destino final (Hendrickson, 1987). Mais tarde essa metáfora da carruagem evoluiu para o significado de conduzir alguém na direção que este deseja ir (Stern, 2004). Por volta de 1830, o termo coach passa a ser utilizado pelos alunos da Universidade de Oxford como sinônimo de “tutor particular” – alguém que conduz, que guia, e por volta de 1831 passa a fazer parte do mundo dos esportes (Weekley, 1967), em que a principal missão do coach, nesse caso o treinador, era de preparar seus atletas rumo a novos padrões de comportamento, de superações e disposição emocional a fim de seguir em direção aos objetivos a serem alcançados (Witherspoon e White, 2003; Wolk, 2008). Levando em consideração esta analogia, da relação do atleta com seu treinador (coach), em que o propósito é apoiar a superação de obstáculos e também os adversários, recorremos a um marco fundamental no coaching: o livro O jogo interior de tênis, publicado em 1974, no qual o autor Timothy Gallwey (1996:13), professor de tênis, afirma que “todos os jogos se compõem de duas partes: um jogo exterior e um jogo interior”, estando, nesse caso, a cargo do técnico, a realização de perguntas que ampliem a consciência do jogador. Para Gallwey (1996), tanto no jogo quanto na vida, somos a fonte de respostas para nossas próprias perguntas, que é premissa básica do coaching. Na visão de Milaré e Yoshida (2007), o processo de coaching contribui para a expansão e o aprimoramento de competências, levando o indivíduo de um posicionamento a outro, tendo como base seus princípios e valores. O coach não aconselha, orienta ou oferece soluções. Ele formula perguntas de modo a provocar no indivíduo um movimento constante de reflexão e ação. O coaching é baseado em sonhos, reflexões, estabelecimento de metas e de planos de ação. Assim como o mentoring, o processo de coaching pode ocorrer por iniciativa da empresa, que contrata um profissional externo para prestar o serviço, embora o coach possa fazer parte do quadro de funcionários da empresa. O processo pode ocorrer, também, por iniciativa do indivíduo, que contrata diretamente o coach, independentemente de qualquer ação ou política de gestão de pessoas da empresa. Apesar de não ser foco deste livro, cabe aqui esclarecer, ainda, o conceito de counselling, também utilizado no dia a dia das organizações. Counselling diz respeito a um processo de aconselhamento, direcionado à orientação ou à solução de problemas. O conselheiro é, em geral, alguém experiente, que pode ser procurado para o esclarecimento de dúvidas ou obtenção de conselhos. A relação é, portanto, pontual (Milaré e Yoshida, 2007; Rego et al., 2007). Por fim, cabe mencionar que os processos de coaching e de mentoring diferem da terapia. Coaching e mentoring estão direcionados, sobretudo, ao desenvolvimento de competências. Além disso, o foco é no presente e no futuro. Terapia é voltada para o tratamento de patologias. Seu foco é, principalmente, no passado, na história de vida do paciente, suas relações familiares e pessoais (Rego et al., 2007). Um processo, contudo, não invalida ou limita o outro; pelo contrário, podem ser complementares. Dependendo da situação, um indivíduo pode ter um mentor ou um coach e, simultaneamente, fazer terapia com um psicólogo. Cada processo pode contribuir para o crescimento pessoal e profissional do indivíduo, de forma independente ou complementar, se for o caso. Nos capítulos 2 e 3, os processos de coaching e mentoring serão explorados de forma detalhada. Mas, antes de mergulharmos no tema, é importante contextualizar o desenvolvimento de competências e o de carreira, que são de forma mais explícita a razão para o surgimento e a disseminação do coaching e do mentoring. Desenvolvimento de competências Competência é termo que admite uma variedade de conceitos. Inicialmente proposto de forma mais estruturada por McClelland, o termo ganhou amplitude (Dutra, 2007). Podemos dizer que é polissêmico. Para Zarifian (1996) e Le Boterf (2003), competência está associada a resultados, a entrega, o que complementa as considerações de Hall (1980), segundo as quais o termo está ligado a responder às demandas do ambiente. Estudos sobre competências individuais e organizacionais têm sido alvo de pesquisadores e profissionais do mercado, sobretudo daqueles que atuam na área de gestão de pessoas. Moura e colaboradores (2009) e Evaristo e colaboradores (2009), por exemplo, trabalharam as competências requeridas no mercado globalizado. Bitencourt (2004), por sua vez, abordou o tema com foco na aprendizagem organizacional. Já Fernandes, Fleury e Mills (2006) trataram da relação entre competência, recursos e desempenho organizacional. Entendemos, assim como Zarifian (1996), que ser competente implica ter responsabilidade e assumir uma postura reflexiva. Adquirir e desenvolver competências é, na visão de Le Boterf (1994), um processo pautado na biografia e na socialização do indivíduo, incluindo sua formação educacional e bagagem profissional. A competência se manifesta por meio da interação com o ambiente e com o outro. Como observaram Fleury e Fleury (2004:48), competência está associada a “saber agir, mobilizar recursos, integrar saberes múltiplos e complexos, saber aprender, saber se engajar, assumir responsabilidades e ter visão estratégica”. Considerando o exposto, o coaching e o mentoring são processos pertinentes e que podem alavancar essa lógica de competências. Entendemos, também, que a articulação entre as competências individuais e as organizacionais pode gerar vantagens competitivas para as empresas. Competência organizacional é um conceito que tem origens na abordagem da organização como um portfólio de recursos (resource based view of the firm). Como afirmam Fleury e Fleury (2004), essa abordagem assume que as empresas têm um portfólio físico, financeiro, intangível, organizacional e de recursos humanos. Ainda na linha organizacional, podemos destacar o conceito de competências essenciais, proposto por Prahalad e Hamel (1990), que tem como características os fatos de: oferecer reais benefícios aos consumidores, ser difícil de copiar e dar acesso a diferentes mercados (Fleury e Fleury, 2004). A relação entre competências – essenciais, organizacionais e individuais –, processo de aprendizagem e estratégia organizacional pode ser visualizada na figura 1. Figura 1 RELAÇÃO ENTRE COMPETÊNCIAS, APRENDIZAGEM E ESTRATÉGIA Fonte: Fleury e Fleury (2004:50). Como podemos observar, a estratégia emerge com base no mapeamento das competências essenciais e das organizacionais, além dos recursos e da análise do ambiente. As competências individuais constituem a base de formação das competências essenciais e organizacionais. A aprendizagem alimenta todo o processo de aquisição de novas competências e de desenvolvimento das existentes. Nesse sentido, concordamos com Fleury e Fleury (2004) quando afirmam que competências essenciais e organizacionais são formadas pela combinação de recursos e de múltiplas competências individuais, de tal modo que o resultado total é maior que a soma das competências individuais. Diante do exposto, caro leitor, podemos depreender que desenvolver competências, tanto individuais quanto essenciais e organizacionais, éação que está diretamente relacionada ao alcance de vantagens competitivas, o que justifica a adoção do coaching e do mentoring. Nesse contexto, cabe avançar na discussão, trazendo à tona a gestão de carreira. É o que veremos a seguir. Evolução do conceito de carreira É bem possível que você, leitor, já tenha observado o quanto, nos últimos tempos, os temas carreira e trabalho estão em evidência. Basta fazer uma busca na internet, visitar uma livraria ou até mesmo uma banca de jornal para verificar a quantidade de publicações disponíveis. No caso da carreira, o debate gira em torno de questões, tais como: escolha e planejamento; transição ou reinvenção; gestão e protagonismo; novos modelos e vínculos profissionais. Sobre o trabalho, muito se diz a respeito do seu sentido para as diversas gerações, assim como sobre oferta e demanda no mercado. Para que você, leitor, perceba o quanto o tema é amplo e, ao mesmo tempo, complexo, propomos uma experiência. Peça aos seus avós ou pais, irmãos ou amigos, para definirem carreira e explicar quais foram, ou quais são, suas motivações e respectivas trajetórias, e como valorizam e se relacionam com o trabalho. Preste atenção nos depoimentos e veja o quanto, para cada pessoa, carreira tem um significado especial e único. Se lançarmos um olhar sobre a história, concluiremos que o conceito de carreira é algo, até certo ponto, recente. A ideia da carreira surgiu no século XIX, com a sociedade industrial capitalista liberal – também definida por muitos autores, a exemplo de Arendt (1983), como sociedade do trabalho, a partir dos princípios de igualdade, liberdade de êxito individual e progresso econômico e social. No entanto, apesar de encorajar a promoção social e influenciar as relações de trabalho, essa mesma Revolução Industrial separou o trabalho da vida. Segundo Aron (1981), a empresa (local de trabalho) estava separada da família. Uma coisa era trabalhar; outra era viver. Os primeiros 30 anos após a II Guerra Mundial, marcados por enriquecimento e crescimento ininterrupto, permitiram a oferta de empregos abundantes e estáveis; já a partir dos meados dos anos 1970, a situação começou a mudar (Chanlat, 1996) e, consequentemente, isso gerou impacto nas relações dos indivíduos com o trabalho e com a carreira. É importante destacar que, até a década de 1970, os estudos de carreira enfocavam mais os cargos e ocupações do indivíduo, não levando em consideração a complexidade e o dinamismo social e, muito menos ainda, os aspectos relacionados aos valores, aos interesses pessoais, à autonomia e à empregabilidade. Nessa visão tradicional, na qual as relações trabalhistas eram únicas e estáveis, a carreira se apresentava como um caminho rígido, dependente de uma estrutura vertical e linear. Não era incomum, mas até desejável, aspirar a um emprego em uma única empresa, por toda a vida (Arthur e Rousseau, 1996). De modo geral, a carreira passa a ideia de um caminho estruturado no tempo e no espaço, com sentido da verticalização, podendo ser bem ilustrada pela metáfora de uma escada. Atrelado a seu processo evolutivo, surge, na década de 1980, o conceito de gestão da carreira, sustentado pela revisão dos modelos de gestão empresarial que despertaram nas organizações a preocupação com a retenção de seu capital humano, mesmo que, em muitos casos, o foco estivesse concentrado apenas na sobrevivência empresarial de curto prazo. Para Chanlat (1996), apesar desta conscientização, surge um paradoxo, já que, para responder às demandas de uma nova lógica financeira de mercado e da reestruturação produtiva de processos, muitas organizações adotaram estratégias de flexibilização ou redução de níveis hierárquicos, ocasionando a diminuição dos empregos estáveis e, em contrapartida, o aumento dos empregos temporários e do desemprego. Assim, do ponto de vista da gestão da carreira, as organizações permaneceram apenas na intenção, sem conseguir na prática oferecer suporte e condições atrativas para seus profissionais. Como resultado dessas novas relações, outro fenômeno observado nesse período, em especial nos mais jovens, foi o surgimento de uma nova ética do trabalho e um novo desejo de fazer carreira. O desinteresse pela vida profissional construída com base no esforço, disciplina e longo aprendizado é substituído pela necessidade de investir em atividades externas e de alcançar maior autonomia, autoestima e felicidade (Chanlat, 1996). Já na década de 1990, na carona das ações de gestão da qualidade de processos e produtos, com influência de uma consciência social maior e do prolongamento da expectativa da vida, surge o termo qualidade de vida no trabalho (Boog, 2001). Nessa perspectiva, a carreira apoiada em um projeto de vida ganha espaço e aumenta a interface entre trabalho e vida no trabalho, bem como a indefinição das fronteiras entre os domínios do emprego e da família (Grzywacz e Marks, 2000), aspectos que reforçam a nova ética do trabalho e o papel do indivíduo como responsável pela construção e gestão da sua identidade profissional. Consideramos que as transformações estruturais profundas na cultura, política e economia caracterizaram a transição do modelo da sociedade industrial do século XX para o da sociedade pós- industrial do século XXI, abrindo espaço para o questionamento sobre a centralidade atribuída ao trabalho e, consequentemente, sobre a forma pela qual os indivíduos pensavam e investiam em suas carreiras. Conceito de carreira na atualidade Com Chanlat (1995, 1996), há de se concordar que o significado de carreira ganhou maior horizontalidade devido a uma série de mudanças, tais como: elevação dos graus de instrução, feminização do mercado de trabalho, diversidade étnica, cosmopolização – alto comprometimento com a carreira e baixo comprometimento com a organização –, globalização da economia, flexibilização do trabalho, entre outras. Na visão de Evans (1996), é uma configuração espiral, em zigue-zague, que substitui o formato e a metáfora da escada. Esse fato introduz rupturas no modelo tradicional. Uma das principais contribuições de Bendassoli (2009) foi afirmar que, como outros conceitos das ciências sociais, o de carreira possui uma ampla diversidade de definições e pode ser entendido ■ ■ ■ ■ como um mediador de integração das dimensões humanas em torno do trabalho. Reforçando esse posicionamento, Hall (2002) sugere que a carreira passe a ser vista como a experiência subjetiva do indivíduo nas relações que estabelece com cada trabalho na vida, observando igualmente os aspectos subjetivos e objetivos e assumindo os altos e baixos do processo. Hall (2002) também afirma que, tanto no entendimento popular quanto no científico, a carreira pode ser classificada em quatro significados distintos, a saber: carreira como avanço – é o conceito mais difundido, normalmente entendido como de mobilidade vertical dentro de uma organização; carreira como profissão – nessa definição, bastante difundida, algumas ocupações representam carreiras e outras não. Profissões sujeitas a movimentos progressivos e que conferem algum status ao indivíduo, tais como, advogados, médicos, professores e executivos são consideradas carreira. carreira como sequência de trabalhos realizados – aqui o princípio é que todos os trabalhadores têm carreira. A carreira do indivíduo é a história ou a série de posições ocupadas durante a vida. Não há julgamento de valor sobre o tipo de ocupação; carreira como sequência de experiências relativas a uma função – essa definição, bastante aceita nas ciências sociais, representa a forma pela qual a pessoa experimentaa sequência de atividades e trabalhos ao longo da vida. Considerando esse leque de opções, nas palavras de Bendassoli (2009:388), carreira passa a significar, ao mesmo tempo: emprego assalariado ou atividade não remunerada; pertencimento a um grupo profissional (sindicalizado ou não) ou a manifestação da mais pura idiossincrasia (a carreira de um artista); vocação (algo que alguém faz com comprometimento afetivo) ou ocupação (algo que alguém faz por necessidade ou obrigação); posição em uma organização (associada a passagens por diversos cargos na hierarquia institucional) ou trajetória de um indivíduo que trabalha por conta própria; uma fonte de informação para as empresas alocarem recursos humanos ou então um roteiro pessoal para a realização dos próprios desejos. Podemos dizer que, na perspectiva do indivíduo, a carreira engloba o entendimento e a avaliação de sua experiência profissional e é baseada em suas percepções e expectativas; na perspectiva da organização, a carreira é gerenciada pela empresa, focando a ascensão de cargos dentro da organização e engloba políticas, procedimentos e decisões ligados a espaços ocupacionais, níveis organizacionais, compensação e movimento de pessoas, com ênfase nos aspectos tangíveis, tais como salários, status, promoções, mobilidade de emprego (Van Maanen, 1977; London e Stumpf, 1982). Seguindo essa linha de raciocínio, London e Stumpf (1982) esclarecem que as duas perspectivas de carreira – indivíduo e organização – precisam ser conciliadas dentro de um contexto de constante ajuste, desenvolvimento e mudança. Bridges (1995) enfatiza que embora as atuais maneiras de se trabalhar exijam novas aprendizagens e habilidades tecnológicas, na maioria das vezes exigirão algo mais fundamental: a habilidade para descobrir e realizar trabalho num mundo sem empregos bem definidos e estáveis. Inspirados por essa conjuntura, podemos depreender que as mudanças influenciaram diretamente as características exigidas dos perfis profissionais e o conceito de empregabilidade. O fato é que, conforme destaca Coelho (2006:95), o “empregado por toda a vida deveria tornar-se empregável por toda a vida”. Com base no exposto, podemos afirmar que, de acordo com o conceito atual de carreira, a responsabilidade pela construção e gestão da carreira passa a ser atribuída ao indivíduo, ficando para as organizações o papel de oferecer oportunidades, condições e desafios que permitam a aplicação desses interesses e competências. Nesse sentido, ocorre uma mudança no contrato psicológico e também uma ruptura no quesito da lealdade permanente do indivíduo com uma única organização e na diferenciação entre trabalho e emprego. Trabalho e carreira para as diferentes gerações Antes de iniciar esta seção, convidamos você, leitor, para refletir sobre sua relação com o trabalho. Entre muitos questionamentos possíveis, lançamos três questões iniciais: Qual o significado do trabalho na sua vida? O que o estimula a trabalhar? Seu trabalho depende de um emprego? Tomando emprestadas as palavras de Renato Russo, na letra da canção Música de trabalho, gravada pela banda Legião Urbana em seu último disco em 1996: “Sem trabalho eu não sou nada; não tenho dignidade; não sinto o meu valor; não tenho identidade [...]”, podemos afirmar que, independentemente das motivações individuais e dos novos contratos psicológicos, no mundo pós- moderno o trabalho ainda conserva um lugar importante na sociedade. Considerando a importância do trabalho para a sociedade e para os indivíduos, é fundamental analisarmos seu sentido e o impacto na construção das carreiras, considerando as perspectivas das diferentes gerações. Afinal, na visão de Costa e Campos (2006:66), “em última instância, a carreira oferece a possibilidade de constituição do self através do trabalho”. Na verdade, não se trata de fazer comparações entre as gerações, mas de compreender que as experiências históricas e sociais, valores e crenças podem afetar o padrão de resposta às situações e assim influenciar as razões pelas quais as pessoas trabalham, seus objetivos e aspirações na vida profissional e seus comportamentos (Smola e Sutton, 2002). Mesmo cientes da ausência de consenso sobre essa delimitação temporal das gerações, e concordando com o posicionamento de Parry e Urwin (2011) acerca da necessidade de mais estudos que evidenciem as diferenças geracionais em valores de trabalho, assumiremos, neste livro, as descrições geracionais criadas a partir da realidade norte-americana, após a II Guerra Mundial. Nossa decisão está baseada em dois referenciais: nos resultados da pesquisa realizada por Smola e Sutton (2002) com 350 baby boomers e geração X, em 1974 e 1999, em que as pesquisadoras encontraram uma mudança nos valores de trabalho, a exemplo da maior valorização da vida pessoal e menor sentimento de orgulho no trabalho; e nas pesquisas realizadas em diferentes continentes, países e culturas que apontaram, de forma satisfatória, semelhanças com a categorização norte- americana, a exemplo dos estudos feitos na Europa (D’Amato e Herzfeldt, 2008); em Taiwan (Hui- Chun e Miller, 2005); na Austrália (Wong et al., 2008; Cennamo e Gardner, 2008) e no Brasil (Veloso, Dutra e Nakata, 2008; Reis et al., 2010). Apesar das variações nas datas propostas pelos diferentes autores, para efeito da nossa análise consideraremos a classificação das gerações adotada por Veloso, Dutra e Nakata (2008): os veteranos são as pessoas nascidas entre 1925 e 1945; os baby boomers, os nascidos entre 1946 e 1964; a geração X, os nascidos entre 1965 e 1979; a geração Y, aqueles que nasceram após 1980; e a geração Z, formada por pessoas nascidas a partir de 1994. De um modo geral, os veteranos construíram suas carreiras e os vínculos com o trabalho guiados pela conformidade e sacrifício. Nos dias atuais, são vistos como uma geração avessa ao risco e resistente à mudança (Clare, 2009). Já os baby boomers podem ser caracterizados como uma geração formada por pessoas que presenciaram a guerra e os movimentos feministas na luta por seus direitos. Essas pessoas foram educadas com rigidez em relação à disciplina e à obediência e, por isso, são orientadas ao trabalho em equipe, ao coletivo. Sua relação com o trabalho está pautada na lealdade e na busca pela estabilidade. É uma geração interessada na aquisição de poder e status ao longo da carreira e em recompensas extrínsecas em troca de seu comprometimento. Começa neles a valorização por aspectos referentes ao bem-estar, à saúde e à qualidade de vida, mas possuem dificuldade para equilibrar a vida pessoal e a profissional (Smola e Sutton, 2002; Cennamo e Gardner, 2008). A geração X, por sua vez, é a geração dos filhos de pais separados, que trabalhavam fora e que investiram na carreira. Vivenciaram os avanços tecnológicos em diversas áreas, sendo mais afeitos às mudanças e às oportunidades. Possuem menor lealdade às organizações, são menos suscetíveis à autoridade formal e se interessam por desafios e melhores recompensas. Contudo são mais preocupados com equilíbrio entre a vida pessoal e o trabalho e orientados por seus objetivos pessoais (Cavazotte, Lemos e Viana, 2012; Cennamo e Gardner, 2008; Smola e Sutton, 2002). É a geração de trabalho que inaugurou o sentido da carreira portátil, valorizando mais a si mesma do que as organizações (Clare, 2009). A geração Y, composta por filhos da geração X, é o segmento mais jovem do mercado atual. Reconhecidos como a geração dos resultados e do questionamento, é composta por indivíduosacostumados a lidar com um número muito grande de informações, fruto da era da criação e da expansão da internet, da convergência das tecnologias, da mobilidade e da explosão das redes sociais, sendo, portanto, mais afeitos à multidisciplinaridade e à interconectividade nas relações (Alsop, 2008; Cavazotte, Lemos e Viana, 2012; Erickson, 2008; Smola e Sutton, 2002). Profissionalmente, os membros da geração Y são acostumados com as mudanças e possuem o desejo de assumir responsabilidade e ter um rápido crescimento na carreira. Nesse sentido, assumem maior responsabilidade e se sentem responsáveis pelo próprio desenvolvimento profissional (Alsop, 2008; Huntley, 2006; Munro, 2009). Essa geração acredita que o trabalho não é um lugar a que você vai, mas sim aquilo que você constrói (Alsop, 2008). E, finalmente, a Z, a mais recente geração, começa agora a ingressar no mercado de trabalho. A letra Z vem do termo “zapear”, ato de trocar constantemente de canal (Tapscott, 2010). É uma geração global e diversificada, com pensamento imaginativo e lateral. Confiante, otimista e mais ecológica, acredita que pode impactar o mundo. De um modo geral, possui senso de justiça e se preocupa com os problemas sociais. No entanto, é mais consumista, individualista e autônoma, capaz de executar tarefas múltiplas. Nascida após o advento do World Wide Web, está conectada ao mundo digital 24 horas por dia. Busca oportunidades profissionais que ofereçam mais desafios e crescimento, em um ambiente ágil e sem barreiras para a informação e a comunicação. Não se ■ ■ ■ ■ prende às convenções tradicionais de carreira e entende que a dimensão profissional tem papel fundamental para a formação da identidade e para o bem-estar das pessoas. Nesse sentido, Tapscott (2010) afirma que os jovens da geração Z estão transformando todas as instituições da vida moderna e as relações sociais, substituindo uma cultura de controle por uma cultura de capacitação, além de serem mais tolerantes perante a diversidade do que grupos mais antigos, como os baby boomers e a geração X. Consideramos, assim como Bendassoli (2009) o fez, que as implicações do sentido do trabalho e das carreiras para as gerações são amplas e têm relação direta com as contribuições desenvolvidas a partir das disciplinas ligadas diretamente aos comportamentos e às relações humanas, tais como a sociologia das profissões, a psicologia do trabalho e a administração. Nesse contexto, caro leitor, sugerimos que, independentemente da geração da qual você faça parte, pense na forma como está gerenciando sua carreira. Até que ponto o coaching e o mentoring podem lhe ser úteis? Vamos ver, na próxima seção, as vantagens e os desafios dos dois processos. Vantagens e desafios de cada processo Diante do exposto neste capítulo, caro leitor, podemos dizer que há diversas vantagens na adoção de processos de coaching e de mentoring. Além da contribuição para o desenvolvimento de competências e para a gestão de carreira, que ganhos podem ser obtidos com a adoção desses processos? É o que veremos a seguir: aprendizagem – além da possibilidade de acelerar o aprendizado relacionado às atividades do dia a dia, o coaching e o mentoring despertam, muitas vezes, a capacidade dos indivíduos de aprender a aprender, seja por meio da reflexão inerente aos processos ou pela interação com o outro; gestão da mudança – como os processos já têm a mudança como uma variável a eles inerente, os participantes acabam ficando mais abertos a novas possibilidades, exercitam olhares em busca de alternativas diferentes e aprimoram a capacidade de adaptação a situações novas; retenção de talentos – investir no desenvolvimento pessoal e profissional do funcionário pode gerar ganhos em termos de produtividade, de desempenho e é, também, uma forma de valorizar os indivíduos, de mostrar o quanto são importantes. A possibilidade de permanecerem na organização após a participação em programas de coaching ou de mentoring é maior, se comparada a profissionais que não tiveram a experiência; relacionamento interpessoal – os dois processos tendem a gerar nos participantes maior confiança, familiaridade com a cultura organizacional, com as relações hierárquicas formais e informais, entre outros aspectos, o que pode favorecer o relacionamento entre líderes e liderados e entre pares. Coaching e mentoring, como vimos, são processos que apresentam diversas vantagens tanto para o indivíduo quanto para as organizações. A adoção de tais processos, no entanto, não está imune a desafios. Você já parou para pensar nisso, caro leitor? Vamos, aqui, elencar alguns dos principais desafios. São os seguintes: ■ ■ ■ ■ ■ tempo para obtenção de resultados – muitas organizações adotam processos de mentoring e de coaching para acelerar mudanças relacionadas à gestão de pessoas. O foco é, quase sempre, no curto prazo. O que se deve considerar, contudo, é que são processos que envolvem objetividade, razão, técnica, mas também subjetividade, emoção, comportamento. Envolvem pessoas. Lidar, portanto, com a mudança, tanto no tempo do indivíduo quanto no do negócio constitui um desafio; escolha do processo adequado – muitas vezes, as necessidades ainda não estão claras, ou seja, o diagnóstico está incompleto ou indica ambiguidades, o que pode gerar dúvidas sobre qual processo deve ser adotado, para quem oferecer, de que forma, entre outras questões. Definir o momento mais adequado para a adoção de processos de mentoring ou coaching, qual deles é o mais indicado para a situação e que profissionais devem participar, também é um desafio; relacionamento mentor/mentorado ou coach/coachee – como todo relacionamento humano, os processos de mentoring e de coaching estão sujeitos a conflitos, problemas ligados a poder, confiança, ética, entre outros aspectos. Lidar com pessoas em uma perspectiva de troca, de mão dupla, é sempre um desafio; integração entre o coach ou o mentor e a área de gestão de pessoas – muitas organizações recorrem a processos de mentoring ou de coaching na tentativa de contribuir para o desenvolvimento de competências de seus profissionais. Como sabemos, caro leitor, tanto o mentoring quanto o coaching envolvem parceria entre os envolvidos no processo. Incluir a área de gestão de pessoas no processo é algo que parece óbvio, mas que nem sempre acontece. Não raro, vemos processos de mentoring ou de coaching ocorrendo isoladamente, sem alimentar dados relativos a treinamento e desenvolvimento, gestão de desempenho ou outras dimensões funcionais da gestão de pessoas. Essa integração constitui, assim, mais um desafio; interesses de mentorados ou coachees e das organizações – grande parte dos processos de mentoring e de coaching ocorrem de maneira formal, por iniciativa da organização. Assim, há intenções, ou seja, objetivos e metas estabelecidos para o profissional participante do processo. No entanto, descobertas durante o processo, sobretudo o de coaching, podem levar o indivíduo para outra direção, diferente do que havia sido planejado. Manter, portanto, os interesses de todas as partes de forma convergente é, também, um desafio. Os desafios dos processos de coaching e de mentoring não estão restritos ao que foi abordado aqui. Dependendo da cultura e do momento pelo qual a organização está passando, das necessidades geradoras de cada processo, entre outros fatores, novos desafios podem emergir. Lidar com eles é, portanto, tarefa que se impõe. Neste capítulo, apresentamos os principais aspectos da sociedade contemporânea e sua relação com as mudanças no mundo do trabalho. Abordamos a questão dos modismosgerenciais e contextualizamos o aparecimento e a disseminação dos processos de coaching e de mentoring. Apresentamos o conceito de cada processo, bem como suas diferenças. Na sequência, discutimos o desenvolvimento de competências e a gestão de carreiras como razões principais da existência dos processos em questão. Apresentamos, ainda, as vantagens e os principais desafios inerentes aos dois processos. Esperamos, leitor, que a contextualização e o trajeto conceitual aqui apresentados permitam uma proximidade maior com os temas que serão aprofundados nos próximos capítulos. Do ponto de vista do indivíduo, seja qual for o caminho em termos de carreira, é preciso identificar claramente o que se deseja, de modo que seja feito o correto investimento no desenvolvimento, ampliando as possibilidades e chances de sucesso, cujo fundamento, na visão de Fleury e Fleury (1995), está na aprendizagem constante. Do ponto de vista da organização, é importante realizar um diagnóstico das necessidades relacionadas à gestão de pessoas e ter clareza das ferramentas ou processos que podem ser indicados para cada situação, evitando, assim, o uso indiscriminado dos processos citados e, consequentemente, os problemas ligados ao não alcance dos objetivos e metas planejados. O foco dos próximos capítulos será na apresentação do mentoring e do coaching como apoio aos processos de aprendizagem, autoconhecimento e desenvolvimento dos indivíduos e das organizações. ■ ■ ■ 2 Processo de mentoring Mentoring. Muitos já ouviram falar. Alguns até já o vivenciaram, embora talvez não soubessem ao certo de que se tratava. Na realidade, o nome da ação em si não tem tanta relevância, até porque ela sempre aconteceu sem que necessariamente houvesse uma terminologia específica. O que importa, de fato, são os resultados que esse processo pode gerar tanto para as pessoas quanto para organizações, em especial, no tocante à vida profissional. São reflexões e direcionamentos estratégicos acerca da própria carreira, aconselhamentos sobre dilemas profissionais, posturas no desenvolvimento do trabalho, além de insights que advêm do processo de interação entre mentor e mentorado. Neste capítulo, aprofundaremos as discussões sobre o processo de mentoring. Abordaremos inicialmente a definição, seus objetivos e características. Em seguida, trataremos do perfil do mentor e do mentorado, além do mentoring B2B. Na sequência, vamos discutir a aplicação do mentoring no exercício da liderança, bem como os requisitos, as técnicas, as etapas e programas ligados ao processo. Por fim, abordaremos seus fatores críticos de sucesso. Definição e objetivos Como vimos no capítulo 1, mentoring (mentoria) é um processo de aconselhamento oriundo de indivíduos que detêm maior conhecimento e experiência que outros. O mesmo acontece entre empresas (mentoring B2B). A seguir, temos algumas definições do processo. Mentoring é a ação na qual mentor e mentorado estabelecem um relacionamento amistoso na busca do acolhimento e de orientação profissional (Rego et al., 2007). Mentoring é uma ferramenta que as empresas usam para tornar as pessoas que nelas trabalham profissionais mais maduros, capazes de crescer e gerar mais valor e qualidade para os negócios (Bernhoeft, 2014:11). Mentoring é a interação mentor (conselheiro) e mentorado (mentee, mentoree ou protégé) com vistas ao aconselhamento, ou seja, é a relação entre os mais experientes e aqueles que demandam conselhos, tendo por objetivo o crescimento e o aprendizado profissional. Entendemos que mentores e mentorados sempre existiram, uma vez que o desejo e o ímpeto de aconselhar são inerentes às pessoas que gostam do ser humano e acreditam nele. Provavelmente você, leitor, já teve algum mentor ou atuou com tal. Vamos ver? Pense conosco. Em algum momento de sua vida, alguém se aproximou de você a fim de escutá-lo, de obter informações sobre alguma experiência sua, por conta de decisões a serem tomadas no âmbito profissional ou pessoal? Lembra-se de ter sido procurado para que emitisse algum tipo de parecer informal sobre como agir em situações embaraçosas no ambiente de trabalho, possíveis escolhas de carreira, entre outros tipos de aconselhamentos? No seu dia a dia, já sentiu uma vontade genuína em orientar alguém, quanto ao seu desenvolvimento de carreira? Se a resposta for positiva, certamente você atuou como um mentor. Não importa para quem tenha sido: parente, amigo, colega de trabalho, ou para qualquer outra pessoa. A intenção e a atitude do aconselhamento caracterizam seu empenho, interesse e preocupação, no sentido de que o outro seja mais assertivo e tome decisões mais sábias. O contrário também é verdadeiro. Se em alguma ocasião você buscou conselhos similares em momentos de dúvidas, impasses e decisões sobre sua carreira, certamente alguém foi seu mentor sem que o tivesse percebido. Na realidade, todos nós provavelmente tivemos ou temos um mentor. Porém, na maior parte das vezes, isso ocorre de maneira que nos leva a pensar que estamos simplesmente recebendo dicas. Mas se observarmos bem, parte dessas dicas foram determinantes em algumas escolhas em nossas vidas. Dessa maneira, alguém atuou como um possível mentor. É importante dizer que o fato de ter havido um mentor na sua vida não significa, necessariamente, o retorno ao mesmo para receber novos conselhos. Podemos descobrir e encontrar novos mentores, em áreas e segmentos distintos. Isso, comumente, acontece por conta da evolução humana, seja ela de ordem social, profissional e intelectual, a qual gera demandas de aconselhamento de natureza diferente das anteriores. O que importa é que os mentores encontrados possam contribuir com nosso crescimento por seus conhecimentos e experiências mais abrangentes. Na mentoria não existe o estabelecimento nem a exigência das seguintes premissas: (a) um número mínimo ou máximo de encontros (sessões) exigidos à mentoria; (b) um espaço de tempo mínimo ou máximo entre um encontro (sessão) e outro; (c) o retorno ao mentor anterior; (d) vários encontros. Em relação à frequência da mentoria, ressaltamos que, por vezes, somente um encontro casual, ou mesmo programado, pode ser decisivo para uma tomada de decisão de grande valor na vida do indivíduo, sem que, necessariamente, existam outros. Em paralelo, é importante saber que, ao analisarmos os processos de mentoria, conseguimos identificar suas distintas tipologias, a saber: (a) natural; (b) intencional; (c) informal; (d) formal. Em muitas situações, as referidas tipologias podem acontecer concomitantemente. Elas podem também ser tratadas, tal como Vergara (2010) o fez, como sinônimos em casos específicos: mentoria natural e informal, assim como mentoria intencional e formal. Segundo Vergara (2010), a mentoria natural é uma responsabilidade espiritual e psicológica. A mentoria intencional diz respeito ao propósito organizacional de provocar mudanças em seu pessoal. Não é difícil a compreensão das diferenças entre a mentoria natural e intencional, pois os próprios nomes já trazem em si suas respectivas traduções. Vamos detalhá-los conceitualmente a seguir. A mentoria natural se estabelece sem artifícios de ambas as partes. Pode acontecer em qualquer ambiente, fora ou dentro das empresas. Basta que haja o requisito da afinidade, aquele já visto antes, lembra-se? É uma relação voluntária que nasce pela empatia e pela vontade de ajudar o outro. Nela, a posição de mentor e mentorado se estabelece pelas experiências e bagagens individuais a serem oferecidas. (a) (b) A mentoria intencional traz em si uma abordagem mais propositiva, e, por consequência, a intenção de gerar o desenvolvimento das pessoas envolvidas.Isso não significa que a mentoria natural necessariamente não aconteça; ao contrário, aliás, ela é comum em diversos cenários, com ou sem o compromisso institucional, em distintos cenários e organizações. Segundo Hegstad (1999), a mentoria pode ser apontada como informal ou formal. No início deste capítulo, mencionamos que, por vezes, elegemos um mentor, e somos eleitos como mentorados. Na maior parte das vezes, isso ocorre de maneira espontânea, sem que ambos percebam. Isso revela a mentoria informal, seja dentro da própria empresa, por gestores mais experientes, ou fora, nos diversos ambientes de convivência profissional e humana. Todavia, esse tipo de mentoria não possui uma proposição de aconselhamento estruturada, o que denota um estilo de ação predominantemente particular e ainda, por vezes, carente de técnicas e tempo suficiente ao amadurecimento do mentorado. No tocante à mentoria formal, ela está associada a um processo de aconselhamento, estruturado com início, meio e fim, e reuniões marcadas com antecedência. Ocorre tanto dentro quanto fora da empresa, sempre respeitando os princípios da individualidade e confidencialidade, e se subdivide em dois tipos, como veremos a seguir: quando o mentor abraça a mentoria como atividade profissional, devido aos conhecimentos e experiências adquiridos ao longo de sua carreira, para o aconselhamento de outros profissionais. É uma atividade remunerada, como outra qualquer, e pode ser realizada para pessoas físicas e jurídicas. Atualmente, temos empresas especializadas no mercado que oferecem a mentoria em questão aos seus clientes; quando as empresas criam programas de mentoria interna ou externa, e estes se tornam obrigatórios com foco em resultados. Dessa forma, o funcionário tem de se organizar e se estruturar para que o processo de aconselhamento supra as expectativas do negócio. No próximo tópico abordaremos com maiores detalhes os programas de mentoria nas empresas. A mentoria, em princípio, não é como um processo de coaching, que exige uma série de sessões durante um determinado período para o desenvolvimento de uma competência. No entanto, quando se trata de um processo de mentoria formal, ligado à empresa, ou da aquisição individual da prestação de um serviço de aconselhamento profissional, estes normalmente costumam ter uma frequência, podendo esta ser quinzenal, mensal ou semestral, conforme o acordado entre ambas as partes. Na próxima seção, vamos explorar as características da mentoria e alguns casos, a fim de ilustrar o conteúdo apresentado. Características do mentoring O processo de mentoria ganha a cada dia mais força e destaque no meio empresarial. Comumente, mentorados buscam esse processo objetivando acelerar seu ritmo de aprendizagem e evolução nas organizações, além do maior aproveitamento das oportunidades existentes, assim como um incremento em suas carreiras, por meio de aconselhamentos com profissionais que se transformaram em referência em seus âmbitos de atuação (Rego et al., 2007). O mentoring se caracteriza por um conjunto de recomendações de apoio e ajuda que, frequentemente, vem de alguém que já tenha vivenciado, ou não, os conflitos do outro. Entretanto, o mentor possui uma senioridade profissional e uma bagagem de vida que, certamente, o mentorado deseja um dia alcançar. Há quem pergunte se o mentoring é um processo de mão única. No sentido do aconselhamento, a resposta pode ser sim. Porém, no sentido de aprendizado humano, a resposta é não. A interação humana, por si só, traz alguma reflexão, ou mesmo aprendizado para ambas as partes. O mentor também aprende com o mentorado, já que não existem seres humanos prontos. Entretanto, pode-se afirmar que somente aqueles que possuem uma bagagem maior de sabedoria, conhecimento e experiência estão preparados ao exercício da mentoria. Conforme visto no capítulo 1, são comuns práticas de coaching, mentoring e counseling na gestão de pessoas. Elas são importantes por seus efeitos diferenciados na condução da carreira dos profissionais envolvidos. Mas, como alertamos, leitor, algumas dessas práticas, por vezes, são utilizadas e ofertadas indevidamente. Os referidos processos muito se confundem, pois apresentam semelhanças, mas, também, diferenças. Quando nos referimos ao mentoring e ao counseling, por exemplo, referimo-nos a práticas com origem na mesma família, a do aconselhamento. Contudo, quando falamos em coaching, distanciamo-nos dos demais processos. A fundamentação do coaching repousa no princípio da maiêutica socrática, ou seja, por meio de perguntas e análise das respostas, de maneira consecutiva, o indivíduo é levado à reflexão sobre si mesmo e ao encontro de todas as respostas em si mesmo. Não há aconselhamento nesse processo. Os meios e as técnicas de desenvolvimento são diferentes dos demais. Podemos dizer que são similares em sua raiz, ou seja, têm origem no sentimento, na busca e na ação no sentido de contribuir com o crescimento pessoal ou profissional, porém, com abordagens distintas. É válido ressaltar que o profissional deve tomar cuidado para não se deixar levar pelos apelos corporativos, de mercado, ou mesmo pelos modismos. Precisamos saber, de fato, quais são as nossas demandas. A escolha do processo adequado à nossa realidade implica assertividade decisória em nosso autodesenvolvimento. Vale, portanto, a reflexão. Para ilustrar os principais processos citados, leitor, apresentamos a seguir dois casos reais que podem lhe ser úteis para perceber as diferenças. Caso 1 Pedro, gerente da área de tecnologia da informação (TI) de uma corporação de médio porte, decidiu montar um negócio, em 2009. Entretanto, não somente sua formação, como sua atuação foram sempre muito técnicas. Pedro já era funcionário dessa empresa há 13 anos. Sempre atuou na mesma área. Entrou como assistente de TI e por seu esforço cresceu a ponto de se transformar em gerente da área. Foram muitos os desafios, mas ele sentia que trabalhava muito para o reconhecimento interno existente. A ideia de enviar currículos e tentar uma oportunidade em outra empresa sempre o acompanhou. No entanto, ele hesitava, porque sempre teve o sonho de abrir um negócio. Mas como? Para isso teria que deixar seu emprego atual. E como seria a sobrevivência até o negócio prosperar? Além disso, não tinha experiência alguma em negócios. As únicas coisas de que dispunha eram o grande sonho e o know-how da mãe em produzir alimentos sem glúten. Sonhava em montar uma pequena fábrica e, devido à grande procura do círculo minúsculo de clientes de sua mãe, certamente o caminho seria promissor. Frente a esse impasse, Pedro ao conversar com um amigo, diretor em outra empresa, recebeu a sugestão de procurar um serviço de mentoring que, provavelmente, o ajudaria. Durante o processo de mentoria foi traçado um sistema de aconselhamento quinzenal, em que Pedro, o mentorado, após cada encontro estaria colocando em prática os conselhos recebidos. Pedro decidiu montar a fábrica em paralelo ao seu trabalho, até que ela pudesse garantir sua sobrevivência mínima e dos familiares envolvidos. Nesses encontros de mentoria, foram traçados objetivos, metas e estratégias com prazos e estabelecimento de prioridades, ou seja, um plano de ação do novo negócio, porém com aconselhamento de quem já o tinha vivenciado. O negócio começou em uma casa alugada, e, em 2013, fez a aquisição de um prédio próprio. Em 2014, possui cerca de 70 funcionários. Pedro pediu desligamento da empresa em 2012, e ainda hoje, quando necessário, consulta seu mentor para conselhos pontuais. Ele brinca e diz: “Esse é o meu guru!”. Caso 2 Yves chegou aos 30 anos, bastante pressionado não somente pela
Compartilhar