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O Problema da Pena - Francesco Carnelutti

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pessoa.	Você	pode	encontrar	mais	obras	em	nosso	site:	LeLivros.com	ou	em
qualquer	um	dos	sites	parceiros	apresentados	neste	link.
"Quando	o	mundo	estiver	unido	na	busca	do	conhecimento,	e	não	mais
lutando	por	dinheiro	e	poder,	então	nossa	sociedade	poderá	enfim	evoluir	a
um	novo	nível."
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©	Copyright	2015	by	Editora	Pillares	Ltda.
Conselho	Editorial:
Antônio	Fábio	Medrado	de	Araújo
Armando	dos	Santos	Mesquita	Martins
Gaetano	Dibenedetto
Ivan	de	Oliveira	Silva
Ivo	de	Paula
José	Maria	Trepat	Cases
Luiz	Antonio	Martins
Roberto	Victor	Pereira	Ribeiro
Wilson	do	Prado
Tradução	e	Notas:
Ricardo	Pérez	Banega
Revisão:
Geórgia	Evelyn	Franco
Luiz	Antonio	Martins
Editoração	e	capa:
Lye	Longo	Nakagawa
Editora	Pillares	Ltda.
Rua	Santo	Amaro,	586	–	Bela	Vista
Telefones:	(11)	3101-5100	–	3105-6374	–	CEP:	01315-000
E-mail:	editorapillares@ig.com.br	–	Site:	www.editorapillares.com.br
TODOS	OS	 DIREITOS	 RESERVADOS.	 Proibida	 a	 reprodução	 total	 ou	 parcial,	 por	 qualquer	 meio	 ou
processo,	 especialmente	 por	 sistemas	 gráficos,	 microfílmicos,	 fotográficos,	 reprográficos,	 fonográficos,
videográficos.	Vedada	a	memorização	e/ou	a	recuperação	total	ou	parcial,	bem	como	a	inclusão	de	qualquer
parte	desta	obra	em	qualquer	sistema	de	processamento	de	dados.	Essas	proibições	aplicam-se	também	às
características	gráficas	da	obra	e	a	sua	editoração.	A	violação	dos	direitos	autorais	é	punível	como	crime
(art.	184	e	parágrafos,	do	Código	Penal,	cf.	Lei	no	10.695/2003)	com	pena	de	prisão	e	multa,	conjuntamente
com	busca	e	apreensão	e	indenizações	diversas	(Lei	no	9.610,	de	19-02-98).
Apresentação
A	 cidade	 de	 Udine,	 na	 Itália,	 tem	 duas	 grandes	 realizações	 em	 níveis
mundiais.	A	primeira	é	por	ter	sido	a	cidade	que	abrigou	o	alto	escalão	militar	da
Itália	 durante	 a	 Primeira	 Guerra	 Mundial	 e	 a	 segunda	 por	 ter	 sido	 berço	 de
Francesco	Carnelutti,	um	dos	maiores	juristas	do	mundo	em	todos	os	tempos.
O	 calendário	 apontava	 o	 dia	 15	 de	 maio,	 data	 que	 também	 marca	 o	 dia
mundial	 da	 família,	 quando	 numa	manhã	 nublada	 pedia	 para	 vir	 ao	mundo	 o
iluminado	Francesco	Carnelutti.	O	Ser	Supremo	no	apogeu	de	sua	magnitude	fez
a	permissão.	Carnelutti	respira,	então,	o	primeiro	oxigênio	extrauterino	no	dia	15
de	maio	de	1879,	na	então	bucólica	Udine.	Naquele	momento,	não	nascia	apenas
mais	uma	criança,	nascia	para	o	mundo	um	dos	maiores	cientistas	jurídicos	que
se	 tem	 conhecimento	 na	História.	Advogado,	 Professor	 e	 autor	 de	mais	 de	 40
obras	 jurídicas	 e	 humanísticas.	 Suas	 obras	 até	 os	 dias	 hodiernos	 são	 leitura
obrigatória	nos	assentos	das	academias	dos	cursos	de	Direito.
Nesta	redação,	daremos,	por	conta	de	sua	apresentação,	uma	especial	atenção
à	 sua	 obra	 Il	 Problema	 della	 Pena,	 traduzindo	 para	 o	 nosso	 vernáculo:	 O
Problema	da	Pena.	O	livro	foi	publicado	e	estreou	para	o	afã	dos	estudiosos	da
ciência	jurídica	no	ano	de	1945.
Nesta	 obra,	Carnelutti	 já	 inicia	 alertando	 sobre	 a	 necessidade	 de	 um	 estudo
mais	dissecado	da	pena	como	sanção:	“Sabemos	hoje	muitas	coisas	em	relação
ao	delito;	mas	muitas	menos	em	 relação	à	pena;	 e	o	pouco	que	 se	 sabe	dela	 é
mais	do	lado	do	corpo	que	do	lado	do	espírito.	É	hora	de	procurar	reagir	contra
esse	abandono”.
Em	 face	 disso,	 podemos	 dizer	 que	 na	 grande	 evolução	 que	 o	 Estado	 vem
passando	de	milênio	para	milênio,	de	século	para	século,	aprendemos	uma	nova
lição	que	ensina:	“o	sofrimento	físico,	a	dor	do	corpo	não	são	mais	os	elementos
constitutivos	da	pena.	O	castigo	passou	de	uma	arte	das	sensações	insuportáveis
a	uma	economia	dos	direitos	suspensos”.1
A	pena	moderna	que	o	criminoso	deve	sentir	é	aquela	“que	fere	mais	a	alma
do	que	o	corpo”.2
Entra	 no	 palco	 do	 espetáculo	 penal	 a	 punição	 moral,	 aquela	 que	 atua	 na
consciência	do	 indivíduo,	 que	 sofre	não	 apenas	o	 repúdio	 e	o	vitupério	 social,
mas	também	o	seu	próprio	asco,	a	sua	própria	pena	mental.	Sem	dúvida,	a	pena
que	lesa	a	“alma”	–	em	sentido	figurado	–	é	bem	mais	eficaz	para	a	reeducação
ou	 a	 reflexão	 da	 infração	 cometida	 do	 que	 uma	 punição	 corporal,	 que	muitas
vezes,	senão	todas,	cria	mais	raiva	e	ódio	no	infrator.
Carnelutti	nos	chamava	atenção	disso	já	no	início	de	1940.
Em	seguida	o	 jurista	 italiano	propõe	que	o	Direito	seja	o	grande	maestro	da
sociedade:	 “Se,	 nas	 leis	 da	 natureza,	 manifesta-se,	 aos	 homens,	 a	 ordem	 do
universo	[…]	quando	uma	lei	atua,	a	ordem	se	cumpre”.	Não	podemos	olvidar
de	vista	que	o	Direito	é	um	grande	bloco	monolítico	que	nos	conduz	à	paz	social
e	que	nos	impõe	uma	evolução	baseada	na	ordem	e	no	respeito.
Até	porque	“Qualquer	definição	que	se	pretenda	dar	do	delito	faz	referência	à
desordem,	a	violação	de	uma	lei”.	Como	tão	bem	lembrava	Foucault,	o	infrator
que	vive	em	sociedade	é,	 antes	de	 tudo,	um	 traidor	das	 regras	e	 tratos	 sociais,
desferindo	golpe	desleal	nas	entranhas	do	habitat	onde	vive	e	existe	socialmente.
Rousseau	também	enxergava	desta	maneira:	“Todo	malfeitor,	atacando	o	direito
social,	 torna-se,	 por	 seus	 crimes,	 rebelde	 e	 traidor	 da	 pátria;	 a	 conservação	 do
Estado	é	então	incompatível	com	a	sua”.3
Carnelutti	 ensinava	 que	 a	 pena	 deveria	 ser	 uma	 prevenção	 dos	 delitos	 que
porventura	 ocorressem	 de	 forma	 ulterior:	 “Se	 aquilo	 que	 é	 feito	 é	 feito	 e	 não
pode	converter-se	em	não	feito,	a	pena	poderá,	naturalmente,	 impedir	um	novo
feito,	mas	não	eliminar	o	feito	já	acontecido;	tal	é	o	fundamento	da	inclinação	a
resolver	 em	 ne	 pecetur	 o	 quia	 peccatum	 est	 ou,	 como	 costumamos	 dizer,	 a
repressão	 na	 prevenção.	 Não	 se	 pode	 negar	 que,	 quando	 se	 contrapõe	 esta
àquela,	a	ideia	de	repressão	é	melhor	intuída	que	concebida,	ou	seja,	expressada
em	 um	 conceito:	 à	 pergunta	 por	 que	 se	 reprime,	 nós	 não	 saberíamos,	 em
definitivo,	responder	senão	porque	se	reprimindo	se	previne	um	novo	delito;	mas
assim,	inadvertidamente,	o	pensamento	desliza	de	um	conceito	a	outro”.	Não	se
deve	não	querer	cometer	delitos	por	medo	da	sanção,	mas	sim	por	educação	de
saber	o	certo	e	o	errado.	Uma	vida	ceifada	do	interior	da	sociedade	não	poderá
mais	ser	restaurada,	logo	se	o	Estado	quer	punir	aquele	que	errou	deve,	antes	de
tudo,	 educá-lo,	pois	 a	 “quem	muito	 é	dado,	muito	poderá	 ser	 cobrado”.	Não	é
ceifando	novas	vidas	nos	cárceres	sombrios	de	nosso	sistema	penitenciário	que
vamos	devolver	as	vidas	extintas.
Afinal,	 “o	 caráter	 penal	 da	 reclusão	 não	 depende	 do	 sacrifício	 de	 um
interesse,	mas	da	inexistência	de	outro	interesse	do	recluso	que	predomine	sobre
o	mudar	 de	 local	 ou,	mais	 simplesmente,	 da	 falta	 de	 sua	 espontaneidade;	 com
efeito,	se	a	clausura	for	espontânea,	não	só	não	será	uma	pena,	mas	pode	ser	até
um	prêmio”.
Carnelutti	 nos	 faz	 entender	 que	 a	 prisão	 já	 cerceia	 um	 dos	 bens	 mais
importantes	 da	 vida:	 a	 liberdade.	 Devemos	 sim,	 punir	 os	 infratores	 com	 a
privação	 de	 suas	 liberdades,	 já	 que	 a	 prisão,	 no	 momento,	 é	 a	 “pena	 por
excelência”,	 mas	 para	 isso	 devemos	 dar	 condições	 humanas	 para	 uma
regeneração	 de	 corpo	 e	 do	 espírito.	 Umaeducação	 de	 base	 somada	 com
condições	salutares	fornecerão	ao	reeducando	o	seu	retorno	à	sociedade	que	lhe
expurgou	do	 seu	meio.	Não	devemos	desejar	prisões	parecidas	com	os	antigos
porões	medievais	ou	calabouços	sombrios.	O	objetivo	da	pena	é	fazer	o	infrator
refletir	 acerca	 de	 seus	 atos,	 e	 não	 fazer	 com	 que	 o	 mesmo	 fique,	 de	 fato,
selvagem	completo.	Tirar	do	ser	humano	a	liberdade,	isto	é,	não	permitindo	a	ele
a	 faculdade	 de	 se	 locomover	 para	 onde	 queira	 já	 é,	 por	 si	 só,	 uma	 sanção
exemplar.	 Qual	 o	 sentido	 de	 termos	 prisões	 nos	 modelos	 hodiernos:	 sujas,
quentes,	desumanas,	lotadas,	escuras	etc.?
A	reclusão	não	deve	somente	separar	celularmente	um	homem/mulher,	deve,
antes	 de	 tudo,	 ter	 como	 fim	 almejado	 o	 de	 fazer	 nascer	 ou	 reviver	 um	 novo
homem/mulher.	 Concordamos	 com	 Carnelutti	 quando	 o	 mesmo	 diz	 que	 não
devemos	só	pensar	em	reeducar	socialmente	um	apenado,	mas	sim	lhe	fornecer
uma	educação	moral.
A	pena,	caros	leitores,	é	algo	que	se	tira	do	infrator	e	não	que	se	permita	[o
Estado]	fazer.	O	Estado	não	tem	a	permissão	da	sociedade	para	só	encaixotar	os
seus	detentos.
No	delito	é	o	corpo	que	domina	o	espírito	e	a	pena	é	a	dominação	desse	corpo
que	viola	as	 leis	naturais	e	sociais.	Nem	todo	delinquente	é	mau.	Delinquir,	às
vezes,	 acontece	 em	 virtude	 das	 ausências	 da	 educação,	 da	 religiosidade,	 da
paciência,	do	respeito	etc.	A	essência	do	homem	é	boa.	O	ambiente	o	corrompe
ou	lhe	demonstra	o	mal.	Por	isso,	como	asseverava	Enrico	Ferri:	“o	trabalho	do
advogado	do	crime	é,	também,	um	pouco	o	de	cura	das	almas”.
É	necessário	que	a	pena	aja	na	vida	dos	apenados	como	um	“arrependimento;
uma	condenação	de	si	mesmo;	a	penitência	e	a	espontânea	expiação”.
A	pena	como	pedagoga	do	Direito	em	sociedade	existe	para	“que	os	servos	se
convertam	 em	 livres,	 e	 que	 se	 aumente	 a	 liberdade	 dos	 livres”.	 Nunca	 para
matar.	Institucionalizar	a	pena	de	morte,	como	existe	em	alguns	Estados,	é	com
certeza	 retroceder	 nos	 avanços	 da	 evolução	 racional	 humana.	 Como	 tão	 bem
proclamava	 Carnelutti:	 “matar	 o	 réu	 pode	 ser	 uma	medida	 de	 segurança;	mas
uma	pena	não.”
A	prisão	ou	a	pena	pecuniária,	como	exemplos,	servem	para	“dar,	novamente
ao	castigado,	a	liberdade”,	para	que	ele	seja	a	prova	viva	de	que	a	pena,	se	bem
aplicada,	recupera	os	que	claudicaram	em	suas	vidas	morais	e	sociais.
“Para	corrigir	o	réu	é	necessário	conservar-lhe	a	vida”.
A	vida	recuperada	de	um	ex-detento	deverá	ser	o	grande	exemplo	lapidar	para
a	humanidade.	Jamais	se	deve	usar	como	exemplo	os	corpos	supliciados	ou	os
corpos	 dos	 apenados	 entulhados	 como	 já	 visto	 no	 passado	 no	 holocausto	 dos
judeus.
Na	 verdade,	 o	 que	 o	 povo	 precisa	 não	 é	 de	 cenas	 chocantes	 de	 violência
praticadas	pelo	Estado,	que	deveria	ser	a	mãe	e	o	pai	de	todos	os	cidadãos,	mas
sim	de	uma	educação	mais	perene,	mais	justa,	mais	fraterna	e	mais	frequente.
Bertold	Brecht	dizia:	“Há	homens	que	lutam	um	dia	e	são	bons,	há	outros	que
lutam	um	ano	e	 são	melhores,	há	os	que	 lutam	muitos	anos	e	 são	muito	bons.
Mas	 há	 os	 que	 lutam	 toda	 a	 vida	 e	 estes	 são	 imprescindíveis”.	 Francesco
Carnelutti	é	um	desses	seres	que	eternamente	serão	imprescindíveis	para	os	seus
epígonos.
A	obra	“O	Problema	da	Pena”	traz	essas	e	outras	lições	e	nos	ensina	de	forma
peremptória	 que	 a	 pena	 como	 objetivo	 de	 desenvolvimento	 de	 uma	 sociedade
não	comporta	que	da	“vida	de	um	homem	nenhum	outro,	qualquer	que	seja	a	sua
autoridade	e	qualquer	que	seja	a	sua	razão,	[tem	o	direito	de]	dispor	sem	usurpar
o	poder	de	Deus”.
ROBERTO	VICTOR	PEREIRA	RIBEIRO
Advogado,	Assessor	Jurídico	Especial	da	Procuradoria	Geral	de	Justiça	do	Ceará,	Jornalista,	Escritor,
Professor	de	Direito	Penal,	Direito	Processual	Civil,	Direito	do	Consumidor,	Introdução	ao	Estudo	do
Direito,	Membro	da	Academia	Cearense	de	Letras	Jurídicas,	do	Instituto	Brasileiro	de	Direitos	Humanos,
Ex-Juiz-Conselheiro	do	Tribunal	de	Ética	e	Disciplina	da	Ordem	dos	Advogados	do	Brasil,	secção	Ceará	e
autor	das	seguintes	obras:	O	Julgamento	de	Jesus	Cristo	sob	a	luz	do	Direito;	O	Julgamento	de	Sócrates	sob
a	luz	do	Direito;	Questões	Relevantes	de	Direito	Penal	e	Processual	Penal	e	Voando	com	os	Deuses	da
História.
1	RIBEIRO,	Roberto	Victor	Pereira.	Vigiar	e	Punir	–	Ideias	sociais	e	jurídicas	na	obra	de	Foucault.	São
Paulo:	Revista	Magister	de	Direito	Penal	e	Processo	Penal,	Magister,	2013.
2	MABLY,	G.	De	La	Législation.	Ouevres	Completes.	1789,	p.	326.
3	ROUSSEAU,	J.	J.	Do	Contrato	Social.	São	Paulo:	Pillares,	2013.
Caros	amigos:
Devo	 à	 paz	 de	 sua	 casa	 hospitaleira	 a	 possibilidade	 de	 ter	 continuado
meditando	a	respeito	de	um	tema	altíssimo;	tão	alto	que	talvez	não	seja	possível
chegar	mais	acima	na	escala	do	saber	ou,	ao	menos,	na	de	saber	o	Direito.	Para
ninguém	senão	para	vocês	poderiam	ir	dedicadas	as	breves	páginas	em	que	se
recolhem	estas	meditações.
O	problema	da	pena,	que	é	no	fundo,	uma	servidão,	é,	e	não	pode	deixar	de
ser,	o	problema	da	liberdade.	Constitui	uma	casualidade	que	o	fruto,	já	maduro,
tenha	 caído	 da	 árvore	 entre	 vocês?	 “Liberi,	 come	 gli	 avi;	 e	 prià	 morte	 che,
vivendo,	 il	 servaggio”*.	 Não	 há	 casualidades	 na	 vida,	 senão	 só	 um	 divino
desígnio	 que	 os	 homens,	 com	 frequência,	 não	 conseguem	 decifrar.	 O	 fruto
separou-se	da	árvore	com	a	brisa,	que	me	reanimou	em	Val	di	Muggio	quando,
em	um	meio-dia	de	domingo,	a	bondade	me	veio	ao	encontro,	entre	um	repicar
de	sinos	e	de	tosquias,	com	a	antiga	vestidura	de	um	pastor.
O	pequeno	livro	tem,	infelizmente,	o	defeito	dos	últimos	meus:	o	pensamento
destilado,	 o	 mesmo	 que	 a	 água:	 não	 é	 boa	 para	 o	 consumo	 sem	 uma	 certa
preparação.	É	necessário	que	o	leitor	tenha	paciência	e	“se	vire”	como	puder.
Ademais,	 nos	 meus	 livros	 mais	 recentes	 (particularmente	 na	 Introdução	 ao
Estudo	 do	 Direito),	 poder-se-ão	 encontrar	 os	 elementos	 para	 isso.	 Em	 certo
momento	do	seu	desenvolvimento,	ocorre,	a	certos	pensadores,	um	fato	singular
e,	além	de	tudo,	desagradável:	toleram	cada	vez	menos	a	confusão	das	palavras.
Do	 que	 quase	 não	 me	 atrevo	 a	 aduzir	 um	 grandíssimo	 exemplo	 que,	 ainda
reconhecendo	 as	 distâncias,	 constituiria	 um	 ato	 de	 soberba	 da	 minha	 parte;
mas,	 finalmente,	 o	 desdém	 de	 Beethoven	 pelo	 “maldito	 instrumento”	 o
experimento	eu	também.	Da	servidão	da	linguagem,	que	é	um	corpo,	o	espírito
gostaria	 de	 se	 ver	 livre;	 também	 este	 é	 um	 anseio	 de	 liberdade,	 da	 suprema
liberdade,	que	daqui	a	pouco	me	espera,	se	Deus	me	ajudar	a	saber	merecer.
Faço	esta	observação	a	 fim	de	pedir	perdão	a	 vocês	 e	aos	demais	 leitores,
por	 não	 ter	 sabido	 escrever	 um	 livro	 preparado,	 diria,	 para	 a	 degustação.
Porém,	não	estando	destinada	esta	obra	a	entreter,	mas	a	fazer	pensar	por	sua
vez	 àqueles	 aos	 quais	 incumbe	 a	 tremenda	 responsabilidade	 do	 poder,	 espero
que	o	defeito	não	o	faça	completamente	inútil.
Redigido	 e	 publicado	 entre	 vocês,	 o	 livro	 está	 destinado	 a	 voltar	 à	 Itália,
onde,	 em	 grande	 parte,	 foi	 idealizado.	 Na	 reconstrução	 de	 nossas	 leis,	 que	 –
com	a	ajuda	de	Deus	–	se	deverá	fazer,	o	Direito	Penal	não	pode	deixar	de	ter
um	dos	primeiros	lugares.	Sob	uma	pompa	de	conceitos	barrocos,	mais	do	que
clássicos,	o	Direito	Penal	 italiano,	Zanardelli	a	Alfredo	Rocco,	 infelizmente	se
degenerou.	Uma	comparação,	mesmo	sumária,	entre	seu	código	e	o	nosso	nos
pode	 dar	 a	 prova	 disso:	 não	 obstante	 ser	 o	Direito	 Penal	 suíço	 tecnicamente
perfeito,	 emana	dele,	 como	de	 tudo	neste	país,	 um	ar	de	 simples	humanidade,
que	edifica	e	consola.	No	fundo,	o	que	auguro	ao	Direito	Penal	da	minha	pátria
é	que	chegue	a	ser	simples	e	humano.
A	 essa	 finalidade	 tende	 este	 pequeno	 livro.	 Faz	 vários	 anos	 que,	 em	 uma
tenaz	competição,	os	 italianos	 tiraram,	dos	alemães,	a	primazia	na	ciência	do
Direito.	Mas	não	têm	barreiras	os	caminhos	do	pensamento.	Não	importa	que	as
cidades	da	Itália	estejam	devastadas	se	sabemosfazer	resplandecer,	nelas,	a	luz
do	 talento.	 As	 horas	 mais	 escuras	 de	 nossa	 história	 têm	 estado	 sempre
iluminadas	por	ela.	Nossa	superioridade	era	no	campo	do	Direito	Penal,	em	que
mais	se	manifestava;	mas	esses	campos,	se	não	são	assiduamente	trabalhados,
logo	 se	 fazem	estéreis.	Sabemos	hoje	muitas	coisas	em	relação	ao	delito;	mas
muitas	menos	em	relação	à	pena;	e	o	pouco	que	se	sabe	acerca	dela	é	mais	do
lado	do	corpo	que	do	 lado	do	espírito.	É	hora	de	procurar	 reagir	contra	esse
abandono.
Para	contribuir	 com	as	minhas	pobres	 forças,	 tenho	que	acrescentar	que	o
trabalho	tem	confortado	a	dor	do	exílio	(consolo),	tornando-me	também,	deste,
o	seu	devedor.
Francesco	Carnelutti
Outubro	de	1943.
À	família	do	advogado	Arnaldo	Bolla.
Bellinzona.
*	Livres	como	os	antepassados;	é	melhor	a	morte	que,	vivendo,	a	servidão.
Sumário
Capítulo	1	-	Pena	e	Delito
1.	A	experiência	da	réplica
2.	A	pena	como	dano
3.	Relação	causal	entre	delito	e	pena
4.	Relação	entre	o	ofendido	e	o	que	inflige	o	castigo
5.	Relação	formal	entre	pena	e	delito
6.	Lei	natural	da	pena
7.	A	pena	como	restauração	da	ordem
8.	A	pena	como	repressão	do	delito
9.	Eficácia	preventiva	da	pena
Capítulo	2	-	Pena	e	Liberdade
10.	Correlação	entre	delito	e	pena
11.	Lei	de	Talião
12.	Evolução	da	pena
13.	Equivalência	entre	delito	e	pena
14.	A	pena	como	sujeição
15.	O	delito	e	a	liberdade
16.	Homogeneidade	entre	delito	e	pena
17.	Heterogeneidade	entre	delito	e	pena
18.	Pena,	arrependimento,	penitência
19.	Pena	de	morte
20.	Penas	e	medidas	de	segurança
21.	Medidas	de	segurança	pecuniárias
22.	Medidas	de	segurança	corporais
23.	Reclusão
24.	Problema	espiritual	da	reclusão
25.	O	processo	penal	como	pena
26.	Delitos	e	contravenções
Capítulo	3	-	Pena	e	Juízo
27.	Pena	privada	e	pública
28.	A	pena	como	processo
29.	Cognição	e	execução	penal
30.	Dificuldade	do	juízo	penal
31.	Erros	judiciais
32.	Processo	penal	e	processo	civil
33.	Caráter	da	jurisdição	penal
34.	A	analogia	no	Direito	Penal
35.	A	simplificação	do	Direito	Penal
36.	Coisa	julgada	e	preclusão	no	juízo	penal
37.	Limite	de	perfeição	do	juízo	penal
38.	O	amor	e	o	juízo
39.	O	amor	e	a	expiação
Capítulo	1
Pena	e	Delito
1.	A	 experiência	 da	 réplica	 –	 2.	A	 pena	 como	 dano	 –	 3.	Relação	 causal	 entre	 delito	 e	 pena	 –	 4.
Relação	entre	o	ofendido	e	o	que	inflige	o	castigo	–	5.	Relação	formal	entre	pena	e	delito	–	6.	Lei
natural	da	pena	–	7.	A	pena	como	restauração	da	ordem	–	8.	A	pena	como	repressão	do	delito	–	9.
Eficácia	preventiva	da	pena.
1.	A	experiência	da	réplica
Para	 realizar	 uma	 investigação	 científica,	 necessita-se,	 antes	 de	 tudo,	 da
redução	do	dado	aos	termos	mínimos	ou,	em	outras	palavras,	sua	simplificação.
O	 dado	 penal,	 na	 fase	 atual	 da	 civilização,	 está	 complicado	 por	 algumas
superestruturas,	 as	 quais	 ocultam,	 como	 uma	 casca,	 a	 forma	 originária.	 Para
simplificá-lo,	 um	 expediente	 útil	 é	 a	 observação	 daqueles	 povos	 e	 daquelas
pessoas	sobre	os	quais	ainda	não	operou	a	civilização;	tais	são,	por	exemplo,	as
crianças.
É	raro	que	uma	criança	não	reaja	diante	de	uma	ofensa;	se	observarmos	a	sua
reação,	 descobrem-se	 facilmente	 nela	 os	 caracteres	 da	 pena.	 Quando	 um
companheiro	 de	 brincadeiras	 lhe	 diz	 uma	 palavra	 insolente,	 que	 ele	 considera
não	ter	merecido,	a	reação	consiste	em	devolvê-la,	o	que	quer	dizer	injuriar,	por
sua	 vez,	 com	 frequência,	 com	 a	 mesma	 palavra,	 ao	 injuriador;	 se	 alguém	 o
censura	pela	 injúria	proferida,	ele	 imediatamente	se	 justifica	alegando	a	 injúria
recebida.
Tentemos	refletir	um	pouco	acerca	desta	experiência	elementar.
2.	A	pena	como	dano
Uma	observação	elementar	nos	mostra	que	a	segunda	 injúria,	assim	como	a
primeira,	 é	 um	 mal.	 Enquanto	 cada	 uma	 delas	 é	 considerada	 em	 si	 mesma,
independentemente	 da	 relação	 recíproca,	 nenhuma	 diferença	 pode	 se	 apreciar
entre	uma	e	outra:	se	a	quem	me	dirige	uma	palavra	injuriosa	lhe	respondo	com
a	mesma	palavra,	cada	um	de	nós	faz	exatamente	a	mesma	coisa.
Se,	 no	 segundo	 destes	 atos,	 como	 se	 dirá	 daqui	 a	 pouco,	 se	 deve	 ver	 uma
pena,	isso	significa	que	também	a	pena,	assim	como	o	delito,	é	um	mal	ou,	em
termos	 econômicos,	 um	 dano;	 quando	 o	 homicida,	 por	 sua	 vez,	 é	 morto	 pelo
carrasco,	em	lugar	de	uma	só,	há	duas	mortes:	parece,	por	isso,	à	primeira	vista,
que	o	castigo,	a	um	mal,	agrega	outro.
3.	Relação	causal	entre	delito	e	pena
Entre	 os	 dois	 males	 agora	 observados,	 aprecia-se,	 porém,	 uma	 relação
cronológica	no	sentido	de	que	um	desses	precede	ao	outro.	Se	dois	males,	ou	se
quer	 dizer	 danos,	 são	 simultâneos,	 nenhum	 dos	 dois	 pode	 ser	 uma	 pena	 com
respeito	 ao	 outro.	 Verdadeiramente,	 a	 relação	 entre	 delito	 e	 pena	 é	 tal	 que	 o
delito	é	um	prius	e	a	pena	um	posterius.
Mas	 é	 também	 certo	 que	 a	 relação	 cronológica	 entre	 dois	 males,	 mesmo
quando	seja	necessária,	não	é	suficiente	para	fazer	de	um	desses	com	relação	ao
outro	 uma	 pena:	 se	 as	 injúrias	 proferidas	 por	mim	 são	 várias,	mesmo	 quando
uma	 delas	 não	 possa	 deixar	 de	 ser	 produzida	 depois	 da	 outra,	 qualquer	 um
compreende	que	a	segunda	poderá	ser	outro	delito,	mas	uma	pena	não.
É,	 portanto,	 fácil	 intuir	 que	 um	 mal,	 para	 ser	 uma	 pena,	 não	 deve	 ser	 a
respeito	 de	 outro	 somente	 um	 post	 hoc,	 porém	 um	 propter	 hoc;	 a	 relação
cronológica	entre	eles	é	um	aspecto	da	relação	causal.	Se,	segundo	a	 lei	penal,
quem	 injuria	 aquele	 que	 o	 injuriou,	 concorrendo	 certas	 condições,	 não	 comete
um	delito	precisamente	porque,	como	veremos,	 inflige	uma	pena;	 isso	depende
de	que	a	segunda	injúria	deriva	da	primeira.	A	alegação	que,	perante	a	censura
pela	injúria	proferida,	a	criança	faz	da	injúria	recebida,	quer	dizer	precisamente
isto:	 que	 a	 causa	 do	 que	 ele	 fez	 está	 fora	 dele,	 que	 não	 fez	mais	 do	 que	 dar
continuação	a	algo	não	começado	por	ele;	por	isso	ele,	com	frequência,	antepõe
ou	conclui	não	ter	sido	causa	ou	não	ter	culpa	do	que	ocorreu.
4.	Relação	entre	o	ofendido	e	o	que	inflige	o	castigo
Da	relação	causal	entre	um	mal	e	o	outro,	de	onde	provém	para	este	último	o
caráter	 de	 pena,	 encontra-se,	 no	 caso	que	 estamos	observando,	 um	 sintoma	na
identidade	da	pessoa,	que	sofre	o	primeiro	e	 inflige	o	segundo;	aparece	assim
que	o	segundo	mal	é,	como	se	diz,	uma	reação	contra	o	primeiro.
Por	 agora	 basta	 que	 tal	 identidade	 seja	 observada.	 Veremos	 que,	 com	 a
evolução	do	instituto	penal,	a	qual	em	primeiro	lugar	se	resolve	na	substituição
da	pena	pública	pela	pena	privada,	este	caráter	parece	ter-se	perdido;	mas	não
se	 trata	mais	que	de	uma	aparência,	 e	uma	observação	mais	 atenta	poderá	nos
mostrar	até	que	ponto	a	mesma	corresponda	à	realidade.
5.	Relação	formal	entre	pena	e	delito
Outro	sintoma	da	relação	causal	no	dado	proposto	é	a	identidade,	não	só	entre
a	pessoa	que	padece	de	um	mal	e	produz	outro,	mas	também	entre	o	mal	sofrido
e	o	mal	infligido:	identidade,	pois,	objetiva	além	de	subjetiva.	No	exemplo	sobre
o	 qual	 até	 agora	 trabalhamos,	 também,	 sob	 este	 aspecto,	 a	 identidade	 é
manifesta:	embora	não	seja	essencial,	é	natural	que	a	réplica	da	injúria	–	a	qual
precisamente	se	explica	pelo	caráter	de	pena	reconhecido	à	injúria	lançada	pelo
injuriado	 –,	 consista	 no	 ato	 de	 retribuir,	 que	 este	 realiza	 com	 respeito	 ao
injuriador,	a	mesma	ofensa	que	recebeu	dele.
Também	este	é	um	modo	de	ser	da	pena,	o	qual,	no	caminho	do	progresso	do
instituto	penal,	parece	que	vai	se	perdendo:	a	identidade	objetiva	é	manifesta	na
fórmula	 do	 Talião,	 mas	 o	 Talião	 pertence	 a	 uma	 fase	 primitiva	 do	 Direito,	 o
qual,	 à	 medida	 que	 a	 supera,	 parece	 afastar,	 do	 ponto	 de	 vista	 da	 identidade
objetiva,	 o	 delito	 da	 pena;	 em	 particular,	 esta	 impressão	 está	 determinada	 por
uma	 tendência	 notável	 do	 Direito	 Penal	 moderno,	 no	 qual	 à	 crescente
multiplicidade	 de	 delitos	 corresponde	 uma	 sempre	 crescente	uniformidade	 das
penas.	Prescindindo,	por	agora,	detodo	o	esclarecimento	deste	 fenômeno,	será
necessário	observar	mais	adiante	 se,	 sob	a	aparente	heterogeneidade	 formal	do
delito	 e	 da	 pena,	 não	 existe	 uma	mais	 profunda	 identidade,	 a	 qual	 reconduza
também	as	manifestações	mais	evoluídas	do	Direito	Penal	à	verdade	intuída	pela
lei	do	Talião.
6.	Lei	natural	da	pena
Se,	meditando	 sempre	 sobre	 o	 simples	 dado	 que	 nos	 serviu	 como	ponto	 de
partida,	tentamos	agora	explicar	o	propter	hoc	que,	enquanto	relaciona	o	delito	à
pena,	contém	o	segredo	desta,	se	nos	ocorre	comparar	aquele	dado	ao	rebote	de
uma	 bola:	 quando	 alguém	 devolve	 a	 injúria	 recebida,	 dir-se-ia	 que	 a	 injúria
retorna	ao	 injuriador,	da	mesma	maneira	que	o	eco	 faz	 retornar	uma	palavra	a
quem	a	pronunciou.	Conceber	a	pena	à	maneira	do	eco	do	delito	 é	 certamente
uma	 metáfora;	 porém,	 comparando,	 como	 tenho	 dito	 muitas	 vezes,	 os
argumentos	às	réplicas,	que	fazem	menos	áspero	o	caminho	do	pensamento,	se
verá	em	seguida	como	esta	expressão	é	útil	para	aproximar-nos	da	meta.
Uma	 causa	 e	 um	 efeito	 não	 se	 podem	 dar	 sem	 uma	 lei.	 Quando	 uma	 bola
lançada	 contra	 o	muro	 rebota,	 da	mesma	 forma	 que,	 em	 certas	 condições,	 um
som	repercute,	os	físicos	ensinam	que	ocorre	assim,	uma	lei	natural,	a	qual	eles
conseguem	 formular	 exatamente.	 No	 campo	 penal,	 nós	 observamos	 séries	 de
fenômenos	 igualmente	constantes,	dos	quais	 resulta	 igualmente	certo	que	estão
vinculados	por	uma	lei	natural.	Admitir	que	responda	a	uma	lei,	o	rebote	de	uma
bola,	ou	a	 repercussão	do	 som	e	que,	no	entanto,	 a	 réplica	de	uma	 injúria	não
seja	mais	do	que	um	fato,	não	se	pode	explicar	senão	com	uma	atitude	mental,
ou	 melhor,	 com	 um	 hábito	 mental,	 que	 –	 se	 as	 ciências	 sociais	 querem
finalmente	 sair	 do	 estado	 de	 inferioridade	 em	 que,	 relativamente	 às	 ciências
físicas,	 infelizmente	 têm	 permanecido	 –	 devem-se	 superar.	Quando	 a	 relação
entre	 dois	 fatos	 se	 repete	 de	 um	modo	uniforme,	 o	 fato	 desaparece.	 Por	 outra
parte,	 não	 sendo	 nosso	 fazer	 outra	 coisa	 que	 um	 refazer,	 assim	 como	 nosso
pensar	não	é	outra	coisa	que	um	encontrar,	se	os	homens	formaram	leis	segundo
as	quais	quem	comete	um	delito	é	castigado	(ou	seja,	que	o	delito	se	vincula	à
pena),	 estas	 leis	 artificiais	 não	 podem	 deixar	 de	 ter	 seu	 modelo	 em	 uma	 lei
natural,	da	qual	a	lei	jurídica	é	uma	imitação.
Não	 se	 pode	 dar	 a	 esta	 lei	 outra	 fórmula	 senão	 dizendo	 que	 a	 um	 mal
determinado	pelo	homem	quando	concorram	certas	características	deve	seguir
outro	mal	proporcionado	àquele;	determinar	 essas	 características	 é	necessário,
portanto,	para	a	mais	exata	formulação	da	lei,	e	este	é	o	propósito	da	teoria	do
delito.	 Esta	 lei	 é,	 pois,	 uma	 lei	 natural,	 que	 constitui	 o	 fundamento	 das	 leis
jurídicas	penais;	tão	natural	como	as	leis	que	regulam	o	movimento	dos	astros	ou
a	 queda	 dos	 corpos;	 e	 se	 esta	 lei	 não	 existisse,	 não	 poderia	 existir	 a	 pena	 e,
correlativamente,	o	delito.
7.	A	pena	como	restauração	da	ordem
Agora	se	deve	tratar	de	levar	a	investigação	um	pouco	mais	adiante,	refletindo
sobre	 aquela	 relação	 das	 leis	 com	 a	 ordem,	 que	 constitui	 um	 dos	 temas	mais
altos	a	respeito	dos	quais	possa	trabalhar	o	pensamento.	Se,	nas	leis	da	natureza,
manifesta-se,	 aos	 homens,	 a	 ordem	 do	 universo	 que	 só	 através	 das	 leis	 eles
conseguem	 compreender	 bem,	 quando	 uma	 lei	 atua,	 a	 ordem	 se	 cumpre;	 por
isso,	a	função	de	um	efeito	ou,	em	suma,	o	porquê	da	sua	vinculação	à	causa	é
sua	 correspondência	 à	 ordem	 do	 universo,	 ou	 seja,	 a	 contribuição	 que	 se
adiciona	ao	seu	cumprimento.
Qualquer	definição	que	se	pretenda	dar	do	delito	faz	referência	à	desordem;
em	 tal	 conceito,	 resolve-se	 a	 violação	 de	 uma	 lei.	 A	 desordem	 é	 como	 um
rompimento	de	equilíbrio,	que	põe,	em	movimento,	forças	para	restabelecê-lo.	À
desordem	deve	 seguir	 algo	que	valha	para	 eliminá-la.	Este	 algo	é	 a	pena,	 cuja
razão,	 portanto,	 consiste	 na	 restauração	da	ordem	violada.	Assim	 se	vê	que	 a
pena	é,	naturalmente,	um	igual	porque	é	um	contrário	do	delito.
Que	 a	 sua	 função	 seja	 a	 expressada,	 além	 de	 deduzir-se	 racionalmente	 da
existência	 de	 uma	 lei,	 que	 liga	 a	 pena	 ao	 delito,	 empiricamente	 se	 “evidencia
pela	 conformidade	 que	 os	 homens	 experimentam	 perante	 a	 pena	 expiada	 por
quem	cometeu	o	delito.	A	consciência	não	é	talvez	outra	coisa,	depois	de	tudo,
que	sensibilidade	à	ordem,	cuja	turbação	provoca	em	nós	um	sofrimento,	e	cujo
restabelecimento,	 porém,	 ao	 eliminar	 o	 sofrimento,	 satisfaz	 uma	 necessidade.
Que	a	morte	do	matador	ocasione	aos	 terceiros	um	estado	de	ânimo,	mais	que
diverso,	contrário	àquele	derivado	da	morte	da	vítima,	é	uma	experiência	segura
e	 decisiva.	 Se	 existisse	 um	 aparato	 apto	 a	 registrar	 estas	 reações,	 as	 suas
indicações	 se	 inverteriam,	 segundo	 que	 uma	 injúria	 seja	 ou	 não	 seja	 lançada
contra	quem,	pela	sua	vez,	injuriou”.
8.	A	pena	como	repressão	do	delito
Este	 modo	 de	 conceber	 a	 razão	 da	 pena	 pode	 pôr	 um	 grave	 obstáculo	 à
concepção,	ou	melhor,	à	limitação,	temporal	da	realidade,	tal	como	se	expressa
na	fórmula	factum	infectum	fieri	nequit.	Se	aquilo	que	é	feito	é	feito	e	não	pode
converter-se	em	não	feito,	a	pena	poderá,	naturalmente,	impedir	um	novo	feito,
mas	 não	 eliminar	 o	 feito	 já	 acontecido;	 tal	 é	 o	 fundamento	 da	 inclinação	 a
resolver	 em	 ne	 peccetur	 o	 quia	 peccatum	 est	 ou,	 como	 costumamos	 dizer,	 a
repressão	 na	 prevenção.	 Não	 se	 pode	 negar	 que,	 quando	 se	 contrapõe	 esta
àquela,	a	ideia	da	repressão	é	melhor	intuída	que	concebida,	ou	seja,	expressada
em	 um	 conceito:	 à	 pergunta	 por	 que	 se	 reprime,	 nós	 não	 saberíamos,	 em
definitivo,	 responder	 senão	porque	reprimindo	se	previne	um	novo	delito;	mas
assim,	inadvertidamente,	o	pensamento	desliza	de	um	conceito	a	outro.
A	verdade	é	que	só	operando	no	campo	do	espírito	e	por	isso	superando,	com
a	 substituição	 do	 eterno	 pelo	 caduco,	 a	 concepção	 temporal	 da	 realidade,
podemos	entender	 a	verdade	da	 repressão	como	 restauração	da	ordem	violada.
Por	 isso,	 tampouco	 o	 problema	 da	 pena	 se	 resolve	 sem	 a	 ajuda	 de	 alguns
instrumentos	 elementares	 do	 pensamento,	 entre	 os	 quais,	 o	 conceito	 do	 tempo
tem	 uma	 importância	 particular.	 É	 necessário	 saber	 que	 o	 tempo,	 como	 o
espaço,	do	qual	é	uma	simplificação,	e	também	a	forma,	da	qual	por	sua	vez	o
espaço	 se	 abstrai,	 não	 são	mais	 que	 aparências,	 com	as	 quais	 a	 realidade	 se
manifesta	 ao	 nosso	 limitado	 intelecto,	 incapaz	 de	 compreendê-la	 bem	 na
infinidade,	 que	 é	 a	 sua	 verdade.	 Por	 isso,	 que	 aquilo	 que	 é	 feito	 não	 possa
converter-se	 em	 não	 feito	 é	 algo	 que	 nos	 aparece	 porque	 nossos	 olhos	 não
conseguem	ver	a	repressão;	nós	somos	como	os	animais	que	sabem	caminhar	por
uma	via	somente;	mas	este	limite,	em	virtude	do	qual,	com	expressão	vulgar,	o
tempo	não	volta	atrás,	está	em	nós,	não	na	realidade.	No	entanto,	se	com	nossos
sentidos	estamos	condenados	dentro	desse	limite,	com	a	razão	podemos	tratar	de
superá-lo.	 Quando,	 do	 conceito	 das	 leis,	 que	 são	 abstrações	 da	 ordem,
conseguimos	 atingir	 a	 sua	 síntese,	 isto	 é,	 a	 ordem	 em	 si	 mesma,	 não	 nos
encontramos	já	sobre	o	plano	do	finito.	O	infinito	não	sabemos	como	é;	mas	que
é,	 constitui	 o	 resultado	 de	 nossa	 experiência	 mais	 segura.	 Se	 não	 podemos,
durante	a	vida	terrena,	evadir-nos	do	tempo,	devemos,	porém,	estar	certos	de	que
a	realidade	está	fora	do	mesmo.	Depois	disso,	o	 factum	infectum	fieri	nequit	 já
não	deveria	impedir-nos	de	isolar	a	repressão	da	prevenção	e	reconhecer	nela	a
razão	fundamental	da	pena.	Da	pena	é	necessário	ter	o	atrevimento	de	pensar	que
possui	 verdadeiramente	 a	 virtude,	 não	 tanto	 de	 prevenir	 um	 delito	 ainda	 não
cometido,	como	de	 eliminar	 o	 delito	 já	 cometido.	Aos	 juristas,	 ajuda-os,	 neste
ponto,	o	conceito	da	restitutio	in	integrum,	útil	ao	menoscomo	sintoma	de	nossa
necessidade	de	retroversão	do	 tempo.	A	este	propósito,	costumam	eles	falar	de
ficções;	 mas	 não	 existem	 ficções	 sem	 um	 modelo	 real;	 e	 o	 modelo	 nos
proporciona	 a	 intuição	 de	 um	 mundo	 sem	 tempo.	 De	 todas	 as	 maneiras,	 se
queremos	ater-nos	a	uma	quota	mais	acessível	do	pensamento,	bastará	dizer	que
se	o	dano	como	feito	material	não	se	presta	a	ser	cancelado,	outra	coisa	ocorre
quanto	ao	delito	como	feito	espiritual	porque,	para	o	espírito,	que	é	eterno,	não
existe	passado.	Mais	adiante,	ao	tratar	de	esclarecer	as	relações	entre	o	delito	ou
a	 pena	 e	 a	 liberdade,	 pode	 ocorrer	 que	 esta	 verdade,	 tão	 luminosa	 como	 para
deslumbrar	a	quem	a	olhe,	possa	surpreender-nos	um	pouco	menos.
Aqui	acrescento	que	para	este	esforço	e	para	este	triunfo	do	pensamento	estão
mais	 bem	 preparados	 aqueles	 aos	 quais	 a	 fé	 cristã	 abriu	 as	 portas	 do
arrependimento	 e	 do	 perdão.	 O	 cristão,	 ainda	 quando	 não	 chegue	 a	 ver	 como
ocorre	 isto,	 não	 experimenta	 nenhuma	 dificuldade	 para	 acreditar	 que	 o
arrependimento	mereça	o	perdão	e	que	o	perdão	destrua	o	pecado.	Uma	 razão
mais	para	convencer-se	de	que	a	fé	abre	os	olhos	à	ciência	em	vez	de	fechá-los.
Espero	poder	esclarecer,	daqui	a	pouco,	a	parte	que	tenha	o	arrependimento	na
teoria	da	pena.
Deriva	de	tudo	isto	que,	no	terreno	da	terminologia,	convém	muito	mais,	para
definir	 a	 função	 da	 pena,	 o	 conceito	 da	 repressão	 que	 o	 da	 retribuição.	 Este
último	ajuda,	naturalmente,	a	pôr	o	acento	sobre	o	seu	fundamento	moral,	mas
muito	menos	a	denotar	a	relação	entre	pena	e	delito,	a	verdade	da	qual	está	na
eficácia	eliminativa	da	primeira	a	respeito	do	segundo,	de	onde,	se	no	plano	do
finito	 a	 pena	 se	 agrega	 ao	 delito,	 no	 plano	 do	 infinito	 se	 lhe	 contrapõe	 e	 o
cancela.	Reprimir	se	diz	precisamente	de	uma	ação,	a	qual	 impede	que	alguma
coisa	 venha	 ao	 mundo	 ou	 permaneça	 no	 mundo,	 exercitando	 uma	 pressão
contrária	àquela	pela	qual	a	mesma	tende	a	vir	ou	a	permanecer.	Se	a	primeira
impressão	 de	 quem	 observa	 o	 delito	 ou	 a	 pena	 é,	 como	 eu	 mesmo	 tenho
assinalado,	que	a	pena	seja	outro	mal,	e	daí	que	a	relação	entre	eles	se	definiria
com	a	fórmula	aritmética	da	adição:	d	(delito)	+	p	(pena),	esta,	se	continuamos
refletindo,	se	manifesta	como	uma	impressão	falaz,	de	onde	à	fórmula	da	adição
aritmeticamente	se	substitui	a	da	subtração	d	–	p;	mais	eficaz	é	a	representação
algébrica,	a	qual	permite	construir	a	pena	como	um	número	negativo,	de	maneira
que	 a	 soma	 dela	 com	 o	 delito,	 enquanto	 o	 segundo	mal	 seja	 verdadeiramente
proporcional	ao	primeiro,	deveria	ser	zero;	como	possa	ser	este,	o	resultado	da
operação,	é	o	aspecto	prático	do	problema	da	pena.
9.	Eficácia	preventiva	da	pena
O	 que	 até	 agora	 se	 disse	 não	 exclui,	 em	 absoluto,	 que,	 além	 da	 função
repressiva,	consistente	em	restaurar	a	ordem	violada,	a	pena	 tenha,	ainda,	a	de
impedir	as	suas	ulteriores	violações;	mas	são	duas	funções	distintas	e	diversas	e
a	diversidade	se	resolve	em	uma	preeminência	da	primeira	em	comparação	com
a	qual	a	segunda	é	uma	função	acessória.
Isto	 quer	 dizer,	 sobretudo,	 que	 mesmo	 quando	 pudesse	 ser	 seguramente
excluído	que	o	delito	possa	repetir-se	por	obra	de	quem	o	cometeu,	ou	de	outros,
a	pena,	porém,	deveria	ser	infligida	porque	a	sua	finalidade	primeira	não	é	a	de
impedir	que	outros	delitos	aconteçam,	porém	a	de	obter	que	o	delito	cometido
seja	 cancelado.	Não	 ter	 percebido	 esta	 verdade	 é	 o	 erro	mais	 grave	 da	 escola
positiva;	 erro	 inevitável,	 porque	 a	 direção	 positivista	 (ou	 se	 pode	 dizer,	 sem
inexatidão,	 materialista)	 do	 pensamento	 devia	 precluir	 o	 passo	 do	 finito	 ao
infinito	 ou,	 em	outras	 palavras,	 do	 corpo	 ao	 espírito,	 aprisionando	o	 problema
dentro	dos	confins	da	defesa	social	e	confundindo,	assim,	como	se	dirá	melhor,	a
medida	de	segurança	com	a	pena.
Pode	parecer,	à	primeira	vista,	que	este	erro	 teórico	se	 traduza	praticamente
no	 instituto	 do	 perdão	 judicial	 em	 qualquer	 uma	 das	 suas	 formas;	 mas	 que
quando	 o	 juiz,	 comprovado	 o	 delito,	 não	 inflige	 a	 pena,	 não	 corresponda	 ao
delito	nenhuma	pena	é	uma	ilusão,	que	espero	dissipar	daqui	a	pouco;	a	verdade
é	que,	acreditando	não	castigar	nestes	casos,	porém,	se	castiga	e,	portanto,	não
obstante	a	falsa	opinião	dos	homens,	opera	corretamente	a	natureza.
Assim	como	fora	do	campo	espiritual,	a	função	repressiva	da	pena	não	pode
ser	 compreendida.	 O	 mesmo	 ocorre,	 também,	 quando	 se	 fala	 de	 repressão	 –
sendo	 esta	 confundida	 com	 a	 vingança	 –	 o	 que,	 de	 certa	 forma,	 o	 novíssimo
Direito	 Penal	 alemão	 oferece	 mais	 de	 um	 triste	 exemplo;	 ao	 menos	 os
positivistas	têm	tido	o	mérito	de	substituir	a	vingança	pela	defesa	social.
E	isto,	entenda-se	bem,	não	é	um	mérito	de	escassa	importância.	Que,	no	tema
verdadeiro	 da	 pena,	 a	 função	 preventiva	 se	 coloque	 em	 segundo	 plano,	 não
diminui,	 em	 absoluto,	 o	 seu	 valor.	A	verdade	 é	 que,	 na	 luta	 contra	 o	 delito,	 a
prevenção	não	tem	menos	importância	que	na	luta	contra	a	doença.	Há	também
remédios	cuja	eficácia	é	somente	preventiva:	tais	são	as	medidas	de	segurança.
Politicamente,	deve-se,	em	grande	parte,	à	escola	positiva,	o	impulso	para	o	seu
desenvolvimento.	 Cientificamente,	 sua	 contribuição	 tem	 sido	 esclarecer	 o
conceito,	 o	 qual	 havia	 estado	 até	 agora	 incluído	 no	 conceito	 da	 pena;	 por
desgraça,	 segundo	a	 lei	do	pêndulo,	boa	 também	para	a	evolução	da	ciência,	a
mesma	tem	caído,	porém,	no	excesso	contrário:	antes,	a	pena	absorvia	a	medida
de	segurança;	depois,	a	medida	de	segurança	absorveu	a	pena.
O	resultado	científico,	ao	que	este	estudo	 tende,	deveria	ser	o	de	realizar	a
excisão	dos	dois	conceitos.	Como	sempre,	esta	exatidão	é	a	premissa	necessária
para	a	solução	prática	do	máximo	problema	penal.
Capítulo	2
Pena	e	Liberdade
10.	Correlação	entre	delito	e	pena	–	11.	Lei	de	Talião	–	12.	Evolução	da	pena	–	13.	Equivalência
entre	delito	e	pena	–	14.	A	pena	como	sujeição	–	15.	O	delito	e	a	liberdade	–	16.	Homogeneidade
entre	delito	e	pena	–	17.	Heterogeneidade	entre	delito	e	pena	–	18.	Pena,	arrependimento,	penitência
–	19.	Pena	de	morte	–	20.	Penas	e	medidas	de	segurança	–	21.	Medidas	de	segurança	pecuniárias	–
22.	Medidas	de	segurança	corporais	–	23.	Reclusão	–	24.	Problema	espiritual	da	 reclusão	–	25.	O
processo	penal	como	pena	–	26.	Delitos	e	contravenções.
10.	Correlação	entre	delito	e	pena
Na	fórmula	matemática	que	nos	serviu	para	esclarecer	a	função	da	pena,	se	o
resultado	da	soma	dos	dois	números	que	representam,	respectivamente,	o	delito
e	a	pena,	tem	de	ser	igual	a	zero,	estes	dois	números,	positivo	e	negativo,	devem
igualar-se:	se	d	—	p	=	0,	é	claro	que	d	=	p.	Em	palavras	simples,	delito	e	pena
devem	ser,	exatamente,	anverso	e	reverso	de	uma	mesma	medalha;	a	diferença
não	está	mais	em	ser	um	o	anverso	e	outro	o	 reverso,	ou	seja,	algebricamente,
um	um	mais	e	outro	um	menos.
Agora	 bem,	 para	 conhecer,	 depois	 da	 função,	 a	 estrutura	 da	 pena,	 convém
meditar	em	relação	a	tal	igualdade	e	a	tal	diferença.
11.	Lei	de	Talião
À	primeira	vista,	dir-se-ia	que	os	dois	males,	em	que	respectivamente	delito	e
pena	 consistem,	 devem	 resolver-se	 em	 um	 sofrimento	 do	 ofensor	 idêntico	 ao
sofrimento	do	ofendido.	A	esta	solução	primitiva	do	problema	da	pena,	vimos	já
que	corresponde	ao	problema	do	Talião.
A	 raiz	 deste	 princípio	 é	 tão	 profunda	 que,	 não	 obstante	 o	 tão	 elogiado
progresso	 do	 instituto	 penal,	 a	 mesma	 não	 foi	 completamente	 extirpada	 nos
povos	 civilizados;	 em	particular	 a	morte	 do	 réu,	 onde	 tem	 sido	 conservada	 ou
restabelecida	pelas	leis,	é	só	daquele	princípio	do	que	repete	verdadeiramente	o
seu	caráter	penal;	quando,	por	exemplo,	as	formas	mais	graves	do	homicídio	são
castigadas	 com	 a	 morte,	 não	 se	 explica	 de	 outra	 maneira	 a	 função	 repressiva
desta	medida	 senão	 infligindo	 ao	 ofensor	 o	mesmo	mal	 que	 ele	 ocasionou	 ao
ofendido.	Se,	emrigor,	parece	que	não	se	possa	dizer	isto	quanto	aos	delitos	que,
castigando-se	 com	 a	morte,	 são	 diversos	 do	 homicídio,	 a	 relação	 entre	 eles	 se
estabelece,	 entre	 os	 dois	males	 ocasionados	 ao	 ofensor	 e	 ao	 ofendido,	 se	 não
com	respeito	à	qualidade,	com	respeito	à	quantidade,	e	daí	a	pena	capital,	que	se
considera	 como	 o	 mal	 mais	 grave	 que	 se	 pode	 ocasionar	 ao	 ofensor,	 parece
adequar-se	aos	delitos,	pelos	quais	o	ofendido	sofre	o	dano	mais	grave	que,	pelo
ofensor,	possa	lhe	ser	produzido.
12.	Evolução	da	pena
Mas	que	à	semelhança,	qualitativa	ou	quantitativa,	entre	o	delito	e	a	pena,	se
deva	 a	 sua	 eficácia	 repressiva,	 é	 fruto	 de	 uma	 visão	 do	 problema	 totalmente
ingênua	e	superficial,	cuja	razão	se	deixará	explícita	ao	tratar,	daqui	a	pouco,	de
descobrir	esta	eficácia.	A	verdade	é	que	tal	semelhança	se	atribui	aos	dois	termos
do	 binômio	 um	 valor	 aritmético	 igual,	 não	 confere,	 de	 maneira	 alguma,	 ao
segundo,	um	valor	negativo;	o	erro	da	lei	de	Talião	está,	pois,	em	somar	os	dois
males	 em	 lugar	 de	 subtrair	 o	 segundo	 do	 primeiro.	 Por	 isso,	 hoje	 em	 dia,	 se
reconhece	universalmente,	ao	menos	de	palavra,	a	sua	incivilidade,	até	o	ponto
em	 que,	 nas	 leis	 modernas,	 no	 que	 se	 refere	 à	 maior	 parte	 dos	 delitos,	 está
abandonada.	Quem	deseje	ter	a	confirmação	disto	pode	refletir	que,	enquanto	a
sua	 atuação	 implicaria	 igual	 variedade	 de	 penas	 e	 de	 delitos,	 é	 um	 caráter
terminante	do	Direito	Penal	moderno,	a	diferença,	e	até	o	contraste,	do	ponto	de
vista	 da	 qualidade,	 entre	 o	 delito	 e	 a	 pena:	as	 variedades	 do	 delito	 vão	 sendo
cada	dia	maiores	enquanto	as	variedades	da	pena,	com	o	progresso	do	Direito,
vão	sendo	cada	dia	menores;	hoje	em	dia	as	penas	se	reduzem,	entre	os	povos
verdadeiramente	 civilizados,	 ou	 ao	 menos	 parecem	 reduzir-se	 à	 reclusão
(entendida	 em	 sentido	 genérico,	 que	 compreende	 toda	 espécie	 de	 pena
carcerária;	sentido	no	qual	esta	palavra	será	usada	sempre	aqui)	ou	à	obrigação
de	 pagar	 uma	 soma	 de	 dinheiro	 (também	 em	 sentido	 genérico,	multa).	 Uma
igualdade,	 qualitativa	 ou	 quantitativa,	 na	 relação	 entre	 pena	 e	 delito,	 do	 mal
ocasionado	às	duas	partes,	fica,	pois,	excluída.
A	 questão	 relativa	 à	 origem	 histórica	 destas	 duas	 penas	 não	 apresenta
dificuldades:	 a	multa	 deriva	 do	 ressarcimento,	 o	 qual,	 seguindo	 um	 conhecido
desenvolvimento,	pôs	fim	à	pena	privada;	e	a	reclusão	deriva	do	cárcere,	medida
preventiva	 para	 assegurar	 o	 culpado	 à	 justiça.	Mas,	 que	 instituição	 se	 encerra
nestes	processos	históricos?	Por	que,	e	até	que	ponto,	estes	males	ocasionados,
ao	réu,	podem	exercer	eficácia	repressiva	sobre	o	delito	e	por	isso	têm	caráter
penal?	Sob	a	aparente	diversidade	entre	o	malum	passionis	e	o	malum	actionis,
pode	encontrar-se	uma	identidade	substancial?	Se	não	me	equivoco,	do	ponto	de
vista	da	estrutura	da	pena,	é	este	o	nó	do	problema.
13.	Equivalência	entre	delito	e	pena
A	 exigência	 de	 que	 os	 dois	 termos	 do	 binômio	 penal,	 delito	 e	 pena,	 sejam
equivalentes,	é	incontestável.	A	matemática,	dir-se-ia,	não	é	uma	opinião:	se	p	+
d	 =	 0,	 não	 há	 forma	 de	 escapar	 à	 equivalência	 das	 duas	 parcelas,	 na	 ordem
positiva	 e	negativa.	Portanto,	quando	àquele	que	matou,	 roubou	ou	 injuriou	 se
lhe	infligem	anos	ou	meses	de	reclusão	ou	então	se	lhe	fazem	pagar	milhares	ou
centenas	de	liras	de	multa,	mesmo	quando	os	bens	–	no	gozo	dos	quais	o	ofensor
e	o	ofendido	são	lesados	–	sejam	diversos,	alguma	coisa	deve	ser	comum	entre
os	dois	 fatos	(se	o	segundo	 tem	que	 ter	com	respeito	ao	primeiro	o	caráter	de
pena).
Para	resolver	logicamente	o	problema,	a	via	é,	pois,	a	de	investigar	o	tema	da
equivalência.
14.	A	pena	como	sujeição
Quem	se	pergunta	por	que	a	reclusão	é	uma	pena,	no	primeiro	momento,	está
tentado	 responder	 que	 estar	 sempre	 fechado	 no	mesmo	 lugar	 é	 um	 sofrimento
ou,	 tecnicamente,	a	 lesão	de	um	interesse.	Em	geral,	assim	é:	a	maior	parte	de
nós,	com	efeito,	prefere	mudar	com	frequência	de	sede;	mas	há	também	homens
que	à	vida	de	movimento	preferem	a	clausura.	Basta	esta	observação	para	convir
que	o	caráter	penal	da	reclusão	não	depende	do	sacrifício	de	um	interesse,	mas
da	inexistência	de	outro	 interesse	do	recluso	que	predomine	sobre	o	de	mudar
de	local	ou,	mais	simplesmente,	da	falta	da	sua	espontaneidade;	com	efeito,	se	a
clausura	for	espontânea,	não	só	não	será	uma	pena,	mas	pode	ser	até	um	prêmio.
O	 mesmo	 raciocínio	 vale	 para	 qualquer	 outro	 gênero	 de	 pena.	 Entregar
dinheiro	 ao	 Estado	 é	 verdadeiramente	 uma	 pena	 se	 sou	 obrigado	 a	 isso;	 mas
quando	se	trata	de	uma	oblação	espontânea,	desaparece	o	caráter	penal.	Também
o	cancelamento,	por	exemplo,	de	um	registro	profissional,	pode	 ser	uma	pena;
mas	pode	também	não	sê-lo	quando,	correspondendo	a	um	interesse	daquele	de
quem	é	cancelado,	seja	pedido	pelo	mesmo.
O	significado	destas	simples	reflexões	é	que	certas	medidas	impostas	pela	lei,
as	quais	se	resolvem	em	privação	de	bens	ou	lesão	de	interesses,	tanto	adquirem
caráter	de	pena	quanto	não	sejam	queridas	por	quem	as	sofre.	Se	este	as	quer	é,
como	se	costuma	dizer,	exercício	de	liberdade;	o	verdadeiro	caráter	da	pena	não
consiste	na	privação	de	um	bem,	mas	na	sujeição	de	que	a	mesma	seja	fruto.
15.	O	delito	e	a	liberdade
Ao	chegar	a	este	ponto,	insere-se,	no	discurso,	o	conceito	de	liberdade,	pelo
qual	 o	 problema	 da	 pena	 está	 originariamente	 dominado.	 Nem	 este	 problema
nem	qualquer	 outro,	 que	 toque	 os	 fundamentos	 do	Direito,	 pode	 ser	 afrontado
por	quem	não	tenha	ideias	claras	em	relação	à	liberdade.	Por	isso	considero	uma
sorte,	 e	 até	 um	 presente	 da	 providência,	 ter	 chegado	 a	 estes	 estudos	 quase	 ao
final	 da	minha	vida,	 quando	 assíduas	meditações,	 sobre	minhas	mais	 fecundas
experiências,	 tenham	me	proporcionado	 tamanha	clareza;	 e	posso	 indicar	 entre
os	 meus	 livros,	 não	 só	 a	 Introduzione	 allo	 studio	 del	 diritto,	 mas	 as	 mesmas
Meditazioni	 –	 em	 aparência	 tão	 apartadas	 da	 matéria	 jurídica	 –	 como	 a
indispensável	premissa	das	atuais	investigações.	Segundo	o	conceito	que	formei
dela,	a	liberdade	não	é	a	abstrata	possibilidade	de	escolher	entre	o	bem	e	o	mal,
porém	a	concreta	potência	de	escolher	o	bem,	e	assim	a	 força	de	 liberação	do
peso	da	carne;	de	onde,	se	a	ação	boa	é	exercício,	a	ação	má	é	não	exercício	de
liberdade;	 cada	 vez	 que	 sucumbo,	 em	 lugar	 de	 superar-me,	 ao	 desejo	 ou,
digamos	também,	à	tentação,	esta	não	é	liberdade,	mas	servidão.	A	liberdade,	em
outros	termos,	é	a	capacidade	de	obedecer	ou	também	de	querer,	no	sentido	em
que	fala	dela,	o	Código	Penal	italiano.
Na	liberdade	se	pode	contemplar,	pois,	um	pressuposto	do	delito,	mas	não	a
sua	 fonte;	melhor,	 um	 requisito	 que	 a	 pessoa	 deve	 possuir	 para	 poder	 ser	 réu,
mas	não	um	modo	de	ser	do	espírito	que	no	delito	se	manifesta.	Não	há	delito
sem	 liberdade	 no	 sentido	 de	 que	 quem	 não	 pode	 fazer	 o	 bem	 tampouco	 pode
fazer	 o	 mal;	 mas	 quem,	 acreditando	 fazer	 o	 bem,	 fez	 o	 mal,	 quer	 dizer	 que,
sendo	 capaz	de	 resistir,	 não	 resistiu.	Uma	 coisa	 é	 ser	 livre,	 outra	 é	 exercitar	 a
liberdade.	Quem	é	servo	não	pode	libertar-se;	mas	quem	é	livre	pode	servir.	O
delito	não	é,	pois,	exercício,	mas	o	não	exercício	de	liberdade.
16.	Homogeneidade	entre	delito	e	pena
No	entanto,	em	que	o	delito	e	a	pena	sejam	iguais,	se	propriamente	não	se	vê,
ao	menos	 se	entrevê:	são	um	e	outro	uma	sujeição,	ou	melhor,	o	resultado	de
uma	 sujeição.	 É	 um	 ingênuo	 equívoco	 aquele	 pelo	 qual	 o	 delito	 se	 apresenta
como	 uma	manifestação	 de	 liberdade,	 e	 se	 deve	 ao	 uso	 imprudente	 que	 deste
grande	 nome	 se	 faz	 com	 muita	 frequência;	 bastaria,	 para	 deixá-lo	 claro	 a
magnífica	 intuição	da	 linguagem	que,	 ao	 contrário	da	bondade,	 chama	maldad
(cattiveria);	 porque	 ruim	 (cattivo	 [captivus])	 não	 quer	 dizer	 mais	 que
prisioneiro.1	Liberdade	é	força	de	libertar-se	e	o	delito	é	o	contrárioda	liberação.
Um	e	outro,	pois,	o	delito,	tanto	quanto	a	pena,	expressam	um	sucumbir	ou	um
submeter-se;	em	acréscimo,	uma	inatividade	ou	uma	impotência	do	espírito	do
réu	ou	do	castigado;	do	réu,	porque	não	soube	querer;	do	castigado	porque	não
pôde	 querer.	 Não	 só	 quando	 sofre	 a	 pena,	 mas	 já	 quando	 comete	 o	 delito,	 o
homem	não	é	livre,	mas	servo;	ainda	mais	uma	vez,	a	atrevida	intuição	poética
precede	 o	 raciocínio	 quando,	 daquele	 que	 não	 sabe	 resistir	 à	 paixão,	 faz	 um
escravo	 e,	 a	 quem	 a	 vence,	 o	 configura	 como	 um	 dono	 de	 si	 mesmo.	 Na
concepção	 da	 liberdade	 como	domínio	 de	 si	mesmo	 (tal	 como	 resulta,	 embora
não	seja	de	outra	maneira,	a	contrariis,	do	conceito	jurídico	da	escravidão)	está
dramaticamente	 representada	 a	 afirmação	 do	 espírito	 sobre	 o	 corpo,	 como
implicando	 logicamente	 a	 exclusão	 sobre	o	 corpo	de	 todo	domínio	 alheio;	 por
isso,	na	negação	da	liberdade,	o	delito	e	a	pena	se	encontram:	o	delito,	porque	o
corpo	 dominou	 o	 espírito;	 a	 pena,	 porque	 o	 corpo	 é	 dominado	 pelos	 outros
corpos.
Ser	um	e	outro	uma	sujeição	ou	também,	dizemos,	uma	servidão,	ou	melhor,
um	resultado	de	sujeição	ou	de	servidão,	é	a	verdadeira	homogeneidade	do	delito
e	da	pena;	mas	agora,	depois	de	 ter	 estabelecido	em	que	convergem,	 tentamos
ver,	pelo	contrário,	em	que	divergem,	e	até	se	opõem,	os	dois	termos;	de	onde,	se
o	delito	se	representa	como	um	mais,	à	pena	convém	a	figura	do	menos	e	assim
corresponde	a	respeito	daquele	uma	função	de	compensação.
17.	Heterogeneidade	entre	delito	e	pena
A	 diferença	 emerge	 claramente	 de	 quanto	 se	 disse:	 das	 duas	 sujeições,	 nas
que	pena	e	delito	se	resolvem,	esta	procede	ab	intra	e	aquela	ab	extra:	uma	é	um
submeter-se	do	espírito	a	seu	corpo,	outra,	a	um	corpo	alheio;	uma	se	diria	uma
autossujeição,	outra	uma	heterossujeição.
Assim,	 me	 parece	 que,	 com	 a	 razão	 do	 contraste,	 a	 razão	 da	 oposição	 se
esclarece:	 a	 liberdade,	 da	 qual	 não	 me	 tenho	 sabido	 valer,	 me	 domina;	 a
servidão,	na	qual	me	tenho	colocado,	me	é	imposta.	A	pena,	que	é	uma	servidão,
afeta	 a	 quem,	 em	 vez	 de	 agir	 como	 livre,	 preferiu	 agir	 como	 servo.	 Este	 é
forçosamente	retido	na	condição	que	espontaneamente	se	colocou.	Assim,	a	pena
aparece	como	forma	de	prosseguimento	de	um	movimento	iniciado	com	o	delito.
Sob	este	aspecto,	toda	pena	é	uma	lei	de	Talião	no	sentido	de	que	a	cada	um
se	 lhe	 faz	o	que	ele	 fez;	mas	não	o	que	ele	 fez	de	outro,	mas	de	 si	mesmo.	E,
neste	sentido,	o	princípio	da	lei	de	Talião	descobre	a	sua	verdadeira	razão:	cada
um	 continua	 sendo	 aquilo	 que	 é.	 A	 distinção	 mais	 profunda,	 que	 se	 pode
apreciar	entre	os	homens,	é	a	que	tem	lugar	entre	livres	e	servos;	cada	um	está
compreendido	na	categoria	à	qual	pertence.
Assim,	 a	 pena	 não	 faz	mais	 do	 que	 tirar	 a	 lógica	 consequência	 do	 delito	 e,
portanto,	reparar	a	desordem;	isto	tem	causado,	depois	de	tudo,	que	fosse	tratado
como	livre	quem,	pelo	contrário,	não	passava	de	um	servo;	alguém,	em	resumo,
estava	 fora	 do	 seu	 lugar;	 quando	 se	 põe	 no	 lugar	 certo,	 a	 ordem	 parece
restabelecida.
18.	Pena,	arrependimento,	penitência
Porém,	 se	 se	 detivesse	 aqui	 o	 estudo,	 a	 conclusão	 seria	 bem	 triste:	 o
restabelecimento	 da	 ordem,	 mediante	 a	 pena,	 não	 teria	 mais	 do	 que	 um
significado	 formal	ou,	 em	outros	 termos,	 a	ordem	seria	 entendida	 segundo	um
valor	puramente	externo	ou	finito;	mas,	na	verdade,	a	ordem,	quando	se	ponha,
como	se	deve,	no	plano	do	infinito,	não	é	que	os	livres	sejam	livres	e	os	servos
continuem	 sendo	 servos;	mas	 que	 os	 servos	 se	 convertam	 em	 livres,	 e	 que	 se
aumente	a	liberdade	dos	livres;	e	se	a	pena	não	serve	para	isto,	o	problema	fica
sem	 resolver.	 Assim	 se	 esclarece	 o	 princípio	 fundamental	 concernente	 à
implicação	 da	 função	 de	 emenda	 na	 função	 repressiva	 da	 pena;	 conquanto	 o
delito	se	elimina	ou	reprime	não	enquanto	quem	é	servo	continue	sendo	servo,
mas	enquanto	quem	é	servo	adquira	a	liberdade;	o	delito	não	é	reprimido	até	que
o	 réu	 seja	 emendado;	 o	 problema	 da	 pena	 se	 resolve,	 pois,	 no	 conceito	 da
emenda	ou	da	reeducação.
Mas	 este	 é	 o	 tema	 sobre	 o	 qual,	 como	 no	 item	 anterior	 se	 assinalou,	 o
pensamento	deve	 tratar	de	 trasladar-se	ao	plano	do	 infinito.	O	evento	da	pena,
com	efeito,	ou	seu	resultado,	se	se	prefere	dizer	assim,	a	fim	de	que	o	delito	se
cancele,	não	se	pode	limitar	ao	futuro,	mas	deve,	isto	sim,	afetar	o	passado,	ao
qual	o	delito	pertence.	A	necessidade	de	tal	regressão	tem	sido	observada,	já	que
se	manifesta	através	daquele	instituto	jurídico	da	restitutio	in	integrum,	mediante
o	qual	os	juristas	podem	ajudar-se	nesta	corajosa	passagem.	A	verdade	é	que	no
campo	 da	 liberdade,	 ou	 seja,	 do	 espírito,	 é	 necessário	 prescindir	 do	 tempo;	 o
espírito	se	projeta	não	só	no	futuro,	mas	 também	no	passado;	cada	instante	da
sua	vida	absorve	tudo	o	que	o	precede,	de	maneira	que	quem	se	fez	livre	nunca
foi	servo.
A	concepção	desta	verdade	pode,	como	dizia,	ser	facilitada	pela	experiência	e
pela	meditação	 sobre	 o	 arrependimento.	 A	mesma	 estrutura	 do	 vocábulo,	 que
tem	 a	 sua	 raiz	 na	 pena,	 indica	 neste	 conceito	 um	 valor,	 do	 qual	 não	 se	 pode
prescindir	 no	 estudo	 da	 pena.	 O	 arrependimento	 não	 é	 outra	 coisa	 que	 uma
condenação	de	si	mesmo,	e	a	penitência	uma	espontânea	expiação.	Arrepende-
se	quem	reconhece	o	seu	pecado,	e	o	reconhecimento	ou	constatação	do	mesmo
é	 a	 condenação;	 mas	 tal	 reconhecimento,	 para	 ser	 verdadeiro,	 implica	 uma
realizada	inversão	da	alma	do	culpado,	o	qual,	voltando	sobre	o	seu	ato,	se	julga,
se	envergonha,	e	se	castiga;	o	castigo	não	se	esgota	no	instante	do	juízo,	mas	se
arrasta,	às	vezes,	quando	o	feito	é	grave,	por	toda	a	vida.	Esta	inversão	da	alma,
na	que	o	arrependimento	consiste,	ajuda,	dizia,	a	compreender	a	regressão,	que
elimina	o	pecado	e	o	delito:	a	verdade	é	que	a	alma,	à	diferença	do	corpo,	pode
remontar	o	problema	do	tempo.
À	luz	desta	verdade	se	ilumina	o	sacramento	da	confissão,	cuja	doçura	pode
compreender	 somente	 quem	 se	 acerque	 dele	 verdadeiramente	 arrependido;	 um
juiz,	então,	é	muito	menos	o	confessor	do	que	o	confessado,	o	qual	recebe	muito
menos	 reclamações	 do	 que	 conforto;	 e	 a	 absolvição,	 poderia	 dizer	 um	 jurista,
tem	 eficácia	 mais	 declarativa	 que	 constitutiva	 enquanto	 não	 faz	 mais	 que
constatar	que,	naquela	dor,	o	culpado	readquiriu	a	liberdade.	A	absolvição,	não
por	si,	mas	enquanto	constata	o	arrependimento,	cancela	o	pecado;	e	nisto	está	o
milagre	do	espírito,	que	se	encontra	fora	do	tempo,	de	maneira	que	para	ele	não
existem	nem	o	passado	nem	o	futuro.
Se	agora	alguém	dissesse	que	tudo	isto	vale	no	plano	religioso	ou,	ao	menos,
no	plano	moral,	mas	não	no	plano	do	Direito,	cometeria	o	erro	de	não	perceber
que	 o	 problema	 da	 pena	 é,	 antes	 de	 mais	 nada,	 um	 problema	 moral:	 todo	 o
Direito,	mas	o	Direito	Penal	em	primeira	linha,	é	um	meio	para	reduzir,	à	moral,
a	conduta	dos	homens.	Este	é	um	fim	que,	 infelizmente,	só	 imperfeitamente	se
pode	alcançar;	mas	o	dever	dos	juristas	é	o	de	dedicar-se	a	que	se	aproxime	cada
vez	mais.	 Portanto,	 se	 a	 reflexão	 em	 relação	 à	 pena	mostra	 que	 a	 sua	 função
repressiva	ou	restritiva	não	opera	nem	pode	operar	de	outra	maneira	que	através
do	 arrependimento,	 este,	 para	 a	 ciência	 do	 Direito,	 é	 um	 dado	 fundamental.
Deriva	 disso	 que,	 para	 responder	 à	 sua	 função,	 a	 pena	 deve	 resolver-se	 na
imposição,	ao	réu,	de	um	modo	de	viver,	pelo	qual	ele	possa,	o	mais	rápido	e	o
mais	seguramente	possível,	alcançar	o	arrependimento	e,	com	isso,	readquirir	a
liberdade.
19.	Pena	de	morte
Uma	primeira	verdade,	segura,	pode-se	estabelecer:	matar	o	réu	pode	ser	uma
medida	de	segurança;	mas	uma	pena,	não.
Tem-se	dito	que	na	fórmula	matemática	da	pena	(d	+	p)	que,	se	o	valor	de	p
não	é	tal	que	o	resultado	seja	zero,	a	conta	não	é	exata;	e	zero	só	será	possível	na
condição	 de	 que	 o	 malum	 passionispossa	 dar,	 novamente	 ao	 castigado,	 a
liberdade.
Mas	para	corrigir	o	réu	é	necessário	conservar-lhe	a	vida.	Não	se	exclui	que
no	intervalo	entre	a	condenação	e	a	expiação	se	opere	o	arrependimento;	então,
porém,	tendo	a	pena	alcançado	o	seu	objetivo,	falta	a	razão	de	prosseguir	a	sua
aplicação.	O	dilema	é	férreo:	se,	antes	de	matá-lo,	o	réu	se	arrepende,	então	se
continua	castigando	quem	não	deve	já	ser	castigado;	caso	contrário,	matando-o
se	 lhe	 impede	 de	 arrepender-se.	 No	 entanto,	 a	 pena	 de	 morte	 apresenta	 os
perigos	que	todos	conhecem	e	que	superam	as	suas	vantagens,	em	que	o	matar	o
réu	não	é	verdadeiramente	uma	pena.
O	problema	da	morte	do	réu	pode	ser,	portanto,	analisado	sobre	o	terreno	da
medida	 de	 segurança,	 não	 sobre	 o	 da	 pena;	 que	 a	 mesma	 tenha	 uma	 eficácia
preventiva	do	delito	 e,	por	 isso	 responda	ao	conceito	da	medida	de	 segurança,
seria	vão	negá-lo.	A	solução,	sobre	este	outro	terreno,	depende	do	resultado	de
um	equilíbrio	entre	seu	rendimento	e	seu	custo;	sob	este	aspecto,	as	 razões	em
prol	 e	 contra	 são	 tão	 conhecidas	 que	 repeti-las	 não	 tem	 interesse	 científico
algum.	Em	minha	opinião,	qualquer	que	seja	o	valor	profilático	que	à	morte	do
réu	 a	 experiência	 consente	 atribuir	 (e	 se	 sabe	 com	 quanta	 cautela	 estas
experiências	devem	ser	interpretadas),	acho	que	o	seu	custo	é	tão	grave	que	não
permite	aconselhá-la	em	nenhum	caso:	matando	um	homem,	à	diferença	de	um
animal,	não	se	corta	somente	uma	vida,	mas	se	antecipa	o	termo	fixado	por	Deus
para	 o	 desenvolvimento	 de	 um	 espírito,	 ou	 seja,	 para	 a	 conquista	 de	 uma
liberdade;	 só	 quem	 ignora	 o	 valor	 da	 vida	 do	 corpo	 desenvolvido	 e	 funcional
poderá	compreender	que	da	vida	de	um	homem	nenhum	outro,	qualquer	que	seja
a	sua	autoridade	e	qualquer	que	seja	a	sua	razão,	pode	dispor	sem	usurpar	o
poder	de	Deus.
20.	Penas	e	medidas	de	segurança
O	 conceito	 da	 pena,	 tal	 como	 tem	 sido	 até	 agora	 colocado,	 mediante	 a
implicação	 da	 função	 de	 correção	 do	 réu	 na	 função	 repressiva	 do	 delito
(condição	 somente	 na	 qual	 a	 pena	 se	 contrapõe	 ao	 delito,	 compensando-o	 ou
eliminando-o,	 e	por	 isso	o	malum	passionis	 verdadeiramente	é	pena),	 atribui	 à
distinção	 entre	 pena	 e	 medida	 de	 segurança	 um	 alcance	 incomparavelmente
maior	do	que	tem	tido	até	agora.
Em	relação	ao	critério	da	distinção	não	há	nada	novo	a	dizer:	à	pena	não	lhe
falta,	 e	no	entanto	 lhe	 falta	à	medida	de	 segurança,	a	 função	 repressiva,	 pelo
que	esta	última,	e	não	a	pena,	deve	ser	contemplada	em	todos	aqueles	casos	em
que	 ao	 malum	 passionis	 se	 lhe	 possa	 reconhecer	 somente	 uma	 eficácia
preventiva.	Mas	 o	 ter	 referido	 agora	 à	 emenda	 ou	 reeducação	 do	 réu,	 e	 mais
precisamente	 ao	 seu	 arrependimento,	 como	 meio	 para	 adquirir	 novamente	 a
liberdade;	a	eficácia	repressiva	ou	retributiva	(é	o	caráter	da	pena),	permite	um
diagnóstico	da	pena	ou	da	medida	de	segurança,	se	não	me	equivoco,	muito	mais
precisa	que	todo	o	obtido	até	agora.
O	 resultado	 de	 tal	maior	 precisão,	 eu	 acho	 que	 está,	 no	 sentido	 de	 que,	 no
estado	atual	do	Direito	positivo,	a	categoria	das	medidas	de	segurança	é	muito
mais	numerosa	que	a	das	penas,	e	mais	de	uma	entre	as	que	habitualmente	se
consideram	penas,	deve,	no	entanto,	ser	atribuída	a	outra	categoria.
21.	Medidas	de	segurança	pecuniárias
A	 primeira	 das	 dúvidas	 a	 resolver,	 a	 respeito	 de	 tal	 distinção,	 refere-se	 às
chamadas	penas	pecuniárias.
Em	uma	eficácia	compensatória,	com	respeito	ao	delito,	da	extração	de	uma
soma	de	dinheiro	ou	em	geral	de	determinados	bens	do	patrimônio	do	réu,	pode-
se	 pensar,	 daquele	 ponto	 de	 vista	 da	 equivalência	 ou	 da	 compensação	 de
interesses,	 sobre	 o	 qual	 os	 juristas	 costumam	 situar	 os	 conceitos	 do
ressarcimento	e	da	reparação;	mas,	imediatamente	se	adverte	que	aqui	estamos
originariamente	fora	do	campo	espiritual,	ao	que	somente,	pela	via	já	conhecida,
a	 eficácia	 repressiva	 da	 pena	 se	 pode	 referir;	 também	 nos	 limites	 em	 que	 a
multa2	 ou	 a	 emenda3	 valesse	 para	 ressarcir	 ou	 para	 reparar	 o	 dano	 social	 do
delito,	 todo	 valor	 regressivo	 ou	 retroativo	 sobre	 o	 delito	 mesmo	 deveria
certamente	ser	excluído.	Talvez,	porém,	não	se	deva	excluir	completamente	uma
reação	da	perda	de	bens	patrimoniais	 sobre	o	espírito	do	 réu;	não	é	 raro	que	a
pobreza	constitua	uma	condição	 favorável	para	o	desenvolvimento	do	espírito;
mas	nos	limites	em	que	as	leis	vigentes	consentem	–	como	consequência	jurídica
do	delito	e	prescindindo	do	ressarcimento	ou	da	reparação	–,	uma	modificação
patrimonial	 do	 réu,	 muito	 dificilmente	 resulta	 em	 tal	 empobrecimento	 que
permita	pensar	neste	gênero	de	eficácia.
O	 que	 se	 pode	 estabelecer	 é,	 portanto,	 que	 a	 extração	 de	 uma	 parte	 do
patrimônio	não	opera	senão	infligindo,	ao	réu,	um	sofrimento	apto	a	constituir
um	contraestímulo	e,	por	isso,	para	exercitar	sobre	o	réu,	e	eventualmente	sobre
terceiros,	 uma	 ação	 preventiva	 de	 novos	 delitos,	 o	 que	 denota	 a	 medida	 de
segurança,	mas	não	a	pena.
22.	Medidas	de	segurança	corporais
Reflexões	análogas	induzem	a	afirmar	que	são	medidas	de	segurança,	e	não
penas,	 as	 operações	 levadas	 a	 cabo,	 como	 consequência	 jurídica	 do	 delito,
sobre	 o	 corpo	 do	 réu,	 seja	 com	 o	 objetivo	 de	 determinar	 no	 mesmo	 uma
modificação	 permanente,	 seja	 com	 o	 de	 fazê-lo	 somente	 sofrer.	 A	 eficácia
profilática	 de	 algumas	 destas	 medidas	 do	 primeiro	 tipo	 (medidas	 físicas	 ou
fisiológicas),	 enquanto	 coloquem	 o	 réu	 na	 impossibilidade	 física	 de	 cometer
certos	delitos	é,	em	absoluto,	manifesta;	mas	também	a	eficácia	das	medidas	do
segundo	 tipo,	 embora	 se	 exerça	 no	 campo	 psicológico,	 não	 pode	 ser
desconhecida	 enquanto	 certamente	 a	 dor	 sofrida	 determina	 uma	 repugnância	 à
renovação	 do	 ato,	 que	 o	 ocasionou,	 a	 experiência	 do	 qual	 se	 observa	 em
particular	sobre	as	crianças	e	também	sobre	os	animais.
Mas,	 precisamente,	 que	 tais	 remédios	 operem,	 inclusive,	 a	 respeito	 dos
animais	ou,	em	geral,	de	homens	cujo	espírito	não	é	ainda	maduro,	exclui	neles
aquele	caráter	espiritual,	o	qual,	como	se	viu,	é	próprio	da	pena.
A	questão	em	relação	à	conveniência	da	introdução	de	tais	medidas	entre	os
remédios	contra	o	delito,	ainda	quando	mereça	ser	discutida	seriamente,	está	fora
do	âmbito	de	minhas	atuais	investigações.
23.	Reclusão
O	 tema	mais	 interessante,	 no	 entanto,	 das	minhas	 investigações,	 se	 refere	 à
reclusão,	nome	com	o	qual	já	adverti	que	quero	denotar	qualquer	espécie	do	que,
na	prática,	costuma-se	denominar	pena	restritiva	da	liberdade	pessoal.	Que	esta
é	 uma	 denominação	 inexata,	 já	 se	 esclareceu	 nas	 páginas	 precedentes:	 nos
limites	 dentro	 dos	 quais	 a	 coação	 jurídica	 possa	 se	 dizer	 que	 restringe	 a
liberdade,	esta	é	uma	nota	comum	de	todas	as	penas,	não	da	reclusão	somente.	A
reclusão	não	é	imposta	ao	condenado	mais	do	que	é	imposta	a	multa;	por	outra
parte,	 com	 ela	 se	 lhe	 impõe,	 melhor	 que	 a	 separação	 de	 certos	 bens,	 o
afastamento	do	seu	ambiente	social;	 inclusive,	quando	seja	agravada	em	forma
de	isolamento	celular,	o	afastamento	de	todo	ambiente	social.
Não	parece	duvidoso	que	este	tratamento	do	réu	tenha	o	caráter	da	medida	de
segurança,	psicológica	ou	até	física;	enquanto	sua	separação	do	ambiente	social
costumeiro	 torna-se	 fisicamente	mais	 difícil,	 se	 não	 em	 absoluto	 impossível,	 a
repetição	do	delito,	 constitui,	por	outra	parte,	um	sofrimento,	 tanto	mais	grave
quanto	 mais	 longa	 seja	 a	 sua	 duração,	 cuja	 lembrança	 é	 apta	 a	 determinar	 a
repugnância	a	um	novo	delito.
Mas	 a	 investigação	 que	mais	me	 importa	 é	 a	 de	 se	 à	 reclusão	 se	 lhe	 pode
reconhecer,	 além,	 a	 verdadeira	 eficácia	 repressiva	 do	 delito,	 ou	 seja,	 se	 a
modificação	 da	 vida	 do	 réu,	 em	 que	 se	 resolve,	 pode	 ser	 idônea,	 através	 da
reaquisição	da	sua	liberdade,	para	restabelecer	a	ordem	violada;	só	quando	estainvestigação	leve	a	um	resultado	positivo,	dever-se-á	falar	da	reclusão	como	de
uma	pena.
Um	dado	da	 experiência	 é	 o	 seguinte:	 que	 a	 separação	do	mundo,	 como	 se
costuma	dizer,	é	uma	condição	de	vida,	que	procuram	espontaneamente	aqueles
que	aspiram	ao	maior	desenvolvimento	da	sua	liberdade.	Que	para	o	estudo	do
instituto	geral	deva	servir	a	observação	do	instituto	da	clausura	é	algo	que	pode
surpreender	 somente	 aos	 pensadores	 superficiais.	 A	 observação	 mais	 óbvia	 é
que,	 se	 nós	 estamos	 acostumados	 a	 chamar	 reclusão,	 por	 antonomásia,	 à	 pena
reclusiva,	esta	não	é	senão	uma	espécie	do	gênero,	o	qual	compreenda	reclusão
voluntária	 junto	 à	 reclusão	 forçada;	 para	 obter	 o	 conhecimento	 desta	 não	 se
pode	prescindir,	pois,	da	confrontação	com	aquela.	No	entanto,	se	à	reclusão,	ou
melhor,	talvez,	ao	isolamento	espontâneo	recorrem	aqueles	que	querem	elevar	o
seu	 espírito,	 é	 um	 sinal	 de	 que	 deve	 existir	 uma	 relação	 entre	 esta	 elevação	 e
aquela	condição	de	vida.
A	relação	deveria	ser	entre	solidão,	e	até	entre	privação,	tanto	da	companhia
dos	homens	como	do	gozo	das	coisas	não	estritamente	necessárias	para	a	vida,	e
ascética.	Ascética	é	exercício	ou,	me	atreveria	a	dizer,	preparação	do	espírito,	o
qual	tem	a	sua	ginástica	como	o	corpo	e	a	esta	pode	ter	que	recorrer	para	a	sua
saúde.	 Nós	 estamos	 habituados,	 desafortunadamente,	 muito	 menos	 que	 à
ginástica	do	pensamento,	à	da	vontade;	mas	o	pensamento	é	um	grau	do	espírito
inferior	ao	da	vontade,	e	também	à	vontade,	e	pode	se	dizer	que	ela,	sobretudo,
se	deveria	treinar.	Que,	para	tal	exercício,	seja	uma	condição	favorável	a	solidão
ou,	 melhor,	 o	 afastamento	 do	 mundo,	 está	 fundado	 sobre	 uma	 experiência
milenar.	Monge,	 entre	 outras	 coisas,	 na	 sua	 origem,	 quer	 dizer	 sozinho	 ou,	 ao
menos,	 solitário;	 e	 retirado,	 já	 que	 não	 recluso,	 é	 o	 significado	 de	 anacoreta.
Historicamente,	 o	 cárcere	 não	 foi	 inventado	 com	 esta	 finalidade;	 a	 sua	 razão
originária	 é,	 mais	 do	 que	 a	 de	 uma	 medida	 de	 segurança,	 a	 de	 uma	medida
cautelar	apta	a	assegurar	a	disponibilidade	do	réu	aos	fins	do	juízo;	mas	esta	é	a
raiz,	 não	 o	 desenvolvimento	 do	 instituto.	 Este	 desenvolvimento,	 que	 terminou
por	 fazer,	da	 reclusão,	a	espécie	mais	 importante	da	pena,	encontra	certamente
na	sua	idoneidade	para	a	restauração	moral	do	réu	a	razão	mais	verdadeira;	e	não
importa	 que	 esta	 tenha	 ficado	velada	por	 longo	 tempo	para	 os	 homens,	 já	 que
com	frequência	os	mesmos	agem	como	instrumentos	inconscientes	dos	desígnios
de	 Deus.	Uma	 primeira	 condição	 de	 tal	 finalidade	 é,	 porém,	 que	 a	 reclusão
tenha	 certa	 duração.	 Limites	 fixos	 são	 naturalmente	 difíceis,	 já	 que	 não
absolutamente	 impossíveis,	 de	 estabelecer;	 mas	 não	 parece	 duvidoso	 que	 um
breve	 afastamento	 do	 ambiente	 não	 possa	 determinar,	 pelo	 geral,	 eficácia
educativa	alguma,	tanto	menos	com	respeito	à	liberdade.	À	reclusão	breve	não	se
lhe	pode	 reconhecer	outra	natureza	que	a	de	medida	de	segurança.	Esta	é	uma
observação	que,	do	ponto	de	vista	da	técnica	penal,	deveria	ter	uma	importância
decisiva.	 Provavelmente,	 quanto	 a	 ela,	 a	 distinção	 entre	 reclusão	 e	 arresto,
segundo	 a	 terminologia	 do	 código	 vigente	 italiano,	 deveria	 ser	 muito	 mais
profunda	do	que	o	é	atualmente.
Por	outra	parte,	tanto	a	reclusão	pode	reedificar	a	liberdade,	quanto	o	modo
de	vida	do	recluso	esteja	prudentemente	disposto	para	esta	finalidade.	Este	é	o
aspecto	do	problema,	em	relação	ao	qual	a	confrontação	entre	reclusão	forçada	e
reclusão	voluntária	mostra	 a	 sua	utilidade,	 e	o	 resultado	educativo	da	primeira
encontra	os	obstáculos	mais	graves.	Entre	uma	prisão	e	um	mosteiro,	a	diferença
é	que	naquela	 se	 refugiam	homens,	os	quais	ocupam	na	escala	do	espírito,	 em
comparação	com	os	monges,	degraus	muito	mais	baixos,	pelo	que	é	igualmente
mais	 difícil	 a	 tarefa	 da	 sua	 educação;	 os	monges	 são	 homens	 livres,	 os	 quais
aspiram	a	se	fazer	mais	livres;	os	reclusos	são	servos,	aos	quais	se	trata	de	fazer
reconquistar	 a	 liberdade.	 Com	 o	 conhecimento	 de	 tal	 propósito	 e	 da	 sua
dificuldade,	 deveria	 ser	 instituído	 o	 ordenamento	 da	 reclusão	 e	 da	 prisão.
Atrevo-me	 a	 dizer	 que	 disto	 não	 temos	 ainda	 plena	 consciência;	 e	 que,
correlativamente,	não	fizemos	ainda	nem	estamos	por	fazer	quanto	é	necessário
para	dar-lhe	cumprimento.
24.	Problema	espiritual	da	reclusão
O	 problema	 da	 reclusão	 é	 essencialmente	 um	 problema	 espiritual.	 Existe,
certamente,	 também	 um	 aspecto	 físico	 ou	 fisiológico	 do	 mesmo,	 mas	 tem,	 a
respeito	daquele,	um	valor	de	segundo	plano.	O	fim	a	alcançar	não	é	somente	o
de	 fazer	viver	a	um	homem,	porém	o	de	 fazer	 reviver	uma	pessoa,	o	que	quer
dizer	 dar	 ao	 homem	 a	 sua	 liberdade.	 Sob	 este	 aspecto,	 o	 problema	 não	 é
certamente	 até	 hoje	 ignorado,	 mas	 não	 está	 ainda	 colocado	 com	 a	 desejável
clareza	 quando	 se	 fala	 de	 reeducação	 social	 do	 recluso;	 é	 necessário,	 para	 ser
claro,	substituir	a	reeducação	social	pela	educação	moral;	e	a	quem	observe	que
a	 socialidade	 se	 resolve	 na	 moralidade	 convém	 refutar	 que	 esta	 não	 é	 uma
resolução	 a	 subentender,	 mas	 a	 colocar	 em	 primeiro	 plano.	 Que	 social	 ou
sociável	seja	verdadeira	e	somente	o	homem	livre,	se	do	exato	reconhecimento
do	fim	dependa	a	adequação	dos	meios	para	a	sua	obtenção,	é	o	que,	sobretudo,
deve-se	saber.	Por	outra	parte,	que	para	dar	ao	réu	a	liberdade	esta	lhe	seja	tirada
não	 é	 mais	 que	 uma	 aparência	 enganosa;	 quem	 conhece	 o	 significado	 desta
imensa	 palavra	 sabe	 que	 ao	 recluso,	 se	 é	 réu,	 nada	 se	 lhe	 tira	 que	 não	 tenha
perdido	já;	a	verdade	em	relação	à	reclusão	–	ao	menos	como	deveria	ser,	já	que
não,	 desafortunadamente,	 como	 é	 –	 está	 absolutamente	 invertida	 pelo	 modo
comum	de	pensar:	a	pena	deve	servir	não	para	tirar,	mas	para	dar	a	liberdade.
A	tal	fim	ajuda,	sem	dúvida,	o	sofrimento.	Não	só	a	perda	do	mundo,	mas	a
vida	dura	do	recluso	é	necessária,	não	no	sentido	da	vingança,	mas	no	da	eficácia
redentora	da	dor.	Mas	a	dor	pode	modificar	piorando,	em	vez	de	melhorando,	o
espírito	 do	 recluso,	 se	 ele	 não	 o	 sabe	 livremente	 aceitar.	 Assim,	 através	 do
arrependimento,	 ao	 transformar-se,	 em	 penitência,	 a	 pena,	 exercita-se	 a
liberdade.	 A	 este	 exercício,	 porém,	 é	 muito	 pouco	 provável	 que	 ele	 consiga
chegar	 sem	 um	 prudente	 e	 amoroso	 orientador.	 Por	 isso,	 tanto	 como	 o
sofrimento,	 é	 necessária,	 ao	 recluso,	 uma	 assistência	 moral.	 Sem	 esta,	 a
reclusão,	como	pena,	ou	seja,	a	sua	eficácia	redentora,	não	pode	ser	mais	do	que
um	 experimento	 fracassado.	 Casos	 em	 que	 por	 si	 só	 o	 condenado	 se	 possa
resgatar,	não	devem	ser	excluídos;	mas,	na	melhor	hipótese,	um	legislador	não
pode	 estabelecer	 seus	 cálculos	 sobre	 estas	 exceções.	 Abandonando-se,	 o
condenado	é	um	náufrago	destinado	a	 afundar.	Para	 salvá-lo,	 é	necessário	que
alguém,	lançando-se	ao	mar,	o	alcance,	o	socorra	e	o	traga	à	praia.
Quem	pode	ser	este?	Tenho	falado,	em	geral,	de	assistência	moral.	Aqui,	se
insinua	no	discurso	outra	grande	palavra;	e	mereceria	fazer	uma	pausa.	Também
em	relação	à	moral,	circulam	ideias	que,	não	obstante	uma	elaboração	milenar,
eu	não	acho	claras.	Certa	escuridão	ensombrece	ainda	o	tema	das	relações	entre
moral	e	Direito.	Provavelmente	não	existe	outra	 luz	para	esclarecê-lo	que	a	do
pensamento	 cristão.	Ainda	 falando,	 como	geralmente	 se	 faz,	 de	dever	moral	 e
vendo,	 inclusive,	 neste	 a	 espécie	 mais	 pura	 do	 dever,	 eu	 temo	 que	 os	 dois
campos,	em	lugar	de	diferenciados,	estejam	ainda	confundidos.	A	ideia	do	dever
é	inseparável	da	do	Direito	e	nasce,	portanto,	no	plano	da	economia;	mas	o	plano
moral	está	nitidamente	separado	deste.	Provavelmente	a	contaminatio	se	deve	à
dificuldade	de	encontrar	um	fundamento,	sobre	o	qual	possa	alçar-se	a	moral	se
o	 dever	 não	 a	 sustenta.	 Sem	 este	 apoio,	 nosso	 intelecto	 parece	 quenão	 sabe
avançar,	 como	 acontece	 nos	 primeiros	 passos	 de	 uma	 criança	 quando	 a	 mão
materna	 a	 abandona.	 Para	 resolver	 a	 dificuldade,	 não	 há	 mais	 que	 ler,	 no
Evangelho	de	São	João,	o	discurso	da	despedida.	O	dever	se	faz	inútil	onde	reina
o	amor.	Assim,	o	plano	do	dever	é	superado.	Sobre	o	amor,	não	sobre	o	dever,
deve-se	 apresentar	 o	 conceito	 da	 moral.	 Pela	 assistência	 moral	 entendo,	 pois,
perante	tudo	e	sobre	tudo,	uma	assistência	de	amor.	O	que,	junto	ao	sofrimento,
é	necessário	para	o	recluso,	a	fim	de	que	se	converta	em	livre,	não	é	outra	coisa
que	não	o	amor.	A	assistência	deve	ser	prestada	por	quem	esteja	em	condição	de
amá-lo.	Quem	poderá	ser	este?
Leiamos,	agora,	o	Evangelho	de	São	Mateus:	“Vinde	os	abençoados	do	meu
pai”,	dirá	o	Senhor	àqueles	que	estarão	à	sua	direita,	“...porque...	estava	preso	e
viestes	ver-me”,	e	àqueles	que,	pelo	contrário,	estarão	à	sua	esquerda:	“afastai-
vos	de	mim	malditos...	 já	que...	porque	estava	preso	e	não	me	visitastes”;	e	se
lhe	 perguntam:	 “Senhor,	 quando	 te	 vimos...	 no	 cárcere	 e	 fomos	 te	 visitar?”,
responderá	 também	 o	 Senhor:	 “enquanto	 o	 fizestes	 a	 um	 só,	 o	 menor	 destes
meus	 irmãos,	 a	 Mim	 o	 fizestes”.	 O	 mandamento	 do	 amor	 e,	 em	 virtude	 do
mesmo,	 da	 assistência	 aos	 reclusos,	 é	 essencialmente	 cristão.	Talvez,	 quanto	 a
esta	 espécie	 de	 assistência,	 a	 Igreja	 ainda	 não	 fez	 aquilo	 que	 quanto	 a	 outras
obras	 de	 misericórdia	 tem	 podido	 e	 sabido	 fazer	 (e	 se	 estas	 pobres	 páginas
servissem	 para	 despertar	 a	 sua	 augusta	 iniciativa,	 que	 admirável	 fruto	 teriam
produzido!).	Certamente,	vejo	nela	o	único	 instituto	capaz	de	proporcionar	aos
homens	 idôneos	esta	forma	de	caridade,	do	qual	não	se	 tem	podido	expor	aqui
ainda	 todas	 as	 razões;	 outras	 serão	 explicitadas	 daqui	 a	 pouco,	 ao	 tratar	 de
estudar	o	terceiro	aspecto	do	problema	da	pena.
25.	O	processo	penal	como	pena
Que	a	reclusão	seja,	entre	os	remédios	contra	o	delito	até	agora	conhecidos,	o
único	que,	possuindo,	no	sentido	indicado	por	mim,	eficácia	repressiva,	responda
verdadeiramente	ao	conceito	da	pena,	não	exclui	que	outros	sofrimentos	sejam
ou	possam	ser	ocasionados	ao	réu,	aos	quais	corresponda	igual	caráter,	pelo	que
os	mesmos	devam	colocar-se	entre	as	penas.	Este	é	também	o	tema	sobre	o	qual
as	 reflexões	 aqui	 expostas	 quereriam	 estimular	 a	 invenção	 do	 legislador,
orientando	sobre	o	seu	verdadeiro	princípio	à	técnica	da	pena.
Uma	particular	atenção	merece,	ao	meu	ver,	sob	este	aspecto,	o	 juízo	penal.
Como	se	resolve,	no	juízo,	a	pena,	será	o	tema	do	capítulo	seguinte;	mas	já	neste
deve	 ser	 afirmada	e	demonstrada	a	proposição	 recíproca,	ou	 seja,	que,	por	 sua
vez,	o	juízo	penal	se	resolve	em	uma	pena.
Que	o	juízo	penal	é	um	mal	para	quem	o	sofre	e	que,	por	isso,	lhe	ocasiona
um	sofrimento,	no	que	está	um	caráter	necessário,	já	que	não	suficiente	da	pena,
é	uma	primeira	verdade	manifesta.	Só	se	deve	acrescentar	que,	em	certos	casos	e
pontualmente	 para	 certas	 pessoas,	 este	 sofrimento,	 com	 frequência	 de	 longa
duração,	 é	 mais	 grave	 que	 o	 que	 possa	 sê-lo	 o	 ocasionado	 no	 caso	 de
condenação,	pela	pena	com	a	mesma	determinada;	 tanto	mais	se	esta	é	 leve,	o
peso	da	condenação	ou,	em	geral,	do	processo	a	excede:	se	pudessem,	quantas
pessoas	 quereriam	 pagar	 uma	multa	 ou	 sofrer	 a	 reclusão	 sem	 ser	 condenadas,
antes	que	ser	condenadas	sem	sofrer	aquela	pena!
Por	outra	parte,	 é	 igualmente	 claro	que	 este	 sofrimento	 sirva	 em	 todo	 caso,
tanto	melhor	com	quanto	maior	diligência	se	conduza	o	juízo,	àquela	reeducação
do	 réu,	 na	 que	 se	 resolve	 a	 função	 repressiva	 da	 pena.	 Bem	 ou	 mal,	 o	 juízo
constringe	o	réu	a	viver	novamente	o	delito	e,	por	isso,	acorda	a	sua	consciência;
em	geral,	 é	 o	 juízo	 do	 juiz	 o	 que,	 convencendo-o	 da	 sua	má	 ação,	 lhe	 inspira
vergonha	dela;	e,	junto	ao	juízo	explícito	do	juiz,	o	juízo	tácito	do	público	agrava
o	 seu	 peso.	 Nenhum	 sofrimento	 é	 mais	 eficaz	 que	 este	 para	 determinar	 o
arrependimento,	com	o	que	a	liberdade	está	reconquistada.
Sob	 este	 aspecto,	 ilumina-se	o	 sumo	valor	 do	 juízo	penal,	 o	 qual	 não	 serve
para	 comprovar	 o	 delito	 somente,	 mas	 ao	 mesmo	 tempo	 para	 castigá-lo,
constituindo,	 com	 frequência,	 o	 seu	 mais	 grave	 ou	 até	 o	 seu	 único	 castigo;
deveria,	o	juiz,	entre	outras	coisas,	ter	noção	exata	do	valor	punitivo,	e	portanto
educativo,	 de	 cada	 palavra	 sua	 e,	 inclusive,	 de	 cada	 gesto	 seu,	 para	 apreciar	 a
dignidade	 da	 qual	 está	 investido,	 e	 a	 responsabilidade	 que	 pesa	 sobre	 os	 seus
ombros.	 Sob	 o	 mesmo	 perfil	 deve	 ser	 valorada	 ainda	 a	 publicidade	 do	 juízo
penal,	 a	 qual	 não	 tende	 somente	 ao	 controle	 da	 regularidade	 do	 juízo,	 mas
integra	essencialmente	a	sua	função	punitiva.
Estas	reflexões	servem,	finalmente,	para	determinar,	com	exatidão,	o	alcance,
nas	 suas	várias	 formas,	 do	perdão	 judicial,	 o	qual	 não	 é,	 como	comumente	 se
acredita,	uma	total	remissão	da	pena,	subordinada	ou	não	a	certas	condições;	já
que	 ao	 perdão	 precede	 necessariamente	 a	 condenação	 ou,	 ao	 menos,	 a
comprovação	do	delito	que,	de	outro	modo,	não	poderia	ser	perdoado	pelo	juiz,	o
réu	sofreu,	já,	ao	menos	em	parte,	a	sua	pena.
26.	Delitos4	e	contravenções
O	modo	como	tem	sido	até	agora	apresentada	por	mim	a	diferença	entre	pena
e	medida	de	segurança,	e	o	reconhecimento	de	que,	entre	os	remédios,	aos	quais
a	lei	dá	o	nome	de	pena,	a	reclusão	somente	(em	sentido	amplo),	enquanto	tenha
uma	 certa	 duração,	 é	 uma	 verdadeira	 pena,	 vale	 ainda	 precisar	 o	 valor	 da
distinção	entre	delitos	e	contravenções.
De	todas	as	distinções,	as	que	dão	lugar	à	classificação	das	infrações	puníveis,
esta	 pode	 ser	 considerada	 a	 mais	 antiga	 e	 natural,	 mas	 também	 a	 mais
problemática.	 Corresponde,	 à	 mesma,	 certamente,	 a	 gravidade	 da	 infração
punível;	mas	precisamente	por	isto,	estando	fundada	mais	sobre	a	sua	quantidade
que	 sobre	 a	 sua	 qualidade,	 se	 nos	 tem	 persuadido	 ultimamente	 de	 que	 não	 se
pode	definir	 de	outra	 forma	 senão	 segundo	a	 espécie	da	pena,	 de	maneira	que
sejam	 delitos	 as	 infrações	 castigadas	 com	 certas	 penas	 mais	 graves	 e
contravenções	as	infrações	às	quais	a	lei	comina	certas	penas	mais	leves.
Não	 é	 difícil,	 porém,	 advertir	 que	 assim,	 em	 lugar	 de	 definir	 as	 duas
categorias,	verdadeiramente	se	renuncia	a	defini-las:	já	que,	com	efeito,	a	relação
entre	pena	e	crime,	segundo	a	qual	a	 infração	punível	é	um	prius	e	a	pena	um
posterius,	que	para	uma	infração	seja	estatuída	uma	pena	mais	ou	menos	grave,
quer	 dizer	 que	 a	 mesma	 merece	 ser	 castigada	 mais	 ou	 menos	 gravemente;
depende,	 em	 efeito,	 a	 gravidade	 da	 pena	 da	 gravidade	 da	 infração	 e	 não	 vice-
versa.	Seja	qual	for,	pois,	o	caráter	do	delito	ou	da	contravenção,	o	estudo	deve
realizar-se	sobre	a	infração	punível	em	si	mesma	e	não	sobre	a	pena.
Uma	 orientação	 útil	 para	 este	 estudo	 pode	 proporcionar	 a	 intuição	 de	 um
vínculo	entre	a	distinção	dos	delitos	e	as	contravenções	e	a	distinção	entre	penas
e	 medidas	 de	 segurança.	 Esta	 última	 se	 funda	 sobre	 a	 presença	 ou	 sobre	 a
ausência	da	eficácia	repressiva	no	remédio	contra	a	infração	punível.	No	entanto,
se	 para	 certas	 infrações,	 e	 não	 para	 outras,	 se	 reputa	 suficiente	 a	 medida	 de
segurança,	 ou	 seja,	 um	 remédio	 de	 caráter	 puramente	 preventivo,	 já	 que	 a
repressão	se	resolve	na	reeducação,	é	sinal	de	que	os	primeiros	não	mostram,	no
réu,	 uma	pessoa	que	 tem	necessidade	de	 ser	 reeducada;	 e	 já	 que	 a	 reeducação
tende,	 como	 se	 viu,	 à	 reaquisição	 da	 liberdade,	 é	 sinal	 de	 que	 as	 infrações
puníveis	não	demonstram	uma	perda	de	liberdade.
Neste	 ponto,	 como	 com	 frequência	 ocorre,	 uma	 contribuição	 útil	 ao	 estudo
pode	ser	oferecida	pelo	significado	comum	das	palavras:	delito	 (de	delinquere)
quer	 dizer	 abandono;	 a	 infração,	 assim,	 se	 denota	 como	 uma	 perda	 ou

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