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S2 Medicina Alina Villela Insuficiência cardíaca Introdução A insuficiência cardíaca (IC), também chamada falência cardíaca, é definida como uma incapacidade do coração de conseguir cumprir sua função de bomba e atender à demanda tecidual, ou a necessidade de aumentar a pressão de enchimento ventricular (pressão diastólica final) para atender a essa demanda. Isso normalmente ocorre devido a alterações das funções sistólica (mais comumente) e/ou diastólica dos ventrículos, no entanto em situações menos comuns também pode ser causada por um aumento da demanda tecidual de perfusão. A IC pode ocorrer em pacientes com função sistólica preservada, o que é avaliado pela fração de ejeção (FE) do paciente. Pacientes com FE≥50%, apresentam insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEp), enquanto pacientes com FE≤40% apresentam insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFEr). O termo insuficiência cardíaca congestiva (ICC) é muito usado na prática clínica por descrever uma consequência muito comum da IC, o aumento da pressão hidrostática nos capilares que causa extravasamento de líquido para o interstício e, portanto, o fenômeno de congestão. Etiologias A IC pode ser resultado de uma doença intrínseca do coração (cardiomiopatia), ou mais comumente em virtude de outras doenças crônicas que causam um processo de alteração da função cardíaca, seja ela sistólica ou diastólica. As principais causas de IC no Brasil são cardiopatia isquêmica, cardiopatia hipertensiva, cardiopatia secundária a valvopatias, cardiomiopatia dilatada (CMD), cardiomiopatia alcóolica e doença de Chagas. No Brasil, especificamente, é importante levar em conta a Doença de Chagas que é endêmica principalmente em estados do Nordeste e em Minas Gerais, além da doença valvar de etiologia reumática. Ambas podem causar IC em pacientes mais jovens e não acometidos por outras comorbidades que são as principais causadoras de IC no resto do mundo, como DAC e HAS. Fatores de Risco Entre os fatores de risco para IC, DAC se apresenta com um aumento de risco relativo (RR) de 8,1; diabetes com RR 1,9; tabagismo com RR 1,6; valvopatias com RR 1,5; hipertensão arterial sistêmica (HAS) com RR 1,4; obesidade com RR 1,3. S2 Medicina Alina Villela Fisiopatologia Conceitos da fisiologia do sistema cardiovascular ✓ A função sistólica é a capacidade que os ventrículos possuem de bombear o sangue para a circulação, seja ela sistêmica ou pulmonar. Já a função diastólica é a capacidade que os ventrículos possuem de relaxar (através de um processo ativo, ou seja, que requer o gasto de energia por parte das células), para se encherem de sangue sem um aumento exagerado da pressão ventricular. ✓ Débito cardíaco refere-se ao volume de sangue ejetado para a aorta a cada minuto. DC=FC x VS. ✓ Pré-carga é a força ou carga exercida no miocárdio no final da diástole. Refere-se à quantidade de volume sanguíneo no ventrículo no final da diástole. ✓ Pós-carga se refere a resistência, impedância ou pressão que os ventrículos têm que exercer para ejetar seu volume sanguíneo. ✓ Princípio de Frank-Starling refere-se a capacidade do coração de se adaptar às variações do volume sanguíneo modificando sua contratilidade. Quanto maior o enchimento, maior a ejeção, maior o RV, maior o DC, maior a interação entre actina e miosina. Disfunção sistólica -> corresponde a 70% dos casos de IC. Ocorre uma deficiência na contratilidade miocárdica, redução do volume de ejeção, dilatação cardíaca e elevação da pressão diastólica do VE. Ex: Cardiomiopatia dilatada. Disfunção diastólica-> o ventrículo não relaxa adequadamente. A ejeção é normal, porém, as custas de uma maior pressão de enchimento ventricular. Ex: HAS... As diferentes doenças contribuem de forma diferente para o prejuízo da função cardíaca. Na DAC, a perda da perfusão coronariana causa a morte de cardiomiócitos e, com isso, alterações da função diastólica do ventrículo em estágios mais iniciais. Por outro lado, a DAC também pode causar hipocinesia ou acinesia de paredes mal perfundidas do coração – particularmente após episódios de infarto agudo do miocárdio (IAM) – resultando em disfunção sistólica. Um dos principais motivos pelo qual a diabetes e HAS se correlacionam com o desenvolvimento de IC, é porque essas doenças são fatores de risco para o desenvolvimento de DAC. Por sua vez, a HAS causa aumento da pós-carga através do aumento da resistência vascular periférica. Isso passa a sobrecarregar o coração, que precisa elevar a pressão produzida através da sístole para vencer a resistência dos vasos. Esse aumento da resistência muitas vezes também resulta em um aumento do volume do volume sistólico final, o que distende os sarcômeros dos cardiomiócitos. Pela lei de Frank-Starling, o coração responde a essa distensão com um aumento da sua força de contração de forma que quanto maior for o retorno venoso, maior seria o volume sistólico, no entanto, a capacidade cardíaca de se adaptar a essa distensão é limitada, e quando as fibras são exageradamente distendidas, ocorre um efeito paradoxal em que a força e eficácia da sístole se tornam reduzidas. Além disso, com o início da redução do débito cardíaco, barorreceptores detectam a redução da função sistólica e buscam aumentar o inotropismo e cronotropismo , principalmente por meio da ativação do sistema simpático, aumentando a liberação de noradrenalina e adrenalina. Ao mesmo tempo, nos rins a diminuição da função cardíaca diminui a quantidade de sódio filtrado, o que faz a mácula densa ativar o SRAA. Através do SRAA, o rim passa a reter sódio e água, aumentando assim a volemia, e consequentemente a pré- carga, determinada pelo retorno venoso ao coração. Inicialmente, esses mecanismos adaptativos auxiliam o sistema cardiovascular a manter o débito cardíaco e a perfusão tecidual. No entanto, com a persistência das alterações que reduziram a função cardíaca, e ativação persistente do sistema simpático e do SRAA, ocorre um processo de remodelamento cardíaco, que pode causar a sua hipertrofia. Esse coração aumentado apresenta função diastólica prejudicada, é mais suscetível a isquemias e arritmias. S2 Medicina Alina Villela Quadro clínico Na IC esquerda, a falência do ventrículo esquerdo (VE) causa um aumento da pressão do enchimento deste ventrículo, o que diminui a eficácia da passagem do sangue do átrio esquerdo (AE) para o VE causa aumento da pressão no AE, dificultando o retorno do sangue da circulação pulmonar para o AE. Isso resulta em sintomas como dispneia aos esforços, tosse seca ou com secreção rosácea, dispneia paroxística noturna, sintoma em que o paciente relata acordar durante a noite com falta de ar, que tende a melhorar após alguns minutos sentado ou em pé. Em estágios mais avançados, pode ser relatada ortopneia, onde o paciente relata dispneia ao deitar, o que é causado pelo aumento da pré-carga com a redistribuição do volume sanguíneo que se acumulava nos membros inferiores por gravidade. Em casos mais graves, o paciente pode apresentar edema agudo de pulmão em virtude do aumento da pressão hidrostática nos capilares da circulação pulmonar, causando extravasamento de fluidos para os alvéolos e prejudicando a respiração. Já na IC direita, o processo de falência ocorre no ventrículo direito (IC), e através dos mesmos mecanismos explicados no caso da IC direita, ocorre congestão, no entanto, nesse caso é dificultado o retorno da circulação sistêmica, e não a circulação pulmonar. Dessa forma, o paciente costuma apresentar edema em membros inferiores, estase de jugulares, pode apresentar esplenomegaliapor congestão e ascite. A principal causa de IC direita, é uma IC esquerda que passou a causar aumento da resistência pulmonar, no entanto há outras causas como estenose da valva mitral, Cor pulmonale, hipertensão pulmonar primária e tromboembolismo pulmonar. Casos extremos de IC, principalmente aqueles relacionados à IC de apresentação aguda, como pode ocorrer no caso de IAM extenso, podem cursar com choque cardiogênico, caracterizado pela hipoperfusão tecidual e PAM≤65mmHg, que não responde à ressucitação volêmica, exigindo muitas vezes o uso de drogas vasoativas. Esse quadro apresenta altíssima mortalidade! Exame físico Ao exame físico, é importante avaliar fenômenos que indiquem congestão, como a presença de estase de jugulares a 45º, hepatomegalia, ascite, edema de membros inferiores e creptações à ausculta pulmonar, principalmente na base e terço médio dos pulmões. Na ausculta cardíaca, a hipofonese de B1 pode indicar a redução da função sistólica, enquanto a hiperfonese de B2 pode ser encontrada em pacientes com hipertensão pulmonar. A presença das bulhas extras deve levantar o alerta para a presença de IC. B3 é auscultada em na fase da desaceleração do enchimento rápido ventricular, principalmente quando há um aumento do volume sistólico final. Já B4 pode ser ouvida logo após a contração atrial, e apesar de menos comum, também é associado a disfunção ventricular. É possível também observar o refluxo hepatojugular, quando o paciente apresenta um fígado congesto, uma das possíveis consequências da falência do ventrículo direito. Além disso, a respiração de Cheynes-Stokes é observada em alguns pacientes com ICFEr, principalmente durante o sono. Ela é causada pelo baixo débito e lentificação da detecção das variações da pCO2 pelos centros respiratórios no tronco encefálico, e é caracterizada pela alternância de períodos de taquipneia e bradipneia. S2 Medicina Alina Villela Diagnóstico O diagnóstico da ICC é guiado primariamente pelo método clínico, no entanto, diversos exames complementares podem auxiliar no diagnóstico e também na avaliação da gravidade da doença. Os critérios de Framingham são critérios clínicos, exceto apenas pela cardiomegalia ao Raio X de tórax. Com 1 critério maior e 2 critérios menores ou 2 critérios maiores é possível indicar o diagnóstico de IC. Eletrocardiograma: Pode auxiliar a detectar sinais de sobrecargas de câmeras, bloqueios ou atrasos da condução do estímulo elétrico podem ser avaliados, alte rações da repolarização ventricular e até mesmo arritmias cardíacas (pacientes com aumento atrial, por exemplo, apresentam maior incidência de fibrilação atrial). As alterações presentes no ECG vão depender da etiologia da IC e das comorbidades associadas. Radiografia de tórax: O índice cardiotorácico > 50% define a cardiomegalia na radiografia. É possível também avaliar sinais de congestão pulmonar, como a cefalização da trama vascular pulmonar, presença de linhas B de Kerley. A radiografia também permite a avaliação da gravidade do quadro de congestão pulmonar, detecção de cisurites pelo acúmulo de líquido nas cisuras pulmonares e permite a visualização de derrames pleurais. Ecocardiograma transtorácico: é uma das melhores ferramentas para avaliação complementar da IC, uma vez que ele fornece informações quantitativas que permitem avaliar a dimensão das câmeras cardíacas, presença de valvopatias associadas e através do cálculo da FE, permite diferenciar a ICFEp e ICFEr, que apresentam particularidades no que tange ao tratamento e prognóstico. BNP (peptídeo natriurético cerebral) e NT- proBNP: Com a dilatação das câmeras cardíacas, há estímulo à produção do BNP e ANP no intuito de aumentar a excreção de sódio e água e assim reduzir a pré-carga. Isso permite que o BNP seja útil no diagnóstico diferencial de pacientes que se apresentam com quadros de dispneia e tosse seca, e há dúvida entre etiologia cardíaca e pulmonar. Tratamento Uma parte do tratamento é focada no alívio dos sintomas, no entanto, algumas classes de medicamento tem o potencial de diminuir o fenômeno de remodelamento cardíaco, que ocorre principalmente devido à hiperativação do SRAA e sistema simpático. A terapêutica busca melhorar a função sistólica ventricular, aliviar os sintomas, regular as alterações neuro-humorais da insuficiência cardíaca, reduzir o fenômeno de remodelamento ventricular, minimizar complicações como tromboembolismo e arritmias.
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