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Alice Bastos Pneumonia na infância Introdução A pneumonia é a principal causa de mortalidade em crianças menores de cinco anos nos países em desenvolvimento; O diagnóstico correto e a intervenção precoce são os pontos fundamentais para reduzir a mortalidade. Os principais fatores de risco para pneumonia adquirida na comunidade (PAC) são: desnutrição, baixa idade, comorbidades e gravidade da doença, que podem concorrer para o óbito; Outros fatores que também podem contribuir para a morbidade e mortalidade são: baixo peso ao nascer, permanência em creche, episódios prévios de sibilos e pneumonia, ausência de aleitamento materno, vacinação incompleta, variáveis socioeconômicas e variáveis ambientais. Etiologia É difícil estabelecer o diagnóstico etiológico das PAC; O curso clínico costuma ser muito semelhante para os diversos agentes; As técnicas diagnósticas são, em geral, de baixa sensibilidade ou de custo elevado e de difícil acesso à maioria dos serviços. Os vírus são os principais agentes de PAC em crianças de até 5 anos em países desenvolvidos; Quanto mais jovem a criança (excluindo-se os primeiros 2 meses de vida), maior a chance de ocorrência de doença de etiologia viral; São responsáveis por até 90% das pneumonias no 1° ano de vida e por 50% dos casos na idade escolar. O vírus sincicial respiratório (VSR) é o mais frequentemente encontrado, seguidos dos vírus influenza, parainfluenza, adenovírus e rinovírus; Outros vírus menos frequentes são: varicela- zóster, coronavírus, enterovírus, citomegalovírus, vírus Epstein-Barr, herpes simples, vírus da caxumba e do sarampo e hantavírus. Os agentes bacterianos são os principais responsáveis pela maior gravidade e mortalidade por PAC na infância; O Streptococus pneumoniae (ou pneumococo) é o principal agente bacteriano de PAC; A PAC também pode ser causada por: Haemophilus influenzae e Staphylococcus aureus. A frequência de coinfecção vírus-bactéria em pacientes com PAC varia de 23 a 32%. Existem algumas crianças que apresentam alto risco para infecção pelo pneumococo: infectadas pelo HIV, com imunodeficiências congênitas ou adquiridas, cardiopatas, nefropatas e pneumopatas crônicas, com diabete melito, com hemoglobinopatias. Quadro clínico O quadro clínico da PAC pode variar com a idade da criança, o estado nutricional, a presença de doenças de base e o agente etiológico, podendo ser mais grave nas crianças mais jovens, desnutridas ou que apresentam comorbidades. Os principais sinais e sintomas da PAC são: febre, tosse, taquipneia (frequência respiratória elevada) e dispneia, de intensidades variáveis; Sintomas gripais são comuns, bem como otite média; Algumas crianças apresentam dor abdominal (principalmente quando há envolvimento dos lobos pulmonares inferiores). Alice Bastos Nas crianças pequenas, dificilmente se encontram alterações localizadas à ausculta respiratória. A sibilância ocorre com maior frequência nas crianças com infecções virais ou por M. pneumoniae ou C. penumoniae. Na criança com IRA (infecção respiratória aguda), a frequência respiratória (FR) deve ser pesquisada visando ao diagnóstico de PAC; Na ausência de sibilância, as crianças com tosse e FR elevada (taquipneia) devem ser classificadas como tendo PAC. Os pontos de corte para taquipneia são: < 2 meses: FR ≥ 60 irpm; 2 a 11 meses: FR ≥ 50 irpm; 1 a 4 anos: FR ≥ 40 irpm. Existem alguns “sinais de perigo” apontados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como indicadores de internação hospitalar imediata do paciente: Em crianças menores de 2 anos: FR ≥ 60 irpm, tiragem subcostal, febre alta, recusa do seio materno por mais de 3 mamadas, sibilância, estridor em repouso, sensório alterado com letargia, sonolência anormal ou irritabilidade excessiva; Em crianças maiores de 2 anos: tiragem subcostal, estridor em repouso, recusa de líquidos, convulsão, alteração do sensório e vômito de tudo que lhe é oferecido. Segundo a OMS, crianças com PAC e tiragem subcostal são classificadas como portadoras de pneumonia grave; Aquelas com outros sinais de gravidade (recusa de líquidos, convulsões, sonolência excessiva, estridor em repouso, desnutrição grave, batimento de asa do nariz e cianose) são classificadas como portadoras de pneumonia muito grave; Em menores de 2 meses, os sinais de doença muito grave são: recusa alimentar, convulsões, sonolência excessiva, estridor em repouso, febre ou hipotermia, além de tiragem subcostal grave. Quadros de pneumonia afebril podem ocorrer em lactentes e em maiores de 5 anos. Complicações As principais complicações das PAC são: Abscesso; Atelectasia; Pneumatocele; Pneumonia necrosante; Derrame pleural; Pneumotórax. Diagnóstico O diagnóstico é eminentemente clínico, dispensando a realização de radiografia de tórax. Radiografia de tórax A radiografia de tórax não deve ser realizada de rotina para o diagnóstico de pneumonia em crianças sem sinais de gravidade, sem necessidade de tratamento hospitalar, uma vez que não há evidências que altere o resultado clínico. Deve ser realizada nas seguintes condições: Se há dúvida de diagnóstico (embora radiografia normal não exclua pneumonia e radiografia anormal pode ser interpretada como normal); Pneumonia com hipoxemia, desconforto respiratório, entre outros sinais de gravidade; Falha de resposta ao tratamento em 48 a 72h ou se piora progressiva, para verificar se há complicações (empiema, pneumotórax, escavação); Paciente hospitalizado. A radiografia de tórax não deve ser realizada após tratamento de pneumonia com boa resposta clínica. A radiografia de controla após o tratamento deve ser realizada nas seguintes situações: Após 4 a 6 semanas, se história de pneumonias recorrentes, sempre no mesmo lobo; suspeita de malformação ou aspiração de corpo estranho; Deve ser considerado nos casos de pneumonia redonda, presença de colapso pulmonar e/ou sintomas persistentes. Alice Bastos Exames laboratoriais complementares Os exames complementares podem auxiliar o processo diagnóstico; Hemocultura: na busca pelo agente etiológico, é recomendada para todos os pacientes hospitalizados por PAC. Pesquisa viral em secreções respiratórias: sensível para a investigação da etiologia, além de ser um exame pouco invasivo. Exame bacteriológico (bacterioscópio e cultura): no derrame pleural, pode ser de utilidade na identificação da etiologia. Relação entre a proteína total e a desidrogenase lática (LDH) do líquido pleural e do plasma: é importante no diagnóstico diferencial entre exsudato e transudado. Teste de aglutinação do látex: para a pesquisa de antígenos do pneumococo e do H. infleunzae tipo b no líquido pleural ou urina, inclusive até cerca de cinco dias após o início de antibióticos. Sorologia: recomendada na suspeita de infecção por Mycoplasma pneumoniae, considerando-se que a IgM eleva-se em 7 a 10 dias após o início do processo e IgG deve quadruplicar em uma segunda coleta com intervalo de duas a três semanas, ou cair na mesma proporção caso o paciente seja avaliado na fase de resolução. Também é indicada quando a dúvida recai sobre a Clamydia sp. PCR (reação em cadeia da polimerase): pode ser útil no diagnóstico de determinados agentes etiológicos. Broncoscopia ou biópsia pulmonar: métodos mais invasivos que podem ser utilizados em casos hospitalizados, com má evolução. Tratamento O tratamento inicial com antibióticos em geral é empírico, pois o isolamento do agente infeccioso não é sempre realizado e pode demorar; Esse tratamento baseia-se no conhecimento dos principais agentes infecciosos em cada faixa etária, situação clínica e região. Tratamento ambulatorialA amoxicilina é a primeira opção terapêutica no tratamento ambulatorial, sendo recomendada para o tratamento das PAC em crianças de 2 meses a 5 anos; Na dose de 50 mg/kg/dia de 8 em 8 horas ou de 12 em 12 horas; Em crianças maiores de 5 anos a droga de escolha também é amoxicilina nas mesmas doses. Devido a possibilidade de M. pneumoniae pode-se optar pela introdução de macrolídeos (pneumonia atípica), como eritromicina, claritromicina ou azitromicina. Toda criança com pneumonia que tenha condições clínicas de ser tratada em seu domicílio deve ter uma consulta de reavaliação agendada após 48 a 72h do início do tratamento ou a qualquer momento se houver piora clínica; Caso apresente melhora, o tratamento deve ser mantido até completar sete dias; Se a criança estiver pior ou inalterada, cabe avaliar internação hospitalar. Tratamento hospitalar As recomendações da OMS para crianças de dois a 59 meses de idade são: 1. Pneumonia sem tiragem subcostal: amoxicilina, VO, 50 mg/kg/dia, duas ou três vezes ao dia, durante sete dias; 2. Pneumonia grave: ampicilina parenteral, 50 mg/kg/dose, de 6 em 6 horas ou penicilina cristalina 150 000U/kg/dia a cada 6 horas. Gentamicina 7,5 mg/kg/dia, a intervalos de 12 horas (deve ser associada nos menores de dois meses); 3. A associação de amoxicilina com inibidores de beta-lactamase, como o clavulanato ou o sulbactam ou a cefuroxima podem ser utilizadas como segunda opção por via oral ou parenteral em doses habituais; 4. Na suspeita de pneumonia atípica, recomenda-se azitromicina 10 mg/kg/dia, dose única, por 5 dias ou claritromicina 7,5 mg/kg/dose, 12 em 12 horas, por 10 dias.
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