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MOVIMENTOS SOCIAIS São Luís – Ma 2021 Universidade Estadual do Maranhão Centro de Ciências Sociais Aplicadas Curso de Ciências Sociais Disciplina: Movimentos Sociais Professora: Cynthia Martins Aluna: Bianca Estefanny Pereira Feitosa ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Biologismos, geografismos e dualismos: notas para uma leitura crítica de esquemas interpretativos da Amazônia que dominam a vida intelectual. In:_____. Antropologia dos Archivos da Amazônia. Rio de Janeiro: Casa 8/Fundação Universidade do Amazonas, 2008. p 15-192. Para começar a presente pesquisa, o autor começa elencando a importância dos cuidados teóricos a serem utilizados, pois no que diz respeito ao objeto de estudo, que no caso é a Amazônia, esses cuidados devem ser maiores pois é eivada de pré- noções e de auto evidências. Ou seja, ele já começa por “desnaturalizar” as perspectivas já sedimentadas no local rompendo com certas racionalizações eruditas que orientam esquemas interpretativos. Dessa forma, o autor traz discussões como a Amazônia tem sido “classificada” e como os diversos conceitos e significados legitimados no pensamento erudito tem influenciado diretamente na vida de coletivos étnicos que lá habitam. O capítulo um é composto por uma série de reflexões sobre a desnaturalização de pensamentos já cristalizados na Amazônia. Como já foi falado, essa desnaturalização acontece dentro do próprio campo. Em seguida, no tópico intitulado “degradação ambiental: conceito ou noção operacional?” o autor reflete sobre o termo “degradação” a partir da diferença entre conceito e definição. Para ele, o conceito trem significado, ao contrário do termo ou da palavra que podem ser definidos como verbetes. Segundo o autor, o termo “degradação” estaria muito mais ligado a uma noção operacional que utiliza uma lógica no seu estado prático, pois o conceito diz respeito a um instrumento de análise dinâmico. Ao discutir a noção de “degradação” também entra em cena a ideia da “natureza” abrangente que não pode ser mais entendida enquanto “quadro natural” ou “meio físico”. No tópico seguinte, intitulado “Quem é o sujeito da ação ambiental?”, o autor inicia vendo-se obrigado a repassar alguns trabalhos de cientistas naturais bem como os zoólogos, botânicos, biólogos e a fazer uma viagem à literatura dos cronistas que percorreram a Amazônia desde o século XVI. Ao observarem o bioma, eles recolheram materiais como plantas, resíduos, fósseis e na animais e ensaiaram classificações por gênero e espécie. Assim, com essas observações, contribuíram para assentar os fundamentos de um esquema explicativo. Além disso, elaboraram descrições, argumentos e classificações que colaboraram para as diferentes formas de intervenção do Estado nessa região. Pegando um apanhado histórico, o autor explana que o primeiro sujeito a ação ambiental foi a razão. Ele diz isso com base no discurso pombalino. Era esse o sujeito da colonização e da sua questão correlata, que é a natureza, e em particular, a Amazônia. Assim, todas as ações oficiais eram justificadas a partir do argumento da razão, justificativas estas que eram apoiadas nas ideias iluministas. Além disso, o autor argumenta que até o fim do século XX, a ideologia oficial de “progresso” foi combinada com o que se denomina “racionalidade econômica”, sendo propagada e produzida ao longo do tempo, desde o período colonial. Além disso, a razão é quem vai fundamentar os esquemas interpretativos da Amazônia, e justifica ações como “exploração racional”, “ocupação racional” e “ação racional”. Os modelos para produzir esses critérios considerados “racionais” possuem uma inspiração naturalista, amarrados em conceitos biológicos. O conjunto de medidas com destino à Região Amazônica no período militar teve influência de fundamentos racionais. Para o autor, a mudança do sujeito de deu a partir de 1988, que ele tem como um fenômeno de ruptura, quando as pessoas deixam de ser meros indivíduos biológicos e passam a assumir a posição de agentes sociais. O objetivo dessa ruptura seria compreender porque, para o Estado, se redefine a maneira de representar a “natureza”, uma vez que no pós guerra já estava rompido o argumento colonialista que considerava o homem como parte da natureza. No terceiro tópico “Filósofos, naturalistas e etnólogos na prática do colecionismo: os jardins botânicos, os hortos, os zoológicos e os museus”, o autor apresenta lugares institucionais onde foram produzidas interpretações científicas sobre a Amazônia. Essas instituições estavam empenhadas em produzir conhecimentos sistemáticos visando principalmente identificar novas espécies para compor novas coleções. O autor ratifica que muitos cientistas produziram interpretações sobre a Amazônia sem ao menos ter vindo ao Brasil. Seus estudos foram frutos de pesquisas empreendidas pelos naturalistas que recolheram e selecionaram materiais para museus, hortos, jardins botânicos e entre outros. Nesse ramo, se destacam por exemplo, Lineu, Lamarck e Darwin. Esses tiveram acesso aos materiais coletados e suas interpretações influenciaram diretamente na maneira de pensar localmente. Também há um destaque no uso das técnicas de classificação ou das taxinomias, que a partir das viagens de exploração já é uma interpretação construída sobre a natureza, e destaca os agrupamentos naturais. Continuando, no tópico “Versões deterministas e as políticas governamentais” o autor sustenta a forma de pensar na Amazônia tendo como base a natureza e suas diferentes formas de classificação. Esse fato gerou esquemas interpretativos que podem ser entendidos dentro de três categorias: os biologismos, que podem ser entendidos como um conjunto de ideias que entende a questão ambiental sem sujeito; os geografismos, que são discursos que põem em relevância fatores naturais, resultando na ideia, por exemplo, do isolamento; e os dualismos, que enfatizam a visão dual que estabelece oposição entre natureza e cultura. No tópico seguinte “Quais as transformações pelas quais passam o sujeito da ação ambiental?”, o autor constata que a transição de 1985 a 1988 teve grande influência na mudança do sujeito da ação ambiental. Esta por sua vez passa a ter sujeitos específicos a partir da perspectiva da heterogeneidade de formas de relação com a natureza. A razão não era mais o sujeito da ação do Estado, agora é ação dos empreendimentos privados, cujas estratégias empresariais levam cada vez mais em conta o “multiculturalismo”. O autor também pontua que há reivindicações de territórios específicos e o que realmente importa é como esses grupos sociais se autodefinem, se autodeclaram e como eles denominam a si mesmos e não mais dando importância a como os outros os nomeiam, assim não se tem apenas uma razão em pauta, mas múltiplas. O sujeito da ação que organizado em representação política se torna aativo e inverte a mobilização do “sujeito biologizado” e passivo do esquema interpretativo anterior. Além disso, no mesmo tópico, o autor reflete sobre “conhecimentos tradicionais e sujeitos sociais”, onde ele destaca a importância dos conhecimentos tradicionais dos coletivos amazônicos. Isso se dá por conta dos processos diferenciados de territorialização, que evidenciam os agentes sociais como sujeitos que estão cientes dos seus direitos de livre acesso aos recursos naturais. E isso é levado em conta pelos conhecimentos tradicionais. Há, segundo Almeida, uma relação intrínseca entre essa forma de saber tradicional e a esfera política. Devido a isso, o mercado capitalista vem tentando se apropriar a lucrar com essas formas de saber. Dessa forma a dimensão política tem levado então esses sujeitos a pensarem em formas para preservar a Amazônia. No tópico “A Amazônia pensada segundo novas estratégias” o autor discute a mudança de estratégiasna cooperação técnico-científica e da cooperação internacional no que diz respeito à Amazônia. Ao falar dessas estratégias, aponta as novas estratégias empresariais e seus efeitos. Assim se reconhece que as comunidades locais não depredam e não destroem os recursos naturais preservando estes com seus saberes práticos. Segundo o autor, essa atitude trata-se de uma análise crítica do senso comum e seus efeitos sobre a produção intelectual contemporânea. O autor encerra esse capítulo com a reflexão de que as formas de pensar a Amazônia dentro dos paradoxos (biologismos, geografismos e dualismos) acentua a ideia de “degradação” como categoria que acusa o “outro”. Esse sentido de “degradação ambiental” se atém a impactos resultantes de ações apresentadas como racionais. Esses impactos não podem ser homogeneizados, pois seus efeitos atingem diferentemente os diversos grupos sociais. Na parte intitulada “Amazônia: a dimensão política dos conhecimentos tradicionais”, o autor repercute a ideia da ruptura com os biologismos e geografismos para se pensar a Amazônia como um campo de lutas em torno do patrimônio genético e das formas de conhecimento e de apropriação dos recursos naturais, ou seja, as “alternativas de desenvolvimento” podem ser entendidas como abrangendo o conjunto de medidas adotadas para colocar em execução o reconhecimento do ‘saber nativo”. Nesse sentido, a luta dos movimentos sociais tem um grande peso no que diz respeito à busca por alternativas de desenvolvimento que leve em consideração o saber tradicional local. Passando adiante, o autor vai falar do subtópico “os pajés e a organização mundial do comércio”. Nesse trecho, o autor reflete sobre questões referentes à reunião de curandeiros e líderes espirituais, que foi realizada em 2001, em São Luís do Maranhão. Foi pauta dessa reunião a questão da exploração industrial dos recursos naturais das florestas tropicais, e a necessidade de se proteger judicialmente os conhecimentos tradicionais, para evitar que outros se apropriem ilegalmente desses saberes nativos. O autor também questiona: o que são esses saberes tradicionais? E responde: eles não se restringem a um mero repertório de ervas medicinais. Tampouco consistem numa listagem de espécies vegetais. Em verdade, eles compreendem as fórmulas sofisticadas, o receituário e os respectivos procedimentos para realizar a transformação. Eles respondem a indagações de como uma determinada erva é coletada, tratada e transformada num processo de fusão. O autor também salienta que reivindicar o direito intelectual é uma forma de luta, pois é uma forma de contrapor conhecimentos, o que torna isso essencial para as alternativas de desenvolvimento autônomo. Ainda nessa segunda parte da obra, o autor discute “as estratégias empresariais e o monopólio dos direitos autorais”, onde ele explana que o que está em jogo é a questão da propriedade da terra por grupos empresariais para a detenção do controle de espécies vegetais e do conhecimento da flora. Aqui existem pelo menos duas estratégias empresariais: uma controla a circulação da produção extrativa através de vários intermediários, e a outra detém também os meios de produção. Trata-se aqui de uma luta entre a liberdade de uso dos conhecimentos tradicionais pelos próprios agentes que os produzem, e o controle absoluto desses conhecimentos por empresas transnacionais. A essa disputa o autor denomina “guerra ecológica”. Em “o mercado segmentado versus o mercado de commodities”, o autor destaca a expropriação do saber nativo - como já foi mencionado no capítulo anterior – e de matérias-primas para a exportação em grande escala. Segundo o autor, essa iniciativa é um reflexo de uma política industrial que é dirigida especificamente para o patrimônio genético, buscando recuperar o conhecimento indígena e ao mesmo tempo valer-se das suas potencialidades econômicas. O foco da política industrial da região será voltado para o deslocamento de projetos agropecuários e o redimensionamento da indústria de extração mineral. No tópico “os movimentos sociais e a contra-estratégia” reflete a necessidade de repensar a questão ambiental sem dissociá-la de movimentos, organizações, grupos ambientas e sociedade civil. Segundo o autor, a questão ambiental não pode mais ser pensada como uma questão sem sujeito. Os sujeitos envolvidos nessa questão, não tem um caráter individualista, pois eles se constroem no coletivo e se vinculam a vários movimentos sociais, movimentos esses que permitiram a expressão de formas diferentes de uso e manejo dos recursos naturais, tanto por povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas e entre outros grupos que podem ser denominados “povos e comunidades tradicionais”. Esse sentido coletivo das autodefinições trás a tona uma noção de identidade à qual correspondem a territorialidades específicas cujas fronteiras estão sendo socialmente construída. A contra-estratégia citada acima, busca consolidar a consciência ecológica, incorporando-a à identidade coletiva dos movimentos sociais. Além disso, ela se caracteriza por práticas de mobilização contra a devastação das florestas a expropriação dos meios de produção e a usurpação dos “saberes nativos”. Em “os movimentos sociais e o processo de consolidação de territorialidades específicas”, o autor começa afirmando que essas territorialidades específicas correspondem às identidades peculiares, ou seja, aos seringueiros, quebradeiras de coco, ribeirinhos e quilombolas. Almeida diz que um dos principais elementos para se discutir essa questão, é que hoje não se pode mais pensar a Amazônia com o problema do ecossistema simplesmente através da categoria terra ou de uma mera oposição entre terra e território. É preciso considerar as vantagens teóricas de se pensar a partir de um processo de territorialização, pois é nesta categoria que o sujeito da ação está envolvido, possibilitando assim uma construção social. Resumindo o capítulo, o autor afirma que essa nova forma de pensar a Amazônia abre uma nova possibilidade de visão e imaginação desses grupos. Dessa forma, eles não seriam mais só imaginados como guardiões da floresta numa perspectiva de divisão do trabalho, ou mesmo como preservadores dela para a realização de trabalhos em laboratório. O conhecimento científico também pode ser encontrado nas experiências transformadoras. Na última parte do livro “pós-graduação em antropologia na Amazônia: anotações e comentários à pauta da primeira reunião da Comissão ‘Cultura, Línguas e Povos da Amazônia’, da Capes” são feitas algumas ponderações sobre a reunião que serviu para que houvesse a implantação desse curso, e também houve a problematização dos apontamentos que justificam essa ação bem como a sua iniciativa. Essa problematização implica sobretudo em uma leitura crítica na relativização de procedimentos voltados para a adoção de fórmulas ou orientações já acabadas. Isso se dá devido à situação das instituições de ensino superior e de pesquisa na Amazônia encontra-se condicionada por impasses mais gerais à produção intelectual e científica na região. Dessa forma o autor elenca várias questões para se pensar a respeito de uma pesquisa científica precisa na região. Ademais, uma das maiores preocupações do autor quando à implantação desse curso, foi a de refletir sobre as diversas experiências acumuladas e sobre as estratégias de implantação adotadas na região. Em uma reunião que Almeida participou junto a outras figuras importantes como arqueólogos e trabalhadores de museus, ele apresenta comentários sublinhando a importância de uma intervenção científica na Amazônia. Ele também ressalta a importância da pesquisa e da ciência, e sobretudo do curso de pós- graduação, de profissionais como antropólogos e afins, levando sempre em consideração o respeito do povo amazônico e compartilhando o interessedesses sujeitos sociais. Vale ressaltar nesse trabalho o significado da palavra “tradicional” que muito foi usada pelo autor. O autor utiliza esse termo não no sentido de que há uma linearidade histórica ou sob a ótica do passado, como comumente é referida, como um suposto estágio de “evolução da sociedade”. Nesse sentido, o tradicional utilizado pelo autor antes de aparecer como história, aparece como uma forma de autodefinição, possibilitando evidenciar as identidades coletivas objetivadas em movimentos sociais. O autor ainda explica que além de ser do tempo presente, o termo “tradicional” é social e politicamente construído.
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