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DADOS DE COPYRIGHT Sobre a Obra: A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura. É expressamente proibida e totalmente repudiável a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo Sobre nós: O Le Livros e seus parceiros disponibilizam conteúdo de dominio publico e propriedade intelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educação devem ser acessíveis e livres a toda e qualquer pessoa. Você pode encontrar mais obras em nosso site: LeLivros.com ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link. "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível." http://lelivros.com/?utm_source=Copyright&utm_medium=cover&utm_campaign=link http://lelivros.com/?utm_source=Copyright&utm_medium=cover&utm_campaign=link http://lelivros.com http://lelivros.com/parceiros/?utm_source=Copyright&utm_medium=cover&utm_campaign=link © Copyright 2015 by Editora Pillares Ltda. Conselho Editorial: Antônio Fábio Medrado de Araújo Armando dos Santos Mesquita Martins Gaetano Dibenedetto Ivan de Oliveira Silva Ivo de Paula José Maria Trepat Cases Luiz Antonio Martins Roberto Victor Pereira Ribeiro Wilson do Prado Tradução e Notas: Ricardo Pérez Banega Revisão: Geórgia Evelyn Franco Luiz Antonio Martins Editoração e capa: Lye Longo Nakagawa Editora Pillares Ltda. Rua Santo Amaro, 586 – Bela Vista Telefones: (11) 3101-5100 – 3105-6374 – CEP: 01315-000 E-mail: editorapillares@ig.com.br – Site: www.editorapillares.com.br TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e a sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal, cf. Lei no 10.695/2003) com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (Lei no 9.610, de 19-02-98). Apresentação A cidade de Udine, na Itália, tem duas grandes realizações em níveis mundiais. A primeira é por ter sido a cidade que abrigou o alto escalão militar da Itália durante a Primeira Guerra Mundial e a segunda por ter sido berço de Francesco Carnelutti, um dos maiores juristas do mundo em todos os tempos. O calendário apontava o dia 15 de maio, data que também marca o dia mundial da família, quando numa manhã nublada pedia para vir ao mundo o iluminado Francesco Carnelutti. O Ser Supremo no apogeu de sua magnitude fez a permissão. Carnelutti respira, então, o primeiro oxigênio extrauterino no dia 15 de maio de 1879, na então bucólica Udine. Naquele momento, não nascia apenas mais uma criança, nascia para o mundo um dos maiores cientistas jurídicos que se tem conhecimento na História. Advogado, Professor e autor de mais de 40 obras jurídicas e humanísticas. Suas obras até os dias hodiernos são leitura obrigatória nos assentos das academias dos cursos de Direito. Nesta redação, daremos, por conta de sua apresentação, uma especial atenção à sua obra Il Problema della Pena, traduzindo para o nosso vernáculo: O Problema da Pena. O livro foi publicado e estreou para o afã dos estudiosos da ciência jurídica no ano de 1945. Nesta obra, Carnelutti já inicia alertando sobre a necessidade de um estudo mais dissecado da pena como sanção: “Sabemos hoje muitas coisas em relação ao delito; mas muitas menos em relação à pena; e o pouco que se sabe dela é mais do lado do corpo que do lado do espírito. É hora de procurar reagir contra esse abandono”. Em face disso, podemos dizer que na grande evolução que o Estado vem passando de milênio para milênio, de século para século, aprendemos uma nova lição que ensina: “o sofrimento físico, a dor do corpo não são mais os elementos constitutivos da pena. O castigo passou de uma arte das sensações insuportáveis a uma economia dos direitos suspensos”.1 A pena moderna que o criminoso deve sentir é aquela “que fere mais a alma do que o corpo”.2 Entra no palco do espetáculo penal a punição moral, aquela que atua na consciência do indivíduo, que sofre não apenas o repúdio e o vitupério social, mas também o seu próprio asco, a sua própria pena mental. Sem dúvida, a pena que lesa a “alma” – em sentido figurado – é bem mais eficaz para a reeducação ou a reflexão da infração cometida do que uma punição corporal, que muitas vezes, senão todas, cria mais raiva e ódio no infrator. Carnelutti nos chamava atenção disso já no início de 1940. Em seguida o jurista italiano propõe que o Direito seja o grande maestro da sociedade: “Se, nas leis da natureza, manifesta-se, aos homens, a ordem do universo […] quando uma lei atua, a ordem se cumpre”. Não podemos olvidar de vista que o Direito é um grande bloco monolítico que nos conduz à paz social e que nos impõe uma evolução baseada na ordem e no respeito. Até porque “Qualquer definição que se pretenda dar do delito faz referência à desordem, a violação de uma lei”. Como tão bem lembrava Foucault, o infrator que vive em sociedade é, antes de tudo, um traidor das regras e tratos sociais, desferindo golpe desleal nas entranhas do habitat onde vive e existe socialmente. Rousseau também enxergava desta maneira: “Todo malfeitor, atacando o direito social, torna-se, por seus crimes, rebelde e traidor da pátria; a conservação do Estado é então incompatível com a sua”.3 Carnelutti ensinava que a pena deveria ser uma prevenção dos delitos que porventura ocorressem de forma ulterior: “Se aquilo que é feito é feito e não pode converter-se em não feito, a pena poderá, naturalmente, impedir um novo feito, mas não eliminar o feito já acontecido; tal é o fundamento da inclinação a resolver em ne pecetur o quia peccatum est ou, como costumamos dizer, a repressão na prevenção. Não se pode negar que, quando se contrapõe esta àquela, a ideia de repressão é melhor intuída que concebida, ou seja, expressada em um conceito: à pergunta por que se reprime, nós não saberíamos, em definitivo, responder senão porque se reprimindo se previne um novo delito; mas assim, inadvertidamente, o pensamento desliza de um conceito a outro”. Não se deve não querer cometer delitos por medo da sanção, mas sim por educação de saber o certo e o errado. Uma vida ceifada do interior da sociedade não poderá mais ser restaurada, logo se o Estado quer punir aquele que errou deve, antes de tudo, educá-lo, pois a “quem muito é dado, muito poderá ser cobrado”. Não é ceifando novas vidas nos cárceres sombrios de nosso sistema penitenciário que vamos devolver as vidas extintas. Afinal, “o caráter penal da reclusão não depende do sacrifício de um interesse, mas da inexistência de outro interesse do recluso que predomine sobre o mudar de local ou, mais simplesmente, da falta de sua espontaneidade; com efeito, se a clausura for espontânea, não só não será uma pena, mas pode ser até um prêmio”. Carnelutti nos faz entender que a prisão já cerceia um dos bens mais importantes da vida: a liberdade. Devemos sim, punir os infratores com a privação de suas liberdades, já que a prisão, no momento, é a “pena por excelência”, mas para isso devemos dar condições humanas para uma regeneração de corpo e do espírito. Umaeducação de base somada com condições salutares fornecerão ao reeducando o seu retorno à sociedade que lhe expurgou do seu meio. Não devemos desejar prisões parecidas com os antigos porões medievais ou calabouços sombrios. O objetivo da pena é fazer o infrator refletir acerca de seus atos, e não fazer com que o mesmo fique, de fato, selvagem completo. Tirar do ser humano a liberdade, isto é, não permitindo a ele a faculdade de se locomover para onde queira já é, por si só, uma sanção exemplar. Qual o sentido de termos prisões nos modelos hodiernos: sujas, quentes, desumanas, lotadas, escuras etc.? A reclusão não deve somente separar celularmente um homem/mulher, deve, antes de tudo, ter como fim almejado o de fazer nascer ou reviver um novo homem/mulher. Concordamos com Carnelutti quando o mesmo diz que não devemos só pensar em reeducar socialmente um apenado, mas sim lhe fornecer uma educação moral. A pena, caros leitores, é algo que se tira do infrator e não que se permita [o Estado] fazer. O Estado não tem a permissão da sociedade para só encaixotar os seus detentos. No delito é o corpo que domina o espírito e a pena é a dominação desse corpo que viola as leis naturais e sociais. Nem todo delinquente é mau. Delinquir, às vezes, acontece em virtude das ausências da educação, da religiosidade, da paciência, do respeito etc. A essência do homem é boa. O ambiente o corrompe ou lhe demonstra o mal. Por isso, como asseverava Enrico Ferri: “o trabalho do advogado do crime é, também, um pouco o de cura das almas”. É necessário que a pena aja na vida dos apenados como um “arrependimento; uma condenação de si mesmo; a penitência e a espontânea expiação”. A pena como pedagoga do Direito em sociedade existe para “que os servos se convertam em livres, e que se aumente a liberdade dos livres”. Nunca para matar. Institucionalizar a pena de morte, como existe em alguns Estados, é com certeza retroceder nos avanços da evolução racional humana. Como tão bem proclamava Carnelutti: “matar o réu pode ser uma medida de segurança; mas uma pena não.” A prisão ou a pena pecuniária, como exemplos, servem para “dar, novamente ao castigado, a liberdade”, para que ele seja a prova viva de que a pena, se bem aplicada, recupera os que claudicaram em suas vidas morais e sociais. “Para corrigir o réu é necessário conservar-lhe a vida”. A vida recuperada de um ex-detento deverá ser o grande exemplo lapidar para a humanidade. Jamais se deve usar como exemplo os corpos supliciados ou os corpos dos apenados entulhados como já visto no passado no holocausto dos judeus. Na verdade, o que o povo precisa não é de cenas chocantes de violência praticadas pelo Estado, que deveria ser a mãe e o pai de todos os cidadãos, mas sim de uma educação mais perene, mais justa, mais fraterna e mais frequente. Bertold Brecht dizia: “Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis”. Francesco Carnelutti é um desses seres que eternamente serão imprescindíveis para os seus epígonos. A obra “O Problema da Pena” traz essas e outras lições e nos ensina de forma peremptória que a pena como objetivo de desenvolvimento de uma sociedade não comporta que da “vida de um homem nenhum outro, qualquer que seja a sua autoridade e qualquer que seja a sua razão, [tem o direito de] dispor sem usurpar o poder de Deus”. ROBERTO VICTOR PEREIRA RIBEIRO Advogado, Assessor Jurídico Especial da Procuradoria Geral de Justiça do Ceará, Jornalista, Escritor, Professor de Direito Penal, Direito Processual Civil, Direito do Consumidor, Introdução ao Estudo do Direito, Membro da Academia Cearense de Letras Jurídicas, do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos, Ex-Juiz-Conselheiro do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, secção Ceará e autor das seguintes obras: O Julgamento de Jesus Cristo sob a luz do Direito; O Julgamento de Sócrates sob a luz do Direito; Questões Relevantes de Direito Penal e Processual Penal e Voando com os Deuses da História. 1 RIBEIRO, Roberto Victor Pereira. Vigiar e Punir – Ideias sociais e jurídicas na obra de Foucault. São Paulo: Revista Magister de Direito Penal e Processo Penal, Magister, 2013. 2 MABLY, G. De La Législation. Ouevres Completes. 1789, p. 326. 3 ROUSSEAU, J. J. Do Contrato Social. São Paulo: Pillares, 2013. Caros amigos: Devo à paz de sua casa hospitaleira a possibilidade de ter continuado meditando a respeito de um tema altíssimo; tão alto que talvez não seja possível chegar mais acima na escala do saber ou, ao menos, na de saber o Direito. Para ninguém senão para vocês poderiam ir dedicadas as breves páginas em que se recolhem estas meditações. O problema da pena, que é no fundo, uma servidão, é, e não pode deixar de ser, o problema da liberdade. Constitui uma casualidade que o fruto, já maduro, tenha caído da árvore entre vocês? “Liberi, come gli avi; e prià morte che, vivendo, il servaggio”*. Não há casualidades na vida, senão só um divino desígnio que os homens, com frequência, não conseguem decifrar. O fruto separou-se da árvore com a brisa, que me reanimou em Val di Muggio quando, em um meio-dia de domingo, a bondade me veio ao encontro, entre um repicar de sinos e de tosquias, com a antiga vestidura de um pastor. O pequeno livro tem, infelizmente, o defeito dos últimos meus: o pensamento destilado, o mesmo que a água: não é boa para o consumo sem uma certa preparação. É necessário que o leitor tenha paciência e “se vire” como puder. Ademais, nos meus livros mais recentes (particularmente na Introdução ao Estudo do Direito), poder-se-ão encontrar os elementos para isso. Em certo momento do seu desenvolvimento, ocorre, a certos pensadores, um fato singular e, além de tudo, desagradável: toleram cada vez menos a confusão das palavras. Do que quase não me atrevo a aduzir um grandíssimo exemplo que, ainda reconhecendo as distâncias, constituiria um ato de soberba da minha parte; mas, finalmente, o desdém de Beethoven pelo “maldito instrumento” o experimento eu também. Da servidão da linguagem, que é um corpo, o espírito gostaria de se ver livre; também este é um anseio de liberdade, da suprema liberdade, que daqui a pouco me espera, se Deus me ajudar a saber merecer. Faço esta observação a fim de pedir perdão a vocês e aos demais leitores, por não ter sabido escrever um livro preparado, diria, para a degustação. Porém, não estando destinada esta obra a entreter, mas a fazer pensar por sua vez àqueles aos quais incumbe a tremenda responsabilidade do poder, espero que o defeito não o faça completamente inútil. Redigido e publicado entre vocês, o livro está destinado a voltar à Itália, onde, em grande parte, foi idealizado. Na reconstrução de nossas leis, que – com a ajuda de Deus – se deverá fazer, o Direito Penal não pode deixar de ter um dos primeiros lugares. Sob uma pompa de conceitos barrocos, mais do que clássicos, o Direito Penal italiano, Zanardelli a Alfredo Rocco, infelizmente se degenerou. Uma comparação, mesmo sumária, entre seu código e o nosso nos pode dar a prova disso: não obstante ser o Direito Penal suíço tecnicamente perfeito, emana dele, como de tudo neste país, um ar de simples humanidade, que edifica e consola. No fundo, o que auguro ao Direito Penal da minha pátria é que chegue a ser simples e humano. A essa finalidade tende este pequeno livro. Faz vários anos que, em uma tenaz competição, os italianos tiraram, dos alemães, a primazia na ciência do Direito. Mas não têm barreiras os caminhos do pensamento. Não importa que as cidades da Itália estejam devastadas se sabemosfazer resplandecer, nelas, a luz do talento. As horas mais escuras de nossa história têm estado sempre iluminadas por ela. Nossa superioridade era no campo do Direito Penal, em que mais se manifestava; mas esses campos, se não são assiduamente trabalhados, logo se fazem estéreis. Sabemos hoje muitas coisas em relação ao delito; mas muitas menos em relação à pena; e o pouco que se sabe acerca dela é mais do lado do corpo que do lado do espírito. É hora de procurar reagir contra esse abandono. Para contribuir com as minhas pobres forças, tenho que acrescentar que o trabalho tem confortado a dor do exílio (consolo), tornando-me também, deste, o seu devedor. Francesco Carnelutti Outubro de 1943. À família do advogado Arnaldo Bolla. Bellinzona. * Livres como os antepassados; é melhor a morte que, vivendo, a servidão. Sumário Capítulo 1 - Pena e Delito 1. A experiência da réplica 2. A pena como dano 3. Relação causal entre delito e pena 4. Relação entre o ofendido e o que inflige o castigo 5. Relação formal entre pena e delito 6. Lei natural da pena 7. A pena como restauração da ordem 8. A pena como repressão do delito 9. Eficácia preventiva da pena Capítulo 2 - Pena e Liberdade 10. Correlação entre delito e pena 11. Lei de Talião 12. Evolução da pena 13. Equivalência entre delito e pena 14. A pena como sujeição 15. O delito e a liberdade 16. Homogeneidade entre delito e pena 17. Heterogeneidade entre delito e pena 18. Pena, arrependimento, penitência 19. Pena de morte 20. Penas e medidas de segurança 21. Medidas de segurança pecuniárias 22. Medidas de segurança corporais 23. Reclusão 24. Problema espiritual da reclusão 25. O processo penal como pena 26. Delitos e contravenções Capítulo 3 - Pena e Juízo 27. Pena privada e pública 28. A pena como processo 29. Cognição e execução penal 30. Dificuldade do juízo penal 31. Erros judiciais 32. Processo penal e processo civil 33. Caráter da jurisdição penal 34. A analogia no Direito Penal 35. A simplificação do Direito Penal 36. Coisa julgada e preclusão no juízo penal 37. Limite de perfeição do juízo penal 38. O amor e o juízo 39. O amor e a expiação Capítulo 1 Pena e Delito 1. A experiência da réplica – 2. A pena como dano – 3. Relação causal entre delito e pena – 4. Relação entre o ofendido e o que inflige o castigo – 5. Relação formal entre pena e delito – 6. Lei natural da pena – 7. A pena como restauração da ordem – 8. A pena como repressão do delito – 9. Eficácia preventiva da pena. 1. A experiência da réplica Para realizar uma investigação científica, necessita-se, antes de tudo, da redução do dado aos termos mínimos ou, em outras palavras, sua simplificação. O dado penal, na fase atual da civilização, está complicado por algumas superestruturas, as quais ocultam, como uma casca, a forma originária. Para simplificá-lo, um expediente útil é a observação daqueles povos e daquelas pessoas sobre os quais ainda não operou a civilização; tais são, por exemplo, as crianças. É raro que uma criança não reaja diante de uma ofensa; se observarmos a sua reação, descobrem-se facilmente nela os caracteres da pena. Quando um companheiro de brincadeiras lhe diz uma palavra insolente, que ele considera não ter merecido, a reação consiste em devolvê-la, o que quer dizer injuriar, por sua vez, com frequência, com a mesma palavra, ao injuriador; se alguém o censura pela injúria proferida, ele imediatamente se justifica alegando a injúria recebida. Tentemos refletir um pouco acerca desta experiência elementar. 2. A pena como dano Uma observação elementar nos mostra que a segunda injúria, assim como a primeira, é um mal. Enquanto cada uma delas é considerada em si mesma, independentemente da relação recíproca, nenhuma diferença pode se apreciar entre uma e outra: se a quem me dirige uma palavra injuriosa lhe respondo com a mesma palavra, cada um de nós faz exatamente a mesma coisa. Se, no segundo destes atos, como se dirá daqui a pouco, se deve ver uma pena, isso significa que também a pena, assim como o delito, é um mal ou, em termos econômicos, um dano; quando o homicida, por sua vez, é morto pelo carrasco, em lugar de uma só, há duas mortes: parece, por isso, à primeira vista, que o castigo, a um mal, agrega outro. 3. Relação causal entre delito e pena Entre os dois males agora observados, aprecia-se, porém, uma relação cronológica no sentido de que um desses precede ao outro. Se dois males, ou se quer dizer danos, são simultâneos, nenhum dos dois pode ser uma pena com respeito ao outro. Verdadeiramente, a relação entre delito e pena é tal que o delito é um prius e a pena um posterius. Mas é também certo que a relação cronológica entre dois males, mesmo quando seja necessária, não é suficiente para fazer de um desses com relação ao outro uma pena: se as injúrias proferidas por mim são várias, mesmo quando uma delas não possa deixar de ser produzida depois da outra, qualquer um compreende que a segunda poderá ser outro delito, mas uma pena não. É, portanto, fácil intuir que um mal, para ser uma pena, não deve ser a respeito de outro somente um post hoc, porém um propter hoc; a relação cronológica entre eles é um aspecto da relação causal. Se, segundo a lei penal, quem injuria aquele que o injuriou, concorrendo certas condições, não comete um delito precisamente porque, como veremos, inflige uma pena; isso depende de que a segunda injúria deriva da primeira. A alegação que, perante a censura pela injúria proferida, a criança faz da injúria recebida, quer dizer precisamente isto: que a causa do que ele fez está fora dele, que não fez mais do que dar continuação a algo não começado por ele; por isso ele, com frequência, antepõe ou conclui não ter sido causa ou não ter culpa do que ocorreu. 4. Relação entre o ofendido e o que inflige o castigo Da relação causal entre um mal e o outro, de onde provém para este último o caráter de pena, encontra-se, no caso que estamos observando, um sintoma na identidade da pessoa, que sofre o primeiro e inflige o segundo; aparece assim que o segundo mal é, como se diz, uma reação contra o primeiro. Por agora basta que tal identidade seja observada. Veremos que, com a evolução do instituto penal, a qual em primeiro lugar se resolve na substituição da pena pública pela pena privada, este caráter parece ter-se perdido; mas não se trata mais que de uma aparência, e uma observação mais atenta poderá nos mostrar até que ponto a mesma corresponda à realidade. 5. Relação formal entre pena e delito Outro sintoma da relação causal no dado proposto é a identidade, não só entre a pessoa que padece de um mal e produz outro, mas também entre o mal sofrido e o mal infligido: identidade, pois, objetiva além de subjetiva. No exemplo sobre o qual até agora trabalhamos, também, sob este aspecto, a identidade é manifesta: embora não seja essencial, é natural que a réplica da injúria – a qual precisamente se explica pelo caráter de pena reconhecido à injúria lançada pelo injuriado –, consista no ato de retribuir, que este realiza com respeito ao injuriador, a mesma ofensa que recebeu dele. Também este é um modo de ser da pena, o qual, no caminho do progresso do instituto penal, parece que vai se perdendo: a identidade objetiva é manifesta na fórmula do Talião, mas o Talião pertence a uma fase primitiva do Direito, o qual, à medida que a supera, parece afastar, do ponto de vista da identidade objetiva, o delito da pena; em particular, esta impressão está determinada por uma tendência notável do Direito Penal moderno, no qual à crescente multiplicidade de delitos corresponde uma sempre crescente uniformidade das penas. Prescindindo, por agora, detodo o esclarecimento deste fenômeno, será necessário observar mais adiante se, sob a aparente heterogeneidade formal do delito e da pena, não existe uma mais profunda identidade, a qual reconduza também as manifestações mais evoluídas do Direito Penal à verdade intuída pela lei do Talião. 6. Lei natural da pena Se, meditando sempre sobre o simples dado que nos serviu como ponto de partida, tentamos agora explicar o propter hoc que, enquanto relaciona o delito à pena, contém o segredo desta, se nos ocorre comparar aquele dado ao rebote de uma bola: quando alguém devolve a injúria recebida, dir-se-ia que a injúria retorna ao injuriador, da mesma maneira que o eco faz retornar uma palavra a quem a pronunciou. Conceber a pena à maneira do eco do delito é certamente uma metáfora; porém, comparando, como tenho dito muitas vezes, os argumentos às réplicas, que fazem menos áspero o caminho do pensamento, se verá em seguida como esta expressão é útil para aproximar-nos da meta. Uma causa e um efeito não se podem dar sem uma lei. Quando uma bola lançada contra o muro rebota, da mesma forma que, em certas condições, um som repercute, os físicos ensinam que ocorre assim, uma lei natural, a qual eles conseguem formular exatamente. No campo penal, nós observamos séries de fenômenos igualmente constantes, dos quais resulta igualmente certo que estão vinculados por uma lei natural. Admitir que responda a uma lei, o rebote de uma bola, ou a repercussão do som e que, no entanto, a réplica de uma injúria não seja mais do que um fato, não se pode explicar senão com uma atitude mental, ou melhor, com um hábito mental, que – se as ciências sociais querem finalmente sair do estado de inferioridade em que, relativamente às ciências físicas, infelizmente têm permanecido – devem-se superar. Quando a relação entre dois fatos se repete de um modo uniforme, o fato desaparece. Por outra parte, não sendo nosso fazer outra coisa que um refazer, assim como nosso pensar não é outra coisa que um encontrar, se os homens formaram leis segundo as quais quem comete um delito é castigado (ou seja, que o delito se vincula à pena), estas leis artificiais não podem deixar de ter seu modelo em uma lei natural, da qual a lei jurídica é uma imitação. Não se pode dar a esta lei outra fórmula senão dizendo que a um mal determinado pelo homem quando concorram certas características deve seguir outro mal proporcionado àquele; determinar essas características é necessário, portanto, para a mais exata formulação da lei, e este é o propósito da teoria do delito. Esta lei é, pois, uma lei natural, que constitui o fundamento das leis jurídicas penais; tão natural como as leis que regulam o movimento dos astros ou a queda dos corpos; e se esta lei não existisse, não poderia existir a pena e, correlativamente, o delito. 7. A pena como restauração da ordem Agora se deve tratar de levar a investigação um pouco mais adiante, refletindo sobre aquela relação das leis com a ordem, que constitui um dos temas mais altos a respeito dos quais possa trabalhar o pensamento. Se, nas leis da natureza, manifesta-se, aos homens, a ordem do universo que só através das leis eles conseguem compreender bem, quando uma lei atua, a ordem se cumpre; por isso, a função de um efeito ou, em suma, o porquê da sua vinculação à causa é sua correspondência à ordem do universo, ou seja, a contribuição que se adiciona ao seu cumprimento. Qualquer definição que se pretenda dar do delito faz referência à desordem; em tal conceito, resolve-se a violação de uma lei. A desordem é como um rompimento de equilíbrio, que põe, em movimento, forças para restabelecê-lo. À desordem deve seguir algo que valha para eliminá-la. Este algo é a pena, cuja razão, portanto, consiste na restauração da ordem violada. Assim se vê que a pena é, naturalmente, um igual porque é um contrário do delito. Que a sua função seja a expressada, além de deduzir-se racionalmente da existência de uma lei, que liga a pena ao delito, empiricamente se “evidencia pela conformidade que os homens experimentam perante a pena expiada por quem cometeu o delito. A consciência não é talvez outra coisa, depois de tudo, que sensibilidade à ordem, cuja turbação provoca em nós um sofrimento, e cujo restabelecimento, porém, ao eliminar o sofrimento, satisfaz uma necessidade. Que a morte do matador ocasione aos terceiros um estado de ânimo, mais que diverso, contrário àquele derivado da morte da vítima, é uma experiência segura e decisiva. Se existisse um aparato apto a registrar estas reações, as suas indicações se inverteriam, segundo que uma injúria seja ou não seja lançada contra quem, pela sua vez, injuriou”. 8. A pena como repressão do delito Este modo de conceber a razão da pena pode pôr um grave obstáculo à concepção, ou melhor, à limitação, temporal da realidade, tal como se expressa na fórmula factum infectum fieri nequit. Se aquilo que é feito é feito e não pode converter-se em não feito, a pena poderá, naturalmente, impedir um novo feito, mas não eliminar o feito já acontecido; tal é o fundamento da inclinação a resolver em ne peccetur o quia peccatum est ou, como costumamos dizer, a repressão na prevenção. Não se pode negar que, quando se contrapõe esta àquela, a ideia da repressão é melhor intuída que concebida, ou seja, expressada em um conceito: à pergunta por que se reprime, nós não saberíamos, em definitivo, responder senão porque reprimindo se previne um novo delito; mas assim, inadvertidamente, o pensamento desliza de um conceito a outro. A verdade é que só operando no campo do espírito e por isso superando, com a substituição do eterno pelo caduco, a concepção temporal da realidade, podemos entender a verdade da repressão como restauração da ordem violada. Por isso, tampouco o problema da pena se resolve sem a ajuda de alguns instrumentos elementares do pensamento, entre os quais, o conceito do tempo tem uma importância particular. É necessário saber que o tempo, como o espaço, do qual é uma simplificação, e também a forma, da qual por sua vez o espaço se abstrai, não são mais que aparências, com as quais a realidade se manifesta ao nosso limitado intelecto, incapaz de compreendê-la bem na infinidade, que é a sua verdade. Por isso, que aquilo que é feito não possa converter-se em não feito é algo que nos aparece porque nossos olhos não conseguem ver a repressão; nós somos como os animais que sabem caminhar por uma via somente; mas este limite, em virtude do qual, com expressão vulgar, o tempo não volta atrás, está em nós, não na realidade. No entanto, se com nossos sentidos estamos condenados dentro desse limite, com a razão podemos tratar de superá-lo. Quando, do conceito das leis, que são abstrações da ordem, conseguimos atingir a sua síntese, isto é, a ordem em si mesma, não nos encontramos já sobre o plano do finito. O infinito não sabemos como é; mas que é, constitui o resultado de nossa experiência mais segura. Se não podemos, durante a vida terrena, evadir-nos do tempo, devemos, porém, estar certos de que a realidade está fora do mesmo. Depois disso, o factum infectum fieri nequit já não deveria impedir-nos de isolar a repressão da prevenção e reconhecer nela a razão fundamental da pena. Da pena é necessário ter o atrevimento de pensar que possui verdadeiramente a virtude, não tanto de prevenir um delito ainda não cometido, como de eliminar o delito já cometido. Aos juristas, ajuda-os, neste ponto, o conceito da restitutio in integrum, útil ao menoscomo sintoma de nossa necessidade de retroversão do tempo. A este propósito, costumam eles falar de ficções; mas não existem ficções sem um modelo real; e o modelo nos proporciona a intuição de um mundo sem tempo. De todas as maneiras, se queremos ater-nos a uma quota mais acessível do pensamento, bastará dizer que se o dano como feito material não se presta a ser cancelado, outra coisa ocorre quanto ao delito como feito espiritual porque, para o espírito, que é eterno, não existe passado. Mais adiante, ao tratar de esclarecer as relações entre o delito ou a pena e a liberdade, pode ocorrer que esta verdade, tão luminosa como para deslumbrar a quem a olhe, possa surpreender-nos um pouco menos. Aqui acrescento que para este esforço e para este triunfo do pensamento estão mais bem preparados aqueles aos quais a fé cristã abriu as portas do arrependimento e do perdão. O cristão, ainda quando não chegue a ver como ocorre isto, não experimenta nenhuma dificuldade para acreditar que o arrependimento mereça o perdão e que o perdão destrua o pecado. Uma razão mais para convencer-se de que a fé abre os olhos à ciência em vez de fechá-los. Espero poder esclarecer, daqui a pouco, a parte que tenha o arrependimento na teoria da pena. Deriva de tudo isto que, no terreno da terminologia, convém muito mais, para definir a função da pena, o conceito da repressão que o da retribuição. Este último ajuda, naturalmente, a pôr o acento sobre o seu fundamento moral, mas muito menos a denotar a relação entre pena e delito, a verdade da qual está na eficácia eliminativa da primeira a respeito do segundo, de onde, se no plano do finito a pena se agrega ao delito, no plano do infinito se lhe contrapõe e o cancela. Reprimir se diz precisamente de uma ação, a qual impede que alguma coisa venha ao mundo ou permaneça no mundo, exercitando uma pressão contrária àquela pela qual a mesma tende a vir ou a permanecer. Se a primeira impressão de quem observa o delito ou a pena é, como eu mesmo tenho assinalado, que a pena seja outro mal, e daí que a relação entre eles se definiria com a fórmula aritmética da adição: d (delito) + p (pena), esta, se continuamos refletindo, se manifesta como uma impressão falaz, de onde à fórmula da adição aritmeticamente se substitui a da subtração d – p; mais eficaz é a representação algébrica, a qual permite construir a pena como um número negativo, de maneira que a soma dela com o delito, enquanto o segundo mal seja verdadeiramente proporcional ao primeiro, deveria ser zero; como possa ser este, o resultado da operação, é o aspecto prático do problema da pena. 9. Eficácia preventiva da pena O que até agora se disse não exclui, em absoluto, que, além da função repressiva, consistente em restaurar a ordem violada, a pena tenha, ainda, a de impedir as suas ulteriores violações; mas são duas funções distintas e diversas e a diversidade se resolve em uma preeminência da primeira em comparação com a qual a segunda é uma função acessória. Isto quer dizer, sobretudo, que mesmo quando pudesse ser seguramente excluído que o delito possa repetir-se por obra de quem o cometeu, ou de outros, a pena, porém, deveria ser infligida porque a sua finalidade primeira não é a de impedir que outros delitos aconteçam, porém a de obter que o delito cometido seja cancelado. Não ter percebido esta verdade é o erro mais grave da escola positiva; erro inevitável, porque a direção positivista (ou se pode dizer, sem inexatidão, materialista) do pensamento devia precluir o passo do finito ao infinito ou, em outras palavras, do corpo ao espírito, aprisionando o problema dentro dos confins da defesa social e confundindo, assim, como se dirá melhor, a medida de segurança com a pena. Pode parecer, à primeira vista, que este erro teórico se traduza praticamente no instituto do perdão judicial em qualquer uma das suas formas; mas que quando o juiz, comprovado o delito, não inflige a pena, não corresponda ao delito nenhuma pena é uma ilusão, que espero dissipar daqui a pouco; a verdade é que, acreditando não castigar nestes casos, porém, se castiga e, portanto, não obstante a falsa opinião dos homens, opera corretamente a natureza. Assim como fora do campo espiritual, a função repressiva da pena não pode ser compreendida. O mesmo ocorre, também, quando se fala de repressão – sendo esta confundida com a vingança – o que, de certa forma, o novíssimo Direito Penal alemão oferece mais de um triste exemplo; ao menos os positivistas têm tido o mérito de substituir a vingança pela defesa social. E isto, entenda-se bem, não é um mérito de escassa importância. Que, no tema verdadeiro da pena, a função preventiva se coloque em segundo plano, não diminui, em absoluto, o seu valor. A verdade é que, na luta contra o delito, a prevenção não tem menos importância que na luta contra a doença. Há também remédios cuja eficácia é somente preventiva: tais são as medidas de segurança. Politicamente, deve-se, em grande parte, à escola positiva, o impulso para o seu desenvolvimento. Cientificamente, sua contribuição tem sido esclarecer o conceito, o qual havia estado até agora incluído no conceito da pena; por desgraça, segundo a lei do pêndulo, boa também para a evolução da ciência, a mesma tem caído, porém, no excesso contrário: antes, a pena absorvia a medida de segurança; depois, a medida de segurança absorveu a pena. O resultado científico, ao que este estudo tende, deveria ser o de realizar a excisão dos dois conceitos. Como sempre, esta exatidão é a premissa necessária para a solução prática do máximo problema penal. Capítulo 2 Pena e Liberdade 10. Correlação entre delito e pena – 11. Lei de Talião – 12. Evolução da pena – 13. Equivalência entre delito e pena – 14. A pena como sujeição – 15. O delito e a liberdade – 16. Homogeneidade entre delito e pena – 17. Heterogeneidade entre delito e pena – 18. Pena, arrependimento, penitência – 19. Pena de morte – 20. Penas e medidas de segurança – 21. Medidas de segurança pecuniárias – 22. Medidas de segurança corporais – 23. Reclusão – 24. Problema espiritual da reclusão – 25. O processo penal como pena – 26. Delitos e contravenções. 10. Correlação entre delito e pena Na fórmula matemática que nos serviu para esclarecer a função da pena, se o resultado da soma dos dois números que representam, respectivamente, o delito e a pena, tem de ser igual a zero, estes dois números, positivo e negativo, devem igualar-se: se d — p = 0, é claro que d = p. Em palavras simples, delito e pena devem ser, exatamente, anverso e reverso de uma mesma medalha; a diferença não está mais em ser um o anverso e outro o reverso, ou seja, algebricamente, um um mais e outro um menos. Agora bem, para conhecer, depois da função, a estrutura da pena, convém meditar em relação a tal igualdade e a tal diferença. 11. Lei de Talião À primeira vista, dir-se-ia que os dois males, em que respectivamente delito e pena consistem, devem resolver-se em um sofrimento do ofensor idêntico ao sofrimento do ofendido. A esta solução primitiva do problema da pena, vimos já que corresponde ao problema do Talião. A raiz deste princípio é tão profunda que, não obstante o tão elogiado progresso do instituto penal, a mesma não foi completamente extirpada nos povos civilizados; em particular a morte do réu, onde tem sido conservada ou restabelecida pelas leis, é só daquele princípio do que repete verdadeiramente o seu caráter penal; quando, por exemplo, as formas mais graves do homicídio são castigadas com a morte, não se explica de outra maneira a função repressiva desta medida senão infligindo ao ofensor o mesmo mal que ele ocasionou ao ofendido. Se, emrigor, parece que não se possa dizer isto quanto aos delitos que, castigando-se com a morte, são diversos do homicídio, a relação entre eles se estabelece, entre os dois males ocasionados ao ofensor e ao ofendido, se não com respeito à qualidade, com respeito à quantidade, e daí a pena capital, que se considera como o mal mais grave que se pode ocasionar ao ofensor, parece adequar-se aos delitos, pelos quais o ofendido sofre o dano mais grave que, pelo ofensor, possa lhe ser produzido. 12. Evolução da pena Mas que à semelhança, qualitativa ou quantitativa, entre o delito e a pena, se deva a sua eficácia repressiva, é fruto de uma visão do problema totalmente ingênua e superficial, cuja razão se deixará explícita ao tratar, daqui a pouco, de descobrir esta eficácia. A verdade é que tal semelhança se atribui aos dois termos do binômio um valor aritmético igual, não confere, de maneira alguma, ao segundo, um valor negativo; o erro da lei de Talião está, pois, em somar os dois males em lugar de subtrair o segundo do primeiro. Por isso, hoje em dia, se reconhece universalmente, ao menos de palavra, a sua incivilidade, até o ponto em que, nas leis modernas, no que se refere à maior parte dos delitos, está abandonada. Quem deseje ter a confirmação disto pode refletir que, enquanto a sua atuação implicaria igual variedade de penas e de delitos, é um caráter terminante do Direito Penal moderno, a diferença, e até o contraste, do ponto de vista da qualidade, entre o delito e a pena: as variedades do delito vão sendo cada dia maiores enquanto as variedades da pena, com o progresso do Direito, vão sendo cada dia menores; hoje em dia as penas se reduzem, entre os povos verdadeiramente civilizados, ou ao menos parecem reduzir-se à reclusão (entendida em sentido genérico, que compreende toda espécie de pena carcerária; sentido no qual esta palavra será usada sempre aqui) ou à obrigação de pagar uma soma de dinheiro (também em sentido genérico, multa). Uma igualdade, qualitativa ou quantitativa, na relação entre pena e delito, do mal ocasionado às duas partes, fica, pois, excluída. A questão relativa à origem histórica destas duas penas não apresenta dificuldades: a multa deriva do ressarcimento, o qual, seguindo um conhecido desenvolvimento, pôs fim à pena privada; e a reclusão deriva do cárcere, medida preventiva para assegurar o culpado à justiça. Mas, que instituição se encerra nestes processos históricos? Por que, e até que ponto, estes males ocasionados, ao réu, podem exercer eficácia repressiva sobre o delito e por isso têm caráter penal? Sob a aparente diversidade entre o malum passionis e o malum actionis, pode encontrar-se uma identidade substancial? Se não me equivoco, do ponto de vista da estrutura da pena, é este o nó do problema. 13. Equivalência entre delito e pena A exigência de que os dois termos do binômio penal, delito e pena, sejam equivalentes, é incontestável. A matemática, dir-se-ia, não é uma opinião: se p + d = 0, não há forma de escapar à equivalência das duas parcelas, na ordem positiva e negativa. Portanto, quando àquele que matou, roubou ou injuriou se lhe infligem anos ou meses de reclusão ou então se lhe fazem pagar milhares ou centenas de liras de multa, mesmo quando os bens – no gozo dos quais o ofensor e o ofendido são lesados – sejam diversos, alguma coisa deve ser comum entre os dois fatos (se o segundo tem que ter com respeito ao primeiro o caráter de pena). Para resolver logicamente o problema, a via é, pois, a de investigar o tema da equivalência. 14. A pena como sujeição Quem se pergunta por que a reclusão é uma pena, no primeiro momento, está tentado responder que estar sempre fechado no mesmo lugar é um sofrimento ou, tecnicamente, a lesão de um interesse. Em geral, assim é: a maior parte de nós, com efeito, prefere mudar com frequência de sede; mas há também homens que à vida de movimento preferem a clausura. Basta esta observação para convir que o caráter penal da reclusão não depende do sacrifício de um interesse, mas da inexistência de outro interesse do recluso que predomine sobre o de mudar de local ou, mais simplesmente, da falta da sua espontaneidade; com efeito, se a clausura for espontânea, não só não será uma pena, mas pode ser até um prêmio. O mesmo raciocínio vale para qualquer outro gênero de pena. Entregar dinheiro ao Estado é verdadeiramente uma pena se sou obrigado a isso; mas quando se trata de uma oblação espontânea, desaparece o caráter penal. Também o cancelamento, por exemplo, de um registro profissional, pode ser uma pena; mas pode também não sê-lo quando, correspondendo a um interesse daquele de quem é cancelado, seja pedido pelo mesmo. O significado destas simples reflexões é que certas medidas impostas pela lei, as quais se resolvem em privação de bens ou lesão de interesses, tanto adquirem caráter de pena quanto não sejam queridas por quem as sofre. Se este as quer é, como se costuma dizer, exercício de liberdade; o verdadeiro caráter da pena não consiste na privação de um bem, mas na sujeição de que a mesma seja fruto. 15. O delito e a liberdade Ao chegar a este ponto, insere-se, no discurso, o conceito de liberdade, pelo qual o problema da pena está originariamente dominado. Nem este problema nem qualquer outro, que toque os fundamentos do Direito, pode ser afrontado por quem não tenha ideias claras em relação à liberdade. Por isso considero uma sorte, e até um presente da providência, ter chegado a estes estudos quase ao final da minha vida, quando assíduas meditações, sobre minhas mais fecundas experiências, tenham me proporcionado tamanha clareza; e posso indicar entre os meus livros, não só a Introduzione allo studio del diritto, mas as mesmas Meditazioni – em aparência tão apartadas da matéria jurídica – como a indispensável premissa das atuais investigações. Segundo o conceito que formei dela, a liberdade não é a abstrata possibilidade de escolher entre o bem e o mal, porém a concreta potência de escolher o bem, e assim a força de liberação do peso da carne; de onde, se a ação boa é exercício, a ação má é não exercício de liberdade; cada vez que sucumbo, em lugar de superar-me, ao desejo ou, digamos também, à tentação, esta não é liberdade, mas servidão. A liberdade, em outros termos, é a capacidade de obedecer ou também de querer, no sentido em que fala dela, o Código Penal italiano. Na liberdade se pode contemplar, pois, um pressuposto do delito, mas não a sua fonte; melhor, um requisito que a pessoa deve possuir para poder ser réu, mas não um modo de ser do espírito que no delito se manifesta. Não há delito sem liberdade no sentido de que quem não pode fazer o bem tampouco pode fazer o mal; mas quem, acreditando fazer o bem, fez o mal, quer dizer que, sendo capaz de resistir, não resistiu. Uma coisa é ser livre, outra é exercitar a liberdade. Quem é servo não pode libertar-se; mas quem é livre pode servir. O delito não é, pois, exercício, mas o não exercício de liberdade. 16. Homogeneidade entre delito e pena No entanto, em que o delito e a pena sejam iguais, se propriamente não se vê, ao menos se entrevê: são um e outro uma sujeição, ou melhor, o resultado de uma sujeição. É um ingênuo equívoco aquele pelo qual o delito se apresenta como uma manifestação de liberdade, e se deve ao uso imprudente que deste grande nome se faz com muita frequência; bastaria, para deixá-lo claro a magnífica intuição da linguagem que, ao contrário da bondade, chama maldad (cattiveria); porque ruim (cattivo [captivus]) não quer dizer mais que prisioneiro.1 Liberdade é força de libertar-se e o delito é o contrárioda liberação. Um e outro, pois, o delito, tanto quanto a pena, expressam um sucumbir ou um submeter-se; em acréscimo, uma inatividade ou uma impotência do espírito do réu ou do castigado; do réu, porque não soube querer; do castigado porque não pôde querer. Não só quando sofre a pena, mas já quando comete o delito, o homem não é livre, mas servo; ainda mais uma vez, a atrevida intuição poética precede o raciocínio quando, daquele que não sabe resistir à paixão, faz um escravo e, a quem a vence, o configura como um dono de si mesmo. Na concepção da liberdade como domínio de si mesmo (tal como resulta, embora não seja de outra maneira, a contrariis, do conceito jurídico da escravidão) está dramaticamente representada a afirmação do espírito sobre o corpo, como implicando logicamente a exclusão sobre o corpo de todo domínio alheio; por isso, na negação da liberdade, o delito e a pena se encontram: o delito, porque o corpo dominou o espírito; a pena, porque o corpo é dominado pelos outros corpos. Ser um e outro uma sujeição ou também, dizemos, uma servidão, ou melhor, um resultado de sujeição ou de servidão, é a verdadeira homogeneidade do delito e da pena; mas agora, depois de ter estabelecido em que convergem, tentamos ver, pelo contrário, em que divergem, e até se opõem, os dois termos; de onde, se o delito se representa como um mais, à pena convém a figura do menos e assim corresponde a respeito daquele uma função de compensação. 17. Heterogeneidade entre delito e pena A diferença emerge claramente de quanto se disse: das duas sujeições, nas que pena e delito se resolvem, esta procede ab intra e aquela ab extra: uma é um submeter-se do espírito a seu corpo, outra, a um corpo alheio; uma se diria uma autossujeição, outra uma heterossujeição. Assim, me parece que, com a razão do contraste, a razão da oposição se esclarece: a liberdade, da qual não me tenho sabido valer, me domina; a servidão, na qual me tenho colocado, me é imposta. A pena, que é uma servidão, afeta a quem, em vez de agir como livre, preferiu agir como servo. Este é forçosamente retido na condição que espontaneamente se colocou. Assim, a pena aparece como forma de prosseguimento de um movimento iniciado com o delito. Sob este aspecto, toda pena é uma lei de Talião no sentido de que a cada um se lhe faz o que ele fez; mas não o que ele fez de outro, mas de si mesmo. E, neste sentido, o princípio da lei de Talião descobre a sua verdadeira razão: cada um continua sendo aquilo que é. A distinção mais profunda, que se pode apreciar entre os homens, é a que tem lugar entre livres e servos; cada um está compreendido na categoria à qual pertence. Assim, a pena não faz mais do que tirar a lógica consequência do delito e, portanto, reparar a desordem; isto tem causado, depois de tudo, que fosse tratado como livre quem, pelo contrário, não passava de um servo; alguém, em resumo, estava fora do seu lugar; quando se põe no lugar certo, a ordem parece restabelecida. 18. Pena, arrependimento, penitência Porém, se se detivesse aqui o estudo, a conclusão seria bem triste: o restabelecimento da ordem, mediante a pena, não teria mais do que um significado formal ou, em outros termos, a ordem seria entendida segundo um valor puramente externo ou finito; mas, na verdade, a ordem, quando se ponha, como se deve, no plano do infinito, não é que os livres sejam livres e os servos continuem sendo servos; mas que os servos se convertam em livres, e que se aumente a liberdade dos livres; e se a pena não serve para isto, o problema fica sem resolver. Assim se esclarece o princípio fundamental concernente à implicação da função de emenda na função repressiva da pena; conquanto o delito se elimina ou reprime não enquanto quem é servo continue sendo servo, mas enquanto quem é servo adquira a liberdade; o delito não é reprimido até que o réu seja emendado; o problema da pena se resolve, pois, no conceito da emenda ou da reeducação. Mas este é o tema sobre o qual, como no item anterior se assinalou, o pensamento deve tratar de trasladar-se ao plano do infinito. O evento da pena, com efeito, ou seu resultado, se se prefere dizer assim, a fim de que o delito se cancele, não se pode limitar ao futuro, mas deve, isto sim, afetar o passado, ao qual o delito pertence. A necessidade de tal regressão tem sido observada, já que se manifesta através daquele instituto jurídico da restitutio in integrum, mediante o qual os juristas podem ajudar-se nesta corajosa passagem. A verdade é que no campo da liberdade, ou seja, do espírito, é necessário prescindir do tempo; o espírito se projeta não só no futuro, mas também no passado; cada instante da sua vida absorve tudo o que o precede, de maneira que quem se fez livre nunca foi servo. A concepção desta verdade pode, como dizia, ser facilitada pela experiência e pela meditação sobre o arrependimento. A mesma estrutura do vocábulo, que tem a sua raiz na pena, indica neste conceito um valor, do qual não se pode prescindir no estudo da pena. O arrependimento não é outra coisa que uma condenação de si mesmo, e a penitência uma espontânea expiação. Arrepende- se quem reconhece o seu pecado, e o reconhecimento ou constatação do mesmo é a condenação; mas tal reconhecimento, para ser verdadeiro, implica uma realizada inversão da alma do culpado, o qual, voltando sobre o seu ato, se julga, se envergonha, e se castiga; o castigo não se esgota no instante do juízo, mas se arrasta, às vezes, quando o feito é grave, por toda a vida. Esta inversão da alma, na que o arrependimento consiste, ajuda, dizia, a compreender a regressão, que elimina o pecado e o delito: a verdade é que a alma, à diferença do corpo, pode remontar o problema do tempo. À luz desta verdade se ilumina o sacramento da confissão, cuja doçura pode compreender somente quem se acerque dele verdadeiramente arrependido; um juiz, então, é muito menos o confessor do que o confessado, o qual recebe muito menos reclamações do que conforto; e a absolvição, poderia dizer um jurista, tem eficácia mais declarativa que constitutiva enquanto não faz mais que constatar que, naquela dor, o culpado readquiriu a liberdade. A absolvição, não por si, mas enquanto constata o arrependimento, cancela o pecado; e nisto está o milagre do espírito, que se encontra fora do tempo, de maneira que para ele não existem nem o passado nem o futuro. Se agora alguém dissesse que tudo isto vale no plano religioso ou, ao menos, no plano moral, mas não no plano do Direito, cometeria o erro de não perceber que o problema da pena é, antes de mais nada, um problema moral: todo o Direito, mas o Direito Penal em primeira linha, é um meio para reduzir, à moral, a conduta dos homens. Este é um fim que, infelizmente, só imperfeitamente se pode alcançar; mas o dever dos juristas é o de dedicar-se a que se aproxime cada vez mais. Portanto, se a reflexão em relação à pena mostra que a sua função repressiva ou restritiva não opera nem pode operar de outra maneira que através do arrependimento, este, para a ciência do Direito, é um dado fundamental. Deriva disso que, para responder à sua função, a pena deve resolver-se na imposição, ao réu, de um modo de viver, pelo qual ele possa, o mais rápido e o mais seguramente possível, alcançar o arrependimento e, com isso, readquirir a liberdade. 19. Pena de morte Uma primeira verdade, segura, pode-se estabelecer: matar o réu pode ser uma medida de segurança; mas uma pena, não. Tem-se dito que na fórmula matemática da pena (d + p) que, se o valor de p não é tal que o resultado seja zero, a conta não é exata; e zero só será possível na condição de que o malum passionispossa dar, novamente ao castigado, a liberdade. Mas para corrigir o réu é necessário conservar-lhe a vida. Não se exclui que no intervalo entre a condenação e a expiação se opere o arrependimento; então, porém, tendo a pena alcançado o seu objetivo, falta a razão de prosseguir a sua aplicação. O dilema é férreo: se, antes de matá-lo, o réu se arrepende, então se continua castigando quem não deve já ser castigado; caso contrário, matando-o se lhe impede de arrepender-se. No entanto, a pena de morte apresenta os perigos que todos conhecem e que superam as suas vantagens, em que o matar o réu não é verdadeiramente uma pena. O problema da morte do réu pode ser, portanto, analisado sobre o terreno da medida de segurança, não sobre o da pena; que a mesma tenha uma eficácia preventiva do delito e, por isso responda ao conceito da medida de segurança, seria vão negá-lo. A solução, sobre este outro terreno, depende do resultado de um equilíbrio entre seu rendimento e seu custo; sob este aspecto, as razões em prol e contra são tão conhecidas que repeti-las não tem interesse científico algum. Em minha opinião, qualquer que seja o valor profilático que à morte do réu a experiência consente atribuir (e se sabe com quanta cautela estas experiências devem ser interpretadas), acho que o seu custo é tão grave que não permite aconselhá-la em nenhum caso: matando um homem, à diferença de um animal, não se corta somente uma vida, mas se antecipa o termo fixado por Deus para o desenvolvimento de um espírito, ou seja, para a conquista de uma liberdade; só quem ignora o valor da vida do corpo desenvolvido e funcional poderá compreender que da vida de um homem nenhum outro, qualquer que seja a sua autoridade e qualquer que seja a sua razão, pode dispor sem usurpar o poder de Deus. 20. Penas e medidas de segurança O conceito da pena, tal como tem sido até agora colocado, mediante a implicação da função de correção do réu na função repressiva do delito (condição somente na qual a pena se contrapõe ao delito, compensando-o ou eliminando-o, e por isso o malum passionis verdadeiramente é pena), atribui à distinção entre pena e medida de segurança um alcance incomparavelmente maior do que tem tido até agora. Em relação ao critério da distinção não há nada novo a dizer: à pena não lhe falta, e no entanto lhe falta à medida de segurança, a função repressiva, pelo que esta última, e não a pena, deve ser contemplada em todos aqueles casos em que ao malum passionis se lhe possa reconhecer somente uma eficácia preventiva. Mas o ter referido agora à emenda ou reeducação do réu, e mais precisamente ao seu arrependimento, como meio para adquirir novamente a liberdade; a eficácia repressiva ou retributiva (é o caráter da pena), permite um diagnóstico da pena ou da medida de segurança, se não me equivoco, muito mais precisa que todo o obtido até agora. O resultado de tal maior precisão, eu acho que está, no sentido de que, no estado atual do Direito positivo, a categoria das medidas de segurança é muito mais numerosa que a das penas, e mais de uma entre as que habitualmente se consideram penas, deve, no entanto, ser atribuída a outra categoria. 21. Medidas de segurança pecuniárias A primeira das dúvidas a resolver, a respeito de tal distinção, refere-se às chamadas penas pecuniárias. Em uma eficácia compensatória, com respeito ao delito, da extração de uma soma de dinheiro ou em geral de determinados bens do patrimônio do réu, pode- se pensar, daquele ponto de vista da equivalência ou da compensação de interesses, sobre o qual os juristas costumam situar os conceitos do ressarcimento e da reparação; mas, imediatamente se adverte que aqui estamos originariamente fora do campo espiritual, ao que somente, pela via já conhecida, a eficácia repressiva da pena se pode referir; também nos limites em que a multa2 ou a emenda3 valesse para ressarcir ou para reparar o dano social do delito, todo valor regressivo ou retroativo sobre o delito mesmo deveria certamente ser excluído. Talvez, porém, não se deva excluir completamente uma reação da perda de bens patrimoniais sobre o espírito do réu; não é raro que a pobreza constitua uma condição favorável para o desenvolvimento do espírito; mas nos limites em que as leis vigentes consentem – como consequência jurídica do delito e prescindindo do ressarcimento ou da reparação –, uma modificação patrimonial do réu, muito dificilmente resulta em tal empobrecimento que permita pensar neste gênero de eficácia. O que se pode estabelecer é, portanto, que a extração de uma parte do patrimônio não opera senão infligindo, ao réu, um sofrimento apto a constituir um contraestímulo e, por isso, para exercitar sobre o réu, e eventualmente sobre terceiros, uma ação preventiva de novos delitos, o que denota a medida de segurança, mas não a pena. 22. Medidas de segurança corporais Reflexões análogas induzem a afirmar que são medidas de segurança, e não penas, as operações levadas a cabo, como consequência jurídica do delito, sobre o corpo do réu, seja com o objetivo de determinar no mesmo uma modificação permanente, seja com o de fazê-lo somente sofrer. A eficácia profilática de algumas destas medidas do primeiro tipo (medidas físicas ou fisiológicas), enquanto coloquem o réu na impossibilidade física de cometer certos delitos é, em absoluto, manifesta; mas também a eficácia das medidas do segundo tipo, embora se exerça no campo psicológico, não pode ser desconhecida enquanto certamente a dor sofrida determina uma repugnância à renovação do ato, que o ocasionou, a experiência do qual se observa em particular sobre as crianças e também sobre os animais. Mas, precisamente, que tais remédios operem, inclusive, a respeito dos animais ou, em geral, de homens cujo espírito não é ainda maduro, exclui neles aquele caráter espiritual, o qual, como se viu, é próprio da pena. A questão em relação à conveniência da introdução de tais medidas entre os remédios contra o delito, ainda quando mereça ser discutida seriamente, está fora do âmbito de minhas atuais investigações. 23. Reclusão O tema mais interessante, no entanto, das minhas investigações, se refere à reclusão, nome com o qual já adverti que quero denotar qualquer espécie do que, na prática, costuma-se denominar pena restritiva da liberdade pessoal. Que esta é uma denominação inexata, já se esclareceu nas páginas precedentes: nos limites dentro dos quais a coação jurídica possa se dizer que restringe a liberdade, esta é uma nota comum de todas as penas, não da reclusão somente. A reclusão não é imposta ao condenado mais do que é imposta a multa; por outra parte, com ela se lhe impõe, melhor que a separação de certos bens, o afastamento do seu ambiente social; inclusive, quando seja agravada em forma de isolamento celular, o afastamento de todo ambiente social. Não parece duvidoso que este tratamento do réu tenha o caráter da medida de segurança, psicológica ou até física; enquanto sua separação do ambiente social costumeiro torna-se fisicamente mais difícil, se não em absoluto impossível, a repetição do delito, constitui, por outra parte, um sofrimento, tanto mais grave quanto mais longa seja a sua duração, cuja lembrança é apta a determinar a repugnância a um novo delito. Mas a investigação que mais me importa é a de se à reclusão se lhe pode reconhecer, além, a verdadeira eficácia repressiva do delito, ou seja, se a modificação da vida do réu, em que se resolve, pode ser idônea, através da reaquisição da sua liberdade, para restabelecer a ordem violada; só quando estainvestigação leve a um resultado positivo, dever-se-á falar da reclusão como de uma pena. Um dado da experiência é o seguinte: que a separação do mundo, como se costuma dizer, é uma condição de vida, que procuram espontaneamente aqueles que aspiram ao maior desenvolvimento da sua liberdade. Que para o estudo do instituto geral deva servir a observação do instituto da clausura é algo que pode surpreender somente aos pensadores superficiais. A observação mais óbvia é que, se nós estamos acostumados a chamar reclusão, por antonomásia, à pena reclusiva, esta não é senão uma espécie do gênero, o qual compreenda reclusão voluntária junto à reclusão forçada; para obter o conhecimento desta não se pode prescindir, pois, da confrontação com aquela. No entanto, se à reclusão, ou melhor, talvez, ao isolamento espontâneo recorrem aqueles que querem elevar o seu espírito, é um sinal de que deve existir uma relação entre esta elevação e aquela condição de vida. A relação deveria ser entre solidão, e até entre privação, tanto da companhia dos homens como do gozo das coisas não estritamente necessárias para a vida, e ascética. Ascética é exercício ou, me atreveria a dizer, preparação do espírito, o qual tem a sua ginástica como o corpo e a esta pode ter que recorrer para a sua saúde. Nós estamos habituados, desafortunadamente, muito menos que à ginástica do pensamento, à da vontade; mas o pensamento é um grau do espírito inferior ao da vontade, e também à vontade, e pode se dizer que ela, sobretudo, se deveria treinar. Que, para tal exercício, seja uma condição favorável a solidão ou, melhor, o afastamento do mundo, está fundado sobre uma experiência milenar. Monge, entre outras coisas, na sua origem, quer dizer sozinho ou, ao menos, solitário; e retirado, já que não recluso, é o significado de anacoreta. Historicamente, o cárcere não foi inventado com esta finalidade; a sua razão originária é, mais do que a de uma medida de segurança, a de uma medida cautelar apta a assegurar a disponibilidade do réu aos fins do juízo; mas esta é a raiz, não o desenvolvimento do instituto. Este desenvolvimento, que terminou por fazer, da reclusão, a espécie mais importante da pena, encontra certamente na sua idoneidade para a restauração moral do réu a razão mais verdadeira; e não importa que esta tenha ficado velada por longo tempo para os homens, já que com frequência os mesmos agem como instrumentos inconscientes dos desígnios de Deus. Uma primeira condição de tal finalidade é, porém, que a reclusão tenha certa duração. Limites fixos são naturalmente difíceis, já que não absolutamente impossíveis, de estabelecer; mas não parece duvidoso que um breve afastamento do ambiente não possa determinar, pelo geral, eficácia educativa alguma, tanto menos com respeito à liberdade. À reclusão breve não se lhe pode reconhecer outra natureza que a de medida de segurança. Esta é uma observação que, do ponto de vista da técnica penal, deveria ter uma importância decisiva. Provavelmente, quanto a ela, a distinção entre reclusão e arresto, segundo a terminologia do código vigente italiano, deveria ser muito mais profunda do que o é atualmente. Por outra parte, tanto a reclusão pode reedificar a liberdade, quanto o modo de vida do recluso esteja prudentemente disposto para esta finalidade. Este é o aspecto do problema, em relação ao qual a confrontação entre reclusão forçada e reclusão voluntária mostra a sua utilidade, e o resultado educativo da primeira encontra os obstáculos mais graves. Entre uma prisão e um mosteiro, a diferença é que naquela se refugiam homens, os quais ocupam na escala do espírito, em comparação com os monges, degraus muito mais baixos, pelo que é igualmente mais difícil a tarefa da sua educação; os monges são homens livres, os quais aspiram a se fazer mais livres; os reclusos são servos, aos quais se trata de fazer reconquistar a liberdade. Com o conhecimento de tal propósito e da sua dificuldade, deveria ser instituído o ordenamento da reclusão e da prisão. Atrevo-me a dizer que disto não temos ainda plena consciência; e que, correlativamente, não fizemos ainda nem estamos por fazer quanto é necessário para dar-lhe cumprimento. 24. Problema espiritual da reclusão O problema da reclusão é essencialmente um problema espiritual. Existe, certamente, também um aspecto físico ou fisiológico do mesmo, mas tem, a respeito daquele, um valor de segundo plano. O fim a alcançar não é somente o de fazer viver a um homem, porém o de fazer reviver uma pessoa, o que quer dizer dar ao homem a sua liberdade. Sob este aspecto, o problema não é certamente até hoje ignorado, mas não está ainda colocado com a desejável clareza quando se fala de reeducação social do recluso; é necessário, para ser claro, substituir a reeducação social pela educação moral; e a quem observe que a socialidade se resolve na moralidade convém refutar que esta não é uma resolução a subentender, mas a colocar em primeiro plano. Que social ou sociável seja verdadeira e somente o homem livre, se do exato reconhecimento do fim dependa a adequação dos meios para a sua obtenção, é o que, sobretudo, deve-se saber. Por outra parte, que para dar ao réu a liberdade esta lhe seja tirada não é mais que uma aparência enganosa; quem conhece o significado desta imensa palavra sabe que ao recluso, se é réu, nada se lhe tira que não tenha perdido já; a verdade em relação à reclusão – ao menos como deveria ser, já que não, desafortunadamente, como é – está absolutamente invertida pelo modo comum de pensar: a pena deve servir não para tirar, mas para dar a liberdade. A tal fim ajuda, sem dúvida, o sofrimento. Não só a perda do mundo, mas a vida dura do recluso é necessária, não no sentido da vingança, mas no da eficácia redentora da dor. Mas a dor pode modificar piorando, em vez de melhorando, o espírito do recluso, se ele não o sabe livremente aceitar. Assim, através do arrependimento, ao transformar-se, em penitência, a pena, exercita-se a liberdade. A este exercício, porém, é muito pouco provável que ele consiga chegar sem um prudente e amoroso orientador. Por isso, tanto como o sofrimento, é necessária, ao recluso, uma assistência moral. Sem esta, a reclusão, como pena, ou seja, a sua eficácia redentora, não pode ser mais do que um experimento fracassado. Casos em que por si só o condenado se possa resgatar, não devem ser excluídos; mas, na melhor hipótese, um legislador não pode estabelecer seus cálculos sobre estas exceções. Abandonando-se, o condenado é um náufrago destinado a afundar. Para salvá-lo, é necessário que alguém, lançando-se ao mar, o alcance, o socorra e o traga à praia. Quem pode ser este? Tenho falado, em geral, de assistência moral. Aqui, se insinua no discurso outra grande palavra; e mereceria fazer uma pausa. Também em relação à moral, circulam ideias que, não obstante uma elaboração milenar, eu não acho claras. Certa escuridão ensombrece ainda o tema das relações entre moral e Direito. Provavelmente não existe outra luz para esclarecê-lo que a do pensamento cristão. Ainda falando, como geralmente se faz, de dever moral e vendo, inclusive, neste a espécie mais pura do dever, eu temo que os dois campos, em lugar de diferenciados, estejam ainda confundidos. A ideia do dever é inseparável da do Direito e nasce, portanto, no plano da economia; mas o plano moral está nitidamente separado deste. Provavelmente a contaminatio se deve à dificuldade de encontrar um fundamento, sobre o qual possa alçar-se a moral se o dever não a sustenta. Sem este apoio, nosso intelecto parece quenão sabe avançar, como acontece nos primeiros passos de uma criança quando a mão materna a abandona. Para resolver a dificuldade, não há mais que ler, no Evangelho de São João, o discurso da despedida. O dever se faz inútil onde reina o amor. Assim, o plano do dever é superado. Sobre o amor, não sobre o dever, deve-se apresentar o conceito da moral. Pela assistência moral entendo, pois, perante tudo e sobre tudo, uma assistência de amor. O que, junto ao sofrimento, é necessário para o recluso, a fim de que se converta em livre, não é outra coisa que não o amor. A assistência deve ser prestada por quem esteja em condição de amá-lo. Quem poderá ser este? Leiamos, agora, o Evangelho de São Mateus: “Vinde os abençoados do meu pai”, dirá o Senhor àqueles que estarão à sua direita, “...porque... estava preso e viestes ver-me”, e àqueles que, pelo contrário, estarão à sua esquerda: “afastai- vos de mim malditos... já que... porque estava preso e não me visitastes”; e se lhe perguntam: “Senhor, quando te vimos... no cárcere e fomos te visitar?”, responderá também o Senhor: “enquanto o fizestes a um só, o menor destes meus irmãos, a Mim o fizestes”. O mandamento do amor e, em virtude do mesmo, da assistência aos reclusos, é essencialmente cristão. Talvez, quanto a esta espécie de assistência, a Igreja ainda não fez aquilo que quanto a outras obras de misericórdia tem podido e sabido fazer (e se estas pobres páginas servissem para despertar a sua augusta iniciativa, que admirável fruto teriam produzido!). Certamente, vejo nela o único instituto capaz de proporcionar aos homens idôneos esta forma de caridade, do qual não se tem podido expor aqui ainda todas as razões; outras serão explicitadas daqui a pouco, ao tratar de estudar o terceiro aspecto do problema da pena. 25. O processo penal como pena Que a reclusão seja, entre os remédios contra o delito até agora conhecidos, o único que, possuindo, no sentido indicado por mim, eficácia repressiva, responda verdadeiramente ao conceito da pena, não exclui que outros sofrimentos sejam ou possam ser ocasionados ao réu, aos quais corresponda igual caráter, pelo que os mesmos devam colocar-se entre as penas. Este é também o tema sobre o qual as reflexões aqui expostas quereriam estimular a invenção do legislador, orientando sobre o seu verdadeiro princípio à técnica da pena. Uma particular atenção merece, ao meu ver, sob este aspecto, o juízo penal. Como se resolve, no juízo, a pena, será o tema do capítulo seguinte; mas já neste deve ser afirmada e demonstrada a proposição recíproca, ou seja, que, por sua vez, o juízo penal se resolve em uma pena. Que o juízo penal é um mal para quem o sofre e que, por isso, lhe ocasiona um sofrimento, no que está um caráter necessário, já que não suficiente da pena, é uma primeira verdade manifesta. Só se deve acrescentar que, em certos casos e pontualmente para certas pessoas, este sofrimento, com frequência de longa duração, é mais grave que o que possa sê-lo o ocasionado no caso de condenação, pela pena com a mesma determinada; tanto mais se esta é leve, o peso da condenação ou, em geral, do processo a excede: se pudessem, quantas pessoas quereriam pagar uma multa ou sofrer a reclusão sem ser condenadas, antes que ser condenadas sem sofrer aquela pena! Por outra parte, é igualmente claro que este sofrimento sirva em todo caso, tanto melhor com quanto maior diligência se conduza o juízo, àquela reeducação do réu, na que se resolve a função repressiva da pena. Bem ou mal, o juízo constringe o réu a viver novamente o delito e, por isso, acorda a sua consciência; em geral, é o juízo do juiz o que, convencendo-o da sua má ação, lhe inspira vergonha dela; e, junto ao juízo explícito do juiz, o juízo tácito do público agrava o seu peso. Nenhum sofrimento é mais eficaz que este para determinar o arrependimento, com o que a liberdade está reconquistada. Sob este aspecto, ilumina-se o sumo valor do juízo penal, o qual não serve para comprovar o delito somente, mas ao mesmo tempo para castigá-lo, constituindo, com frequência, o seu mais grave ou até o seu único castigo; deveria, o juiz, entre outras coisas, ter noção exata do valor punitivo, e portanto educativo, de cada palavra sua e, inclusive, de cada gesto seu, para apreciar a dignidade da qual está investido, e a responsabilidade que pesa sobre os seus ombros. Sob o mesmo perfil deve ser valorada ainda a publicidade do juízo penal, a qual não tende somente ao controle da regularidade do juízo, mas integra essencialmente a sua função punitiva. Estas reflexões servem, finalmente, para determinar, com exatidão, o alcance, nas suas várias formas, do perdão judicial, o qual não é, como comumente se acredita, uma total remissão da pena, subordinada ou não a certas condições; já que ao perdão precede necessariamente a condenação ou, ao menos, a comprovação do delito que, de outro modo, não poderia ser perdoado pelo juiz, o réu sofreu, já, ao menos em parte, a sua pena. 26. Delitos4 e contravenções O modo como tem sido até agora apresentada por mim a diferença entre pena e medida de segurança, e o reconhecimento de que, entre os remédios, aos quais a lei dá o nome de pena, a reclusão somente (em sentido amplo), enquanto tenha uma certa duração, é uma verdadeira pena, vale ainda precisar o valor da distinção entre delitos e contravenções. De todas as distinções, as que dão lugar à classificação das infrações puníveis, esta pode ser considerada a mais antiga e natural, mas também a mais problemática. Corresponde, à mesma, certamente, a gravidade da infração punível; mas precisamente por isto, estando fundada mais sobre a sua quantidade que sobre a sua qualidade, se nos tem persuadido ultimamente de que não se pode definir de outra forma senão segundo a espécie da pena, de maneira que sejam delitos as infrações castigadas com certas penas mais graves e contravenções as infrações às quais a lei comina certas penas mais leves. Não é difícil, porém, advertir que assim, em lugar de definir as duas categorias, verdadeiramente se renuncia a defini-las: já que, com efeito, a relação entre pena e crime, segundo a qual a infração punível é um prius e a pena um posterius, que para uma infração seja estatuída uma pena mais ou menos grave, quer dizer que a mesma merece ser castigada mais ou menos gravemente; depende, em efeito, a gravidade da pena da gravidade da infração e não vice- versa. Seja qual for, pois, o caráter do delito ou da contravenção, o estudo deve realizar-se sobre a infração punível em si mesma e não sobre a pena. Uma orientação útil para este estudo pode proporcionar a intuição de um vínculo entre a distinção dos delitos e as contravenções e a distinção entre penas e medidas de segurança. Esta última se funda sobre a presença ou sobre a ausência da eficácia repressiva no remédio contra a infração punível. No entanto, se para certas infrações, e não para outras, se reputa suficiente a medida de segurança, ou seja, um remédio de caráter puramente preventivo, já que a repressão se resolve na reeducação, é sinal de que os primeiros não mostram, no réu, uma pessoa que tem necessidade de ser reeducada; e já que a reeducação tende, como se viu, à reaquisição da liberdade, é sinal de que as infrações puníveis não demonstram uma perda de liberdade. Neste ponto, como com frequência ocorre, uma contribuição útil ao estudo pode ser oferecida pelo significado comum das palavras: delito (de delinquere) quer dizer abandono; a infração, assim, se denota como uma perda ou
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