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1 SUMÁRIO 1 PSICOLOGIA JURÍDICA ............................................................................ 2 1.1 Subdivisões da psicologia jurídica ........................................................ 7 2 PSICOLOGIA JURÍDICA NO BRASIL ........................................................ 9 3 ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO JURÍDICO .................................................. 13 3.1 Psicologias aplicadas e psicologia jurídica ......................................... 15 3.2 Direito e Contexto jurídico .................................................................. 18 3.3 Prática da Psicologia com Enfoque Jurídico ...................................... 21 3.4 Provas ................................................................................................ 24 3.5 Perícia ................................................................................................ 26 4 PSICOLOGIA: INTENÇÃO E EXTENSÃO ................................................ 28 4.1 A psicologia institucional de Bleger: uma intervenção psicanalítica ... 29 4.2 A análise institucional de Lapassade: uma intervenção política ......... 31 5 LEITURA COMPLEMENTAR .................................................................... 33 5.1 Artigo - A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO INSTITUCIONAL ................. 33 6 BIBLIOGRAFIA ......................................................................................... 38 2 1 PSICOLOGIA JURÍDICA Psicologia Jurídica é uma das denominações para nomear essa área da Psicologia que se relaciona com o sistema de justiça. Na Argentina, denomina-se Psicologia Forense, embora haja muitos profissionais argentinos filiados à Associação Ibero-Americana de Psicologia Jurídica, o que permite inferir a adoção do termo Psicologia Jurídica. De acordo com publicação do Colégio Oficial de Psicólogos de España Oficial de Espanha, o termo adotado naquele país é Psicologia Jurídica, no entanto, a Associação Europeia de Psicologia e Ley atribui a designação de Psicologia e Ley. Fonte: psicologianova.com.br No Brasil, o termo Psicologia Jurídica é o mais adotado. Entretanto há profissionais que preferem a denominação Psicologia Forense. Para o autor do Dicionário Prático de Língua Portuguesa, o termo forense é relativo ao foro judicial. Relativo aos tribunais. De acordo com o mesmo dicionário, a palavra jurídico é concernente ao Direito, conforme às ciências do Direito e aos seus preceitos. Assim, a palavra jurídica torna-se mais abrangente por referir-se aos procedimentos ocorridos nos tribunais, bem como àqueles que são fruto da decisão judicial ou ainda àqueles que são de interesse do jurídico ou do Direito. 3 Popolo (1996, p. 21) entende ser Psicologia Jurídica "El estudio desde la perspectiva psicológica de conductas complejas y significativas en forma actual o potencial para o jurídico, a los efectos de su descripción, análisis, comprensión, crítica y eventual actuación sobre ellas, en función de lo jurídico". Segundo o autor, a Psicologia Jurídica é uma área de especialidade da Psicologia e, por essa razão, o estudo desenvolvido nessa área deve possuir uma perspectiva psicológica que resultará num conhecimento específico. No entanto, pode-se valer de todo o conhecimento produzido pela ciência psicológica. Para ele, o objeto de estudo da Psicologia Jurídica são os comportamentos complexos (conductas complejas) que ocorrem ou podem vir a ocorrer. Para Popolo (1996), esses comportamentos devem ser de interesse do jurídico. Este recorte delimita e qualifica a ação da Psicologia como Jurídica, pois estudar comportamentos é uma das tarefas da Psicologia. Por jurídico, o autor compreende as atividades realizadas por psicólogos nos tribunais e fora dele, as quais dariam aporte ao mundo do direito. Portanto, a especificidade da Psicologia Jurídica ocorre nesse campo de interseção com o jurídico. A complexidade dos comportamentos se dá pela multiplicidade de fatores que o determinam. Assim afirma: "Desde la misma perspectiva psicológica puede ser examinada a partir de distintos horizontes, como lo veremos en la pericia, al adoptar una pespectiva pericial multifatirial. Podemos analizar la conducta desde distintos fatores: a) desde el contexto mínimo donde el hecho a estudiar há tenido lugar, b) desde su contexto grupal, da familia de origem o familia atual, c) desde la conducta vista en un contexto más amplio como el de la comunidad donde la misma há tenido lugar, y a partir de determinados constructos individuales" (POPOLO, 1996, p. 22). Popolo (1996) ressalta a importância de os profissionais, que são peritos, reconhecerem o limite de sua perícia, pois se trata de conhecimento produzido a partir de um recorte da realidade. Assim, deve-se reconhecer a limitação do conhecimento da conduta por meio da perícia. Neste contexto, torna-se necessário verificar a confiabilidade e a validez dos instrumentos e do modelo teórico utilizados, a fim de verificar se os mesmos respondem ao objetivo do procedimento. Em virtude dessa limitação do conhecimento produzido, torna-se imperativa a compreensão interdisciplinar do fenômeno estudado para melhor abordá-lo em sua complexidade. 4 Essas ponderações de Popolo (1996), são importantes para compreendermos que o conhecimento resultante da perícia não representa a compreensão do indivíduo como um todo. Por esse motivo, esse conhecimento refere-se a um recorte parcial da realidade (do indivíduo). No entanto, por vezes, esses conhecimentos produzidos pelas perícias são tratados como a verdade sobre o indivíduo. Por exemplo, o que a perícia produz sobre o comportamento do indivíduo criminoso estende-se a todo o indivíduo em sua integridade e essa marca determinará a sua existência. Fonte: www.psicologiamsn.com Esse fenômeno é resultado da própria expectativa do jurídico, cujo caráter é positivo, e visa à compreensão do todo (indivíduo) por meio do estudo do particular (comportamento). Por outro lado, há teorias psicológicas positivas que buscam compreender o indivíduo pelo estudo do particular, isolando-o do contexto no qual está inserido. Nessa perspectiva, Direito e Psicologia possuem uma concepção de homem positivista. Todavia, é importante considerar que a Psicologia Jurídica deva adotar outra concepção de homem. É um grande desafio para os psicólogos jurídicos peritos: serem produtores de conhecimento levando em consideração os aspectos sócio-históricos, de personalidade e biológicos que constituem o indivíduo. As avaliações psicológicas, como as perícias, são importantes, contudo há a necessidade de repensá-las. Justifica-se tal postura porque realizar perícia é uma das 5 possibilidades de atuação do psicólogo jurídico, mas não a única. O psicólogo jurídico pode atuar fazendo orientações e acompanhamentos, contribuir para políticas preventivas, estudar os efeitos do jurídico sobre a subjetividade do indivíduo, entre outras atividades e enfoques de atuação. Até aqui abordamos a definição de Psicologia Jurídica defendida por Popolo (1996), no entanto há outras definições, como a do Colégio Oficial de Psicólogos de España: La psicologia Jurídica es un área de trabajo e investigación psicológica especializada cuyo objeto es el estudio del comportamento de los actores jurídicos en el ámbito del Derecho, la Ley e la Justicia (1998, p. 109). Ambas as definições estabelecem como objeto de estudo da Psicologia Jurídica o comportamento humano no âmbito do mundo jurídico. Ficam os questionamentos: A Psicologia Jurídica estuda apenas comportamento? Será que ela deve apenas dedicar-se ao estudo do comportamento? Para responder tais perguntas, é necessário fazer algumas considerações sobre a Psicologia. Bock, Furtado e Teixeira (1999, p. 21) afirmam que a Psicologia, por ser uma ciência nova, não teve tempo ainda de apresentar teorias acabadas e definitivas, que permitam determinar com maior precisão seu objeto de estudo. Disso resulta a diversidade de objetos da Psicologia: o comportamento, o inconsciente, a personalidade, a identidade, entre outros. Os autores ainda destacam as diferentes concepções de homem adotadas pelas teorias psicológicas outro contributo para o surgimento da diversidade de objeto da Psicologia. Neste contexto, uma questão se impõe: como determinar um objeto de estudo que agregue toda a diversidade da abordagem psicológica para que a psicologia possa assumir-se como ciência independente? A definição encontrada para unificar os diversos objetos de estudo da Psicologia baseou-se na subjetividade. "A subjetividade é a síntese singular e individual que cada um de nós vai construindo conforme vamos nos desenvolvendo e vivenciando as experiências da vida social e cultural; é uma síntese que nos identifica, de um lado, por ser única, e nos iguala, de outro lado, na medida em que os elementos que a constituem são experienciados no campo comum da objetividade social. Esta síntese – a subjetividade – é o mundo de ideias, significados e emoções construído internamente pelo sujeito a partir de suas relações sociais, de suas vivências e de sua constituição biológica; é, também, fonte de suas manifestações afetivas e comportamentais" (BOCK; FURTADO e TEIXEIRA, 1999, p. 23). 6 Retomando a Psicologia Jurídica, a mesma deve ir além do estudo de uma das manifestações da subjetividade, ou seja, o estudo do comportamento. Devem ser seu objeto de estudo as consequências das ações jurídicas sobre o indivíduo. Fonte: www.vaniaanchieta.com.br Segundo Foucault (1974), tanto as práticas jurídicas quanto as judiciárias são as mais importantes na determinação de subjetividades, pois por meio delas é possível estabelecer formas de relações entre os indivíduos. Tais práticas, submissas ao Estado, passam a interferir e a determinar as relações humanas e, consequentemente, determinam a subjetividade dos indivíduos. Sob essa perspectiva, a Psicologia Jurídica enfocaria também as determinações das práticas jurídicas sobre a subjetividade, não mais enfocaria apenas o comportamento do indivíduo para explicá-lo de acordo com a necessidade jurídica. Esta é uma forma de ir além da expectativa que o jurídico possui em relação à Psicologia Jurídica. A Psicologia Jurídica procura tão-somente atender a demanda jurídica como uma psicologia aplicada cujo objetivo é contribuir para o melhor exercício do Direito. Esse tipo de relação de subordinação ocorre entre psicologia e psiquiatria forense, na qual o saber psicológico está a serviço da psiquiatria como assessor. O psicólogo torna-se auxiliar do médico e contribui na elaboração do diagnóstico clínico, que é de responsabilidade do médico, e não do psicólogo (POPOLO, 1996, p. 15). 7 Ainda ressalta o autor que para a Psicologia Jurídica não há nenhum problema em responder as perguntas e as demandas do jurídico. Entretanto, o que não pode ocorrer é a sua estagnação neste tipo de relação. Como já foi mencionado, a Psicologia Jurídica deve transcender as solicitações do mundo jurídico. Deve repensar se é possível responder, sob o ponto de vista psicológico, a todas as perguntas que lhe são lançadas. Nesses termos, a questão a ser considerada diz respeito à correspondência entre prática submetida e conhecimento submetido. Um se traduz no outro. A outra forma de relação entre Psicologia Jurídica e Direito, de acordo com Popolo (1996), é a complementaridade. A Psicologia Jurídica como ciência autônoma, produz conhecimento que se relaciona com o conhecimento produzido pelo Direito, incorrendo numa interseção. Portanto há um diálogo, uma interação, bem como haverá diálogo com outros saberes como da Sociologia, Criminologia, entre outros. 1.1 Subdivisões da psicologia jurídica A Psicologia Jurídica está subdividida da seguinte forma: Psicologia Jurídica e o Menor. No Brasil, por causa do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, a criança passa a ser considerada sujeito de direitos. Muda-se o enfoque da criança estigmatizada por toda a significação representada pelo termo menor. Este termo menor forjou-se no período da Ditadura para se referir à criança em situação de abandono, risco, abuso, enfim, à criança vista como carente. Denominá-la como menor era uma forma de segregá-la e negar-lhe a condição de sujeito de direitos. Em virtude disso, no Brasil, denominamos assim este setor da Psicologia Jurídica e as questões da Infância e Juventude. 8 Fonte: www.psicologosantacoloma.es Psicologia Jurídica e o Direito de Família: separação, disputa de guarda, regulamentação de visitas, destituição do pátrio poder. Neste setor, o psicólogo atua, designado pelo juiz, como perito oficial. Entretanto, pode surgir a figura do assistente técnico, psicólogo perito contratado por uma das partes, cuja principal função é acompanhar o trabalho do perito oficial. Psicologia Jurídica e Direito Cível: casos de interdição, indenizações, entre outras ocorrências cíveis. Psicologia Jurídica do Trabalho: acidentes de trabalho, indenizações. Psicologia Jurídica e o Direito Penal (fase processual): exames de corpo de delito, de esperma, de insanidade mental, entre outros procedimentos. Psicologia Judicial ou do Testemunho, Jurado: é o estudo dos testemunhos nos processos criminais, de acidentes ou acontecimentos cotidianos. Psicologia Penitenciária (fase de execução): execução das penas restritivas de liberdade e restritivas de direito. 9 Psicologia Policial e das Forças Armadas: o psicólogo jurídico atua na seleção e formação geral ou específica de pessoal das polícias civil, militar e do exército. Vitimologia: busca-se a atenção à vítima. Existem no Brasil programas de atendimentos a vítimas de violência doméstica. Busca-se o estudo, a intervenção no processo de vitimização, a criação de medidas preventivas e a atenção integral centrada nos âmbitos psico-socio-jurídicos (Colegio de Psicólogos de España, 1998, p. 117). Mediação: trata-se de uma forma inovadora de fazer justiça. As partes são as responsáveis pela solução do conflito com ajuda de um terceiro imparcial que atuará como mediador. De acordo com Colegio Oficial de Psicólogos de España la base de esta nueva técnica está en una manera de entender las relaciones individuo-sociedad distinta, sustentada por la autodeterminación y la responsabilidad que conducen a un comportamiento cooprativo e pacífico (1998, p. 117). A mediação pode ser utilizada tanto no âmbito Cível como no Criminal. Formação e atendimento aos juízes e promotores. Feitas essas considerações, discorremos sobre o panorama da Psicologia Jurídica no Brasil. 2 PSICOLOGIA JURÍDICA NO BRASIL Os trabalhos de autores brasileiros apresentados no III Congresso Ibero- Americano de Psicologia Jurídica enquadram-se nos seguintes setores de atuação: I – Setores mais tradicionais da Psicologia Jurídica. A cada setor, seguem os temas dos trabalhos apresentados. 10 Psicologia Criminal: fenômeno delinquencial, relações entre Direito e Psicologia Jurídica, intervenção em Juizados Especiais Criminais, perícia, insanidade mental e crime, estudo sobre o crime. Fonte: aminoapps.com Psicologia Penitenciária ou Carcerária: estudos sobre reeducandos, intervenção junto ao recluso, prevenção de DST/AIDS em população carcerária, atuação do psicólogo, trabalho com agentes de segurança, stress em agentes de segurança penitenciária, trabalho com egressos, penas alternativas (penas de prestação de serviço à comunidade). Psicologia Jurídica e as questões da infância e juventude: avaliação psicológica na Vara da Infância e Juventude, violência contra criança e adolescente, atuação do psicólogo, proteção do filho nos cuidados com a mãe, infância, adolescência e conselho tutelar, supervisão dos casos atendidos na Vara, adoção, crianças e adolescentes desaparecidos, intervenção junto a crianças abrigadas, trabalho com pais, adolescentes com prática infratora, infração e medidas sócio-educativas, prevenção e atendimento terapêutico, atuação na Vara Especial e estudos sobre adolescentes com prática infratora. 11 Psicologia Jurídica: investigação, formação e ética: formação do psicólogo jurídico, supervisão, estágio, questões sociais e legais, relação entre direito e Psicologia Jurídica, pesquisa em Psicologia Jurídica, Psicologia Jurídica e Ética. Psicologia Jurídica e Direito de Família: separação, atuação do psicólogo na Vara de Família, relação entre Psicologia Jurídica e Direito, paternidade, legislação, acompanhamento de visitas, perícia, disputa de guarda, atuação do assistente técnico. Psicologia do Testemunho: falsas memórias em depoimentos de testemunhas, avanços e aplicações em falsas memórias. Psicologia Jurídica e Direito Civil: acidentes de trabalho, psicologia e judiciário. Psicologia Policial/Militar: treinamento e formação básica em Psicologia Policial, avaliação pericial em instituição militar, implantação do curso de direitos humanos para policiais civis e militares. II – Setores mais recentes da Psicologia Jurídica e seus temas: Avaliação retrospectiva mediante informações de terceiros (autópsia psicológica). Mediação: no âmbito do direito de família e no direito penal. Psicologia Jurídica e Ministério Público: o trabalho do psicólogo, assassinatos de adolescentes. Psicologia Jurídica e Direitos Humanos: psicologia e direitos humanos na área jurídica. 12 Dano psíquico: dano psicológico em perícias acidentárias, perícias no âmbito cível. Psicologia Jurídica e Magistrados: modelos mentais, variação de penalidade, tomada de decisão dos juízes, seleção de magistrados. Proteção a testemunhas: o trabalho multidisciplinar num programa de Apoio e Proteção a Testemunhas, Vítimas da Violência e seus Familiares. Vitimologia: violência doméstica contra a mulher, atendimento a famílias vitimizadas. Este levantamento possibilita constatarmos que a Psicologia Jurídica brasileira atinge quase a totalidade de seus setores. Porém, ainda temos uma concentração de psicólogos jurídicos atuantes nos setores mais tradicionais, como na psicologia penitenciária, na Psicologia Jurídica e as questões da infância e juventude, na Psicologia Jurídica e as questões da família. Por outro lado, permite verificar outras áreas tradicionais pouco desenvolvidas no Brasil, como a psicologia do testemunho, a psicologia policial/militar e a Psicologia Jurídica e o direito cível. Fonte: www.taopsi.com.br 13 Os setores denominados como não tradicionais ou mais recentes, como a proteção de testemunhas, a Psicologia Jurídica e os magistrados, a Psicologia Jurídica e os direitos humanos, a autópsia psíquica, entre outros, também necessitam de maior desenvolvimento. Essas reflexões, embora sejam fundamentadas num levantamento dos trabalhos brasileiros apresentados no III Congresso Ibero-Americano de Psicologia Jurídica e não em pesquisa, nos permitem vislumbrar o quanto a Psicologia Jurídica Brasileira pode e necessita crescer, não só na quantidade de profissionais atuantes, na qualidade do trabalho desenvolvido por eles, mas também na intensificação da produção e publicação do conhecimento. O registro da prática e os trabalhos teóricos fomentam e enriquecem o caráter científico da Psicologia Jurídica, o que, em tese, possibilitaria maior eficiência da prática. Este é um dos desafios da Psicologia Jurídica brasileira. Contudo, existem outros em níveis metodológicos, epistemológicos e de compromisso social. Não podemos ignorar problemas sociais da magnitude dos nossos, os quais muitos permeiam ou são permeados pelo jurídico. Um exemplo significativo e pouco estudado pela Psicologia Jurídica, presente no cotidiano do mundo jurídico, é a questão racial. 3 ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO JURÍDICO No Brasil e no mundo, observa-se uma efetiva participação do profissional da psicologia no contexto do judiciário. Este profissional é reconhecido como Psicólogo Jurídico. Diferenciando-se na categoria não só pelo contexto em que está inserido, mas pela sua técnica especializada, a qual exige capacitação e conhecimento da ciência jurídica, conquista profissional que o qualifica e o restringe. A questão é como atua, na prática, esse profissional? Afinal, o encontro prático das ciências humanas e jurídicas pode constituir um grande problema. No âmbito do judiciário e diante da ótica de cada ciência, os conflitos humanos são uma realidade que produz enormes e diferentes questionamentos. Onde a visão do todo pode ficar comprometida, se camuflando por um discurso social e uma incompreensão semântica, em que a verdade dos fatos, juridicamente relevantes, se perde. E assim, falando línguas diferentes, erros inferenciais podem ser produzidos e 14 a informação distorcida, acarretando falhas interpretativas da qual ninguém se dá conta, a não ser, claro, a vítima, o autor e o grupo social em que se inserem. Para tanto é necessário discutir as questões entre o Direito e a Psicologia, compreendendo que essas questões estão em seus fundamentos, princípios e matrizes teóricas, e para sua aplicação prática é necessário compreender as diferenças. Um breve estudo axiológico permite demonstrar a diferença do Direito finalista e da Psicologia causalista, um pertencendo ao mundo do dever ser (mundo ideal), e a outra do ser (realidade social). Mundos aparentemente estranhos, em que o homem é o ator principal. Fonte: www.ufjf.br Primeiramente, há de se considerar que a intervenção psicológica e a intervenção judicial são diferenciadas. Ao se inserir em um contexto jurídico, não terapêutico, o psicólogo pode enfrentar um problema de identidade, tornando sua atuação inadequada. Observa-se, por outro lado, que o Direito não opera com conjecturas, não pode o juiz proferir decisão por mera presunção. A certeza da autoria dos fatos e da culpabilidade do agente é necessária, tanto na área cível como na criminal as responsabilidades dependem de provas, as quais precisam ser firmes e seguras a ponto de ensejar a decisão. O problema então é: o que são provas, para a Psicologia e para o Direito? E, como o profissional da psicologia pode auferir valor a prova jurídica? Qual o espaço ocupado por esse profissional e como considerar sua 15 participação no sistema jurídico, considerando que a psicologia jurídica só existe a partir de um sistema jurídico? 3.1 Psicologias aplicadas e psicologia jurídica A psicologia, como ciência e profissão, vem trabalhando a questão da subjetividade e da complexidade. Entretanto, pouco tem produzido sobre a questão da subjetividade dos próprios psicólogos e os processos que envolvem as identidades sociais dos mesmos. Fatores sociais vêm contribuindo para isso, e a psicologia vem se apresentando como uma ciência fragmentada que possui linhas de conhecimento diferentes e divergentes (NASCIMENTO, MANZINI e BOCCO,2006). Trindade (2009) sustenta que a Psicologia tem um longo passado e uma curta história. Afirma que é muito jovem e que fala muitas línguas. Thá (2006) traduz o drama contemporâneo dos profissionais da psicologia, que se inicia na academia quando se questionam sobre as diversas teorias apresentadas. Como se identificar? Qual das teorias corresponde à descrição da realidade profissional? Afinal, o que se espera é aprender uma profissão, exercê-la e, com esta, se sustentar. No Brasil, a profissão de Psicólogo foi regulamentada somente em 1962, pela lei 4.119. Diferentemente do que era quando surgiu como ciência independente (final do século XIX), o foco atual é compreender o sujeito biopsicossocial e sua rede complexa que envolve áreas diferentes, transdisciplinares. Observa-se, então, o surgimento de “projetos que tomam a própria prática do psicólogo como questão” (NASCIMENTO, MANZINI e BOCCO, 2006 p. 15). Em 2001 a APA apresentou uma lista de 53 divisões da psicologia aplicada: Clinica, Educacional, Saúde, Social, Hospitalar, Jurídica e outras (TRINDADE, 2009). Autores como Sabaté (1980, apud Trindade, 2009), consideram que a psicologia jurídica na prática é um campo a ser explorado e construído. Para Jesus (2010 p.52) a psicologia jurídica constitui-se de um “campo especializado de investigação psicológica, que estuda o comportamento dos atores jurídicos no âmbito do direito, da lei e da justiça. ” Sabaté (1980, apud Trindade, 2009 p. 24), estabelece três grandes caminhos para o que chamou de método psicojurídico, são eles: A psicologia do direito, cujo objetivo seria explicar a essência do fenômeno jurídico, isto é, a fundamentação psicológica do direito uma vez que todo o direito está 16 repleto de conteúdos psicológicos. Essa tarefa de investigação psicológica do direito recebeu a denominação de psicologismo jurídico. A psicologia no direito, que estudaria a estrutura das normas jurídicas enquanto estímulos vetores das condutas humanas e nesse aspecto, a psicologia no direito é uma disciplina aplicada e prática. A psicologia para o direito, a psicologia jurídica como ciência auxiliar do direito, tal como a medicina legal, a engenharia legal, a economia, a contabilidade, a antropologia, a sociologia e a filosofia, entre outras. (TRINDADE, 2009) No dizer de J. Selosse apud Doron & Parot (2006, p.629) a atuação da Psicologia na justiça se subdivide em três possiblidades: Psicologia judiciária que trata dos atores dos processos: acusado, vitima, acusador, testemunha; e pelos métodos de informação de instrução e confissão, e ainda busca entender a lógica de atuação dos juízes e seus auxiliares. A psicologia criminal que se apropria da investigação e análise do indivíduo delinquente, sua conduta e os processos criminógenos, e por último a psicologia legal que, estuda as significações e conceitos jurídicos penais e civis nos quais se baseiam os processos, compreendendo os princípios jurídicos que orientam a tomada de decisão, como: responsabilidade, culpa, periculosidade, interesse das partes, autoridade legal (DORON & PAROT, 2006) Fonte: www.pinterest.pt 17 Alguns autores buscaram distinguir a psicologia jurídica e a psicologia forense/judicial, (Sabaté, 1980, Garzón 1990 apud Trindade, 2009) historicamente fez sentido essa distinção. No entanto, atualmente, segundo Trindade (2009) o termo psicologia jurídica, engloba qualquer prática aplicada da ciência e da profissão de psicologia para os problemas e questões legais. Jesus (2010) segue o mesmo raciocínio, afirmando que essa nomenclatura seria mais abrangente, pois o termo forense estaria restrito ao fórum. Apesar disso, as psicologias jurídicas, segundo Clemente (1998, apud Trindade 2009), são citadas de acordo com o tema que abordam: Psicologia judicial, penitenciária, criminal, civil e família, do testemunho, da criança e do adolescente infrator, policial, da vítima, e outras. Caires (2003, p. 30) relata sua experiência de atuação como psicóloga na área jurídica, ressaltando que: A dificuldade em perceber que o esforço em me fazer entender, esmiuçando as correlações clínicas, neurofuncionais e psicodinâmicas, não era nem louvável e sequer sinal de competência e, pior, gerava entendimentos confusos e passíveis de distorção por parte dos profissionais solicitantes do exame. Não pude compreender naquele momento, é que os juristas não eram da área da saúde e, por isso, não podiam e nem precisavam entender a clínica do sujeito. Assim, a autora descreve e reforça a necessidade do conhecimento jurídico para a prática da psicologia jurídica. Procurando não se esquecer de que a pobreza das relações interdisciplinares constitui o grande problema das ciências humanas, sendo relevante destacar as considerações de Trindade (2009 p.23). A humildade e a modéstia epistemológicas têm sido a noção faltante na ciência jurídica, mas também a psicologia, na sua adolescência científica, tem se ressentido da sabedoria histórica. Nesse particular, a psicologia tem claudicado de forma persistente na medida em que não tem calado onde é incapaz de falar ou, pelo menos, não tem calado quando ainda é incapaz de falar, de outro lado, tem fraquejado toda vez que não apresenta a necessária profundidade e consistência filosófica, sucumbindo ao universo da cultura, da reflexão, e, particularmente, do pensamento crítico. Considerando que somente no contexto do direito é que a psicologia jurídica se realiza, torna-se necessário compreender esse contexto. Não isoladamente, mas conjuntamente com os operadores do direito, intercambiando. Para tanto, é preciso conceituar o encontro da Psicologia com o Direito. Encontro que na prática favorece 18 o desafio da objetividade científica e da realidade jurídica, capaz de afastar o olhar terapêutico e lançar um olhar investigativo sobre o fato jurídico. 3.2 Direito e Contexto jurídico O homem é um ser que pensa, tem consciência e se move num contexto histórico-cultural. De acordo com Longo (2004 p.25) “O homem constrói o mundo com sua inteligência, com seus braços, com sua vontade determinante e com seu Deus”. Nesse contexto, interage com o outro, inicialmente com sua família e posteriormente com os outros membros da sociedade da qual faz parte. Este convívio com o grupo social proporciona a construção das identidades e das regras. Onde quer que se encontre um agrupamento social, onde quer que o homem esteja, por mais rudimentar que seja o fenômeno jurídico está presente (MONTEIRO, 2003) Fonte: vitamanifesta.blogspot.com É sabido que as sociedades humanas se encontram ligadas ao direito, o homem já nasce sujeito de direitos, é uma necessidade fundamental. Dele recebe estabilidade e a própria possibilidade de sobrevivência, pois encontra as garantias das condições necessárias à coexistência social. Estas são definidas e asseguradas pelas normas, que criam a ordem jurídica dentro da qual o Estado organizado, sociedade e indivíduo compõem o seu destino. (BRUNO, 1969). 19 Pereira (2001, p.4) afirma que “há e sempre houve uma norma, uma regra de conduta, pautando a atuação do indivíduo, nas suas relações com os outros indivíduos”. O autor acrescenta que quando “um indivíduo sustenta suas faculdades e repele agressão, afirma ou defende os seus poderes, diz que defende o seu direito. E, quando o juiz dirime os conflitos invocando a norma, diz-se que ele aplica o direito”. Existindo o que se pode chamar de realidade jurídica, reconhecível no comportamento humano. Monteiro (2003) corrobora dizendo que existem outras normas de convivência impostas na sociedade, que a rigor não se confundem com as jurídicas, regras morais. Ambas se constituem como normas de comportamento. Assim, de acordo com Pereira (2001), o anseio por justiça integra-se na consciência do indivíduo, e o poder público o reveste de sanção possibilitando a convivência individual e coletiva. Estabelece o comportamento social, sem o qual não haveria a possibilidade do jurídico, pois para a vivência individual ninguém poderia exigir o seu direito sem limitar o direito do outro, sendo, portanto, necessário suportar restrições à própria conduta. Pode-se, então, afirmar que “o direito é o princípio de adequação a vida social”, ou seja, somente no meio social haverá o direito. (PEREIRA 2001. p. 5). Friede, (2002 p.14), define o Direito como objeto da ciência do direito, não é produto de uma vontade, é um produto do ser humano, um produto cultural. Resulta “da atuação de forças sociais, ou de uma delas, com poder de dominação sobre as demais”. É correto afirmar que o Direito se caracteriza como ciência autônoma, que se funda em princípios basilares, no qual fato, valor e norma não são aspectos simples de uma realidade, e sim, elementos primordiais dessa ciência (FRIEDE, 2002; REALE, 1981). De acordo com Montoro (1981), axiologia é a ciência dos valores. Estes representam os princípios que orientam a conduta do homem e da sociedade. Onde quer que se manifeste o direito, encontra-se uma ação, ou seja, um fato da natureza que é ao mesmo tempo um fato de vontade, sendo o direito, portanto, a expressão da vontade humana, da ação do homem. Como o direito não funciona como um todo fechado, o conjunto das normas jurídicas é denominado de ordenamento jurídico, sendo essa a expressão formal do direito. (MONTORO, 1981, REALE, 1981, FRIEDE, 2002). 20 Ao ser aplicado, o direito utiliza critérios de interpretação: gramatical, lógico, sistemático e axiológico (FRIEDE, 2002). Sauvigny (apud Monteiro, 2003 p.35) diz que “interpretar é a reconstrução do pensamento contido na lei”. A lei é sempre clara, e deve ser aplicada como soam as palavras, determinando seu verdadeiro sentido e procurando o que quis dizer o legislador (FRIEDE, 2002). É importante saber utilizar a linguagem adequada no momento adequado. A clareza das ideias está relacionada com a clareza e precisão das palavras. Qualquer sistema jurídico para atingir plenamente seus fins deve cuidar do valor “nocional” do seu vocabulário, e estabelecer relações semântico-sintáticas harmônicas e seguras na organização do pensamento (NARDINI & RAMOS). Segundo os autores, o pensamento humano evoca ações que expressam estados ou qualidades, que justificam determinadas condutas. E, para simbolizar o agir e o sentir, a linguagem é fundamental, pois permite estabelecer as relações psicológicas e traduzir o significado das palavras e a realidade ali representada. Para realizar um ato de comunicação verbal, o indivíduo escolhe, seleciona e organiza as palavras conforme a sua vontade. Todo este trabalho de seleção e organização não é aleatório, está ligado a intenção do sujeito (NARDINI & RAMOS). Fonte: migueldelpinopsicologo.com A realidade jurídica: penal, civil e familiar, tem que partir de ações, e não das fontes psicológicas. Pois as ações são o objeto de conflito, e não as resoluções. A 21 tipicidade é o ponto de partida e, devem ser traduzidas de forma coerente e concisa, dentro de um determinado contexto jurídico. Etimologicamente, o termo contexto pode ser conceituado como “conjunto de circunstâncias que acompanham um acontecimento, exemplo: julgar um fato em seu contexto histórico”. O adjetivo jurídico é relativo ao direito, “que está de acordo com as normas do direito: ato jurídico” (KOOGAN/HOUAISS, 1997). 3.3 Prática da Psicologia com Enfoque Jurídico Em um contexto judicial, o objetivo é verificar e determinar se os fatos realmente ocorreram. Possibilitando a responsabilização, a proteção da sociedade e garantindo os direitos. Em um contexto clínico, o psicólogo deve observar os sintomas com o intuito principal de intervir e auxiliar o sujeito a lidar com esses sintomas. No âmbito social o psicólogo ajuda o sujeito a lidar com o ocorrido, orienta e auxilia na utilização dos recursos e meios necessários a esse fim, atuando na segurança pública, inclui, também, o sistema jurídico. De acordo com Friede (2002), é necessário considerar os dados subjetivos no campo dos valores: sentimentos e opiniões que fogem a disciplina das leis, elevando o grau de responsabilidade dos profissionais e diminuindo os riscos de injustiças e abstrações por parte dos operadores do direito. Portanto, o conhecimento dos aspectos legais orientará o psicólogo jurídico na compreensão da influência que seus relatórios, pareceres e laudos ocupam no contexto jurídico. Pois os aspectos individuais observados e descritos tecnicamente serão acolhidos a rigor como matéria probante, dirimindo as dúvidas judiciais existentes. Caires (2003) destaca a importância de se conhecerem os aspectos criminógenos, sociais e psíquico-psicológicos que abrangem o sistema de justiça. Através de ponderações históricas, a autora busca resgatar aspectos relevantes do trabalho do psicólogo no judiciário: as questões sobre a doença mental e sua proteção; o reconhecimento da psiquiatria forense no Brasil, ocorrido na década de 20, em um caso de clamor público, onde coube o primeiro diagnóstico médico legal de inimputável. A autora descreve suscintamente, o caminho percorrido pela psicologia, que se inicia com o estudo da alma, e vai se modificando para o estudo do comportamento. Firma-se através de métodos científicos ao lado da Psiquiatria, e a 22 transcende através de técnicas mensuráveis conhecidas até hoje como testes psicológicos. Fonte: super.abril.com.br Nota-se que a inserção do psicólogo no sistema judiciário se fortalece na necessidade de que os fatos revelados sejam relevantes ao mundo jurídico e que a busca destes fatos ocorram de forma técnica e confiável. De acordo com Caires (2003), todos os caminhos levam a um único tema: a perícia. É importante perceber que em matéria penal, tanto na fase de execução como na fase processual, as informações fornecidas terão sempre valor probante (Caires, 2003 e Trindade, 2006), servindo a critério do Juiz. E, dentro dos parâmetros legais, atenuar ou agravar a situação do agressor (réu), revelar circunstâncias e possíveis consequências do crime. Art. 59 do CP - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime. Na prática o juiz atribui ao agente, quase que aleatoriamente, as expressões “personalidade desajustada”, “personalidade não informada nos autos”, “personalidade com inclinação para o crime”, e ainda, “personalidade desregrada”. Tais expressões nada contribuem para a demonstração da personalidade do agente. 23 Carvalho (2001) discute a tarefa difícil do juiz: “a experiência cotidiana revela que a valoração da personalidade do acusado, nas sentenças criminais, é quase sempre precária, imprecisa, incompleta e superficial”. Em casos que envolvem estupro, maus tratos e atentado violento ao pudor, contra vulneráveis, a inserção do psicólogo torna-se cada vez mais importante. Nessa linha de entendimento, pontífica a doutrina e a jurisprudência que as declarações da vítima constituem um meio de prova. Em princípio, o conteúdo das declarações deve ser aceito com reservas. No entanto, por se tratar de um delito às ocultas, é necessário que as declarações sejam seguras, estáveis, coerentes, plausíveis, uniformes, perdendo sua credibilidade quando o depoimento se revela reticente e contraditório a outros elementos probatórios. As demandas judiciais das Varas de Família é outro domínio em que a psicologia se faz presente e exerce forte influência na proteção judicial dos menores. Levando o magistrado a buscar, junto à Psicologia, um trabalho técnico, seguro, capaz de embasar as decisões, resguardando os direitos das crianças e adolescentes em questões de regulamentação de visitas e guarda familiar (TRINDADE, 2002). Em matéria civil, a comprovação dos fatos alegados é pressuposto da ação, e a partir dele é que se pode apurar responsabilidades, que no caso independe de culpa. (Artigo 333, 342, 348, 400 e seguintes) Visando punir e prevenir a violência doméstica contra a mulher, surge a lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha). E, no mesmo ano, a Lei 11343/06, que prevê projetos educacionais para redução do dano ao usuário de drogas ilícitas. Essas duas leis proporcionam um espaço terapêutico ao psicólogo jurídico. Espaço que não afasta a especialização, nem o enfoque legal, mas possibilita um espaço diferenciado de atuação no sistema judiciário. O psicólogo atua na busca da prova. Pois a prova, como observado, é comum a todo sistema jurídico. Acrescentando que o sistema inclui, de acordo com Código de Processo Penal (CPP), o processo de investigação policial: Inquérito - o inquérito policial é um procedimento preparatório da ação penal, de caráter administrativo, conduzido pela polícia judiciária (art. 144 da CF– Polícia Federal e as Policiais Civis) é voltado à colheita preliminar de provas para apurar a prática de uma infração penal e sua autoria. Sua finalidade é, portanto, a investigação do crime e a descoberta do autor, chamado também de instrução prévia. Período pré- 24 processual. Tendo como objetivo formar a convicção do MP, e colheita de provas urgentes, apontar com relativa firmeza a ocorrência e autoria de um delito. Inquisitivo e sigiloso. Antes da denúncia. (Código de Processo Penal, art. 5º a 23.) 3.4 Provas Prova conceitualmente significa: “aquela que demonstra a veracidade de uma proposição ou realidade de um fato”. Segundo Manzano (2011), prova vem do latim probatio, que significa ensaio, verificação, inspeção, exame, aprovação, confirmação, deriva do verbo probare. No direito, é usada para identificar realidades diversas. Fonte: pixabay.com Manzano (2011 p. 1) diz que a finalidade da prova é convencer o julgador “sobre a exatidão das afirmações formuladas pelas partes no processo”, possibilitando “a certeza suficiente à formação do convencimento necessário de que foi atingida a verdade possível e de legitimar a sentença”. Acrescenta que não se pode confundir a finalidade da prova com o fim do processo. Esta seria a verdade objetiva, alcançável e sujeita a sanção. Hungria (1959), afirma que “prova é a verificação de algo, com a finalidade de demonstrar a exatidão ou a verdade real da alegação feita pela parte ao juiz. Diante 25 desse olhar eleva-se o direito do indivíduo em face da coletividade, pois, ao menor sinal de dúvida sobre o fato delituoso, homenageia-se o princípio conhecido por ‘in dubio pro reo’”. Em matéria penal, não é possível fundamentar uma decisão condenatória apoiada exclusivamente em indícios remotos ou suposições. Para o direito, a culpabilidade não se presume ou pode ser extraída de subjetivismos, exigindo para sua definição prova segura do cometimento e da autoria delituosa. (MANZANO, 2011.) Notadamente a prova produzida quer oral, quer pericial, somente será suficiente para a formação de um juízo de certeza se bem fundamentada. Pode ser utilizada em três sentidos: a) ação de provar; b) meio ou instrumento para a demonstração da verdade; c) resultado da ação. As espécies de provas são: Exame de corpo e delito, onde se procede a verificação da materialidade do crime; perícia técnica direta ou indireta; interrogatório; confissão; oitiva da vítima (art.201 do CP); testemunha; reconhecimentos de pessoas e coisas; acareação; documentação; indícios (prova indireta) que se valem do raciocínio indutivo para, utilizando de dados isolados e conhecidos, chegar à conclusão da existência do fato e de outros fatos mais abrangentes, se guiando por vestígios, e nesse caso a prova é indireta (art. 239 do CP) No processo penal a prova pode ser: material, real, substancial, sendo produzida na fase de instrução que se encerra na audiência de instrução e julgamento (art. 402, 534, 411 parágrafo 3º, do CPP). Segundo Manzano (2011 p. 239): (...) tanto no processo penal quanto no processo civil se busca a verdade processual, concebida como a melhor verdade, verdade aproximativa, verdade humana e eticamente possível de ser atingida, sem atropelamento de direitos individuais, em busca da pacificação social, revelada pela permanente preocupação com efetividade da jurisdição penal, para que se alcance o desejado equilíbrio entre o garantismo e a eficiência. Afirmar a verdade é possível deste de que se compreenda o que é verdade real. Quando se fala em processo penal, a afirmação do princípio da verdade real é necessário. Distingue-se do princípio da verdade formal, que regula o processo civil onde a prova é trazida pelas partes ao processo, e o juiz decide conforme as provas apresentadas. No penal, o magistrado tem o dever de investigar como os fatos se passaram na realidade, não se conformando com a verdade formal constante dos autos. 26 Para tanto, o art. 156, II, com a redação determinada pela Lei n. 11.690/2008, faculta ao juiz de ofício determinar, no curso da instrução, ou antes, de proferir sentença, a realização de diligências para ‘dirimir dúvida sobre ponto relevante’. Ao magistrado é facultado buscar a verdade, persegui-la. 3.5 Perícia Segundo Tornaghi apud Manzano (2011 p. 8): “Perícia nada mais é do que uma pesquisa que exige conhecimentos técnicos científicos e artísticos”. Segundo o dicionário Aurélio, perícia é habilidade, destreza, conhecimento, ciência, como também vistoria ou exame de caráter técnico especializado. O termo deriva do latim, peritia, que significa destreza e habilidade ou peritus, indivíduo erudito, capaz. (CAIRES, 2003.) Fonte: wagner.adv.br A perícia é uma prova técnica, realizada por um perito, que se utiliza da experiência para auxiliar o juiz. Constatando, explicando, elucidando, revelando e assim apontando um elemento de prova. Demanda a realização de um procedimento técnico, o qual se desdobra em vários atos: preservação, coleta, remessa, armazenamento, guarda, adoção do princípio cientifico, aplicação de técnica 27 especifica, e outros. Importante é a confiabilidade de sua análise e conclusão. (MANZANO, 2011, p. 235). A lei 4112/62 estabelece em seu art. 4º, inciso 5, que: “Cabe ao Psicólogo realizar perícias e emitir pareceres sobre a matéria de Psicologia”. Caires (2003) defende a diferença entre a entrevista psicológica pericial, em que o indivíduo não tem uma queixa, e sim, um fato jurídico e está sob o domínio legal, e entre a entrevista clínica. Justificando a diferenciação da técnica de psicodiagnóstico, pois o psicólogo está a serviço da justiça, o indivíduo o vê como aquele que investiga e julga como se fosse uma extensão do juiz. Para tanto, a autora sugere procedimentos e técnicas baseados em sua experiência, como: estudo psicológico do processo, mapeamento do caso, mapeamento do desenvolvimento sócio afetivo, histórico médico, antecedentes pessoais e aplicação de testes. Na construção do laudo ou parecer, deve-se utilizar uma linguagem concisa. Sabendo que o judiciário necessita de respostas que embasem medidas legais, sem expor o sujeito além do necessário. No Direito Brasileiro, existe a figura do perito oficial e do assistente técnico, podendo ser chamados tanto na fase do inquérito policial como durante a instrução criminal. Em juízo, o perito e o assistente podem ser ouvidos mediante o requerimento das partes ou de ofício pelo Juiz para esclarecer os laudos e pareceres apresentados (art. 159 e seguintes do CPP). O perito é um auxiliar do Juiz sujeito a impedimentos. O assistente técnico, indicado pela vítima e pelo acusado, é perito não oficial (MANZANO, 2011). Segundo Manzano (2011), a perícia realizada na fase do inquérito policial é investigativa, prova antecipada, se justifica se tiver natureza cautelar e quando é realizada deve ter assegurado o contraditório. A prova é colocada à prova, ressaltando que o juiz não está obrigado a aceitar o laudo ou parecer do perito. No Brasil, o princípio do liberatório está, no CPP e no CPC e defende o livre convencimento do juiz, sendo esse apenas mais um elemento de prova (MANZANO, 2011). 28 4 PSICOLOGIA: INTENÇÃO E EXTENSÃO Há aproximadamente três décadas, começou a se tornar visível, a preocupação de estender a psicologia para além das áreas em que habitualmente se exercia: pesquisas de laboratório, psicodiagnóstico, psicoterapias, treinamento e seleção profissional, predominantemente. Por currículo e por lei, ora mais e ora menos contraditoriamente1, o ensino e a atuação profissional vão produzindo o desenho de uma psicologia que não parece querer ficar à margem das reflexões filosóficas e sociológicas, feitas nas salas de aula, ou à margem de ações políticas das agremiações estudantis e dos movimentos sociais e comunitários em geral. Fonte: modelargestionyestrategia.com Nesse desenho da profissão, ganhou espaço o trabalho junto a instituições (aqui entendidas como organizações), sobretudo as de saúde, educação e promoção social. Em 1982, o governo do estado de São Paulo abriu vagas para psicólogos, nos serviços públicos, contribuindo para a extensão dos limites institucionais da profissão. Vários egressos das faculdades dirigiram-se para esses atendimentos que tomaram um caráter multiprofissional, dada a abertura feita, também em outras áreas. Os mestres universitários e profissionais mais experientes (entre eles, estavam psicólogos e psicanalistas que migraram da Argentina para o Brasil) dedicavam-se à supervisão desses trabalhos. Não tardou a aparecer uma disciplina na Universidade 29 de São Paulo, ainda optativa: Psicologia Institucional. Com o passar do tempo, os currículos de outras faculdades foram incorporando o mesmo título. É assim que, cada vez mais, psicologia e instituição vai se tornando um binômio conhecido e reconhecido. Tal efeito, no entanto, não resolve as questões oriundas de um trabalho que, apesar de tudo, ainda não tinha um respaldo suficiente na formação e no currículo. E, sendo as práticas concretas o carro-chefe, multiplicaram-se, quase às raias da dispersão, os modos de compreensão e intervenção. Estamos falando agora do estado das coisas no final da década de 1980 e início da de 1990. Isto de tal forma que parecia haver tantos modelos de trabalho quantos fossem os mestres e supervisores em campo. Uns se diziam sociopsicanalistas, outros psicólogos institucionais, outros ainda, analistas institucionais (e aqui, agrupava-se a maior variedade de posições, desde os adeptos de Lapassade até os de seu parceiro intelectual, Lourau; ou, desde os que assinavam uma autoria pessoal até os que se filiavam à orientação de Delleuze e Guattari; e assim por diante). Apesar da liberalidade na nomeação daquilo que faziam, profissionais e autores sobre o tema produziam trabalhos até certo ponto diferentes sob a insígnia institucional. Em parte, deriva dessa diversidade, no limite da indiferenciação, uma vantagem para o exercício da psicologia: multiplicaram-se (e se multiplicam) iniciativas e tentativas de alargar os horizontes do pensamento e do fazer concreto, extrapolando os já distantes limites legais e provocando os psicólogos a abandonar determinadas certezas cristalizadas em suas modalidades de atuação, para abraçar desafios ainda muito tensos e informes. O que está longe de ser algo negativo. Gradativamente, permanecem dois títulos a significar os trabalhos “junto às instituições”, como se costuma dizer: Psicologia Institucional e Análise Institucional. 4.1 A psicologia institucional de Bleger: uma intervenção psicanalítica Psicologia Institucional é um termo cunhado por J. Bleger, psiquiatra argentino de orientação psicanalítica inglesa, que a um certo momento, buscou aliar psicanálise e marxismo para pensar a atuação do profissional em psicologia, para além das práticas terapêuticas e consultorias. Em nome dele e por meio de seus escritos, nos idos de 1970, a Psicologia Institucional cruzou fronteiras e, assim, apesar dos efeitos 30 da repressão política que forçava os mais inquietos a “falarem de lado e olharem para o chão”. Trabalhar com psicologia institucional, portanto, é trabalhar com uma determinada abordagem psicanalítica específica. E, como Bleger o define, com essa abordagem, toma-se a instituição como um todo, como alvo da intervenção. Em seu livro Psicohigiene e Psicologia Institucional (Bleger, 1973/1984), fica claro que o psicólogo opera com os grupos, desde os de contato direto com a clientela até a direção, por meio de um enquadre que preserva os princípios básicos do trabalho clínico psicanalítico, bem como suas justificativas. Ainda: a compreensão que tem das relações interpessoais guarda uma formulação muito interessante: a da simbiose e ambiguidade nos vínculos e ele mesmo aproxima essa compreensão às ideias de M. Klein a respeito de posições nas relações de objeto; mais do que ao conceito de narcisismo em Freud (Bleger, 1977/1987). Fonte: www.emaze.com Tudo isto implica que se alguém se diz trabalhando com psicologia institucional, estará, ao mesmo tempo, tomando, tanto a instituição e suas relações quanto a intervenção do psicólogo, a partir de uma perspectiva psicanalítica; ou da perspectiva de uma psicanálise. Interpretações ou assinalamentos, informados por esta compreensão das relações institucionais, definem sua inserção nos grupos, seu fazer. 31 4.2 A análise institucional de Lapassade: uma intervenção política Análise Institucional, por sua vez, é o nome dado a um movimento que supõe um modo específico de compreender as relações sociais, um conceito de instituição e um modo de inserção do profissional psicólogo que é de natureza imediatamente política. Desalojado do lugar de intérprete dos movimentos grupais ou interpessoais, ele não se delega a tarefa diferenciada da interpretação ou de assinalamentos; ele é, acima de tudo, um instigador da autogestão dos grupos nas organizações, um favorecedor da revelação dos níveis institucionais, desconhecidos e determinantes do que se passa nesses grupos. É um provocador de rachaduras e rupturas na burocracia das relações instituídas. Está do lado do instituinte, ainda que se questione sempre esse lugar e a própria análise como facilitadores da “liberação da palavra social dos grupos” (Lapassade, 1974/1977). O idealizador da Análise Institucional é Georges Lapassade, psicólogo de formação, que passou a trabalhar com psicossociologia e prosseguiu com um intrigante caminho intelectual e político, o qual desembocou nesse movimento autodenominado Análise Institucional. Por que “movimento”? Porque, num tom acalorado e ruidosamente polêmico, em princípio pelo estilo de sua escritura, praticamente, convoca adeptos a uma causa. Propõe uma forma de agir e pensar que deveria mobilizar todos os níveis institucionais ao mesmo tempo; e isto seria justificável por finalidades políticas (supostamente) óbvias (e) que todo leitor deveria ter! Funciona quase como uma convocação à militância. E o leitor se sente nessa condição de chamado aos brios: “Mexa-se! O que você está fazendo aí sentado? Venha engrossar as fileiras dos que rompem com a burocracia, liberam a palavra social e fazem a revolução permanente! ”. Tal chamado, porém, como uma segunda voz nos escritos de seu livro mais conhecido (Lapassade, 1974/1977), traz já a ambiguidade, assumida por ele, de apresentar e criticar radicalmente a Análise Institucional que ele mesmo propõe. No “Prólogo à Segunda Edição” dessa obra, acaba por dizer, enfaticamente, sobre a ineficácia da Análise Institucional, na medida em que conta com a ação de técnicos como coordenadores e preceptores de mudança; a menos que se queira considerar, por um artifício, que a análise se dá no nível da palavra e, portanto, não tem relação automática com uma mudança na ação concreta. Por isso, não menos enfaticamente, afirma que o que se deve fazer é a Ação Direta (análise em ato), por aqueles mesmos 32 que constituem os grupos de uma determinada instituição e/ou organização, com as lideranças nascidas de seu interior. Segundo ele, essa é a verdadeira revolução permanente que “decapita o rei”, as instituições sociais dominantes. Tudo, por inspiração dos momentos históricos da revolução de 1968, na França, e ainda visando à liberação da palavra social. Ora, poucos anos mais tarde, registra-se em um “Prólogo à Terceira Edição”, que a liberação a ser feita é a do corpo e que o que, então, se sustenta como ação de um profissional da psicossociologia e da psicologia é Crise Análise. Georges Lapassade / Fonte: blogdoacra.blogspot.com São de Lapassade distinções conceituais importantes que parecem frequentar o discurso de institucionalistas e de psicólogos afeitos a essa perspectiva de trabalho. Nem sempre citada a fonte, alguns desses termos parecem ter ganhado um sentido muito próximo ao de sua origem nesses outros discursos. A primeira delas é a distinção instituinte/instituído. O instituinte é uma dimensão ou momento do processo de institucionalização em que os sentidos, as ações ainda estão em movimento e constituição; é o caráter mais produtivo da instituição. O instituído é a cristalização disso tudo; é o que, na verdade, se confunde com a própria instituição. A segunda é a distinção entre dois outros termos: organização e instituição. Organização é um nível da realidade social em que as relações são regidas por 33 estatutos e acontecem no interior de estabelecimentos, espaços físicos determinados. A instituição é o nível da lei ou da Constituição que rege todo o tecido de uma formação social; está acima dos estatutos das organizações. Ainda, segundo Lapassade, a instituição pode ser considerada o brique-braque das determinações daquilo que atravessa os grupos de relação face a face numa organização social. A sala de aula é exemplar nesse sentido: a relação entre as pessoas é regida por normas que, em última instância, estão apoiadas no que prevê a lei maior para o ensino; nesse contexto, o professor poderá ser considerado um representante do Estado frente a seus alunos. Menos conhecida é a concepção de burocracia que anima essa proposta. Em poucas palavras, a novidade que esse autor nos apresenta é a de que burocracia é, em princípio, uma questão de poder. Uma questão de divisão no poder, entre grupos de decisão e grupos de execução do fazer institucional, sendo que os primeiros decidem não apenas o que, mas também, o como fazer. A normatização e a comunicação vêm de cima para baixo, e não há previsão de canais legais ou legítimos para que essa relação se inverta. A regra de ouro é a obediência e a organização acaba sendo um fim em si mesma. Indivíduos e grupos acabam se munindo de um radar que possa sondar as necessidades e interesses que não os próprios. É a heteronomia de grupos e sujeitos, que corre em sentido oposto ao da autonomia. Sobretudo com essa concepção de burocracia, Lapassade faz um mapeamento das relações institucionais, trazendo para elas a organização da separação, pelo poder de decisão, e a produção de sujeitos sem autonomia, alienados e alienadores da palavra social. As relações de poder e a ideologia têm, assim, seu contexto constituinte. 5 LEITURA COMPLEMENTAR 5.1 Artigo - A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO INSTITUCIONAL Jeferson Douglas de Lima 34 Leidiane Kava da Silva Ronaldo Adriano Alves dos Santos O presente trabalho visa promover uma breve análise sobre a atuação do psicólogo no campo institucional. Tal estudo se fez necessário para que haja uma visão de diferentes autores e pontos de vista acerca da psicologia no campo institucional e o trabalho desenvolvido pelo psicólogo dentro desse campo. No decorrer do artigo, apresenta-se uma visão acerca da instituição, do indivíduo no grupo e o perfil do psicólogo institucional. A construção se deteve em análise bibliográfica de autores que fundamentam a atuação do psicólogo nas instituições. Tem como objetivos debater o campo institucional e o papel do psicólogo dentro das instituições. Para esta discussão utilizaremos os pressupostos apresentados por Bleger (1984), Pinheiro e Gula (2007) e também as proposições teóricas de Guirado (2009) que faz menção aos autores: Albuquerque e Lapassade. Para Albuquerque a instituição se caracteriza a partir do momento em que encontra um objeto institucional, esse objeto deve ser algo imaterial para que possa haver uma desapropriação quando necessária, desenvolvendo o luto no termino do grupo, o objeto institucional estrutura a prática institucional, onde é aquilo cuja propriedade a instituição reivindica o monopólio de legitimidade, esse objeto deve ser o único para a instituição, não pode ser algo material, pois, deve ser algo transicional (GUIRADO, 2009). A ação institucional se caracteriza nas relações sociais e não no local material que faz a instituição, pois ela se dá na interação dos membros do grupo e não apenas no ambiente físico onde ocorrem tais interações sociais (GUIRADO, 2009). Para Bleger (1984) a psicologia institucional se caracteriza como uma forma de intervenção psicológica com significado social, onde o psicólogo irá voltar seu trabalho para as instituições com o objetivo de promover a saúde de seus integrantes da mesma, em sua totalidade, a partir das relações pessoais e grupais. Ao referir-se ao termo Psico-Higiene, Bleger (1984) afirma que este se configura na possibilidade de se constituir uma organização dinâmica visando promover condições que tendem a causar saúde e bem-estar dos que ali se encontram. Sendo assim o conceito de Psico-Higiene baseia-se no contexto de que o psicólogo deve fazer mais do que uma atividade psicoterápica, deve-se ater ao todo 35 praticando o seu exercício nas ocorrências multifatoriais, visando sempre à promoção de saúde da população e não somente o doente (Pinheiro & Gula, 2007). A psicologia em toda a sua completude cientifica embasará a atuação do psicólogo dentro da instituição. Cabe ao psicólogo, no espaço social, analisar todos os fenômenos humanos na sua relação com a instituição nos seus variados aspectos objetivos, dinâmicos e na sua estrutura enquanto ambiente de atuação, onde o trabalho psicológico na prática tem um maior espaço de significação social (Bleger, 1984). Nos primeiros contatos do psicólogo com a instituição será levantado hipóteses sobre os possíveis problemas da instituição, que poderão ser confirmadas ou não no desenrolar do trabalho do psicólogo, visto que este processo é que abre novos caminhos na ação do psicólogo institucional (Bleger, 1984). Para atuar na instituição o psicólogo deve estar ciente que seu principal método de estudo será a observação, pois é a partir dela que ele vai verificar se as hipóteses se constituem em realidade. Neste sentido, deve ser estudada a dinâmica psicológica que se desenvolve na instituição, pois, por um lado, o indivíduo tem sua personalidade afetada pela dinâmica institucional e, por outro, é parte integrante da mesma e deposita uma parcela de sua personalidade nas redes institucionais, pois são os indivíduos que fazem a instituição e qualquer mudança provocada na instituição poderá afetar a personalidade de seus integrantes (BLEGER, 1984). Para Bleger (1984), grupo e indivíduo apresentam uma edificação que proporcionam uma identidade, onde indivíduo é instituição e vice-versa. Nessa relação adaptada com a realidade, há um significado e certo grau de organização que torna a existência possível. Sendo assim, cabe ao psicólogo trabalhar os aspectos indiferenciados, naqueles sujeitos em crise, ou seja, o psicólogo deve explicitar o implícito. Sendo assim, no âmbito institucional se altera tanto a instituição e suas relações, quanto a intervenção do psicólogo. Com isso, o fazer psicológico, na anexação dos grupos se dará através das interpretações, informado pela compreensão das relações institucionais (GUIRADO, 2009). Cabe aos psicólogos que atuam em instituições encontrar a necessidade de averiguar as demandas de orientação e também ampliar os conhecimentos sobre as instituições promovendo, dessa forma, interrogações sobre o seu papel e sua posição 36 diante da problemática de oscilações, incerteza e necessidade de rápidos resultados (BLEGER, 1984). Como afirma Bleger (1984) o ser humano é um ser que precisa projetar-se para o futuro, cabendo ao psicólogo, na sua atuação, a intervenção nas situações de conflitos, trabalhando os aspectos indiferenciados, não verbais, ou seja, o psicólogo deve explicitar o que o sujeito, por estarrecimento e sofrimento, deixa implícito na instituição. Sendo assim, quando o paciente se encontra estagnado no tempo, o atendimento só será concluído mediante a concepção de uma projeção para o futuro, um projeto para o amanhã. Acrescenta-se também que o psicólogo, quando insere-se meio institucional, deve realizar o levantamento dos objetivos específicos da instituição e os meios pelos qual ela pretende alcançá-los, deve analisar também os motivos que a instituição a solicitar a intervenção do profissional, neste trabalho deve buscar, através de um manejo específico, amenizar a ansiedade e ultrapassar as resistências causadas pela sua presença, haja vista, que “o psicólogo é um agente de mudança e um catalisador ou depositário de conflitos, e, por isso, as forças operantes na instituição irão agir no sentido de anular ou amortizar suas funções e sua ação" (PINHEIRO & GULA, 2007). A proposito a análise institucional, idealizada por Georges Lapassade, é o modo específico de compreender as relações sociais, nas instituições e um modo de inserção do profissional psicólogo que é de natureza política, ela se dá como um método de análise da realidade social e como um método de intervenção para com a sociedade, para ele essa análise acontece através das contradições sociais, revelando a dimensão oculta do que se passa nos grupos (GUIRAO, 2009). Segundo o mesmo autor deve-se lembrar da distinção entre instituição e organização, para que quando for fazer uma análise esteja ciente de estar fazendo uma análise institucional e não organizacional, na análise institucional deve-se analisar muito além da organização, por exemplo, as relações sociais apresentadas por seus integrantes, já na análise organizacional deve ser analisado são os recursos materiais, o espaço físico e os equipamentos (GUIRADO, 2009). A análise, no ponto de vista de Lapassade é uma ação do grupo e o analista é um “provocador” de um processo, mas toda a intervenção se dá pelo grupo. O psicólogo sempre levará a subjetividade para sua atuação, como os sujeitos se fazem 37 através das relações essa subjetividade será o objeto de estudo e análise para o trabalho do psicólogo (GUIRADO, 2009). De acordo com o exposto acima, verifica-se a existência de visões distintas sobre a atuação do psicólogo no campo institucional, onde Bleger pontua entre outras afirmações que cabe ao psicólogo trabalhar os aspectos indiferenciados, naqueles sujeitos em crise, ou seja, o psicólogo deve explicitar o implícito. Já segundo Guirado, o fazer psicológico, na anexação dos grupos se dará através das interpretações, informados por esta compreensão das relações institucionais. Albuquerque relata que os indivíduos são responsáveis por fazer a instituição, sendo assim o psicólogo deve trabalhar com todos em sua subjetividade. Para Lapassade, o analista é um “provocador” de um processo, mas toda a intervenção se dá pelo grupo. Pode-se destacar que os mesmos se deram de forma satisfatória, onde foi possível averiguar vários autores e diferentes contribuições no trabalho do psicólogo no campo institucional, podendo verificar várias visões do trabalho do psicólogo onde cada autor tem uma maneira diferente de dizer qual deve ser a postura desse profissional nesse campo de atuação, atendendo aos objetivos propostos na pesquisa, onde fica claro o campo institucional e como o psicólogo pode intervir, mostrando que a observação é participante, onde o psicólogo altera a instituição e deve fazer intervenção dinâmica e grupal, atendendo a demanda institucional por sua totalidade. O papel do psicólogo no campo institucional é de suma importância para a instituição em sua totalidade. Tal trabalho deve ser realizado de forma dinâmica, pois o psicólogo altera a instituição, e cada indivíduo, sendo parte da instituição, deve se sentir à vontade para falar, permitindo assim, que o psicólogo consiga desempenhar o seu papel com êxito. De acordo com a pesquisa realiza, pode se inferir que todos os autores pesquisados concordam entre si em relação a atuação do profissional quando destacam a observação participante como método principal do trabalho em campo. Toda a instituição em sua particularidade possuiu objetivos, e cabe ao profissional psicólogo ter ciência de tais objetivos e das motivações de tal instituição e do seu trabalho acerca da realidade institucional. O ideal é que todo o psicólogo tenha também, muito claro seus próprios objetivos, pois são estes que o direcionam em seu agir. Desse modo, a missão do psicólogo institucional caracteriza-se por fazer 38 com que a instituição sirva de meio de enriquecimento e desenvolvimento da personalidade de seus integrantes. Referências Bibliográficas BLEGER, J. Psico-higiene e Psicologia Institucional. Porto Alegre: Artes Médicas, 1984. GULA, P. PINHEIRO, N. Entre o Limite e a esperança; Relato de uma Experiência em Psicologia Institucional. Brasília, junho 2007. Disponível em:<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414- 98932007000200015>. Acesso em: 071/04/2015. GUIRADO, Marlene. A análise Institucional do Discurso como Analítica da Subjetividade. Tese (Livre-Docência – Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade – Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo). São Paulo: 2009. 316 p. GUIRADO, M. Psicologia institucional. São Paulo: EPU, 2004. DESLANDES, SUELY FERREIRA; GOMES, R.; MINAYO, M.C.DE S. (organizadora). GUIRADO, M. 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