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Aula 09 Loteamento Populares

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Loteamentos populares
A habitação de interesse social e seu contexto
Tanto as cidades hoje consideradas metrópoles ou as cidades de porte médio sofreram com 
a urbanização desenfreada e a falta de controle. Uberlândia (MG) faz parte de um grupo de cidades 
médias que sofreram intenso crescimento urbano após a década de 1950 e a sua expansão foi ditada 
pelos agentes imobiliários e grande produtores do espaço urbano. A produção de loteamentos, nesse 
período, já demonstrava o quanto ainda a cidade teria de pagar para possuir uma melhor qualidade 
espacial. Os loteamentos, até mesmo quando aprovados pela prefeitura, apresentavam diversas irregu-
laridades, seja na área dos lotes, na existência de áreas públicas ou na largura e continuidade das vias. 
As citações a seguir demonstram essa realidade:
Uma das dificuldades criadas à prefeitura para a realização de muitos melhoramentos prende-se à ampliação excessiva 
da área da cidade que, possuindo menos de 40 000 habitantes, segundo o último recenseamento, ocupa dimensões 
para mais de 100 000. Por todos os lados, abrem-se vilas, por todos os lados, adquirem-se terrenos, loteiam-se e são 
incorporados à zona urbana. (CORREIO DE UBERLÂNDIA, 29/11/51, p. 1 apud SOARES, 1995, p. 135)
Nada de praças! É preciso vender todo o rico terreninho, mesmo que o lote não dê 300m2 mínimos exigidos pela 
Lei Municipal. Antes de ser construída, Uberlândia já está sendo urbanisticamente condenada. [...] Os loteamentos 
também não se ligam com as plantas da cidade. E não têm a menor intenção de prestar atenção à nova planta que se 
está fazendo. Cada qual para seu lado. (JORNAL CORREIO DE UBERLÂNDIA, 21/01/53, p.1 apud SOARES, 1995, p.135)
A grande carência de habitação para um grande número de pessoas pertencentes a faixas de 
renda mais baixa levou ao aparecimento de ocupações em áreas de risco ou de preservação ambiental, 
formação de favelas e cortiços, normalmente carentes de infraestrutura básica ou de equipamentos 
comunitários, traduzindo em condições insalubres de moradia. São vários os impactos da ocupação 
irregular de encostas e áreas impróprias para parcelamento (alagadiças, com altas declividades ou 
resultantes de aterros de materiais nocivos à saúde). As figuras 1 e 2 mostram esses tipos de ocupações 
e evidenciam a necessidade intrínseca de investimentos para sua melhoria. 
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Figura 1 – Ocupação de morros: Alto da Estrela – Moreno: 
Recife (PE).
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Figura 2 – Ocupação de encostas ao norte da ilha: Florianópolis (SC).
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A situação mostra-se agravante em todo território brasileiro, do norte ao sul. A figura 3 mostra um 
exemplo de conjunto habitacional Caetés I em Recife (PE) e o processo de ocupação desordenada em 
seu entorno pra fixação de moradia. Essas invasões levam à degradação do meio ambiente e provoca 
erosões e riscos de desabamento. Esse exemplo também pode ser constatado na Serra da Cantareira, 
em São Paulo, nos morros do Rio de Janeiro, em Salvador ou em Porto Alegre. O caso de Recife é assim 
diagnosticado pela Fundação de Desenvolvimento Municipal (Fidem) (2004):
No Conjunto Caetés I (A), observam-se dois estratos de invasão, onde o primeiro (B) segue ocupando os topos dos 
espigões, divisores das drenagens, e um segundo (C) começa a ocupar as encostas, desguarnecidas de qualquer trata-
mento, com moradias de baixo padrão construtivo em condições ainda mais precárias.
A remoção da cobertura vegetal vai-se generalizando nas encostas adjacentes, viabilizando mais invasões e compro-
metendo, em longo prazo, a mata de Caetés.
O lixo não é coletado, sendo totalmente lançado sobre as encostas. As águas servidas e os esgotos correm a céu aberto, 
morro abaixo.
Figura 3 – Expansão desordenada no entorno do conjunto habitacional Caetés I.
Conjunto Caetés I (A)
Ocupação nos topos dos espigões (B)
Ocupação nas encostas (C)
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A exclusão social oriunda do processo de urbanização desordenado logrou, ao presente, todos os 
problemas a ele relacionados. As alternativas para abrandar essas dificuldades requereu da sociedade 
uma tomada de decisão que somente tornou-se fato com a promulgação da Lei 9.785, de 29 de janeiro 
de 1999 e da Lei 10.257, de 10 de julho de 2001, conhecida como Estatuto da Cidade. 
O Estatuto da Cidade buscou estabelecer a política de desenvolvimento urbano das cidades 
por meio de normas de ordem pública e interesse social, que buscam ordenar o uso da propriedade 
urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio 
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ambiental, definindo a função social da cidade e da propriedade urbana e os principais instrumentos de 
regulação da gestão democrática desta. Contudo, como não existem estatutos legais perpétuos, faz-se 
necessária uma contínua atualização desses mecanismos, seja pela constante modificação das condi-
ções econômicas, seja para revisão das penalidades a serem impostas a infratores que teimam em achar 
maneiras convenientes de infringir a lei, lesando a comunidade.
O instrumento denominado Zonas Habitacionais de Interesse Social (Zhis), criado pela Lei 9.785/99 
e depois retomado pelo Estatuto da Cidade com o ZEIS, possibilitou ao município estabelecer zonas 
destinadas ao assentamento da população de baixa renda, somente podendo ser utilizadas por meio de 
parcelamento do solo de interesse social, promovido pelo Poder Público e/ou iniciativa privada. Pode- 
-se ainda estabelecer ZEIS para áreas com favelas, loteamentos clandestinos ou irregulares, com o intuito 
de tornar possíveis ações de regularização e urbanização. 
Para a viabilização das ZEIS, o município poderá, ainda, lançar mão de outros instrumentos previstos 
no Estatuto, tais como as Operações Urbanas Consorciadas, o Usucapião Especial de Imóvel Urbano 
e o Direito de Preempção. Essa flexibilização trazida pela lei visa, também, estabelecer um nexo entre 
moradia popular e legalidade, ao mesmo tempo em que combate o avanço das práticas irregulares e 
clandestinas de parcelamento.
O loteamento popular e seus aspectos legais
As mudanças operadas pela promulgação da Lei 9.785/99 flexibilizaram a legislação no sentido 
de permitirem ações mais rápidas do Poder Público no provimento de habitações para os habitantes 
da cidade, ou melhorar aquelas condições de favelas, cortiços, loteamentos irregulares ou clandestinos, 
nos quais a população vivia em situação precária. 
Um dos objetivos da lei citada acima foi viabilizar a implantação de loteamentos populares, de 
forma econômica, para o Poder Público, ou de particulares, devidamente autorizados. A flexibilização 
produzida pela lei consta do banimento da percentagem obrigatória de áreas públicas, da redução da 
infraestrutura básica exigida para loteamentos populares, do aumento do prazo para as diretrizes e 
execução de obras e da eliminação de sanções por implantação de loteamento irregular ou clandestino, 
considerado de interesse público. 
O parcelamento popular foi inserido no âmbito do Direito Urbanístico brasileiro por meio da Lei 
9.785/99, com o acréscimo do parágrafo 4.o ao artigo 18 da Lei 6.766/79. O texto do parágrafo diz:
§4.º O título de propriedade será dispensado quando se tratar de parcelamento popular, destinado às classes de menor 
renda, em imóvel declarado de utilidade pública, com processo de desapropriação judicial em curso e imissão provisória 
na posse, desde que promovidas pela União, estados, Distrito Federal, municípios ou suas entidades delegadas, autori-
zadas por lei a implantar projetos de habilitação. (grifo nosso).
Alguns parâmetros estabelecidospela Lei 9.785/99 continuam polêmicos e geram discussões sobre 
a qualidade espacial do espaço habitado por ela gerada. Tais aspectos dizem respeito à flexibilização da 
área do lote, cujo mínimo era fixado em 125m2, e a quantidade de infraestrutura e áreas públicas a serem 
implantadas nos denominados parcelamentos populares. A Lei 9.785/99, ao acrescentar novos parágrafos 
ao artigo 18 da Lei 6.766/79, assim estipula a infraestrutura necessária aos loteamentos populares:
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§5.º Consideram-se infraestrutura básica os equipamentos urbanos de escoamento de águas pluviais, iluminação 
pública, redes de esgoto sanitário e abastecimento de água potável e de energia elétrica pública e domiciliar e as vias 
de circulação pavimentadas ou não.
§6.º A infraestrutura básica dos parcelamentos situados em zonas habitacionais declaradas por lei como de interesse social 
(Zhis) consistirá, no mínimo de:
I - vias de circulação;
II - escoamento de águas pluviais;
III - rede para abastecimento de água potável; e
IV - solução para o esgotamento sanitário e para a energia elétrica domiciliar. (grifo nosso).
Nos parcelamentos situados em Zhis são dispensadas a iluminação pública e a rede de abaste-
cimento de energia elétrica pública, as redes de esgotamento sanitário e as redes de energia elétrica 
domiciliar, exigindo-se apenas como infraestrutura básica a apresentação de alternativas para o esgota-
mento sanitário e para a energia elétrica domiciliar. 
Dessa forma, a lei dispensa os loteamentos populares de alguns tipos de infraestrutura que 
podem ser consideradas primordiais para a sobrevivência nos dias atuais, tornando-se ainda mais 
importante pelo fato de o estado necessitar firmar planos de inserção das grandes massas de excluídos 
em faixas de rendas mais dignas. Contudo, em face da falta de recursos do Poder Público para custeio 
dessas obras de infraestrutura, tolera-se tais carências, buscando-se soluções técnicas de baixo custo 
para o sistema de esgotamento sanitário e energia elétrica domiciliar.
Outra questão relacionada aos loteamentos populares diz respeito à aplicabilidade do parcela-
mento popular por particulares e pelo Poder Público e também a condição de implantá-los, necessa-
riamente, em Zhis. Essa discussão, obviamente, se dá em face da flexibilização dos parâmetros anterior-
mente discutidos e que em muito influenciará nos custos do parcelamento. Ribeiro (2007, p. 2) assim 
pondera essa discussão: 
O §6.o [...] não se destina apenas aos parcelamentos populares de iniciativa do Poder Público. Na verdade, não há 
nenhuma vinculação entre o parcelamento em área declarada de interesse social (art. 2.o, §6.o) e o parcelamento 
popular (art. 18, §4.o). O parcelamento em área de interesse social não será necessariamente o chamado parcelamento 
popular do artigo 18, §4.º, assim como esse parcelamento popular não terá de ser implementado necessariamente em 
área declarada de interesse social.
União, estados, Distrito Federal e municípios poderão implantar o parcelamento popular nas áreas declaradas de inte-
resse social (o que deve ser o mais comum), desde que esta assim esteja declarada por lei. Nesse caso, a infraestrutura 
mínima será a do §6.o do artigo 2.o. Por outro lado, nada impede que o parcelamento popular seja implementado em 
outra área, que não seja a declarada de interesse social, sendo, nesse caso, a infraestrutura básica a exigida no §5.o do 
artigo 2.o. 
[...] Tem-se, portanto, que o parcelamento em área de interesse social não é exclusividade do Poder Público. Dessa 
forma, havendo declaração de um imóvel situado em zona habitacional como de interesse social, este poderá ser 
parcelado tanto por particular quanto pelo Poder Público. Por outro lado, como visto, o parcelamento popular do 
artigo 18, §4.o, não precisa ser implementado em área de interesse social. A diferença é que o parcelamento popular 
do artigo 18, §4.o, é feito pela União, estados, Distrito Federal e municípios, ou suas entidades delegadas, o que tem 
implicação direta nos documentos necessários ao Registro Imobiliário.
O texto de Ribeiro esclarece questões importantes que envolvem não somente as relações entre 
empreendedores municipais e prefeitura, mas também as instâncias de poder estadual e federal, uma 
vez que todos possuem vínculos com a produção da habitação. 
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Pela Lei 9.785/99, em suas modificações e acréscimos ao texto do artigo 18 da Lei 6.766/79, 
também foram instituídas alterações no processo de registro do loteamento popular, dispensando a 
apresentação do título de propriedade do imóvel ou a certidão da matrícula, quando se tratar de área 
em processo de desapropriação. Nesse caso, para facilitar o registro para loteamentos promovidos pelo 
Poder Público, em que normalmente o processo de desapropriação se arrasta por muito tempo.
§4.º O título de propriedade será dispensado quando se tratar de parcelamento popular, destinado às classes de 
menor renda, em imóvel declarado de utilidade pública, com processo de desapropriação judicial em curso e imissão 
provisória na posse, desde que promovidas pela União, estados, Distrito Federal, municípios ou suas entidades 
delegadas, autorizadas por lei a implantar projetos de habilitação. 
§5.º No caso de que trata o §4.º, o pedido de registro do parcelamento, além dos documentos mencionados nos incisos 
V e VI deste artigo, será instruído com cópias autênticas de decisão que tenha concedido a imissão provisória na posse, 
do decreto de desapropriação, do comprovante de sua publicação na imprensa oficial e, quando formulado por enti-
dades delegadas, da lei de criação e de seus atos constitutivos.
Outra alteração prevista na lei citada, relativa a loteamentos populares, é a dispensa de cerificação 
da execução da infraestrutura básica, prevista no artigo 2.o, para efetivação do Registro Imobiliário. O 
inciso V do artigo 18, com sua nova redação, dá sustentação a essa premissa:
V - cópia do ato de aprovação do loteamento e comprovante do termo de verificação pela prefeitura da execução das 
obras exigidas por legislação municipal, que incluirão, no mínimo, a execução das vias de circulação do loteamento, 
demarcação dos lotes, quadras e logradouros e das obras de escoamento das águas pluviais ou da aprovação de um 
cronograma, com duração máxima de dois anos, acompanhado de competente instrumento de garantia para execução 
das obras;
As obras mínimas a serem executadas ou programadas no cronograma não são as relacionadas 
na infraestrutura prevista nos parágrafos 5.o e 6.o do artigo 2.o. De acordo com o inciso V do artigo 18, 
a legislação municipal estabelecerá as obras mínimas que devam ser executadas ou programadas por 
meio de cronograma, para que seja possível o registro imobiliário do parcelamento. Após a efetivação 
do registro imobiliário do parcelamento popular, outros registros dele decorrerão. A Lei 9.785/99 admite 
a cessão da posse provisória da União, estados, Distrito Federal, municípios e suas entidades delegadas 
(art. 26, §3.o), o que será feito por meio de instrumento particular, ao qual a lei atribui o caráter de 
escritura pública. Esse instrumento poderá ser registrado na matrícula do imóvel, antes de adquirido 
definitivamente o domínio por parte do Poder Público, conforme item “36” do inciso I do artigo 167 da 
Lei de Registros Públicos, acrescentado pela Lei 9.785/99 (RIBEIRO, 2007).
A promulgação da Lei 9.785/99 introduziu alterações relevantes que contribuíram para viabilizar 
a implantação de parcelamentos populares. Contudo, fazem-se necessárias algumas análises dos seus 
possíveis efeitos colaterais que devem ser conhecidos e tentar a busca de alternativas que os coíbam. 
Sales Júnior (2007) enumera alguns quesitos que deverão ser consideradosao realizar uma análise mais 
amiúde da aplicação da referida legislação:
A eliminação da percentagem obrigatória de áreas públicas não inferior a 35% pode contribuir ::::
para que os empreendedores imobiliários urbanos venham a ter maior poder de influência para 
reduzir ou até mesmo eliminar a obrigação de destinar uma porcentagem de áreas públicas 
para a implantação do loteamento. 
A norma que possibilita a redução da infraestrutura básica exigida para loteamentos popu-::::
lares, já referidas anteriormente, segundo Sales Júnior, fere o princípio da igualdade, pois é 
uma forma discriminatória de tratamento que possibilita a implantação de loteamentos com 
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condições precárias de vida para a população de baixa renda, pela ausência da infraestrutura 
básica necessária e os estabelecimentos dos padrões urbanísticos inferiores, tornando-se 
inconstitucional.
Pelo parágrafo único do artigo 53 da Lei 9.785/99, fica vedada a aplicação das sanções ::::
pertinentes aos particulares, por não terem realizado as obras e serviços nos parcelamentos 
vinculados a planos ou programas habitacionais de iniciativa do Poder Público considerados 
de interesse público. Para Sales Júnior, essa norma inviabiliza a possibilidade de penalizar 
criminalmente os loteadores e demais agentes responsáveis pela implantação dos loteamentos 
clandestinos e irregulares nas cidades. 
As ponderações do autor fazem sentido ao apresentar possíveis lacunas na Lei 9.785/99. Contudo, 
algumas delas foram preenchidas com a promulgação do Estatuto da Cidade. Embora a legislação tenha 
caráter de extrema importância, a construção de uma sociedade mais justa e uma cidade com mais 
qualidade de vida dependerá do próprio processo de gestão democrática das cidades e da participação 
comunitária. 
A imputação da responsabilidade aos municípios, estados e União, do provimento e facilitação 
da aquisição da moradia, direito constitucional, pode ser considerada um grande avanço legislativo. 
Contudo, tanto as leis quanto suas práticas devem considerar a grande lacuna temporal que relegou 
populações inteiras a viver em péssimas condições de moradia e abaixo da linha da miséria. Os institutos 
legais precisam ser aprimorados a cada dia, tanto para possibilitar novas formas de acesso à moradia 
popular quanto para coibir as más práticas imobiliárias até hoje presentes. 
Texto complementar
Loteamentos populares e autoconstrução em Florianópolis (SC): 
um estudo na Barra do Sambaqui 
(CORDEIRO; SILVEIRA, 2007, p. 1-3)
Introdução
A habitação, enquanto objeto edificado, surgiu para abrigar o homem das manifestações 
 climáticas (sol, chuva, ventos, nevascas etc.) e dos eventuais ataques de animais. Mais tarde, passou 
a ser local de permanência e teve que ser adaptada para dar condições de renovação da força de 
trabalho do homem, por meio do repouso físico e mental diário. Nesse momento, a casa também 
passou a refletir as tradições culturais, hábitos e práticas de seus usuários, traduzidas pelo cotidiano 
doméstico vivenciado em seu interior, deixando de ser apenas um universo prático, para atuar tam-
bém como universo simbólico. 
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Segundo LEMOS (1989, p. 09), “Tais atuações domésticas, que costumamos dizer, ligadas aos 
hábitos e às práticas de uma sociedade, devem se desenvolver em circunstâncias ideais e a qualidade 
do desempenho evidentemente está condicionada às condições oferecidas pela construção”.
A realidade da habitação popular brasileira não atende satisfatoriamente às funções básicas 
mencionadas anteriormente. Sabe-se que a maioria dos moradores de favelas, cortiços, vilas e demais 
assentamentos subnormais habitam precariamente em casebres cujas dimensões comprometem a 
vida familiar. A falta de trabalho ou a renda insuficiente para sustentar a família, aliados a uma jornada 
de trabalho exaustiva, sem o conforto habitacional adequado que possibilite ao trabalhador descansar 
o corpo, afetam a todos os usuários da residência, provocando atritos e discussões familiares.
De acordo com a filosofia marxista, morar é uma necessidade básica do ser humano e condição 
indispensável à (re)produção de sua força de trabalho. Habitar em condições precárias implica na 
redução do desempenho do trabalhador, pois é no interior da habitação onde o homem repõe suas 
energias, por meio do repouso, das refeições e de sua higiene pessoal (CAVALCANTI, 1980). Morar 
mal também implica no aparecimento de problemas de cunho socioeconômico, tal como o aumento 
da violência urbana, visto que o crescimento excludente das cidades brasileiras priva parcela signi-
ficativa de sua população de ter acesso aos serviços de infraestrutura urbana básicos (de boa quali-
dade) que lhe garantam viver com o mínimo de dignidade.1
A stuação apresentada acima caracteriza os chamados bolsões de pobreza urbanos, cada vez 
mais presentes nas cidades brasileiras. Nas palavras de Maricato (2000), “nossas cidades crescem 
produzindo em seu interior verdadeiras bombas sociológicas, depósito de multidões abandonadas, 
sem quaisquer direitos legais”.
A falta de moradia é um dos principais e talvez um dos mais graves problemas urbanos 
enfrentados na atualidade pelas cidades brasileiras. Em cem anos (1900-2000), a população urbana 
do Brasil aumentou assustadoramente, e com ela as desigualdades socioeconômicas. De acordo com 
o recenseamento de 2000, realizado pela Fundação IBGE, o Brasil possui 170 milhões de habitantes, 
dos quais 137 755 550 moram em áreas urbanas (OLIVEIRA, 2001).
O déficit habitacional também guarda relação com a precariedade física da habitação. De acordo 
com um estudo realizado pela Fundação João Pinheiro, cerca de 12 milhões de brasileiros vivem 
em habitações impróprias2, sejam elas barracos improvisados em plástico, unidades habitacionais 
superlotadas ou edificações antigas mal conservadas (FJP, 2001).
Impossibilitadas de acessar o mercado imobiliário formal, famílias inteiras de trabalhadores 
sem qualificação e mal remunerados são obrigados a ocupar áreas inadequadas e de risco, tais 
como terrenos alagáveis e encostas dos morros, como única alternativa de inserção nas cidades.
Desse modo, torna-se patente o aumento do número de domicílios irregulares caracterizados 
pela concentração de população de baixa renda, carência de infraestrutura básica para o seu 
desenvolvimento, e por condições precárias de habitabilidade e salubridade. Esses domicílios se 
apresentam traduzidos em favelas, cortiços e vilas, cuja existência já não pode mais ser ignorada 
pela esfera do Poder Público e pela sociedade civil como um todo.
Essa situação é reflexo do alto índice de exclusão socioterritorial que impera nas cidades de 
médio e grande porte, caracterizado pelo adensamento populacional decorrente dos movimentos 
migratórios, oriundos não só do campo como também de pequenas e médias cidades do interior 
em direção às capitais.
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O contexto aqui apresentado, comum a muitas cidades do Brasil, tem influenciado a produção 
de inúmeras pesquisas relacionadas ao estudo da questão habitacional nos mais diversos âmbitos, 
entre eles as políticas e programas voltados para a habitação de interesse social e a prática da 
autoconstrução desenvolvida pelas populações de baixa renda (CRUZ &ORNSTEIN, 1995). No 
entanto, um aspecto que ainda é pouco privilegiado no âmbito acadêmico é o estudo dos aspectos 
funcionais da habitação popular, sobretudo os que se referem à área útil disponível para cada 
morador, às áreas de circulação e ao desenvolvimento das atividades domésticas – lazer, repouso e 
serviços – sem sobreposições (LEMOS, 1989).
Motivação para realização doestudo 
O presente trabalho de investigação científica teve início em detrimento do seguinte questio-
namento: “Por que avaliar a concepção de moradias de baixa renda autoconstruídas, em termos de 
dimensionamento e zoneamento dos espaços internos?”.
A autoconstrução é a principal forma de suprimento do déficit habitacional pela população de 
baixa renda, visto que por meio dela o morador economiza o pagamento de mão de obra e constrói 
sua habitação de acordo com as necessidades espaciais (e, sobretudo financeiras) de sua família. 
Apesar da morosidade do processo, visto que não há capital financeiro suficiente para custear 
toda a obra de uma só vez, e do desgaste físico de toda a família autoconstrutora, o morador se 
apropria da habitação com mais facilidade, devido ao fato de que ele mesmo foi o responsável pela 
construção.
Essa relação de apropriação espacial implica diretamente no grau de satisfação do usuário para 
com a sua moradia, de forma que os espaços autoconstruídos muitas vezes se adequam melhor 
às necessidades culturais e dimensionais da família do que as habitações promovidas pelo Poder 
Público.
Os aspectos de dimensionamento dos espaços habitacionais têm importância fundamental 
para o uso e funcionamento adequados dos cômodos, visto que situações extremas de excesso de 
área ou subdimensionamento podem representar perdas do ponto de vista funcional, ergonômico 
e financeiro para seus usuários (REIS; LAY, 2002). Dessa forma, os estudos do arranjo espacial da 
habitação popular autoconstruída e da vivência no seu interior passam a ser tão importantes quanto 
os demais anteriormente citados, visto que a qualidade física da habitação influi diretamente na 
qualidade de vida de seus ocupantes.
No Brasil, particularmente a partir da década de 1980, têm sido desenvolvidos diversos estudos 
acerca do grau de satisfação de usuários com relação aos mais diferentes tipos de edificações coloca-
das em uso no espaço urbano. Esses estudos buscam o desenvolvimento de avaliações sistemáticas 
do desempenho desses edifícios, a fim de possibilitar a melhoria das relações humanas em seu interior 
(ORNSTEIN, 1992).
Nesse sentido, o método de pesquisa denominado Avaliação Pós-Ocupação (APO) promove 
o conhecimento de problemas de caráter projetual e construtivo. Além disso, contempla questões 
pertinentes ao uso, operação e manutenção dos edifícios, considerando essencial o ponto de vista 
dos usuários. 
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124 | Loteamentos populares
Acredita-se que os espaços habitáveis autoconstruídos sejam mais satisfatórios que os empre-
endimentos de interesse social, no tocante ao atendimento das necessidades dimensionais para 
funcionamento adequado da habitação, bem como do conforto ergonômico de seus usuários.
Assim, faz-se necessária a realização de estudos que possibilitem a concepção de layouts mais 
satisfatórios, em termos de dimensionamento dos ambientes, e que permitam um grau maior de 
flexibilidade da habitação de interesse social. Acredita-se que dessa forma seja possível o provi-
mento habitacional de boa qualidade para parcelas de população de baixa renda, desmistificando 
a premissa de que edificações arquitetonicamente bem planejadas são privilégio de classes sociais 
detentoras de médio e alto poder aquisitivo.
1 A Lei federal 6.766/ 1979 considera como infraestrutura básica os equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação 
pública, redes de esgoto sanitário e abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar e as vias de circulação pavimenta-
das ou não.
2 O termo impróprio, utilizado pela FJP, nesse caso, tem sentido de inadequado (FERREIRA, 1993).
Atividades
1. Quais são as características básicas do processo de urbanização do Brasil, naquilo que se refere 
aos aspectos habitacionais?
2. O que se entende por parcelamento popular e quando sua implantação foi possibilitada?
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