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Profa. Dra. Roseli Gimenes MATERIAL COMPLEMENTAR Literatura Brasileira: Prosa Tema: Literatura Brasileira Contemporânea – Prosa A divisão literária em prosa e poema (poesia) é apenas didática. Muitos escritores, como Guimarães Rosa, fazem prosa poética ou, como João Cabral de Melo Neto, poema narrativo. Trabalhar a questão do contemporâneo abrange autores e obras, neste caso, do século XXI, ou seja, a literatura brasileira produzida recentemente. Nesta apresentação, escolheremos alguns escritores e obras que, lançadas, marcaram estilo típico de nossos tempos. Literatura brasileira contemporânea – prosa O autor ficou muito conhecido por sua obra levada ao cinema, O cheiro do ralo. Mutarelli já fez fama também com quadrinhos e com a dramaturgia. Seu recente livro, lançado em 2018, O filho mais velho de Deus e/ou Livro IV, faz diálogos interessantes com estilos literários da ficção (científica) de Philip K. Dick. Dick sempre suspeitou do mundo à sua volta. É do autor o romance Androides sonham com ovelhas elétricas?, que foi base para o filme Blade Runner. Dick e Mutarelli apontam para a questão da empatia com máquinas e seres nada humanos. Lourenço Mutarelli A narrativa de Mutarelli, nessa obra, parte de uma certa cronologia. Afinal, ela se abre ao leitor como um diário, bem datado: “Quinta-feira, 23 de agosto de 2007 Ele aterrissou no JFK, depois de um voo de duas horas e seis minutos, como Albert Arthur Jones [...]” (MUTARELLI, 2018, p.13). Cada capítulo, digamos assim, parte de uma indicação de título. No caso acima, o capítulo 1 é De cada dez e/ou Na manteiga. Esse título, necessariamente, não será descondensado ao longo do capítulo, como em toda a obra. O filho mais velho de Deus e/ou Livro IV O filho mais velho de Deus e/ou Livro IV Figura 1. Foto de Mutarelli Fonte: Foto do livro do autor. Figura 2. Foto da capa do livro. Fonte: Foto do livro do autor. Interessante observar essa imagem de capa feita por Gabriela Gennari. Já por ela podemos observar elementos interessantes, como: Natureza exuberante, mas extremamente artificial. Chama atenção um disco voador à esquerda, em tom semelhante a fogo. Entrecortado por cachoeiras e vegetação. Por que é importante? Pela leitura será possível verificar que personagens estão entremeados de realidade e ficção científica. Ou daquilo que poderia ser um real. O filho mais velho de Deus e/ou Livro IV No capítulo 11, O esquecimento será lembrado e/ou Nasce o Senhor de toda a terra, a mescla do real e de um futuro fictício aparecem à menção já expressa no número do capítulo, 11. A obra aqui analisada foi um quase pedido de escritura da editora, Companhia das Letras, tanto que faz parte de uma, digamos, coleção, Amores expressos. Mutarelli foi a Nova York para pensar um romance que se passasse lá. Eis essa obra. “Terça-feira, 11 de setembro de 2007 Um dia triste para a cidade... brincadeira de criança quando comparado a 18 de setembro de 2027.” (MUTARELLI, 2018, p. 207) O filho mais velho de Deus e/ou Livro IV Observando a última frase, é possível pensar que: a) Trata-se apenas de uma ironia do narrador sobre o fato ocorrido. b) Em 18 de setembro de 2027 haverá um segundo ataque em NY. c) Como obra de ficção, o narrador aponta acontecimentos reais. d) Um leitor em 2027 saberá com certeza que foi real ou poderá ser real. e) Tudo é uma possibilidade. Interatividade Observando a última frase, é possível pensar que: a) Trata-se apenas de uma ironia do narrador sobre o fato ocorrido. b) Em 18 de setembro de 2027 haverá um segundo ataque em NY. c) Como obra de ficção, o narrador aponta acontecimentos reais. d) Um leitor em 2027 saberá com certeza que foi real ou poderá ser real. e) Tudo é uma possibilidade. Resposta O autor costuma ser reconhecido pelo fato de ser filho do desaparecido preso político Rubens Paiva e por sua obra, Feliz Ano Velho, um relato autobiográfico em que narra as circunstâncias do acidente que o deixou paraplégico. Depois desse romance, que se tornou um best seller, Marcelo já publicou muitas obras literárias, textos teatrais e tem participado da cena cultural do país desde a época do Fanzine, um programa de entrevistas da TV Cultura. Politicamente, Marcelo também está sempre na cena brasileira, em que lutou ao lado da mãe, Eunice Paiva, com Alzheimer no final da vida e morta recentemente. Marcelo Rubens Paiva A obra foi lançada em 2018 e é narrada por um símio marxista que se apaixona por uma humana, aprende a ler e preparará no zoológico uma revolução. Tendo como pano de fundo a Teoria da Evolução, de Charles Darwin, bastante discutida nestes tempos, a obra é uma alegoria com personificação que enfatiza a filosofia alemã, entre outras teorias. Esse orangotango aprenderá a ler de tudo, história, filosofia, religião. Diferente de suas obras autobiográficas, como Feliz Ano Velho e Ainda estou aqui (sobre a mãe), essa obra trabalha com o perfil do autor por meio desse extravagante narrador. O orangotango marxista O orangotango marxista Figura 4. Capa do livro Fonte: Foto do livro do autor. Figura 3. Marcelo R. Paiva. Fonte: Foto do livro do autor. Assim como na capa da obra de Mutarelli, nesta (capa de Alceu Chiesorin Nunes, ilustração de Luciano Feijão) também se podem observar marcas icônicas da obra. Um estilizado orangotango é visto com acessórios que denotam o ser marxista de seu adjetivo: chapéu, a foice e o martelo e um olhar cáustico e observador. O fundo em amarelo forte dá destaque à figura não nomeada de forma substantiva e própria. A força da narrativa vem de uma primeira pessoa que se marca e se define: “Comecei a esboçar meu plano depois de ler Batman.” (PAIVA, 2018, p.8) O orangotango marxista Se a obra não é autobiográfica, basta conhecer um pouco do autor para perceber que esse orangotango é o alter ego de Marcelo. A forte ironia será um traço que leva o autor, que nunca se vitimiza por todas as mazelas de sua vida privada e pública: “Existem cento e noventa e três espécies de macacos e símios. Cento e noventa e duas têm pelos. Apenas uma, a de vocês, Homo sapiens, não tem. Portanto, vocês não são homens, mas macacos nus. Com sexo elaborado. Parabéns.” (PAIVA, 2018, p.13). O orangotango marxista Essa ideia sobre o Homo sapiens lembra de pronto a obra também recente de Yuval Noah Harari, Sapiens (HARARI, 2015). O autor tece a história da humanidade nessa obra, exatamente a mesma história que o personagem de Paiva tecerá sob o ponto de vista disfarçado de símio. Uma espécie de ode a um futuro melhor para a humanidade. “Sairei daqui para abrir todas as trancas, liberar todos os enjaulados. Consegui até urrar. [...] Estou aqui. Eu estou aqui.” (PAIVA, 2018, p. 107) Evidente referência à sua obra em que fala da mãe, mas também àquilo que Harari preconiza sobre a humanidade. O orangotango marxista No trecho, “Direito versus deveres, ser solidário versus individualismo: conservar a própria vida é um dever...” (PAIVA, 2018, p. 106), essas são ideias de: a) Darwin b) Harari c) Aristóteles d) Kant e) Marx Interatividade No trecho, “Direito versus deveres, ser solidário versus individualismo: conservar a própria vida é um dever...” (PAIVA, 2018, p. 106), essas são ideias de: a) Darwin b) Harari c) Aristóteles d) Kant e) Marx Resposta Um dos mais novos autores em destaque na literatura contemporânea, Martins é um escritor interessante. Nasceu em Bangu, na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. Estudou apenas até a oitava série, trabalhando em seguida como homem- placa e atendente de lanchonete, entre outros. Morou nas favelas da Rocinha e Barreira do Vasco antes de ir para o Vidigal. Um perfil um tanto diferente daquele de Mutarelli e Marcelo Paiva, Martins é filho da classe menos favorecida em relação ao social, ao econômico. É um autor participantede feiras literárias e suas obras têm sido traduzidas em várias línguas. Geovani Martins A obra foi lançada em 2018 pela mesma editora de Mutarelli, um prestígio de poucos, e alcançou rápida consagração nos meios literários. A narrativa são contos que deixam entrever o mundo da Cidade Maravilhosa em seu lado mais trágico e desumano. Não se trata, no entanto, de uma narrativa autobiográfica. Evidente, as três obras aqui apontam traços dos autores, traços fortes, mas esses traços são uma tendência de estilo contemporâneo de narrativa. Muitas vezes em primeira pessoa, mas não uma primeira pessoa ultrarromântica. São traços de observação de dentro, de quem vivenciou ou vivencia a ação. No caso de Martins é um dar voz a pessoas que dividem histórias de vida similares. O sol na cabeça Nos contos de Martins nessa coletânea é possível ler em ficção as histórias que estão pelos jornais de nossos dias, como a instalação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na Rocinha, favela carioca. “Quando a UPP invadiu o morro, era toda pra comprar bagulho. Maior escaldação; ninguém queria botar a cara pra vender, só tinha criança trabalhando de vapor.” (MARTINS, 2018, p. 37) Expressões como ‘de vapor’, longe de serem apenas gírias, transportam-nos à linguagem daquela comunidade, como já fizeram autores consagrados. Jorge Amado é um exemplo com seu Capitães de areia. O sol na cabeça O sol na cabeça Figura 6. Foto da capa do livro. Fonte: Foto do livro do autor. Figura 5. Foto de Martins. Fonte: Foto do livro do autor. A criativa capa de Alceu Chiesorin Nunes trabalha com as nuances das cores do sol escaldante carioca, mas também com o próprio O de Sol sobre a cabeça, ao jeito de design próprio dos poetas concretistas da década de 50 do século XX. A referência ao clima é implícita, mas também indica a cabeça quente desses meninos valentões que se arriscam nas rodas de tráfico violentas. Em alegoria nossa, remete ao fato de ser bem fácil ver o sol nascer quadrado. Realidade que esses meninos conhecem de perto. E de volta a referência à UPP. O sol na cabeça “ – Eu ouvi ele falando com um amigo dele, era de manhã, bem cedinho, eu fiquei fingindo que tava dormindo, pra ouvir conversa. Tavam nervosos os dois.” (MARTINS, 2018, p.30) Não se engane quem pensa que essa linguagem da oralidade (Eu ouvi ele) denota um autor desatento aos grandes escritores. Em várias entrevistas e nos contos também, Martins pode surpreender com uma linguagem bastante tradicional, provando que está fazendo literatura e não apenas reproduzindo um mundo em que viveu. O sol na cabeça No trecho: “– Os cana já foi embora, eles veio mais cedo. Trocamo com eles, agora já meteu o pé geral. Tá tranquilão, fica à vontade.” (MARTINS, 2018, p. 107), percebemos uma figura de linguagem muito usual nessa narrativa: a) Metáfora. b) Ironia. c) Solecismo. d) Personificação. e) Aliteração. Interatividade Resposta No trecho: “– Os cana já foi embora, eles veio mais cedo. Trocamo com eles, agora já meteu o pé geral. Tá tranquilão, fica à vontade.” (MARTINS, 2018, p. 107), percebemos uma figura de linguagem muito usual nessa narrativa: a) Metáfora. b) Ironia. c) Solecismo. d) Personificação. e) Aliteração. Assim como Geovani Martins, Jessé também é do Rio de Janeiro e foi criado na favela de Antares. Depois de uma inscrição em Festa Literária e de ter sido premiado, sua trajetória de sucesso literário cresceu e consolidou-se em histórias reais ficcionadas. A obra que analisaremos aqui é a mais conhecida, mas o autor continua publicando com sucesso. Ele também integra um time de primeira de uma das grandes editoras, a Objetiva. Jessé Andarilho A obra de Jessé é uma narrativa fluida e recheada de diálogos fortes. Dessas leituras que fazem com que não queiramos parar de ler. Ele narra em terceira pessoa, mas aquela pessoa que conhece a narrativa de vida que fez parte de sua trajetória. Fiel é a história de Felipe. Interessante observar que Jessé escreveu essa narrativa nas telas de seu dispositivo móvel enquanto ia de um a outro lado nos trens do subúrbio carioca. Como se diz por aí, ele tinha tudo para dar errado, mas salvou-se pela arte. Fiel Também bastante semelhante é a linguagem informal que Jessé usa para mostrar a vida de Fiel, o Felipe do livro. “ – Seu Zé, meu pai tá bem. Espero que continue assim. Se ele souber dessa parada, não vai mais ficar bem, o senhor também não ficará bem. Nem preciso falar pro senhor ficar na sua e não contar o que viu aqui pra ninguém, não é” (ANDARILHO, 2014, p. 69). Andarilho publicou Fiel em 2014, bem antes dos demais aqui analisados. Paiva e Mutarelli têm uma longa trajetória na literatura. Já Martins e Andarilho estão começando o percurso literário. Fiel Fiel Figura 7. Foto de Andarilho. Fonte: Foto do livro do autor. Figura 8. Foto da capa do livro. Fonte: Foto do livro do autor. Na esteira das análises anteriores, a capa de Fiel, de Sérgio Campante, retrata claramente em vermelho a metáfora do que é ser fiel ao tráfico e a agressividade violenta das imagens sem rostos de crianças empunhando armas com um cenário de paredes com reboco aparente. Eis a realidade que Andarilho retrata, vista por quem de fato conhece bem essa realidade. Sempre preparado para a guerra: “Como gostava muito de ler A arte da guerra, sua personalidade era formada pelos ensinamentos de Sun Tzu. Sempre estava preparado para a guerra. Desde a época em morava com os pais.” (ANDARILHO, 2014, p. 57) Fiel No trecho: “Quando chegou ao bar, o cara o levou para dar uma volta no carro. Contou o dinheiro e deu a parte de seu Zé, que, feliz da vida, disse que os bandidos comprariam mais daquelas.”(ANDARILHO, 2014, p. 69), é possível perceber que: a) A linguagem é bem cuidada porque é mostrada pelo personagem. b) A linguagem é bem cuidada porque é narrada pelo narrador da obra. c) A linguagem revela informalidade típica de meninos do tráfico. d) A linguagem revela a informalidade do narrador, que é também personagem. e) A linguagem traz problemas no uso da vírgula. Interatividade No trecho: “Quando chegou ao bar, o cara o levou para dar uma volta no carro. Contou o dinheiro e deu a parte de seu Zé, que, feliz da vida, disse que os bandidos comprariam mais daquelas.”(ANDARILHO, 2014, p. 69), é possível perceber que: a) A linguagem é bem cuidada porque é mostrada pelo personagem. b) A linguagem é bem cuidada porque é narrada pelo narrador da obra. c) A linguagem revela informalidade típica de meninos do tráfico. d) A linguagem revela a informalidade do narrador, que é também personagem. e) A linguagem traz problemas no uso da vírgula. Resposta Os quatro autores aqui apresentados reúnem elementos da cultura contemporânea: diálogo, interatividade, linguagem informal, uso da primeira pessoa da narrativa, crítica social de forma irônica. Mais do que isso, são autores que despontam neste momento e que nem por isso são menores ou melhores do que aqueles canônicos já estudados na literatura brasileira do século XVI ao século XX: José de Alencar, Machado de Assis, Graciliano Ramos ou Guimarães Rosa, entre outros. A literatura é fluida, caminha. É preciso conhecer os nossos contemporâneos. Comentários finais ANDARILHO, Jessé. Fiel. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014. GIMENES, Roseli. Literatura brasileira do átomo ao bit. São Paulo: Scortecci, 2017. HARARI, Yuval Noah. Sapiens. Uma breve história da humanidade. Porto Alegre: L&PM, 2015. MARTINS, Geovani. O sol na cabeça. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. MUTARELLI, Lourenço. O filho mais velho de Deus e/ou Livro IV. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. PAIVA, Marcelo Rubens. O orangotango marxista. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2018. Referências ATÉ A PRÓXIMA!
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