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Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6478-6 9 7 8 8 5 3 8 7 6 4 7 8 6 Código Logístico 58552 Vania Maria Andrade Artes VisuaisArtes Visuais DesenhoDesenho Este livro apresenta algumas das principais abordagens sobre desenho, com o objetivo de colaborar no processo de ensino-aprendizagem dessa técnica. São apresentados os conceitos básicos que fundamentam o estudo do desenho e os elementos que o compõem, bem como os principais suportes e técnicas para produção. Ao longo desta obra, são destacadas a prática imprescindível da leitura de imagens e alfabetização visual, assim como a importância do desenho durante o desenvolvimento da criança. Cada um dos capítulos conta ainda com a seção Na aula de Arte, destinada ao professor e à prática escolar, com propostas de trabalho sobre os conteúdos apresentados. Desenhar não é apenas traçar linhas no papel, mas comunicar-se, observar, movimentar-se e expressar-se. Você está convidado(a) a explorar as possibilidades que o desenho tem a oferecer como forma de expressão e autoconhecimento, diversão e comunicação. VAN IA M ARIA AN DR ADE ARTES VISUAIS DESEN HO Artes Visuais: desenho IESDE BRASIL S/A 2019 Vania Maria Andrade Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br © 2019 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Agafonov Oleg/Nadiia Korol/YamabikaY/Shutterstock CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ A571a Andrade, Vania Maria Artes visuais : desenho / Vania Maria Andrade. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE Brasil, 2019. 144 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6478-6 1. Artes. 2. Desenho - Técnica. I. Título. 19-57976 CDD: 741.2 CDU: 741 Vania Maria Andrade Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e em Altas Habilidades/Superdotação pela Faculdade Padre João Bagozzi. Licenciada em Artes Visuais com ênfase em Computação pela UTP e bacharel em Pintura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professora de ensino a distância, autora de conteúdos multimídia e objetos digitais em Arte. Sumário Apresentação 7 1 Introdução ao estudo do desenho 9 1.1 Desenho de observação 13 1.2 Desenho de memória e desenho de criação 15 1.3 Modelo vivo 16 1.4 Paisagem 19 1.5 Figurativo e abstrato 20 2 Fundamentos do desenho 25 2.1 Ponto, linha e plano 27 2.2 Bidimensional e tridimensional 31 2.3 Luz e sombra 36 3 Outros conceitos sobre desenho 41 3.1 Ritmo 43 3.2 Equilíbrio 44 3.3 Cor 46 3.4 Textura 47 3.5 Figura e fundo 50 3.6 Enquadramento e composição 52 4 Papel como suporte 57 4.1 Antes do papel: o papiro 60 4.2 História do papel 62 4.3 Tipos de papel 66 5 Técnicas em escala de cinza 75 5.1 Desenho a carvão 77 5.2 Grafite 80 5.3 Desenho com nanquim 85 6 Técnicas policromáticas 95 6.1 Sépia, sanguínea e giz branco 97 6.2 Lápis de cor 99 6.3 Giz pastel 101 6.4 Canetas ou marcadores 103 7 Grafismo infantil e desenho estereotipado 111 7.1 Desenvolvimento do desenho infantil 113 7.2 As fases do grafismo infantil 114 7.3 Estereotipia 119 7.4 Desestereotipização 121 8 Leitura de imagens 127 8.1 O que é imagem? 129 8.2 Modos de ver 131 8.3 Educando o olhar 133 Gabarito 141 Apresentação Desenhos são para a gente folhear, são para serem lidos que nem poesias, são haicais, são rubaes, são quadrinhas e sonetos. (Mário de Andrade) O ato de desenhar vai muito além de traçar linhas no papel. Desenhar é comunicar-se, é observar, é movimentar-se, e é expressar-se, trazendo para fora o que temos de bagagem. Por isso, o professor de Arte deve estar atento ao desenvolvimento da prática do desenho desde a primeira infância, ponto por ponto, linha por linha. Para colaborar nessa relação de aprendizagem, trazemos neste livro algumas abordagens principais sobre essa técnica artística. Figurativo ou abstrato, de memória ou de criação, paisagem, modelo vivo ou observação são algumas das categorias nas quais podemos classificar o desenho de acordo com o motivo representado, como mostra o Capítulo 1 deste livro. O ponto, a linha e o plano, a bidimensionalidade e a tridimensionalidade, a luz e a sombra são alguns dos conceitos básicos que fundamentam o estudo do desenho, permitindo a sua utilização consciente para encontrar as soluções gráficas que causarão os melhores efeitos no espectador. Abordaremos esses aspectos no Capítulo 2 e mais alguns elementos no Capítulo 3, como ritmo, equilíbrio, cor, textura, figura e fundo, enquadramento e composição, destacando a relação entre eles em uma mesma produção gráfica. Abordando desde as paredes das cavernas até o papel produzido industrialmente, passando pela argila, cera e papiro, o Capítulo 4 apresenta algumas das inúmeras possibilidades de suportes que já foram utilizadas para produzir um desenho, principalmente o papel. Para mostrar algumas técnicas de desenho, o Capítulo 5 apresenta as que possibilitam explorar escalas em cinza, como o carvão, o grafite e o nanquim. As técnicas policromáticas estão no Capítulo 6, que aborda o uso do lápis sépia, do sanguínea, do giz branco, do lápis de cor, do pastel seco e oleoso, das canetinhas e marcadores. O Capítulo 7 é dedicado à importância do desenho durante o desenvolvimento da criança, destacando algumas das principais fases do grafismo infantil, além de abordar o desenho estereotipado e algumas formas de o professor trabalhar a desestereotipização. O último capítulo destina-se a um assunto imprescindível ao profissional da arte: a leitura de imagens, a alfabetização visual, os modos de ver uma imagem e como exercitar essa prática para aprimorar a comunicação visual entre espectador e imagem. Em cada capítulo há uma seção específica destinada ao professor de Arte e à prática escolar: Na aula de Arte, que traz propostas de trabalho sobre os conteúdos apresentados, de modo que o professor possa adaptar essas ideias de acordo com a sua realidade escolar, faixa etária da turma e possibilidades de espaço e materiais. Convidamos profissionais e alunos a explorarem tudo o que o desenho tem para oferecer como forma de expressão e autoconhecimento, diversão e comunicação. Aproveitem, criem, e bons desenhos! Um desenho só ocorre quando o olho o revela. (TIBURI; CHUÍ, 2010) Introdução ao estudo do desenho Na página anterior: Chaosamran_Studio/Shutterstock Introdução ao estudo do desenho 11 Produzir marcas em uma superfície é um ato quase tão antigo quanto a humanidade. Se essa é uma das definições de desenhar, o ser humano o faz desde os primórdios. Assim como outras formas de expressão, essa técnica foi se desenvolvendo de diferentes maneiras ao longo dos tempos (HUTTER, 2019). O desenho se faz presente em diversas áreas do conhecimento, além da arte: na botânica (Figura 1), na zoologia, na anatomia, na arquitetura, na indústria, na publicidade, entre outras. Em qualquer desses campos e assuntos, o desenho pode servir como registro, expressão e linguagem. W ik iA rt Fonte: DA VINCI, L. Lírio. c.1473 - 1475. Giz e tinta sobre papel: 31,4 x 17,7 cm. Milão, Itália. Figura 1 – Desenho de botânica Com tantas possibilidades de expressão, o alcance de uma ideia desenhada pode ir além, ampliando os limites da comunicação. Assim, fica aqui uma questão lançada por Tiburi e Chuí (2010) para reflexão: você concorda com a ideia de que desenhar é pensar? Se há um artista que explorou suas habilidades de desenhista para ilustrar os conhecimentos em diferentes áreas do saber, esse é Leonardo da Vinci. Dos desenhos Artes Visuais: desenho 12 anatômicos (que até hoje ilustram livros de Medicina) aos projetos de máquinas, passando por desenhos arquitetônicos (como o da Figura 2)e de outras áreas, Da Vinci utilizou o desenho como forma de expressão, como registro da sua maneira de pensar e para ilustrar as suas descobertas. W ik iA rt Fonte: DA VINCI, L. Estudo de uma igreja central. c. 1488. Giz e tinta sobre papel: 24 x 19 cm. Biblioteca do Instituto de França, Paris. Figura 2 – Desenho arquitetônico A linguagem do desenho era muitas vezes utilizada por Da Vinci em lugar da escrita ou da matemática, pois era considerada a melhor forma de expressar seus pensamentos (CAPRA, 2008). Dessa forma, o artista se utilizou do desenho da mesma forma como é proposto por Tiburi (2010, p. 14), que considera “o gesto de pensar como ato de criar conceito por meio de traços”. Portanto, o ato de desenhar vai muito além de apenas produzir marcas em uma superfície, trata-se de pensamento e expressão. Para classificar algumas formas de pensar por meio do desenho, algumas modalidades foram criadas, já que as técnicas de desenho se desenvolveram e muitas opções surgiram para a realização dessas práticas. Abordaremos aqui as seguintes modalidades específicas da área artística: desenho de observação, desenho de memória, modelo vivo, paisagem, desenho figurativo e desenho abstrato. Introdução ao estudo do desenho 13 1.1 Desenho de observação Quando nos propomos a estudar Arte, iniciamos uma nova educação do nosso olhar, dos nossos modos de observar as imagens e o ambiente ao nosso redor. É imprescindível essa alfabetização visual para que seja possível uma comunicação adequada entre espectador e produto artístico. O ato de observar, nesse sentido, adquire novo significado. Segundo Jacques Aumont (2008, p. 77), “As imagens são feitas para serem vistas, por isso convém dar destaque ao órgão da visão”. Com essa afirmação, o autor destaca a importância da relação que envolve os nossos olhos (como órgão do corpo humano) e a nossa forma de ver as imagens enquanto espectadores. Ele afirma também que: esse órgão não é um instrumento neutro, que se contenta em transmitir dados tão fielmente quanto possível mas, ao contrário, um dos postos avançados do encontro do cérebro com o mundo: partir do olho induz, automaticamente, a considerar o sujeito que utiliza esse olho para olhar uma imagem, a quem chamaremos, ampliando um pouco a definição habitual do termo, espectador. (AUMONT, 2008, p. 77, grifos do original) De acordo com essa afirmação, o espectador utiliza o órgão da visão para observar e realizar a leitura de imagens, considerando todo o seu conhecimento enquanto sujeito. Portanto, tudo o que somos e pensamos exerce influência direta naquilo que observamos. Ao falar de desenho de observação, devemos refletir sobre esse ato de observar e sobre o desenho enquanto técnica. Para Tiburi e Chuí (2010, p. 19) “o desenho, ao contrário do que pensam muitos, não é uma ação das mãos, é uma ação do olhar”. Com a educação do olhar, desenvolve-se melhor a capacidade de representação por meio das técnicas de desenho. A ação das mãos e do olhar precisa de muita prática para esse desenvolvimento. Todo mundo pode aprender a desenhar. O caderno de esboços é o grande aliado da prática de desenho, principalmente do desenho de observação. Podemos considerar como desenho de observação tudo aquilo que é observado e registrado graficamente direto de um modelo, que pode ser uma natureza morta, uma paisagem, entre outros. É importante ter sempre à mão um caderno ou bloco para que se possa registrar a qualquer momento esse motivo que chame a atenção. Pode ser um caderno de rascunhos, anotações e esboços. Segundo Vasari (2011, p. 44), “é chamado esboço um primeiro desenho feito para se encontrarem as melhores posições e a primeira composição da obra”. Observe a seguir, na Figura 3, como o artista reproduziu em poucas linhas a paisagem com o castelo. Os registros no caderno podem ser até mais simples, apenas traços gerais. Artes Visuais: desenho 14 Figura 3 – Estudo ou esboço Fonte: LEVITAN, I. Ruínas do castelo Doria. 1890. Lápis sobre papel. Itália. W ik iA rt A observação do modelo e a produção do esboço podem ser rápidas e livres, utilizando alguns recursos. Anotações de cores e outras ideias também podem fazer parte desse caderno. Um recurso importante em um desenho de observação é a definição do enquadramento, ou seja, o motivo que será retratado e o seu entorno. Utilizar um visor ou uma moldura pode ajudar nessa definição. O visor pode ser improvisado com as mãos, unindo os dedos e formando um retângulo, ou feito de cartolina. Para achar o enquadramento adequado, desloque devagar (aproximando ou afastando) o visor, até ficar satisfeito com o motivo enquadrado. Muitos artistas, desde os mais antigos, praticam o desenho de observação retratando esculturas em museus. Outro exercício simples e eficiente, no entanto, é compor uma natureza morta com alguns objetos (como vasos e garrafas) para desenhar. A mesma composição serve para inúmeros esboços rápidos, pois o objetivo é desenhar bastante, treinando os traços. Depois de vários desenhos, que devem ser datados e numerados, é possível verificar o progresso. Introdução ao estudo do desenho 15 Marcar um tempo para produzir os esboços também é um ótimo exercício. Os desenhos podem ser feitos em tempos variados: 2 minutos, 1 minuto, 30 segundos, diminuindo aos poucos. Depois de treinar bastante, aumente o tempo e elabore melhor o desenho final. Esses exercícios valem para sempre, em qualquer lugar, por isso o caderno deve estar sempre à mão. Aproveite para desenhar tudo o que vê! 1.2 Desenho de memória e desenho de criação O desenho atinge importância artística a partir do Renascimento, quando surgem as Academias de Arte. Nesse período, em 1562, foi fundada a primeira Academia de Arte do Desenho, por Giorgio Vasari, em Florença, considerada a mais antiga do mundo (UNA STORIA, 2019). A partir desse período, os artistas passaram a utilizar o desenho como técnica definitiva para produções artísticas. Acompanhando a evolução dos movimentos de arte ao longo dos tempos, tornou-se possível expressar-se pelo desenho em variadas técnicas e formas. Com maior liberdade de expressão, os artistas puderam dar asas à imaginação e desenhar motivos e cenas inventados, partindo para a criação. Nessa forma de desenhar, o artista passa a utilizar as imagens guardadas na própria memória e, combinando-as, faz surgir outras, produzindo novas montagens, muitas vezes sem conseguir perceber os limites entre o que já viu e o que é pura criação. O desenho de memória se caracteriza pelo registro gráfico daquilo que já foi observado e até registrado anteriormente por meio de um esboço. Muitos artistas produzem esboços em seus cadernos, apenas com os principais traços e algumas informações marcantes, para, posteriormente, trabalhar com calma em uma produção, utilizando os esboços e as anotações como base. O restante é produzido pela memória daquele momento de observação. Por isso, no desenho de memória ou de criação é tão importante armazenar um vasto repertório na memória, ao qual se possa sempre recorrer para criar. Para adquirir esse repertório, é necessário educar o olhar para observar as imagens e o entorno. Assim, a criatividade combina as imagens observadas com a imaginação, criando novas formas e narrativas. Artes Visuais: desenho 16 Figura 4 – Desenho de criação Fonte: KLEE, P. Conto à la Hoffmann. 1921. Aquarela, grafite e tinta de impressão em papel: 40,3 × 32,1 cm. Museu Metropolitano de Arte, Nova Iorque. W ik iA rt O artista Paul Klee criou essa obra (Figura 4) motivado por um dos contos mais famosos do poeta e escritor alemão E. T. A. Hoffmann. Diversos elementos do conto fantasioso podem ser observados na obra, como a árvore, a garrafa e os relógios (THE MET, 2019). Contos, canções e poemas são estímulos poderosos para a produção em desenho de criação. 1.3 Modelo vivo O desenho de um modelo vivo consiste em retratar uma figura humana observando diretamente uma pessoa, tendoo corpo como principal objeto a ser representado. A representação da figura humana existe desde os registros rupestres, mas foi a partir da criação das academias de arte, no período Renascentista, que o estudo da figura humana adquiriu importância. Introdução ao estudo do desenho 17 Os artistas do Renascimento desenharam muitas esculturas gregas para aperfeiçoar suas representações humanas. O estilo clássico grego, que pode ser observado na Figura 5, criou um ideal de beleza com base em estudos aprofundados de medidas e proporções anatômicas que retratassem o corpo humano com perfeição (SYMONDS, 2019). Figura 5 – Escultura grega Fonte: POLICLETO. Doryphoros de Pompéia (cópia romana de um original grego). Mármore de Carrara: 200 cm. Museu Arqueológico Nacional de Nápoles, Itália. W ik iA rt O período renascentista retomou a ideia da Antiguidade Clássica, fazendo com que artistas e cientistas se interessassem por dissecações de cadáveres, com o intuito de estudar, de maneira aprofundada, o corpo humano. Foi nesse período que o desenho anatômico adquiriu importância, não só para as artes, mas também para a medicina. A relação entre anatomia e desenho uniu médicos e artistas, produzindo registros do corpo humano por meio de desenhos de grande importância científica (LÉPORI, 2007). O artista e cientista que melhor define essa relação entre desenho e anatomia é, sem dúvida, Leonardo Da Vinci, que realizou suas próprias dissecações e registrou em seus cadernos inúmeros estudos do corpo humano. Observe na Figura 6, a seguir, que, ao mesmo tempo em que desenhava, Da Vinci fazia anotações com sua escrita espelhada. Artes Visuais: desenho 18 Figura 6 – Desenho anatômico Fonte: DA VINCI, L. Estudos anatômicos do ombro. c.1510. Giz e tinta sobre papel: 28,9 x 19,9 cm. Milão, Itália. Figura 7 – Desenho da figura humana W ik iA rt Fonte: BUONARROTI, M. Estudo para Ignudo. c.1508. Giz sobre papel: 27,9 x 21,4 cm. Teylers Museum, Haarlem, Países Baixos. Nesse período, o desenho do corpo humano buscava a perfeição da forma física, envolvendo estudos de anatomia, proporção e perspectiva. Michelangelo Buonarroti também foi um artista que explorou o desenho humano, retratando cada músculo em diferentes poses, como se pode observar na Figura 7. As cenas da Capela Sistina, em Roma, demonstram isso. O estudo da anatomia favorece o artista por fornecer-lhe conhecimentos a respeito das modificações musculares de acordo a posição que se quer retratar. Dependendo da posição do modelo, os músculos do corpo tensionam, provocando áreas de destacado volume. Esses artistas fizeram inúmeros estudos de cada pose, destacando a musculatura e o posicionamento dos ossos do esqueleto. A partir do Renascimento, o ensino da disciplina de Modelo Vivo tornou-se frequente nas Escolas de Arte, sendo mantida essa prática até os dias de hoje. Essa disciplina envolve o estudo do corpo humano, observando sua musculatura e seus ossos, aliado ao desenho de observação da figura humana, buscando relacionar esses conhecimentos. No decorrer dos anos, a representação do corpo humano modificou-se, acompanhando a evolução da História da Arte. De qualquer forma, o conhecimento sobre anatomia só tem a acrescentar ao artista que trabalha com o retrato da figura humana. Introdução ao estudo do desenho 19 1.4 Paisagem O desenho de paisagem caracteriza-se por retratar cenas da natureza ou do ambiente externo e adquire maior representatividade a partir do século XIX, com a popularidade dos artistas que trabalham ao ar livre. Com as ideias impressionistas sobre a luz e a cor, o trabalho ao ar livre tornou-se cada vez mais comum entre os artistas. Vincent Van Gogh, muito conhecido por suas pinturas, produziu um número notável de desenhos de paisagem. O artista valorizava muito a habilidade de desenhar, considerando-a a raiz de tudo (IVES; STEIN, 2000). Ele desenhava quase por compulsão. Suas cartas para o irmão Theo são, em grande parte, ilustradas pelos seus traços e desenhos, com referências aos assuntos sobre os quais escrevia. Figura 8 – Desenho de paisagem Fonte: VAN GOGH, V. Rua em Saintes-Maries-de-la-Mer. 1988. Caneta, pena e tinta sobre giz em papel: 24,3 x 31,7 cm. Museu Metropolitano de Arte, Nova Iorque, Estados Unidos. Observe, na Figura 8, as texturas exploradas pelo artista: linhas, traços e pontos que formam os elementos. A paisagem sempre oferece motivos para serem retratados, permitindo esboços ricos e criativos, além de engrandecer o repertório da memória. Van Gogh trabalhou com caneta e bico de pena em diversos desenhos de paisagens, aperfeiçoando seu domínio da perspectiva. Muitas vezes, produziu pinturas a partir de desenhos de observação da natureza, mas também desenhou a mesma paisagem após tê-la pintado. Assim como na classificação de pinturas, as paisagens podem ser rurais (cenas do campo), urbanas (cenas da cidade) ou marinhas (praias, porto, mar). Artes Visuais: desenho 20 1.5 Figurativo e abstrato A partir das vanguardas artísticas do século XX, a arte cada vez mais se liberta em suas formas de representação, principalmente com o surgimento do cubismo, abrindo os caminhos para uma expressão mais abstrata. A arte figurativa caracteriza-se pela representação de imagens que têm referência no mundo real, ou seja, objetos e figuras reconhecíveis, como a arte produzida antes do século XX. O termo figurativo passou a ser usado para diferenciar a arte abstrata, que não se utiliza de referências reais. Abstracionismo: “A decomposição da figura, a simplificação da forma, os novos usos da cor, o descarte da perspectiva e das técnicas de modelagem e a rejeição dos jogos convencionais de sombra e luz, aparecem como traços recorrentes das diferentes orientações abrigadas sob esse rótulo.” (ABSTRACIONISMO, 2019). Diversas foram as manifestações surgidas a partir da arte abstrata: o Suprematismo, com Kasimir Malevich (1878-1935), que pode ser observado na Figura 9; o Construtivismo, com Alexander Rodchenko (1891-1956); o Neoplasticismo, com Piet Mondrian (1872-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931); o Tachismo, com Manabu Mabe (1924-1997) e Tomie Ohtake (1913-2015); o Expressionismo Abstrato, com Jackson Pollock (1912-1956), entre outras. Figura 9 – Suprematismo Fonte: MALEVICH, K. Composição suprematista: avião voando. 1915. W ik iA rt Introdução ao estudo do desenho 21 No Brasil, alguns dos principais artistas com produções abstratas são: Hélio Oiticica (1937-1980), Lygia Clark (1920-1988), Abraham Palatnik (1928-) e Luiz Sacilotto (1924-2003). Na aula de Arte Para colaborar com a educação do olhar e com o processo de observação, proponha uma brincadeira de enquadramentos divertidos com a turma, fazendo uma moldura com as mãos e registrando no papel os motivos selecionados. O uso do visor de papelão ou uma pequena moldura de porta-retrato pode facilitar a atividade. Para a produção do visor (cada um pode fazer o seu, de acordo com a faixa etária), o material mais apropriado é o papelão, mas a cartolina preta também pode ser usada, apesar de não ser tão firme. O importante é treinar o olhar para um enquadramento equilibrado. Proponha também uma pesquisa sobre estudos e esboços de artistas famosos, para que observem que há um longo caminho antes de uma pintura ser reconhecida como obra-prima. Apresente estudos de alguns artistas como motivação. Existem muitas reproduções de Da Vinci e Michelangelo, por exemplo. Para uma atividade que envolva o desenho de memória e de criação, fazer um passeio (pela escola, mesmo), visitar um museu ou ler uma história ou um poema podem servir como referências. Após o passeio, cada um pode registrar graficamente um objeto que tenha visto. Como continuação da atividade, a leitura do poema ou da história pode servir como cenário e sugerir elementos que, junto ao que foi observado no passeio, deem origem à criação de um desenho de imaginação. Para os estudos de modelo vivo, um colega podeservir de modelo para os outros realizarem esboços rápidos. Considerações finais Produzir um desenho implica saber observar, ler imagens ao redor e reproduzi- las por meio de traços, seja seguindo modelos observados, seja combinando imagens do repertório mental ou simplesmente criando formas expressivas. A capacidade de desenhar está diretamente relacionada à prática. Por isso, quanto mais se desenha, melhor ficará o produto final, em qualquer técnica que se escolha. Artes Visuais: desenho 22 Ampliando seus conhecimentos • TIBURI, M.; CHUÍ, F. Diálogo / desenho. São Paulo: Senac, 2010. Esse livro reúne cartas trocadas entre a filósofa e seu professor de desenho, discutindo a técnica artística em uma abordagem poética que vai além do que costumamos pensar. • CAMINHOS da abstração: aspectos da cultura brasileira. (5 min. 9 seg.). Publicado por ItauCultural2012. Disponível em: https://youtu.be/wT65Cnhc0tA. Acesso em: 16 jun. 2019. Esse vídeo é um trecho de um documentário de Roberto Moreira e mostra, a partir de obras de arte brasileiras, como foi o processo de transformação entre a representação figurativa e a abstrata, destacando a negação da estética naturalista. Atividades 1. A imagem a seguir pode ser classificada em qual modalidade de desenho? Quais são as características dessa modalidade? W ik iA rt Fonte: WRIGHT, J. Estudo do terreno perto do Vesúvio. 1774. Lápis sobre papel: 31,1 x 45 cm Introdução ao estudo do desenho 23 2. Indique, entre as obras a seguir, qual pode ser classificada como figurativa e qual é abstrata. Justifique sua resposta. a) W ik iA rt Fonte: MALEVICH, K. Oradores no Tribune. 1919. Tinta e aquarela sobre papel: 24,8 x 33,8 cm. b) W ik iA rt Fonte: VAN GOGH, V. Women Working in Wheat Field. 1890. Giz sobre papel. Van Gogh Museum, Amsterdam, Holanda. 3. Comente sobre a modalidade de desenho para a qual é importante o estudo da anatomia humana. Artes Visuais: desenho 24 Referências ABSTRACIONISMO. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2019. Verbete de Enciclopédia. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org. br/termo347/abstracionismo. Acesso em: 16 jun. 2019. AUMONT, J. A imagem. 13. ed. São Paulo: Papirus, 2008. CAPRA, F. A ciência de Leonardo da Vinci: um mergulho profundo na mente do grande artista. São Paulo: Cultrix, 2008. HUTTER, H. R. Drawing. Encyclopædia Britannica. 4 jun. 2019. Disponível em: https://www. britannica.com/art/drawing-art. Acesso em: 16 jun. 2019. IVES, C.; STEIN, S. A. Vincent van Gogh (1853–1890): The Drawings. In: HEILBRUNN Timeline of Art History. New York: The Metropolitan Museum of Art, 2000. Disponível em: http://www. metmuseum.org/toah/hd/gogh_d/hd_gogh_d.htm. Acesso em: 16 jun. 2019. LÉPORI, L. R. Atlas da arte anatômica: um olhar de seis séculos. EC Europe, 2007. SYMONDS, KM. Life Drawing: a short history. Centre for Science and Art (CSA). Disponível em: http://www.stroudlifedrawing.com/history.html. Acesso em: 16 jun. 2019. THE MET. Tale à la Hoffmann. Paul Klee. Disponível em: https://www.metmuseum.org/art/ collection/search/483143. Acesso em: 16 jun 2019. TIBURI, M.; CHUÍ, F. Diálogo / desenho. São Paulo: Senac, 2010. UNA STORIA Lunga. Accademia delle Arti del Disegno. Disponível em: https://www.aadfi.it/ accademia/. Acesso em: 16 jun. 2019. VASARI, G. Vida dos artistas. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. O que é, afinal um desenho senão o ato de unir pon- tos para formar imagens? (TIBURI; CHUÍ, 2010) Fundamentos do desenho Na página anterior: Creativika Graphics/Shutterstock Fundamentos do desenho 27 O desenho é uma forma de expressão, pensamento e linguagem. Portanto, para se aprofundar no ato de desenhar, é necessário conhecer as possibilidades de comunicação por meio dessa linguagem. Quais são, então, os elementos envolvidos nesse processo de comunicação entre o desenho, o artista e o espectador? Sendo o desenho uma linguagem visual, conforme pontua Wong (2001), essa é a base de sua criação. Portanto, o olhar, o ato de ver, enxergar e observar tem papel fundamental nessa comunicação. É o olhar que guia a mão na produção de um desenho, mesmo que supostamente seguindo apenas a intuição e o repertório de imagens da memória. Sendo assim, é preciso permitir que a mão tenha sintonia com o olhar. Diversos elementos visuais relacionam-se diretamente com a produção de um desenho. Assim, conhecê-los e saber utilizá-los facilita a expressão e amplia o poder de comunicação. Além disso, produzir um desenho combinando as abordagens intuitiva e intelectual permite um resultado muito mais satisfatório (WONG, 2001). Por isso, é interessante aliar a sensibilidade intuitiva aos conhecimentos intelectuais acerca da criação artística. Vamos abordar aqui, então, alguns elementos fundamentais desse processo: o ponto, a linha e o plano como elementos básicos; os desenhos bidimensional e tridimensional; a luz e a sombra. 2.1 Ponto, linha e plano O ponto, a linha e o plano são considerados por Wong (2001) como elementos conceituais, ou seja, não visíveis: percebemos que há pontos, que a forma tem uma linha de contorno e que sugere um plano, mas não os vemos na realidade. No entanto, a partir desses três elementos básicos, podem surgir todos os outros. Vejamos cada um deles mais detalhadamente. Wassily Kandinsky (1976), em seu famoso livro Ponto, linha, plano, utiliza diferentes linguagens para explicar os elementos visuais de uma composição. O artista inicia fazendo uma abordagem sobre o ponto, considerado o primeiro elemento, a origem. “O ponto geométrico é um ser invisível” (KANDINSKY, 1976, p. 35), pois essa marca tem contornos e dimensões relativas, de acordo com a imagem na qual o percebemos: na linguagem, ele é o silêncio, o ponto final; no balé, é o momento em que a ponta da sapatilha toca o chão; na música, a pauta é salpicada de pontos, que são as notas. Esses são alguns exemplos que Kandinsky (1976) menciona para exemplificar o quanto o ponto está presente em diferentes manifestações ao nosso redor. No momento em que o instrumento de desenho toca no suporte e produz a primeira marca, o resultado desse toque é um ponto. Pode ser o lápis sobre o papel, a goiva na madeira ou o pincel na tela. “O ponto é, interiormente, a forma mais concisa” (KANDINSKY, 1976, Artes Visuais: desenho 28 p. 41) e pode apresentar contorno e dimensão variados. Observe, na obra de Kandinsky, as marcas que podem ser consideradas pontos, de formatos e tamanhos variados. W ik iA rt Fonte: KANDINSKY, W. Mundos pequenos XI. 1922. Ponto seca sobre papel: 23,9 x 20 cm. Lenbachhaus, Munique, Alemanha. Figura 1 - Variedade de pontos Uma sequência de pontos se transforma em uma linha. Kandinsky (1976) considera a linha como um elemento secundário, sendo o produto do ponto ou o ponto em movimento. A partir do ponto estático, pode surgir a linha, elemento dinâmico, como na Figura 2, a seguir. Figura 2 – Ponto e linha Fonte: Elaborada pela autora. A linha tem tensão e direção. É a direção que faz com que possamos distinguir a horizontal, a vertical e a diagonal (como na Figura 3, a seguir), que são os três principais tipos de linhas retas. Os demais tipos de linhas são derivados dessas, como as linhas quebradas ou angulares. Além disso, a menor distância entre dois pontos é sempre uma reta. Fundamentos do desenho 29 Figura 3 – Tipos de linhas D ire çã o da s li nh as Linhas angulares horizontal vertical diagonal ângulo retoângulo agudo ângulo obtuso quebrada mista Fonte: Elaborada pela autora. Já a linha curva surge quando a linha reta apresenta fortes pontos de tensão, obrigando-a a formar um arco, como na Figura 4. Os pontos que iniciam e terminam a linha reta podem se encontrar na formação de uma linha curva, transformando-se em um plano. Figura 4 – Linha curva Fonte: Elaborada pela autora. As linhas formam os limites de um plano. De acordo com Wong (2001, p. 42),“um plano tem comprimento e largura, mas não tem espessura. Tem posição e direção” das retas que o compõe, mas não tem profundidade. Figura 5 – Planos Fonte: Elaborada pela autora. Artes Visuais: desenho 30 Quando as linhas se movimentam em direção a outras e se encontram, fecham-se formando um plano, como pode ser visto na Figura 5: um plano formado por linha curva e outro por linhas angulares. Observe agora, na Figura 6, este desenho de Kandinsky, que ilustra seu livro Ponto, linha, plano. A imagem deu origem à obra denominada Pequeno sonho em vermelho. Veja como o artista trabalha com as linhas e os planos nas duas composições, comparando-as. Fonte: PRANCHA 25. Linha. Construção linear da pintura Pequeno sonho em vermelho (1925). In: KANDINSKY, W. Ponto, linha, plano. Lisboa: Edições 70, 1976. p. 169. Figura 6 – Construção linear W ik iA rt Figura 7 – Composição abstrata Fonte: KANDINSKY, W. Pequeno sonho em vermelho. 1925. Óleo em papelão: 35,5 x 41,2 cm. Kunstmuseum, Berna, Suíça. Fundamentos do desenho 31 Para chegar ao resultado dessas obras, Kandinsky produziu muitos estudos e esboços. Da mesma forma, podemos trabalhar informalmente com elementos visuais, sem preocupação com um produto final. Entretanto, o ato de produzir registros gráficos estimula a nossa capacidade de criação, possibilitando armazenar certo repertório de material que pode se transformar em alguma produção artística. 2.2 Bidimensional e tridimensional Segundo Wong (2001), nossas primeiras experiências são com formas tridimensionais, devido ao mundo em que vivemos. Pode ser um objeto ou um ser vivo. “Uma forma tridimensional é aquela em direção à qual podemos caminhar, da qual podemos nos afastar ou em torno da qual podemos andar; pode ser vista de diferentes ângulos e distâncias” (WONG, 2001, p. 138, grifo nosso). Os desenhos ou pinturas são representações bidimensionais. “Formas bidimensionais são constituídas por pontos, linhas e/ou planos sobre uma superfície” (WONG, 2001, p. 139, grifo nosso). É a combinação desses elementos visuais básicos que produzirá uma forma, que poderá ser figurativa ou abstrata. Essa forma bidimensional pode ser retratada de diversas maneiras, com diferentes tamanhos, posições e direções. Com base em recursos como repetição (rotação, em vários sentidos), transformação e inversão (da forma), as formas produzem uma composição. Observe as três imagens a seguir, que podem ser tidas como exemplo de como produzir uma composição bidimensional. Na primeira, a composição partiu de um ponto central e, ao redor dele, repete-se uma figura geométrica que aumenta gradativamente de tamanho, fazendo com que o fundo também se destaque pelo contraste formado. M ar k G re ni er /S hu tt er st oc k Figura 8 – Composição concêntrica Artes Visuais: desenho 32 Na figura seguinte, podemos dizer que linhas onduladas na vertical, de espessuras variadas, intercalam-se entre espaços com a representação de pontos de variados tamanhos. As linhas e os pontos se repetem de forma aleatória, em tamanhos e formatos variados. ru .c o. la / Sh ut te rs to ck Figura 9 – Composição com linhas e pontos A repetição também é utilizada na próxima imagem, com o desenho das folhas em uma sequência de encaixes na composição figurativa. M an ga ta / Sh ut te rs to ck Figura 10 – Composição figurativa Produzir composições simples com base em figuras geométricas contribui para o treino do desenho bidimensional, utilizando os elementos conceituais básicos. No início, Fundamentos do desenho 33 vale a pena destacar uma forma qualquer e experimentar repetir, rotacionar, aumentar e transformar essa forma, produzindo certa variedade de composições. De acordo com Wong (2001), a forma bidimensional foi criada pelo ser humano para suas representações em desenho, pintura e escrita. As representações bidimensionais têm comprimento e largura, mas não profundidade. Para realizar um desenho tridimensional, portanto, é preciso pensar de uma forma diferente da que exige o desenho bidimensional. A representação tridimensional pressupõe imaginar o motivo, observando-o por todos os lados, como se pudesse segurá-lo nas mãos. Devemos considerar as suas três principais dimensões – comprimento, largura e profundidade –, ou seja, medi-lo nas direções vertical (de cima para baixo), horizontal (esquerda para direita) e transversal (frente para trás). Assim, teremos três planos representados (de cada dimensão): o vertical, o horizontal e o transversal. Se duplicarmos esses planos, teremos os planos da frente e de trás (vertical), os planos superior e inferior (horizontal) e os planos lateral esquerdo e lateral direito (transversal). Com esses planos, formamos o cubo, como na Figura 11, que mostra os planos duplicados (WONG, 2001). Figura 11 – Figura tridimensional Fonte: Elaborada pela autora. Trabalhar com a tridimensionalidade em um desenho envolve o volume e a perspectiva. “Em termos técnicos, volume é a ilusão de tridimensionalidade. É o que transforma um círculo em uma esfera, um triângulo em um cone e um quadrado em um cubo. Para dar volume aos seus objetos, você precisa usar perspectiva e sombreamento” (COMBS; HODDINOT, 2016, p. 48). Artes Visuais: desenho 34 Yo ko D es ig n/ S hu tt er st oc k Figura 12 – Figuras tridimensionais Toda imagem a ser desenhada pode ser esboçada como uma forma geométrica tridimensional (como as da Figura 12), assim se torna mais fácil aplicar a perspectiva na composição. Observe, neste estudo de Van Gogh, como o artista desenhou destacando as figuras geométricas. W ik iA rt Fonte: VAN GOGH, V. Esboço inacabado de um interior com uma panela no fogo. 1881. Giz sobre papel. Museu Kröller-Müller, Otterlo, Holanda. Figura 13 – Estudo Fundamentos do desenho 35 “A perspectiva, basicamente, é a forma como os objetos e espaços são visualizados de determinado ponto de vista” (COMBS; HODDINOT, 2016, p. 48, grifo do original). O domínio da perspectiva depende de muita prática. Por isso, é válido adquirir o hábito de desenhar todo sólido geométrico que você encontrar pela frente: vasos, livros, mesas, baldes, potes... Transforme tudo o que você vê em figuras geométricas simples e, depois, em figuras tridimensionais. Os desenhos em perspectiva sugerem a tridimensionalidade e, para obtê-la, devemos determinar a linha do horizonte. É ela que definirá se os motivos desenhados serão vistos de frente (na linha), olhando para baixo (abaixo da linha) ou para cima (acima da linha), como mostram as três imagens da Figura 14, a seguir. Figura 14 – Desenho em três perspectivas Ps eu do ny m a/ Sh ut te rs to ck Linha do horizonte: “Às vezes chamada linha dos olhos, a linha do horizonte é uma linha horizontal imaginária que divide a terra do céu. Ela fica exatamente na altura dos olhos quando se olha para frente.” (COMBS; HODDINOT, 2016, p. 206, grifo nosso) Após determinar a linha do horizonte, deve ser definido o ponto de fuga, isto é, o ponto situado na linha do horizonte para onde todas as retas convergem (observe na Figura 14). Alguns desenhos têm mais de um ponto de fuga (como na Figura 15). Artes Visuais: desenho 36 Figura 15 – Dois pontos de fuga at ta ph on g/ Sh ut te rs to ck Esses conhecimentos facilitarão o raciocínio quando for necessário calcular proporções entre os elementos de uma composição. Um bom exercício para isso é observar as perspectivas trabalhadas em diferentes obras, como pinturas, fotografias e desenhos. 2.3 Luz e sombra Acrescentar linhas, pontos ou texturas mais expressivos dentro do contorno de um desenho pode servir para indicar áreas de luz e sombra e, ao mesmo tempo, trabalhar o volume nessa imagem. O primeiro passo para iniciar um desenho aplicando áreas de luz e sombra é definir o motivo e a forma como a luz incide sobre ele. Algumas caixas e potes organizados em uma composição podem servir como modelo para um desenho. A luz sobreos objetos pode ser natural ou artificial, mas deve ser definida para não causar confusão para um desenhista principiante. Ela pode ser utilizada em diversas direções: • Frontal: ilumina o modelo de frente e quase não produz sombra; • Contraluz: ilumina por trás do modelo; • Lateral: ilumina por um dos lados do modelo (é considerada a mais adequada para desenhistas iniciantes). Em qualquer desenho de observação, podemos utilizar o recurso de transformar mentalmente os motivos em sólidos geométricos (cone, esfera, cubo, cilindro) e traçar esboços rápidos com essas figuras, para depois acrescentar mais detalhes, como mostra a Figura 16, a seguir. Fundamentos do desenho 37 O an a_ U nc iu le an u/ Sh ut te rs to ck Figura 16 – Luz e sombra Em seguida, devemos verificar como estão iluminados. Observe, na Figura 16, as áreas com mais e com menos luz, além dos tons intermediários. Para perceber as áreas mais claras e mais escuras, às vezes facilita fechar parcialmente os olhos, pois assim somos mais capazes de nos desligarmos de detalhes de cor, por exemplo, para nos concentrarmos apenas na luz. Essas áreas mais claras e escuras podem ser marcadas no desenho com linhas, para, posteriormente, ser aplicado o tom adequado. O importante é definir qual área é a mais escura e qual é a mais clara, preservando esta última – de preferência, deixando-a apenas com a cor do fundo (cor do papel), pois é mais difícil clarear do que escurecer uma área, em qualquer técnica de desenho. Veja, na Figura 17, como Van Gogh trabalhou com diferentes tons para mostrar as áreas de luz e sombra. Observe a área mais escura na frente do jarro. Observando também as áreas mais claras (abaixo do bico e na asa), você vai perceber que elas não apresentam traços do grafite, só o fundo do papel. Em seguida, pode-se definir os meios- -tons, isto é, as áreas de luz e de sombra Fonte: VAN GOGH, V. Jarro de leite. 1862. Lápis sobre papel. Museu Kröller-Müller, Otterlo, Holanda. Figura 17 – Desenho com luz e sombra Artes Visuais: desenho 38 intermediárias. É interessante fazer uma escala dos tons que serão trabalhados em um papel à parte, desenhando alguns quadrados e preenchendo-os com o tom mais forte, o mais claro e os intermediários. Dessa forma, é possível definir quantos tons serão utilizados no desenho e em que áreas serão aplicados. Hachuras, pontos ou linhas podem ser aplicados para cobrir as áreas de sombras. Muitos artistas utilizam também o esfuminho para fazer as passagens de cor graduais. Na aula de Arte Se o desenho está diretamente ligado ao olhar, a artista Edith Derdyk faz uma relação direta do ato de desenhar com a dança, o desenho como ação no ir e vir que marca o papel. Os trabalhos dessa artista podem servir como base para trabalhar os três elementos conceituais do desenho – ponto, linha e plano. A partir do contato com a produção de Derdyk, proponha uma pesquisa sobre linhas e fios que permitam construir uma composição em colagem com linhas. Estimule a busca por variedade de cor, tamanho, espessura e material, classificando-os. Permita um momento descontraído para brincar com os fios e ensine a brincadeira “cama de gato”, valorizando a cultura popular. Para a produção, conceda um tempo para trabalharem com os fios sobre o papel, verificando possibilidades de composição. Os fios podem ser colados no papel a partir de um desenho mental prévio, ou podem ser jogados aleatoriamente para serem fixados depois. Uma possibilidade de exercício para treinar o desenho com linhas é marcar alguns pontos lado a lado em um papel, com certa distância. O desafio é traçar linhas, mais retas quanto for possível, de um ponto ao outro. Dessa forma, também, podem ser desenhadas, à mão livre, figuras geométricas, repetindo-as em uma sequência ou composição. Para treinar o olhar quanto à observação de luz e sombra, organize alguns objetos – como vasos, potes e caixas (de preferência sem estampas) – e ilumine-os lateralmente, de forma que a composição apresente claramente algumas sombras definidas. Verifique se todos têm boa visibilidade do modelo. Explique a técnica de pensar em figuras geométricas e fechar um pouco os olhos para enxergar as áreas de luz e sombra. Solicite que produzam, em um papel à parte, uma graduação de tons para serem utilizados no desenho. hachuras: traços paralelos ou cruzados usados para marcar as sombras e meias-tintas. Fundamentos do desenho 39 Considerações finais Os conhecimentos sobre como realizar uma representação gráfica bidimensional ou tridimensional têm como finalidade facilitar o trabalho do indivíduo que deseja se expressar e pensar por meio do desenho. Essa técnica artística é acessível a todos, no sentido de que é por meio da prática que se aprende a desenhar, não importando habilidades artísticas prévias. A arte de desenhar exige muito trabalho de quem se propõe a realizá-la, pois é fazendo que se aprende. Ampliando seus conhecimentos • SAPIENZA, T. T. (org.); MARTINS, M. C.; PICOSQUE, G. (coord.). Viés (Edith Derdyk). São Paulo: Instituto Arte na Escola, 2005. Disponível em: http://artenaescola. org.br/uploads/dvdteca/pdf/arq_pdf_37.pdf. Acesso em: 16 jun. 2019. Viés apresenta uma proposta de trabalho arte-educativo com base na obra da artista Edith Derdyk, envolvendo elementos como linhas, texturas e planos. • MUSEU Vivo: Edith Derdyk. SescTV. (23 min. 10 seg.). Disponível em: https:// www.youtube.com/watch?v=SYP3gacfIM8. Acesso em: 16 jun. 2019. O documentário Museu Vivo: Edith Derdyk apresenta a artista e sua produção, relatando seu processo de trabalho com o desenho e a linha. • WONG, W. Princípios de forma e desenho. São Paulo: Martins Fontes, 2001. Esse livro explica didaticamente, passo a passo, como entender e explorar técnicas de desenho, inclusive com noções de desenho digital. Atividades 1. Como explicar a diferença entre desenho bidimensional e desenho tridimensional? 2. Quais são os três elementos conceituais básicos que compõem um desenho bidimensional? Como podemos defini-los? 3. De que formas podemos destacar as áreas de luz e de sombra em um desenho? Artes Visuais: desenho 40 Referências COMBS, J.; HODDINOT, B. Desenho para leigos. Rio de Janeiro: Alta Books, 2016. KANDINSKY, W. Ponto, linha, plano. Lisboa: Edições 70, 1976. TIBURI, M; CHUÍ, F. Diálogo / desenho. São Paulo: Senac, 2010. WONG, W. Princípios de forma e desenho. São Paulo: Martins Fontes, 2001. Desenhar é fazer planos ludicamente com pon- tos e linhas. (TIBURI; CHUÍ, 2010) Outros conceitos sobre desenho Na página anterior: Plasteed/Shutterstock Outros conceitos sobre desenho 43 O papel em branco que antecede o começo de um desenho pode ser assustador para o desenhista, mas alguns conhecimentos e dicas podem amenizar esse momento que antecede uma produção. Aprender a técnica já é um bom começo, mas só se aprende fazendo, então a melhor opção é praticar bastante. Mas, por onde podemos começar? Desenhando tudo o que se vê, sem preocupação com o resultado. Depois de alguns rabiscos, é hora de se adaptar a alguns conceitos básicos para ajustar a composição. São esses conceitos que veremos adiante e que podem contribuir para diminuir o temor do desenhista diante do papel em branco. O conhecimento, a prática e a imaginação possibilitarão ao artista desenvolver seu desenho sem medo – a começar pelo papel, que não precisa ser branco, pode ser colorido. 3.1 Ritmo De acordo com Wong (1992), o ritmo de uma composição é formado pelo movimento e pela velocidade originados da direção sugerida pelos elementos retratados. Desenhos figurativos ou abstratos podem demonstrar um ritmo visual semelhante ao ritmo musical, de acordo com a disposição dos elementos da representação. Há diversas formas de trabalhar o ritmo em uma composição, e ele pode ser alterado verificando o posicionamento dos elementos visuais básicos. Esses elementos podem, por exemplo, estar paralelos,rotacionados (em torno de um centro) ou contrastados. Observe o movimento sugerido pelas linhas paralelas em diferentes tamanhos, lado a lado, no desenho de Theo van Doesburg (Figura 1). Fonte: DOESBURG, T. V. Desenho. 1921. 7 x 6 cm. Figura 1 – Ritmo por paralelismo Artes Visuais: desenho 44 Quando o ritmo é gerado pelo contraste, podemos identificar elementos opostos: reto e curvo, grande e pequeno, claro e escuro. Todavia, a composição tende a se tornar agitada quando são representadas direções contrastantes (WONG, 1992). Linhas grossas e finas também interferem diretamente e ditam o ritmo de uma composição. Fonte: POPOVA, L. Construção força-espacial. 1921. Giz de cera sobre papel: 25,4 x 20,3 cm. Figura 2 – Ritmo por contraste Observe, na Figura 2, como a artista Liubov Popova trabalhou o ritmo com algumas linhas paralelas e o contraste de linhas curvas e retas em direções praticamente opostas. Além delas, os espaços entre os elementos sugerem a velocidade do movimento. 3.2 Equilíbrio Uma composição equilibrada provoca uma sensação agradável ao olhar. Quando não há equilíbrio, o espectador sente desconforto, mesmo não sabendo a causa. Isso ocorre porque alguns elementos da composição podem apresentar um peso maior do que outros. Combs e Hoddinott (2016, p. 104) conceituam equilíbrio como “um arranjo estável do peso visual dentro da composição”. Se sua intenção é contrabalançar os pontos de tensão de uma composição, é necessário determinar, em primeiro lugar, quais são esses pontos de tensão, para verificar se estão dispostos de forma que as forças estejam distribuídas. Ao determinar todos os elementos que serão utilizados em uma composição, é preciso verificar se os pesos visuais estão contrabalançados, ou seja, se um elemento marcante de um lado é equilibrado por outro de peso semelhante ou complementar doutro. Se não for esse o caso, será necessário reorganizar, incluindo, excluindo ou trocando elementos Outros conceitos sobre desenho 45 de lugar. Nessa organização devem ser considerados os objetos retratados, as cores, os contrastes e as formas, que são elementos visuais influenciadores diretos do equilíbrio. Fonte: MALEVICH, K. Quatro quadrados. 1915. Figura 3 – Equilíbrio simétrico Nessa obra (Figura 3), Malevich repete as formas e as cores, invertendo-as, fazendo uso de um equilíbrio simétrico. A simetria é a forma mais fácil de equilibrar, e chega-se a esse resultado repetindo os mesmos motivos ao dividir a obra em um eixo imaginário; porém devemos ter cuidado para que uma composição simétrica não se torne monótona. Nesse caso, a assimetria pode ser uma saída para resolver o problema, por meio do deslocamento, da inserção ou da repetição de algum elemento, tornando possível equilibrar assimetricamente. Fonte: GAINSBOROUGH, T. Figuras com carrinho na beira da estrada. 1727-1788. Giz e grafite sobre papel: 34,8 x 27,8 cm. Museu Britânico, Londres. Figura 4 – Equilíbrio assimétrico Artes Visuais: desenho 46 Observe, na Figura 4, como o artista trabalhou com uma massa mais escura na parte direita ao alto, o centro da composição mais iluminado e uma camada também escura, porém mais leve, em primeiro plano, sobressaindo-se, à esquerda. As formas claras e escuras, grandes e pequenas, leves e pesadas equilibram-se quando utilizadas em pontos destacáveis da composição; cabe ao desenhista definir esses pontos de tensão. Desenhos de retrato também exigem que a figura humana esteja em uma posição que não provoque a sensação de desequilíbrio; por isso, ela deve estar em seus pontos de apoio. 3.3 Cor Para que nossos olhos percebam as cores, é necessária uma quantidade suficiente de luz no ambiente. Além disso, nossa percepção pode se modificar conforme a fonte luminosa que incide sobre os objetos. A cor é um poderoso elemento visual, que influencia os principais aspectos de uma composição. São diversas as formas de se explorar as cores, produzindo uma composição com ritmo, equilíbrio e harmonia. Para isso, devemos recordar os principais conceitos básicos da teoria da cor, que podem ser observados em um círculo cromático, como o da Figura 5, a seguir. IE SD E Br as il S/ A Figura 5 – Círculo cromático Para Wong (1992), o uso da cor preta (a mais escura de todas as cores) junto à cor branca (a mais clara e opaca) cria o contraste de tons mais acentuado. Por isso, convencionalmente, o preto tornou-se a marca, e o branco, a superfície. O branco enquanto superfície pode receber qualquer cor sem interferir nela. Apesar disso, outras cores devem ser exploradas como superfície, pois produzem efeitos ricos em tonalidades quando as demais cores são aplicadas sobre elas. Outros conceitos sobre desenho 47 Observe, na Figura 6, como James Whistler explora o papel marrom-escuro para destacar os traços nas cores rosa e branco. O título da obra, Nota em rosa e marrom, refere-se ao tecido na sacada (com um toque também no vestido da mulher) e ao marrom das janelas. Fonte: WHISTLER, J. M. Nota em rosa e marrom. ca. 1880. Carvão e pastel em papel marrom escuro: 29,8 x 18,4 cm. Museu Metropolitano de Arte, Nova Iorque. Figura 6 – Desenho sobre papel escuro A repetição de cores pode proporcionar harmonia e equilíbrio em uma composição, pois não é necessário utilizar grande variedade de pigmentos para obter bons efeitos em um desenho. O contraste de cores também permite o equilíbrio dinâmico, se utilizado adequadamente. Não é apenas a relação entre as cores (que podemos observar pelo círculo cromático) que devemos considerar ao compor uma obra, mas também a relação delas com os demais elementos, como linhas, formas e contrastes. 3.4 Textura A textura é um importante elemento visual por meio do qual se podem obter equilíbrio e contraste. Texturas contrastantes podem equilibrar uma composição, além de deixá-la mais interessante. Podemos pensar em contrastes básicos de textura, como brilho Artes Visuais: desenho 48 e fosco, liso e estampado, por exemplo. As hachuras e os sombreados esfumaçados podem ajudar nesses efeitos. De acordo com a definição de Combs e Hoddinott (2016, p. 190, grifo do original), “textura é o detalhamento da superfície de um objeto que diz aos seus olhos como ele é quando tocado”. Podemos dizer então que a textura visual (basicamente bidimensional) mostra como é a textura tátil, por meio de linhas, pontos, formas, cores e contrastes. Observe na Figura 7, a seguir, como Redon representou a textura dos troncos das árvores com carvão. Fonte: REDON, O. Duas árvores. 1875. Carvão sobre papel: 63,5 x 49,5 cm. Figura 7 – Textura visual com carvão Para desenhar uma textura, em primeiro lugar, é necessário observá-la em detalhes, percebendo os espaços de luz e sombra. A natureza é fonte rica de texturas variadas que servem como referência para uma produção gráfica: pele, água, vegetais, entre outros. Esse exercício de observação e identificação deve ser feito com frequência, para treinar o olhar para a identificação dessas texturas: lisa, áspera, brilhante, fosca, peluda, crespa etc. Depois de bem observadas e identificadas as texturas, dê o passo seguinte, que é desenhar a forma geral e marcar as sombras e a luz, para depois começar a traçar as texturas por meio do recurso que achar mais conveniente: linhas, formas, manchas etc. Outros conceitos sobre desenho 49 Fonte: VAN GOGH, V. Campo trigo e ciprestes. 1889. Lápis, caneta e tinta sobre papel: 47 x 62 cm. Museu Van Gogh, Amsterdã. Figura 8 – Texturas 1 Observe, na Figura 8, a variedade de traços e pontos que Van Gogh explora para produzir as texturas da vegetação no chão, no cipreste e no céu. São linhas curtas e curvas, em várias direções, paralelas ou opostas, em contraste. O artista trabalhou com texturas em toda a sua produção artística, nas mais diversas técnicas, incluindo o empastamento na pintura. As hachuras são muito utilizadas na produção de texturas. Como a variedade é grande, podemos treinar produzindo,em um caderno de esboços, uma coleção de hachuras, para ser consultada sempre que for necessário produzi- -las. Reproduza algumas com linhas horizontais, verticais, diagonais, mistas, cruzadas, onduladas etc. e aproveite para experimentar também a Fonte: DA VINCI, L. Cabeça de um homem. c. 1503. Giz sobre papel. Figura 9 – Texturas 2 Artes Visuais: desenho 50 pressão sobre o papel. Veja no desenho de Da Vinci, na Figura 9, além da textura da pele, como as linhas curtas e curvas representam o cabelo. Perceba que o maior espaçamento entre as linhas produz texturas mais abertas em áreas de mais luz, enquanto as mais fechadas (mais próximas) produzem maior efeito de sombra. Veja a seguir, na Figura 10, algumas das diferentes possibilidades de hachuras que podem ser produzidas por qualquer técnica de desenho. G ol de n Sh rim p/ Sh ut te rs to ck Figura 10 – Hachuras As texturas podem ser produzidas além do desenho, com fricções e raspagens. As raspagens podem ser feitas com uma espátula de pintura, um estilete ou outro objeto delicado, riscando a superfície desenhada. 3.5 Figura e fundo Os espaços vazios também têm importância e devem ser explorados em prol de uma boa composição. Vamos considerar que as formas positivas são as formas dos objetos e as formas negativas são os espaços vazios em torno deles. Podemos utilizar as formas que se complementam colocando-as mais próximas, para um equilíbrio mais adequado. As formas negativas são molduras para as positivas, destacando-as (COMBS; HODDINOTT, 2016). Outros conceitos sobre desenho 51 As formas negativas devem ser consideradas desde o esboço de um trabalho, para que sejam bem distribuídas na composição, valorizando o ritmo e o ponto focal. Porém, alguns cuidados devem ser tomados para que elas não tornem a composição monótona: o espaço negativo pode conter elementos que o interrompa, como uma pequena janela ao fundo ou uma cortina. Uma composição não deve conter excesso de elementos, pois isso leva à exclusão de praticamente todas as formas negativas. Fonte: VAN GOGH, V. Mulher costurando. 1885. Giz sobre papel: 30.5 cm x 36.9 cm. Museu Van Gogh, Amsterdã. Figura 11 – Composição com janela Observe, na Figura 11, como a composição é resolvida por meio da janela, que permite a entrada de luz e contrasta com as áreas mais escuras. Além disso, o artista utiliza recursos gráficos na parede e no chão para produzir os tons intermediários e equilibrar a composição. Desenhar as formas negativas de uma composição também é uma forma de estudá- la melhor, treinando o olhar para aspectos muitas vezes deixados em segundo plano. Entre as maneiras de se trabalhar as figuras de acordo com o fundo estão a repetição, a variação de tamanho e a superposição. A superposição de figuras pode sugerir um avançar ou recuar, ou seja, uma figura à frente de outra pode sugerir profundidade; assim como a redução de tamanho de certas figuras sugere seu afastamento e o aumento dá a sensação de proximidade. Artes Visuais: desenho 52 Outro recurso para trabalhar a figura é o uso do fundo branco, que destaca mais as figuras de cores escuras, enquanto um fundo preto ou escuro destaca as figuras de cores claras (WONG, 2001). O uso de cores contrastantes entre figuras e fundo também podem proporcionar um efeito de dinamismo para o espectador. Nem sempre é possível trabalhar com a repetição de figuras e, nesse caso, uma solução pode ser o uso de elementos que apresentem semelhanças, como formas parecidas ou as mesmas cores. 3.6 Enquadramento e composição Como o senso de equilíbrio é natural do ser humano, observar uma composição que não é bem resolvida causa incômodo. Muitas vezes podemos achar que conseguimos o enquadramento perfeito, mas, na hora de desenhar, os elementos parecem não se encaixar. Realizar alguns esboços com enquadramentos variados ajuda a chegar a um bom resultado com maior segurança. Um enquadramento inusitado pode resultar em uma interessante composição abstrata. É preciso estar atento ao que o desenho demanda. Para isso, nada melhor do que praticar bastante com esboços. Antes de esboçar sua composição, compare mentalmente os tamanhos dos objetos a serem retratados, suas posições, cores, luzes e sombras, os contrastes e as formas geométricas. Algumas dicas ajudam a produzir uma boa composição. Por exemplo, se você possui um objeto que é o ponto focal na sua produção, ou seja, um objeto de foco principal, tente deixá-lo fora do centro da obra, utilizando pontos focais secundários para chegar até o principal. Dessa forma, os olhos do espectador podem passear por toda a obra até chegarem ao destaque (COMBS; HODDINOTT, 2016, p. 104). A representação da figura humana em uma composição tem um peso maior do que a de outros motivos. Dependendo do enquadramento e de como os demais motivos estão dispostos, a tendência de resultar em um retrato é grande. Por isso, ao retratar pessoas em uma composição, devemos ter atenção maior com os objetivos finais da composição, definindo o que será destacado com maior importância, considerando como poderá ficar o produto final. É importante observar e ler o motivo com atenção, para depois tentar abstrair a composição e deixar a intuição falar um pouco mais alto, equilibrando razão e emoção. Outros conceitos sobre desenho 53 Na aula de Arte 1. Texturas Explore os grafismos por meio das texturas propondo a produção de um arquivo de texturas desenhadas. Em um papel sulfite, dobrado três vezes pela metade (para marcar oito partes), solicite aos alunos que cada parte seja preenchida com uma textura diferente. Estimule a variedade no desenho de hachuras e uma pesquisa sobre o assunto, se possível, apresentando obras de arte como exemplo de texturas. Como continuidade do trabalho, proponha a criação de uma padronagem que pode surgir das texturas, da combinação entre elas ou da observação de objetos e imagens, como estampas de tecidos, crochês e papéis de presente. Para isso, solicite que cada um extraia uma forma qualquer da observação sugerida. Essa forma deve ser repetida utilizando recursos como rotação, paralelas, diagonais etc., para depois ser preenchida com uma ou mais cores. Cada etapa desse trabalho pode ser feita separadamente, com apresentações independentes. A última etapa consiste em preencher um espaço com essa padronagem, como o tamanho de um azulejo, uma barra decorativa, um pedaço de tecido etc. Uma boa motivação para essa atividade é apresentar as obras de M. C. Escher, em que o artista explora a combinação de repetição e as relações entre figura e fundo. 2. Composição, enquadramento, figura e fundo Aproveite a técnica do desenho de observação (de uma natureza morta ou retrato) para explicar os conceitos sobre enquadramento, figura e fundo. Ensine algumas dicas básicas para desenhar uma composição: • Uma figura humana geralmente mede o tamanho de oito cabeças (como mostra a figura a seguir). Pode-se fazer o esboço geral e depois verificar se as proporções estão corretas, fazendo os ajustes necessários. É importante lembrar-se do estudo do modelo vivo para representações humanas. M ar is h/ Sh ut te rs to ck Artes Visuais: desenho 54 • O tamanho dos motivos a serem desenhados pode ser medido com o lápis, por meio de comparações. Para isso, esticamos o braço que segura o lápis, fechamos um pouco os olhos e ajustamos o lápis no tamanho da figura observada, podendo marcar alguma referência com o indicador para comparar com outra. IE SD E Br as il S/ A a) IE SD E Br as il S/ A b) Considerações finais A prática de desenhar considerando todos esses conceitos básicos levará ao aprimoramento da técnica: quanto mais desenhar, melhor será o resultado dos desenhos. Dessa forma, chegará o momento em que a técnica não precisará ser tão destacada, pois o aprendizado terá sido efetivo e o ato de desenhar fluirá espontaneamente. Outros conceitos sobre desenho 55 Ampliando seusconhecimentos • INSTITUTO ARTE NA ESCOLA (org.). Desenhos cidades desejos. Disponível em: http://artenaescola.org.br/uploads/dvdteca/pdf/arq_pdf_92.pdf. Acesso em: 17 jun. 2019. O desenho urbano é abordado nesse material como forma de proposta para uma aula de Arte, envolvendo a observação da cidade em que se vive e a criação de uma cidade desejada, imaginada. • INSTITUTO ARTE NA ESCOLA. Desenhos cidades desejos. Disponível em: https:// www.youtube.com/watch?time_continue=3&v=Xz1xrVXYm7g. Acesso em: 17 jun. 2019. Esse vídeo está relacionado ao material anterior e mostra uma animação elaborada a partir dos desenhos produzidos nesse trabalho. • INSTITUTO ARTE NA ESCOLA. Desenho: arte e criação. Disponível em: https:// www.youtube.com/watch?time_continue=4&v=M7yi-rFM_qU. Acesso em: 17 jun. 2019. Com base no relato de profissionais e alunos, o vídeo Desenho: arte e criação apresenta diversos processos criativos relacionados ao ato de desenhar. Atividades 1. Descreva o que é o ritmo em uma composição gráfica e de que forma ele pode ser trabalhado. 2. Defina equilíbrio e cite as formas de identificá-lo em um desenho. 3. De que forma podemos produzir texturas em um desenho? Referências COMBS, J.; HODDINOTT, B. Desenho para leigos. Rio de Janeiro: Alta Books, 2016. TIBURI, M.; CHUÍ, F. Diálogo / desenho. São Paulo: Senac, 2010. WONG, W. Principios del diseño en color. Barcelona: Editorial Gustavo Gilli, 1992. WONG, W. Princípios de forma e desenho. São Paulo: Martins Fontes, 2001. Papel como suporte [...] eu-desenho, como se o desenho carregasse algo como o eu de cada um e o definisse numa folha de papel. (TIBURI; CHUÍ, 2010) Na página anterior: Maria Uspenskaya/Shutterstock Papel como suporte 59 Em busca de suportes para se expressar, o ser humano já experimentou diversos materiais ao longo de sua existência, desde os primórdios da humanidade. Do período das escrituras em pedra até os dias de hoje, os suportes utilizados para registro são muito variados. Veremos, neste capítulo, alguns deles e, em seguida, aprofundaremos os conhecimentos sobre o suporte mais utilizado atualmente para desenhar: o papel. A tábua de argila, ilustrada na Figura 1, a seguir, era um material usado pelos babilônios para a escrita cuneiforme, que recebia esse nome porque as marcas eram feitas com objetos em formato de cunha. Essa escrita foi inventada pelos sumérios, por volta de 3300 a.C. (ASUNCIÓN, 2002). Fonte: TÁBUA cuneiforme: texto gramatical babilônico tardio. ca. 1º milênio a.C. Argila: 8,1 × 6,5 × 2,2 cm. Museu Metropolitano de Arte, Nova Iorque. Figura 1 – Placa de argila Já no período clássico, os gregos e romanos utilizaram uma ideia um pouco mais prática (Figura 2): placas de madeira cobertas com uma camada de cera, na qual se podia “escrever” com uma ferramenta denominada stillus, que era pontiaguda de um lado e com formato de espátula de outro, para que o artista pudesse remendar a cera caso errasse o traço (ASUNCIÓN, 2002). A madeira, nesse tipo de suporte, servia de moldura e apoio para a cera, formando as “folhas” de um livro ou caderno. Artes Visuais: desenho 60 Fonte: TÁBULA. 500 a 700 d.C. Madeira e cera: 26,7 x 30,2 x 14 cm. Museu Metropolitano de Arte, Nova Iorque. Figura 2 – Tábula ou tabella As placas de metal gravadas, como bronze ou chumbo, também foram muito utilizadas para registros. Em alguns lugares, a escrita era registrada em ossos de baleia, peles de animais, conchas e cascos de tartaruga (ROCHA; ROTH, 2005). Porém, foi o papiro a grande invenção como suporte para a escrita e para a arte, abrindo os caminhos para a criação de outro suporte, utilizado até hoje para diversas finalidades: o papel. 4.1 Antes do papel: o papiro Da mesma forma que ainda se buscam, atualmente, novas opções de suportes para expressão, como os aparelhos digitais, muitos outros materiais foram sendo experimentados. O papiro, de origem vegetal (Figura 3), foi um suporte tão utilizado na antiguidade quanto é o papel hoje. Cyperus papyrus é o nome científico para o papiro, uma planta cultivada nas margens dos rios africanos, como o Nilo, e considerada sagrada, pois sua flor é comparada, pelos egípcios, aos raios do sol (ASUNCIÓN, 2002). Figura 3 – Cyperus papyrus So ni a Bo ne t/ Sh ut te rs to ck Papel como suporte 61 Segundo Rocha e Roth (2005), o papiro era utilizado para diversos fins, como para a produção das tiras de sandálias (Figura 4). Porém, de 3.200 a.C. até a Idade Média, aproximadamente no século X, o papiro foi um importante suporte de caligrafia como arte. Fonte: EGITO antigo. Par de sandálias. ca. 1580-1479 a.C. Papiro, grama e junco: 28,7 × 12,8 cm. Museu Metropolitano de Arte, Nova Iorque. Figura 4 – Sandálias egípcias Para transformar a planta em suporte, o seu talo era fatiado em lâminas (Figura 5), sobrepostas perpendicularmente e pressionadas para liberar a seiva, que atribuía unidade, formando uma folha parecida com papel (Figura 6). Depois de seca, essa folha era polida com marfim ou ágata (ASUNCIÓN, 2002). Figura 5 – Transformação do papiro em folha Ve ro ni ca K ov al en ko /S hu tt er st oc k Artes Visuais: desenho 62 Figura 6 – Papiro em formato de papel M ys tic aL in k/ Sh ut te rs to ck Até o século V, aproximadamente, utilizava-se o papiro enrolado em madeira ou osso. Esses rolos eram denominados volumen, podendo medir até 40 m. O material de escrita era o calamus: uma cana oca talhada – a pena de ave só viria a ser adotada posteriormente. Podia também ser usada uma espécie de borracha: a spongia deletis (ASUNCIÓN, 2002). Apesar da fragilidade do material, o papiro é muito durável e ainda hoje existem alguns utilizados há aproximadamente 5 mil anos. A flexibilidade desse material permitiu seu uso por muito tempo e foi dele que derivou o nome e a pesquisa para o surgimento do novo suporte: o papel. 4.2 História do papel A busca por um material similar ao papiro, mas melhor do que ele, incentivou as pesquisas até se chegar à fabricação do papel. Por volta de 105 d.C., o chinês Tsai Lun conseguiu produzir o primeiro papel a partir da mistura “de fibras de vegetais extraídas de trapos, redes de pescar, cascas de amoreira, rami, cânhamo ou bambu” (ASUNCIÓN, 2002, p. 14). De acordo com Asunción (2002), foi também Tsai Lun quem instalou a primeira fábrica de papel no Turquestão mongol. A sequência de imagens apresentadas na Figura 7 mostra como era a fabricação do papel na China antigamente. Papel como suporte 63 Figura 7 – Fabricação chinesa de papel 1 – Seleção das fibras vegetais. 2 – Preparação das fibras na mistura de água e outros elementos. M ak in g_ Pa pe r.g if/ W ik im ed ia 3 – Formação da folha de papel sobre a rede de fibras de bambu ou tela. 4 – Prensagem das folhas de papel. 5 – Secagem do papel nas paredes de um forno; depois de descolado, era impermeabilizado. Fonte: Asunción, 2002, p. 14. Artes Visuais: desenho 64 A invenção do papel teve uma importância muito maior do que apenas a possibilidade de um novo suporte para expressão. O papel permitiu o registro e a disseminação do conhecimento de uma forma muito mais ampla, facilitada e economicamente viável. Devido à sua importância, a fabricação do papel manteve-se em segredo durante muitos anos, aproximadamente até o ano de 751, quando, durante algumas batalhas, prisioneiros chineses acabaram revelando o processo de fabricação (BRITT, 2012). No período de sua expansão, os árabes aproveitaram bastante o invento chinês e a facilidade local de cultivo do cânhamo e do linho, tornando-se um grande centro de produção papeleira. Durante o século X, a produção de papel foi superior à de papiro. Foi assim que, por volta do século XII, o papel chegou à Europa, que até então ainda utilizava o pergaminho (BRITT, 2012). O linho é uma planta herbácea (Figura 8), cujas fibras são amplamente utilizadas na produção têxtil. Sua semente, a linhaça, é usada na indústriaalimentícia e para fins artísticos, como a produção de tintas (LINHO, 2015). Até hoje o linho é considerado uma matéria-prima de excelente qualidade. Figura 8 – Linho em flor H G al in a/ Sh ut te rs to ck Papel como suporte 65 Pergaminho: “suporte utilizado desde 258 a.C., obtido por meio da raspagem e do polimento da pele de animais como cabras, ovelhas ou vitelos. Até o século XIII, era fabricado exclusivamente nos mosteiros, sendo chamado de charta pergamena. Forte concorrente do papiro, também se apresentava em rolos, passando a ser utilizado em folhas a partir do século V. Por ser feito da pele de animais, era preciso muito gado para suprir a produção de pergaminhos, o que fez com que alguns fossem reaproveitados, como os conhecidos palimpsestos, cujos textos anteriores puderam ser lidos pelo uso de raios ultravioleta” (ASUNCIÓN, 2002). No século XIV, já existiam diversas fábricas de papel em funcionamento na Europa. Porém, até o século XVIII o papel era exclusivamente feito à mão, mantendo seu processo de fabricação praticamente inalterado, apesar de toda a estrutura desenvolvida para facilitar sua produção. Com o desenvolvimento das indústrias e a invenção da imprensa, foram feitos grandes investimentos para a industrialização da fabricação de papel. Mesmo assim, até hoje, muitos artistas ainda preferem o papel artesanal, muitas vezes de produção própria, incorporando outros elementos durante a fabricação e não o considerando apenas como suporte, mas também como expressão artística. O papel é basicamente “um emaranhado de bilhões de fibras vegetais chamadas celulose” (ROCHA; ROTH, 2005, p. 23, grifo nosso) adicionadas a outros elementos que lhe dão as características necessárias para determinadas finalidades. Atualmente, a indústria papeleira dispõe de uma engenharia moderna que possibilita uma grande produção para atender ao consumo do material, mas os processos básicos da fabricação permanecem os mesmos, conforme descrito a seguir (BRITT, 2012): 1. as fibras vegetais são batidas com água para serem completamente separadas e saturadas; 2. a polpa é filtrada em uma tela para formar uma folha de fibra emaranhada (a Figura 9, apresenta a forma artesanal de realização desse processo); 3. a polpa é comprimida e compactada para espremer uma grande proporção de água; 4. a água restante é removida por evaporação (o papel pode ser pendurado em varal para secar, como na Figura 10); 5. dependendo dos requisitos de uso, a folha de papel seco é ainda comprimida, revestida ou impregnada. Artes Visuais: desenho 66 Lu ca L or en ze lli / Sh ut te rs to ck Figura 9 – Retirada da tela com o papel La Ki rr / Sh ut te rs to ck Figura 10 – Secagem do papel As fontes de fibras para a produção de papel podem ser: plantas, madeiras, trapos, papel para reciclar. Cada fonte produz um tipo específico de papel. A preocupação do uso da madeira como fonte é o esgotamento do recurso natural, já que é preciso uma quantidade considerável de árvores para uma produção industrial de papel. Por isso, diversas iniciativas vêm sendo realizadas com a intenção de reflorestar e reciclar. É imprescindível que a educação da arte aborde essa questão, estimulando a consciência ecológica e os hábitos de reciclagem e de sustentabilidade. A opção de utilizar o papel reciclado, sempre que possível, colabora bastante, já que a sua produção utiliza uma quantidade bem menor de fibra virgem. 4.3 Tipos de papel O papel é um material amplamente utilizado no mundo inteiro, para finalidades muito variadas e, por isso, apresenta-se de formas tão diversas, a fim de atender a cada especificidade de seu uso. As características e propriedades que adquire em sua produção devem atingir os objetivos de acordo com a utilidade que lhe será dada. Papel como suporte 67 Quase todos os tipos de papel são adequados ao desenho, exceto aqueles em que a superfície não permite fixar os traços ou registros. O desenhista é quem escolhe as características do papel, de acordo com os efeitos que deseja produzir: papel artesanal ou industrial, liso ou rugoso, com alta ou baixa rugosidade, com ou sem textura, importado ou não. Sugerimos experimentar os mais variados tipos para saber os efeitos que podem ser explorados com as técnicas disponíveis. Existe no mercado uma variedade grande de papéis próprios para desenho, em preços também variados. No entanto, para quem está começando, o mais importante é desenhar e, para isso, qualquer papel serve. Vários artistas consagrados deixaram traços de seus desenhos em papéis de guardanapo. Para conhecer melhor esse suporte tão variado, vamos analisar algumas de suas principais características, a fim de tornar a escolha mais consciente. Cada papel apresenta determinadas propriedades ópticas, entre elas (BRITT, 2012): • Brilho: poder de refletir a luz, ou refletância. • Opacidade: capacidade de não permitir que a impressão ou a escrita em um lado da folha seja percebida no outro lado. • Acabamento e suavidade: características da superfície do papel, como a ausência de irregularidades sob condições visuais ou de uso. • Cor: atualmente, a variedade de opções de papéis coloridos é muito grande. Para embranquecer o papel e tirar a cor natural da fibra, utiliza-se o cloro; para colorir, utilizam-se corantes naturais (chás, café, cascas de cebola etc.) ou industriais (pigmentos em pó, tintas solúveis em água etc.). A forma mais adequada para absorção da cor é aplicá-la na mistura da polpa, mas efeitos de pintura podem ser produzidos no papel úmido. Com certa prática, é possível fazer misturas com polpas coloridas no papel úmido. Além das propriedades ópticas, o papel industrial ou artesanal apresenta também características e propriedades que o classificam. Vejamos algumas delas: • Resistência: todo papel deve suportar um mínimo de manipulação e uso sem se alterar ou rasgar. • Gramatura: peso do papel, que definirá se será cartolina, cartão etc. O papel com alta gramatura, como a cartolina, é mais pesado do que o de gramatura baixa, como o papel de seda, por exemplo. A gramatura da cartolina costuma ser superior a 180 g, portanto, é um papel resistente, com maior densidade. Artes Visuais: desenho 68 • Superfície: o papel pode ser rústico (artesanal, sem ser prensado – conforme Figura 11), acetinado (prensado novamente depois de seco), brilhante, texturizado (Figura 12), rugoso (Figura 13), semirrugoso etc. Figura 11 – Papel rústico Figura 12 – Papel texturizado an na st oc k/ S hu tt er st oc k el bu d/ Sh ut te rs to ck Figura 13 – Papel artesanal rugoso sk yb oy sv /S hu tt er st oc k • Grau de acidez: o papel livre de ácido tende a ser mais durável. Papéis com pH 7 são neutros e têm maior durabilidade. Se o pH for próximo a zero, o papel é ácido; se for próximo a 14, é alcalino. A conservação do papel também interfere em sua durabilidade. Deve ser conservado em ambientes secos, sem umidade. • Tamanho: algumas convenções de tamanho de papel foram criadas para facilitar a indústria e o comércio, como os tamanhos A0, A1, A2, A3 etc. Papel como suporte 69 Figura 14 – Tamanhos de papéis iu ne w in d/ Sh ut te rs to ck • Colas: são acrescentadas na fabricação, para que o papel adquira características adequadas a diferentes funções. Podem ser de origem animal (cartilagens), vegetal (resinas e gomas) ou sintética (PVA). Papéis sem cola são muito absorventes e papéis com muita cola se tornam mais impermeáveis. Para determinadas técnicas de desenho e pintura, deve-se considerar a absorção de água do papel. Para isso, existem papéis próprios para aquarela, por exemplo, absorvendo a quantidade certa de água, sem que crie poças ou absorva completamente a tinta. Artes Visuais: desenho 70 • Cargas: elementos acrescidos na pasta de celulose que alteram o peso e a superfície do papel. Podem ser de origem animal (cartilagens e couros), vegetal (resinas e gomas) ou mineral (carbonato de cálcio).
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