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SÍNDROME DE SJOGREN

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SÍNDROME DE SJOGREN
RESUMO
A síndrome de Sjögren, definida como doença inflamatória sistêmica crônica autoimune, tem no seu contexto etiopatogênico uma gama de mecanismos, como infeccioso, imunológico e genético, que a coloca no grupo das doenças inflamatórias do tecido conectivo. o. Ainda sem um mecanismo etiológico definido, traduz-se sob o ponto de vista fisiopatológico por manifestações clínicas decorrentes do processo inflamatório que acomete a maioria dos órgãos. O espectro clínico da doença é diversificado e dependerá da extensão do acometimento dos órgãos, que vai desde as alterações funcionais e anatômicas das glândulas lacrimais e salivares, passando pelas manifestações constitucionais, até o acometimento visceral. Portanto, os sintomas dependerão, em maior ou menor grau, da atuação dos mediadores inflamatórios em receptores celulares e das modificações anatômicas e funcionais causadas nos órgãos pelo processo inflamatório. No que se refere ao laboratório, os exames avaliam a atividade inflamatória e auxiliam no diagnóstico da doença. Quanto ao perfil imunológico, a determinação dos autoanticorpos séricos pouco contribui no diagnóstico, refletindo mais uma relação de frequência do que de patogenicidade. Quanto à biopsia glandular, os achados revelam alterações celulares com variáveis graus de infiltração linfocitária, destruição e fibrose que podem ou não se correlacionar com a perda funcional do tecido glandular. Diante de uma doença com mecanismo etiopatogênico pouco definido, o tratamento visa o controle dos sinais e sintomas das disfunções orgânicas. Os medicamentos sintomáticos estão indicados nas securas de mucosas; os anti-inflamatórios hormonais e não hormonais, nas artrites e miosites; as drogas modificadoras de doença, nas lesões inflamatórias crônicas teciduais. Os corticosteroides orais são empregados nas manifestações viscerais; os imunossupressores, no envolvimento orgânico grave; e os agentes imunobiológicos, na atividade inflamatória refratária ao tratamento modulador convencional.
HISTÓRICO
As primeiras descrições da Síndrome de Sjögren (SS) datam do final do século XIX. Mikulicz, em 1892, descreveu o caso de um fazendeiro com aumento das glândulas parótidas e lacrimais associado a um infiltrado celular no tecido glandular, sendo considerado o primeiro caso relatado e a primeira descrição de um Linfoma Não Hodgkin (LNH) associado à doença.
CONCEITO E EPIDEMIOLOGIA
A síndrome de Sjögren é definida como uma doença inflamatória crônica, decorrente de uma resposta imunológica anormal, caracterizada por infiltrado linfocítico focal, comprometendo as glândulas de secreção exócrina, especialmente as lacrimais e salivares. Pode-se apresentar como uma doença inflamatória sistêmica, cursando com manifestações cutâneas e articulares, além do acometimento visceral, envolvendo o sistema nervoso, o trato gastrointestinal, o fígado, a traqueia, os brônquios, os pulmões, os rins, os vasos sanguíneos e o sistema hematológico. 
A síndrome é classificada como primária ou secundária, sendo a segunda associada a outras doenças autoimunes sistêmicas, dentre elas a Artrite Reumatoide (AR), o Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES), a Esclerose Sistêmica (ESP), a Dermatopolimiosite (DPM) e a Doença Mista do Tecido Conectivo (DMTC).
A síndrome de Sjögren primária afeta principalmente mulheres, na proporção de 9:1, ocorrendo em todas as idades, classicamente com dois grandes picos de incidência. O primeiro entre a segunda e a terceira décadas de vida, e o segundo, mais significativo, entre a quarta e quinta décadas.
ETIOPATOGENIA
As evidências geradas por estudos experimentais em animais e humanos apontam para um modelo de doença multifatorial, no qual a interação entre os fatores desencadearia uma resposta imunológica anormal em indivíduos geneticamente suscetíveis. A perda da tolerância à autoantígenos, através de mecanismos mediados por células, anticorpos e citocinas, acarretaria a inflamação tecidual e as alterações funcionais.
As infecções virais nas glândulas exócrinas funcionariam como gatilho do processo de iniciação da resposta imunológica através da indução de necrose tecidual e mudança na dinâmica de apoptose celular, resultando tanto na exposição de antígenos virais, quanto na expressão de antígenos celulares como Ro/SSA e La/SSB.
QUADRO CLÍNICO
A síndrome de Sjögren primária apresenta um quadro clínico amplo, que vai desde as manifestações glandulares isoladas até o comprometimento sistêmico e visceral.
Dentre as manifestações glandulares, as mais frequentes são o comprometimento ocular e oral, que ocorre em cerca de 90% dos pacientes. A secura da mucosa pode comprometer outros locais, como a orofaringe, o trato respiratório superior e a mucosa vaginal. A perda da função exócrina pode-se estender ao estômago, pâncreas, intestino delgado e pele.
· ENVOLVIMENTO OCULAR
O envolvimento ocular manifesta-se através da Keratoconjuntivite Sicca (KCS), caracterizada pela redução da secreção lacrimal, com diminuição do componente aquoso e a deficiência na produção de mucina. Como consequência, há destruição do epitélio da conjuntiva, da córnea e do bulbo, com desenvolvimento de complicações como ulcerações e infecções.
A sensação de queimação nos olhos, a de corpo estranho, o prurido e a fotofobia são as principais manifestações. O exame clínico revela dilatação dos vasos conjuntivais e bulbares, inflamação pericorneal, irregularidade do filme lacrimal e dilatação das glândulas lacrimais. 
Os procedimentos para o diagnóstico da ceratoconjuntivite seca incluem os testes de Schirmer, o Break-up-time e o ROSA BENGALA, que avaliam a quantidade de secreção lacrimal, a qualidade da lágrima e a integridade da superfície conjuntival, respectivamente. 
O teste de Schirmer, que avalia a quantidade de lágrima produzida pelas glândulas, consiste na introdução da extremidade arredondada e dobrada de um papel de filtro com 30 mm de comprimento no saco conjuntival da porção lateral da conjuntiva inferior. Após manter os olhos do paciente fechados por 5 minutos, remove-se o papel, anotando o comprimento da área umedecida. A distância inferior a 5 mm torna o teste anormal. 
Utiliza-se o Break-up-time (BUT) para avaliar a integridade do filme lacrimal, sendo que a quebra rápida do filme indica anormalidade na camada de mucina ou lipídica da córnea. A técnica do exame consiste em colocar 2,5 mL de solução de fluoresceína a 1% no fórnix inferior de cada olho e pedir ao paciente para piscar 1 a 2 vezes. Com o microscópio de lâmpada de fenda avalia-se o intervalo de tempo da última piscada e o aparecimento de áreas escuras, não fluorescentes. O tempo inferior a 10 segundos é considerado anormal.
Com a coloração ROSA BENGALA é possível avaliar as alterações epiteliais, causadas pela redução da secreção lacrimal e de mucina na superfície ocular. O corante é uma solução de anilina a 1%, que impregna o epitélio desvitalizado da córnea e conjuntiva. 
· ENVOLVIMENTO OROFARÍNGEO
A redução da saliva, quando há deficiência na secreção e na produção de mucina pelas glândulas salivares, ocasiona sensação de secura, queimação na boca, alteração na gustação e dificuldade em deglutir alimentos sólidos.
 Ao exame físico, observa-se mucosa oral seca, espessada, eritematosa, saliva escassa e espessa, fissura eritematosa na superfície dorsal da língua, atrofia filiforme das papilas linguais. Complicações como cáries dentárias e infecção por Candida ocorrem, respectivamente, em 65% e 30 a 70% dos casos. O aumento das glândulas ocorre em 30 a 50% dos pacientes, acometendo as parótidas e as submandibulares com tendência a ser simétrico, podendo ser crônico ou episódico.
O componente oral da síndrome de Sjögren pode ser avaliado por várias técnicas.
A sialografia é um método radiológico que consiste na avaliação das alterações anatômicas das glândulas parótidas.
A cintilografia das glândulas salivares utilizando Tc 99 m avalia funcionalmente as glândulas. Nos pacientes com síndrome de Sjögren, a captação do radioisótopo pela glândulae a sua concentração na saliva encontram-se diminuída ou ausente, tais achados se correlacionam com a redução do fluxo salivar, alterações na radiografia e infiltração linfocitária na biopsia das glândulas. A cintilografia apresenta baixa sensibilidade, sendo positiva em 1/3 dos casos.
 A biopsia da mucosa labial é o método mais específico para diagnóstico da SS. Está indicada tanto na confirmação da doença, quanto para a diferenciação com outras condições que cursam com xerostomia ou aumento glandular.
· MANIFESTAÇÕES CONSTITUCIONAIS
As manifestações constitucionais, como fadiga, astenia, febre, artralgias e mialgias, podem ser resultantes da liberação de mediadores inflamatórios, como IL-1, IL-6, TNF-α e INF-γ.
· OUTRAS MANIFESTAÇÕES
LABORATÓRIO
Na avaliação da atividade inflamatória, temos a elevação da velocidade de hemossedimentação em 80 a 90% dos pacientes. Entre as proteínas de fase aguda, a proteína C reativa habitualmente se encontra pouco elevada. 
Das alterações imunológicas, a elevação policlonal da gamaglobulina é o achado mais frequente, ocorrendo em aproximadamente 80% dos pacientes. 
A hipergamaglobulinemia monoclonal é evidenciada, especialmente quando a síndrome se apresenta com manifestações extraglandulares ou associadas aos linfomas.
O fator reumatoide ocorre em 75 a 90%.
Os anticorpos anti-Ro/SSA e anti-La/SSB, presentes em aproximadamente 80% dos pacientes, estão associados às manifestações clínicas da doença, como a presença de vasculites, púrpuras, pancitopenias e acidose tubular renal.
CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS
Para o diagnóstico da doença primária é necessário 4 dos 6 critérios, incluindo os autoanticorpos ou a biopsia, e mais 3 dos outros 4 restantes. Nestas condições, a sensibilidade e a especificidade são 97 e 90%, respectivamente.
Caso o paciente apresente como doença de base LES, ESP, AR, DMTC, doença muscular inflamatória, tireoidite e hepatite autoimune, com um sintoma de xeroftalmia ou xerostomia, associado a 2 dos 4 critérios objetivos (testes oculares, testes de função salivar, autoanticorpos e biopsia) são considerados portadores de SS secundária.
TRATAMENTO
· MANIFESTAÇÕES GLANDULARES
O tratamento da xerostomia visa o alívio dos sintomas e a prevenção das complicações decorrentes da hipossalivação. Os princípios básicos são as estimulações do fluxo salivar e a reposição de saliva. 
As medidas para estimulação da produção de saliva incluem o uso de balas cítricas, frutas secas e chicletes sem açúcar, que têm custo reduzido em comparação aos produtos específicos para xerostomia com princípios de ação semelhante (ácido málico, maltose). Caso as medidas iniciais sejam insuficientes, pode-se lançar mão de secretagogos administrados por via oral. A pilocarpina, agonista do receptor muscarínico M3, na dosagem de 5 mg 3 a 4 vezes ao dia, demonstra eficiência no aumento do fluxo salivar, embora o estudo com tempo de seguimento mais longo demonstre que a melhora se correlaciona com critérios subjetivos.
Dentre as medidas indicadas para reposição de saliva, o uso de água é suficiente para restaurar a umidade da cavidade oral temporariamente, embora nos casos com maior comprometimento salivar sejam necessárias preparações comerciais à base de hidromelose ou metilcelulose.
A secura nasal pode gerar obstrução das narinas e respiração bucal com agravamento da xerostomia e deve ser tratada com umidificação a base de soluções salinas.
O tratamento do comprometimento ocular na síndrome de Sjögren visa reduzir a evaporação do filme lacrimal, aumentar a quantidade e melhorar a qualidade da lágrima, assim como diminuir seu escoamento. Além da melhora dos sintomas, previne complicações como ceratite, blefarite e ulcerações.
 A lubrificação dos olhos com lágrima artificial constitui o objetivo principal do tratamento. 
Outras manifestações da síndrome seca como a secura vaginal e a da pele são tratadas com geleias lubrificantes e loções umidificantes.
· MANIFESTAÇÕES EXTRAGLANDULARES
O comprometimento articular e muscular é tratado de forma escalonada com analgésicos comuns, AINEs e antimaláricos. A hidroxicloroquina na posologia de 6 mg/kg/ dia é bem tolerada, com baixa toxicidade retiniana. 
A fadiga, quando relacionada com o mecanismo de resposta inflamatória sistêmica, pode responder ao uso de anti- -inflamatórios, porém medidas para estimular a qualidade do sono como o uso de inibidores da recaptação de serotonina e os exercícios físicos podem ser necessários.
As pericardites respondem aos corticosteroides em doses anti-inflamatórias.
As manifestações do trato gastrointestinal, como doença do refluxo e dispepsia, são tratadas com o uso de inibidores de bomba de prótons, pró-cinéticos e modificações dietéticas. Nestas situações, recomenda-se evitar uso de AINEs e corticosteroides que também aumentam o risco de úlcera péptica. 
Na polineuropatia simétrica sensitiva os tricíclicos devem ser evitados por seus efeitos anticolinérgicos, dá-se preferência nestas situações à gabapentina. 
A imunossupressão com corticosteroides e agentes citotóxicos como a ciclofosfamida é necessária para o tratamento das lesões viscerais que exercem impacto negativo sobre a morbimortalidade, como a vasculite do sistema nervoso central, a vasculite do sistema nervoso motor periférico, as glomerulonefrites e a doença pulmonar intersticial. 
Nas mononeurites e polineuropatias, o uso de imunoglobulina humana intravenosa é opção na falha terapêutica. 
A associação da síndrome do anticorpo antifosfolípide com acidentes vasculares encefálicos requer anticoagulação perene. 
Na doença pulmonar intersticial a azatioprina constitui opção terapêutica à ciclofosfamida.
FONTE: Tratado brasileiro de reumatologia / editores Hamid Alexandre Cecin, Antônio Carlos Ximenes -- São Paulo : Editora Atheneu, 2015.
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