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Estabelecer as delimitações teóricas e metodológicas da educação em Direitos Humanos Ao término deste capítulo você será capaz de identificar as delimitações do campo de estudos da educação em direitos humanos. Isto será fundamental para o exercício de sua profissão. A compreensão da interseção entre o processo de ensino- aprendizagem e o tema transversal direitos humanos é essencial para educadores que busquem desenvolver a capacidade crítica de seus alunos em um contexto de educação para a cidadania. A compreensão dos direitos básicos dos seres humanos é fundamental para uma inserção plena dos indivíduos em sociedade. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante! Delimitações Teóricas da Educação em Direitos Humanos Quando pensamos os direitos humanos, em âmbito internacional, o que vem à sua mente? A concepção dos direitos humanos como universais somente ganhou este real escopo com a Carta das Nações Unidas em 1945. A partir de então, o novo direito internacional reconhecia que a proteção dos indivíduos deveria se dar também no nível internacional, não mais somente pelos Estados como fora produzido desde a formação dos Estados Nacionais. Figura 1: Símbolo da Organização das Nações Unidas A história dos direitos atribuídos aos serem humanos data desde a antiguidade, quando o poder do Estado não era limitado, logo os indivíduos não possuíam direitos frente ao poder do soberano. Foi a Magna Carta inglesa que em 1215 apresentou uma limitação ao poder de atuação do soberano, dando início assim ao constitucionalismo e às conquistas liberais culminadas nas Revoluções Francesa e Americana. John Locke foi um filósofo inglês, considerado um dos “pais” do liberalismo filosófico. Foi um dos principais teóricos do que ficou conhecido como teoria do “contrato social”. O jusnaturalismo de Locke deu um caráter mais universal aos recém-criados direitos da Inglaterra. Segundo o pensamento político de Locke, o ser humano constitui a base e origem do poder que é transferido ao soberano mediante o contrato social, reconhecendo assim a base dos direitos como os homens. Nas revoluções americana e francesa os direitos do homem e do cidadão são instituídos, em um conteúdo de característica individualista, apesar do universalismo da fraternidade, igualdade e liberdade. Objetivavam uma República democrática, que, através do contrato social, garantiriam os direitos dos homens. Segundo Massaro, o jusnaturalismo ou o direito natural “é a corrente de pensamento jurídico-filosófica que pressupõe a existência de uma norma de conduta intersubjetiva universalmente válida e imutável, fundada sobre a peculiar ideia da natureza preexistente em qualquer forma de direito positivo que possa formar o melhor ordenamento possível para regular a sociedade humana, principalmente no que se refere aos conflitos entre os Estados, governos e suas populações” (Massaro, 2019). Assim, surge então a Declaração Universal dos Direitos dos Homens, que dava prioridade à liberdade em detrimento do poder estatal. Com a Declaração da ONU em 1945 e os posteriores tratados e convenções que traziam de fato um caráter internacional à legislação dos direitos humanos, a jurisdição doméstica deixou de ser a única responsável pelas garantias dos direitos. Após o totalitarismo da guerra, o elevado número de mortes, e ainda o Holocausto, os Estados objetivavam construir um sistema internacional seguro, onde a garantia da paz viria através do cumprimento da legislação internacional e da vigilância dos demais Estados. A questão da etnia judaica foi fundamental para a redação dos direitos humanos na Carta da ONU, pois o “problema judeu” apresentado pelas autoridades nazistas alemães fez com que o povo judeu fosse desprotegido de seus direitos estatais através da desnacionalização. Sem Estado, os judeus não possuíam garantias de respeito de direitos, assim como outras minorias. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, surgida como resposta às atrocidades cometidas pelo fascismo durante a Segunda Guerra Mundial, foi o marco inicial para alçar os direitos humanos a um patamar de guia ético para a ordem internacional. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em sua introdução, diz: “No dia 10 de dezembro de 1948, a Assembléia Geral das Nações Unidas adotou e proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos cujo texto, na íntegra, pode ser lido a seguir. Logo após, a Assembléia Geral solicitou a todos os Países - Membros que publicassem o texto da Declaração para que ele fosse divulgado, mostrado, lido e explicado, principalmente nas escolas e em outras instituições educacionais, sem distinção nenhuma baseada na situação política ou econômica dos Países ou Estados.” Acesse a declaração na página da Organização das Nações Unidas A educação em direitos humanos O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, publicado pelo Governo Federal brasileiro em 2003, define que a educação em direitos humanos é: “compreendida como um processo sistemático e multidimensional que orienta a formação do sujeito de direitos, articulando as seguintes dimensões: apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre direitos humanos e a sua relação com os contextos internacional, nacional e local; afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultura dos direitos humanos em todos os espaços da sociedade; formação de uma consciência cidadã capaz de se fazer presente em níveis cognitivo, social, ético e político; Desenvolvimento de processos metodológicos participativos e de construção coletiva, utilizando linguagens e materiais didáticos contextualizados; fortalecimento de práticas individuais e sociais que gerem ações e instrumentos em favor da promoção, da proteção e da defesa dos direitos humanos, bem como da reparação das violações.” (BRASIL, 2018: 11). Para a área de estudos da educação em direitos humanos a educação além de ser um direito em si mesma, possibilita o conhecimento, o acesso e a compreensão a respeito dos demais direitos, permitindo que o cidadão possa se inserir plenamente em sociedade, ciente do conjunto de seus direitos. A partir do estudo da educação em direitos humanos é possível que a cultura criada em torno da valorização dos direitos humanos permita o respeito às diversidades, seja de ordem religiosa, cultural, étnico-racial, de gênero, de orientação sexual, de nacionalidade, dentre outras. Para Maria Victoria Benevides, três pontos são premissas para a Educação em Direitos Humanos: “a educação continuada, a educação para a mudança e a educação compreensiva, no sentido de ser compartilhada e de atingir tanto a razão quanto a emoção.” (BENEVIDES, 2000: 1). A autora enfatiza ainda a ideia de a educação em direitos humanos também é a educação para a cidadania, de formação de cidadãos participativos e, além disso, solidários. É necessário que os educadores conheçam, por suposto, os direitos humanos, as instituições relacionadas a promoção dos mesmos. Direitos Humanos Quando tratamos da educação em direitos humanos estamos abordando diretamente, como vimos na seção anterior, a questão da formação de discentes e docentes para compreenderem a realidade a sua volta a partir dos pressupostos teóricos dos direitos humanos. Partido da idéia de que a educação em direitos humanos pressupõe a educação para a cidadania e para a concepção de democracia com participação popular, podemos considerar a concepção de Adorno a respeito do tema: “A seguir, e assumido o risco, gostaria de apresentar a minha concepção inicial de educação. Evidentemente não a assim chamada modelagem de pessoas, porque não temos o direito de modelar pessoas a partir do exterior; mas também não a mera transmissão de conhecimentos, cuja característica de coisa morta já foi mais doque destacada, mas a produção de uma consciência verdadeira. Isso seria inclusive da maior importância política; sua idéia, se é permitido dizer assim, é uma exigência política. Isto é: uma democracia com o dever de não apenas funcionar, mas operar conforme seu conceito, demanda pessoas emancipadas. Uma democracia efetiva só pode ser imaginada enquanto uma sociedade de quem é emancipado”. (ADORNO, 2003, p. 142). Dentro dessa concepção, a metodologia relacionada à educação em direitos humanos diz respeito a uma prática de ensino-aprendizagem que seja orientada para a educação em direitos humanos, considerando o caráter transversal e articulando conhecimentos e práticas com os demais atores sociais, para além dos espaços formais de educação. Para isso, é importante a integração dos objetivos previstos para a educação em direitos humanos a todo o processo de ensinoa-prendizagem, inclusive às diferentes formas de avaliação. Também se faz necessário o desenvolvimento de programas e metodologias voltados para estimular a reflexão e a formação do tema, estabelecendo a troca de informações e experiência entre os atores governamentais e demais membros da sociedade civil organizada, inclusive os relacionado a educação não formal, a fim de construírem conjuntamente estratégias de formação. A resolução do Governo Federal, nº 1, de 30 de maio de 2012, prevê em seu artigo 6º que “A Educação em Direitos Humanos, de modo transversal, deverá ser considerada na construção dos Projetos Político-Pedagógicos (PPP); dos Regimentos Escolares; dos Planos de Desenvolvimento Institucionais (PDI); dos Programas Pedagógicos de Curso (PPC) das Instituições de Educação Superior; dos materiais didáticos e pedagógicos; do modelo de ensino, pesquisa e extensão; de gestão, bem como dos diferentes processos de avaliação” e em seu artigo 7º, prevê as seguintes formas de inserção dos conhecimentos nas diferentes etapas da educação formal: I. pela transversalidade, por meio de temas relacionados aos Direitos Humanos e tratados interdisciplinarmente; II. como um conteúdo específico de uma das disciplinas já existentes no currículo escolar; III. de maneira mista, ou seja, combinando transversalidade e disciplinaridade (...)”. (Resolução CNE/CP 1/2012. Diário Oficial da União, Brasília, 31 de maio de 2012 – Seção 1 – p. 48). Projeto de pesquisa financiada pelo MEC em parceira com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) estimula alunos de escoa pública sobre Direitos Humanos. Segundo Bittar (2007) uma das formas de incentivar a educação em direitos humanos é a partir do “desenvolvimento e da valorização da pesquisa”, que vise o “desenvolvimento da consciência crítica e enraizadora” e, ainda, seja capaz de: “aprofundar a consciência sobre a importância dos direitos humanos e de sua universalização; provocar a abertura criativa de horizontes para a autocompreensão; incentivar a reinvenção criativa permanente das próprias técnicas; habilitar à criticidade; desenvolver o reconhecimento histórico dos problemas sociais; incentivar o conhecimento multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar sobre a condição humana; habilitar a uma compreensão segundo a qual a conquista de direitos depende da luta pelos direitos; valorizar a sensibilidade em torno do que é humano; aprofundar a conscientização sobre questões de justiça social; recuperar a memória e a consciência de si no tempo e no espaço; habilitar para a ação e para a interação conjunta e coordenada de esforços; desenvolver o indivíduo como um todo, como forma de humanização e de sensibilização; capacitar para o diálogo e a interação social construtiva, plural e democrática.”. E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste tema, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que a forma como compreendemos hodiernamente o que são os direitos humanos, compreendidos como universais, ganhou esta dimensão com a Carta das Nações Unidas em 1945. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 foi a primeira Declaração que conjugou o discurso liberal de cidadania com o discurso social. Oficialmente no Brasil a educação em direitos humanos é compreendida a partir da consideração de um sistema sistemático e com mais de uma dimensão orientada para a formação de sujeitos de direitos. Algumas premissas teóricas da educação em direitos humanos dizem respeito à compreensão da área como educação continuada, para a mudança e compreensiva. Metodologicamente, a educação em direitos humanos se estabelece de forma transversal na educação formal e na não-formal, por meio de estratégias de ensino-aprendizagem como o desenvolvimento do reconhecimento histórico dos problemas sociais, a valorização da sensibilidade em torno do que é humano e o aprofundamento da conscientização sobre questões de justiça social. Identificar os Tratados Internacionais de Direitos Humanos Além da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, como já vimos, há outros documentos importantes para o processo de universalização dos direitos humanos. A Declaração de Viena de 1993 (que de fato coloca os direitos humanos como indivisíveis e universais), dá origem então a um sistema normativo internacional de proteção aos direitos. Este processo, por sua vez, foi responsável por apresentar questionamentos à noção de soberania estatal, ao introduzir o tema de uma “cidadania global”, uma vez que o interesse sobre o respeito ao indivíduo era internacional, e não mais apenas assunto de jurisdição doméstica. Figura2: Sede das Nações Unidas em Nova York/EUA Deste modo, as necessidades consideradas fundamentais dos seres humanos, em grande parte contempladas pelos direitos de 2ª geração, conhecidos como direitos coletivos, devem de fato ser definidas como direitos, dado que acima de tudo protegem grupos vulneráveis da sociedade. Apesar de estar claro em âmbito internacional que os direitos são indivisíveis, os direitos econômicos, sociais e culturais ainda necessitam de implementação e garantias. A Declaração de Viena é bastante clara na defesa dessa concepção ao definir a interdependência entre Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento. Os direitos da 2ª Geração surgiram nas duas primeiras décadas do século XX, quando a Constituição Mexicana de 1917, a Revolução Russa, a Constituição da República de Weimar, em 1919, e a criação da Organização Internacional do Trabalho, levaram os Direitos Humanos a terem uma abrangência maior, incorporando esta nova gama de direitos que exigem a ação positiva do Estado (e não somente a negativa, ou seja, a ausência de interferência do Estado na garantia dos direitos individuais, como é o caso dos direitos de 1ª geração). Assim como a garantia dos direitos da 1ª geração foi uma foi fruto da luta contra o absolutismo feudal durante os séculos XVII e XVIII, a garantia dos direitos de 2ª geração foi fruto das lutas sociais contra a exploração do trabalho, por novos espaços para a liberdade coletiva e por uma igualdade material maior que possibilitasse a dignidade humana. No final da Guerra Fria, surgem ainda novas demandas dos novos movimentos sociais, que deram origem aos Direitos dos Povos, ou Direitos da Solidariedade, a 3ª geração dos Direitos Humanos, que são ao mesmo tempo direitos individuais e coletivos, demandantes de um esforço coletivo entre indivíduos e Estados, e demais atores da ordem mundial atual. Na 3ª geração estão o Direito ao Desenvolvimento, o Direito à Paz, o Direito à Autodeterminação dos Povos, ao Desenvolvimento Sustentável, dentre outros. Os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais estão garantidos não só pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, e pela Declaração de Viena, mas também por tratados internacionais como o Pacto Internacional dos DireitosEconômicos, Sociais e Culturais; A Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial; A Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher; A Convenção sobre os Direitos das Crianças, dentre outros. Ainda sobre isso, salientamos o papel-chave da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, de 1986. Vale apontar que, apesar de já ter sido reconhecida pela Comissão da ONU de Direitos Humanos em 1977, a Declaração foi consagrada pela Assembléia Geral da organização em 1986. Ao vincular os Estados ao dever de adotarem medidas efetivas, em âmbito individual ou coletivo, voltadas para políticas de desenvolvimento internacional a fim de realizar plenamente os direitos, e acrescentando que a cooperação internacional é uma peça chave no quebra-cabeça do desenvolvimento, em seu artigo 4º, o Direito ao Desenvolvimento apresenta a importância de uma globalização inclusiva, solidária e que garanta o respeito aos direitos humanos. Todavia, para garantir este respeito, a Declaração Universal de 1948 não era suficiente, uma vez que não possui força jurídica vinculante, logo, foi necessária a criação de tratados internacionais que fossem juridicamente obrigatórios no plano do direito internacional. Surgem então, em 1966, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Os dois pactos, em conjunto com a Declaração Universal formam a Carta Internacional dos Direitos Humanos, ou “International Bill of Rights”. Conheça um pouco mais sobre a Carta Internacional dos Direitos Humanos (International Bill of Rights) https:// bit.ly/2Pu5Jkq. Continuando, o PIDESC (Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais) inclui deveres para os Estados, ao contrário do PIDCP (Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos) que lista os direitos referentes aos indivíduos. Os direitos da Segunda Geração (PIDESC), representam um esforço dos Estados parte a fim de progressivamente assegurarem estes direitos, que incluem, dentre outros, o direito à previdência social, à moradia, à educação, ao trabalho e à justa remuneração, à formação e filiação à sindicatos, à saúde física e mental adequadas, à um nível de vida adequado e ao gozo dos benefícios da liberdade cultural e do progresso científico. O mecanismo disponível para o monitoramento e implementação é o de relatórios periódicos, onde os Estados apontam que medidas estão sendo tomadas em âmbito interno para a observância dos direitos, assim como dificuldades que assegurem uma real efetivação. Os relatórios são encaminhados ao Secretário-Geral da ONU, e depois repassados para análise por parte do ECOSOC (Conselho Econômico e Social). Quando o mecanismo de exigibilidade implementado pelo Estado Parte não é suficiente, a ONU recomenda mecanismos mais eficazes. A Declaração de Viena recomenda que seja criado também o direito de petição com relação aos direitos previstos no Pacto, através de Protocolo Adicional, ela ainda sugere que sejam estabelecidos indicadores para o acompanhamento da garantia dos DESC (Direitos Econômicos, Sociais e Culturais), assim como um esforço integrado pelo seu reconhecimento. No âmbito da OEA, existe o Protocolo de San Salvador, de 1999, que estabelece deveres jurídicos dos Estados parte com relação aos direitos sociais. Segundo o Protocolo, os Estados Parte devem empenhar o máximo de recursos disponíveis para progressivamente alcançarem a plena realização dos DESC. No Protocolo de San Salvador, existe a possibilidade de petição individual a instâncias internacionais com relação ao direito à educação e aos direitos sindicais. Com o fim da Guerra Fria, e o avanço nas telecomunicações, o surgimento dos novos temas, e o aumento da cooperação internacional, o tema dos direitos humanos passou a ter mais destaque como pauta da agenda internacional. Todavia, mesmo com a ratificação dos principais instrumentos de proteção dos direitos humanos em âmbito internacional (A Carta de Direitos e os Pactos Internacionais de 1966), o caráter social da jurisdição internacional em prol da garantia dos direitos humanos só passou a se consolidar com a Conferência do Cairo de 1944, sobre População e Desenvolvimento (onde surgiu a expressão “Agenda Social da ONU”) que deu origem ao Programa de Ação do Cairo, como um conjunto de medidas a serem implementadas de forma conjunta em prol das questões sociais relativas ao tema principal da Conferência. A Conferência do Cairo foi essencial para a evolução da proteção aos DESC, uma vez que concluiu que famílias que possuem os direitos fundamentais garantidos são capazes de planejar a fecundidade e garantir a sustentabilidade dos filhos, recriando assim o conceito de Direito Reprodutivo. Em Copenhague, 1995, na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social, os países em desenvolvimento resistiram aos condicionantes que os desenvolvidos apresentavam para a consecução de investimentos, dentre eles, o de possuir uma “boa governança”. Na Cúpula Mundial de 1995, podemos apontar as bases para a Declaração do Milênio de 2000, em especial sobre os compromissos de redução da pobreza e miséria absoluta em 2015, através de medidas como a destinação de 0,7% do PIB dos países desenvolvidos à Assistência Oficial ao Desenvolvimento. Foram estabelecidas também as bases para as metas relativas à igualdade de gênero, à redução da mortalidade infantil, e à educação. Ainda na década de 90 podemos apontar a Conferência de Beijing, de 1995, sobre os Direitos da Mulher, e a Habitat II (Conferencia sobre Assentamentos Humanos) de 1996, em Istambul. Figura3: Sede das Nações Unidas em Nova York/EUA O principal resultado dessas conferências foi o fortalecimento do conceito de “empowerment” das mulheres, e o fortalecimento do direito a moradia como direito humano. Na agenda da Habitat, houve ainda a inovação da participação de outros atores como ONGS, sindicatos e diversos movimentos sociais, e a repetição das soluções apontadas em Copenhague para o financiamento das propostas, que foi essencialmente a questão dos 0,7% de investimento do PIB dos países desenvolvidos na Assistência Oficial ao Desenvolvimento. Diante da situação apresentada pelas Conferências da década de 90, surge a Declaração do Milênio, no ano 2000, com metas a serem alcançadas até o ano de 2015, complementando e tomando como base as diversas Conferências previamente citadas. A Conferência de Monterrey, de 2002, apresenta então soluções de como viabilizar a implementação dos acordos de 2000, fechando a série de Conferências sobre as questões sociais no âmbito das Nações Unidas. Também devemos destacar, em 2001, a Conferencia de Durban contra o Racismo, a Discriminação Racial, e Intolerância Correlata, que apesar da resistência dos países desenvolvidos, as recomendações de Durban têm se mostrado positivas para a implementação da proteção e medidas de reparação contra o racismo em âmbito interno de Estados em desenvolvimento. Gostou do que lhe mostramos? Ainda temos muita coisa para aprender! Vamos resumir tudo o que vimos até agora. Além da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, como já vimos, há outros documentos importantes para o processo de universalização dos direitos humanos. A Declaração de Viena de 1993 (que de fato coloca os direitos humanos como indivisíveis e universais), dá origem então a um sistema normativo internacional de proteção aos direitos. Apesar de estar claro em âmbito internacional que os direitos são indivisíveis, os direitos econômicos, sociais e culturais ainda necessitam de implementação e garantias. Assim como a garantia dos direitos da 1ª geração foi uma foi fruto da luta contra o absolutismo feudal durante os séculos XVII e XVIII, a garantia dos direitos de 2ª geração foi fruto das lutas sociais contra a exploração dotrabalho, por novos espaços para a liberdade coletiva e por uma igualdade material maior que possibilitasse a dignidade humana. No final da Guerra Fria, surgem ainda novas demandas dos novos movimentos sociais, que deram origem aos Direitos dos Povos, ou Direitos da Solidariedade, a 3ª geração dos Direitos Humanos, que são ao mesmo tempo direitos individuais e coletivos, demandantes de um esforço coletivo entre indivíduos e Estados, e demais atores da ordem mundial atual. Educação em Direitos Humanos e o Contexto Brasileiro O tema dos direitos humanos no Brasil passou por contextos diferenciados nas últimas décadas. Previamente ao contexto do governo militar de 1964 a discussão sobre os direitos humanos e suas garantias não era um tema central no país, focado nas questões ligadas ao desenvolvimento e seus possíveis desdobramentos. Desde Getúlio Vargas até então a discussão girava em torno dos direitos trabalhistas e as conquistas sociais relacionadas ao mundo do trabalho, como, por exemplo, na Consolidação das Leis do Trabalho. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é a unificação das leis trabalhistas até então em vigência no país. Foi criada pelo Presidente Getúlio Vargas em 1º de março de 1943. A CLT regulamenta as leis individuais e coletivas relacionadas ao trabalho no Brasil. Figura 4: Carteira de Trabalho e Previdência Social A repressão aos direitos durante o governo militar instaurado em 1964 inaugurou uma nova etapa na consideração a respeito dos direitos humanos no país. O cerceamento às liberdades individuais e coletivas como a proibição da organização sindical, a censura à liberdade de expressão e o cerco à imprensa, além da tortura e da prisão de oponentes políticos violava não apenas os direitos civis e políticos, mas também os direitos econômicos, sociais e culturais. A reação a esse contexto de violações de direitos trouxe ao contexto nacional de forma mais evidente o debate internacional sobre a necessidade de respeito e da garantia dos direitos humanos. O período seguinte, da transição democrática após o fim do regime militar, insere o país em um processo de abertura comercial. No mesmo contexto em que a “Constituição Cidadã” de 1988 foi promulgada, a inserção do país na globalização econômica internacional colocava em cheque a previsão de garantia de direitos, em especial os de ordem econômica e social previstos na Constituição Federal de 1988. A Constituição Federal de 1988 ficou conhecida como a “Constituição Cidadã” por marcar a transição entre o regime autoritário e a reconquista da democracia, além de conter princípios constitucionais e garantias de direitos que consolidam direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, dentre outros. Para mais informações acesse: O Contexto Brasileiro da Educação em Direitos Humanos Como observamos durante o período do regime militar de 1964 a abordagem ao tema dos direitos humanos conforme compreendido em âmbito internacional ganhou mais relevo no país. Comissões de direitos humanos foram organizadas por membros da Igreja Católica, movimentos sociais, dentre outros. Após a transição democrática, o tema foi incorporado à discussão sobre a democracia em si. Nos espaços formais de educação o tema passou a ser abordado de forma transversal, além da organização de cursos, palestras e outras ações nos espaços não formais. Na atualidade a discussão sobre os direitos humanos enfrenta dois grandes desafios, o que atravessa diretamente a abordagem da educação sobre o tema, perpassando limitações: “Duas ordens de limitações pesam sobre o conceito de direitos humanos e sua capacidade de constituir força educadora significativa na consciência das pessoas. A primeira vem do choque desses direitos com o forte impulso repressivo que as reiteradas – e, via de regra, sensacionalistas – denúncias de casos de crimes violentos aponta, para a acentuação das condenações e penalizações, como se o aumento das penas pudesse, por si só, ter efeito importante na luta contra a impunidade e a imposição do Estado de Direito (...) A outra grande dificuldade consiste na consideração dos direitos humanos de forma restrita, separado dos outros direitos – sobretudo econômicos e sociais. A origem do conceito contemporâneo permitiu essa fragmentação, porque ele nasceu na resistência à ditadura militar, com essa conotação, além do marco internacional, de hegemonia das concepções liberais, quer apontam nessa direção (...)”. (SADER, 2007) Sader argumenta que apenas uma abordagem que considere o tema dos direitos humanos de forma mais abrangente pode superar os desafios propostos. Conforme já foi estabelecido internacionalmente, os direitos humanos são indivisíveis, portanto a não garantia dos direitos sociais, econômicos e culturais, ou dos direitos coletivos, impacta diretamente na garantia dos direitos individuais e vice-versa. No que tange as ações oficiais sobre o tema da educação em direitos humanos devemos pontuar a previsão da Constituição Federal de 1988, além da Lei Darcy Ribeiro, a lei nº 9.394/1996, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) a respeito da centralidade do exercício da cidadania como um dos objetivos da educação em nosso país, prevendo, para esse fim, uma processo de ensinoaprendizagem inspirado “nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, com a finalidade do pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Conforme falamos anteriormente, em 2003 foi lançado o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos a partir dos parâmetros internacionais e nacionais sobre o tema, em especial a consideração do Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos (PMEDH). No Plano Nacional o governo brasileiro em conjunto com as organizações da sociedade civil estabeleceu como objetivos em seu artigo 2º: a) fortalecer o respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais; b) promover o pleno desenvolvimento da personalidade e dignidade humana; c) fomentar o entendimento, a tolerância, a igualdade de gênero e a amizade entre as nações, os povos indígenas e grupos raciais, nacionais, étnicos, religiosos e lingüísticos; d) estimular a participação efetiva das pessoas em uma sociedade livre e democrática governada pelo Estado de Direito; e) construir, promover e manter a paz. Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos (PMEDH) disponibilizado em português, conheça a Primeira e a Segunda Fase dos planos de ação. Acesse: https://bit. ly/2Z2JYI5 Figura 5: 70 anos da Declaração Internacional dos Direitos Humanos Nas reflexões sobre o contexto da educação em direitos humanos no Brasil é sempre importante lembrar que a desigualdade, em especial a social, que marca a sociedade brasileira representa um desafio potencial e, ao mesmo tempo, evoca a necessidade da reflexão, discussão e implementação de ações sobre o tema. A educação que estimule a consciência para os processos que geram e legitimam a desigualdade podem fomentar a reflexão sobre a necessidade da solidariedade e da tolerância entre aqueles “diferentes”. A exclusão social marca também o distanciamento de ampla parcela da sociedade brasileira de seu conjunto de direitos, relacionando diretamente a falta de acesso à educação de qualidade ao processo de não reconhecimento do papel de cidadão em sociedade. O obstáculo ao exercício da cidadania perpassa não apenas a assimetria com relação à informação, à educação e à participação política, mas às condições básicas de existência, como a alimentação, o saneamento básico, dentre outros fatores, evidenciando a importância das discussões sobre os direitos humanos perpassarem os processos formais e informais de educação. E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudodeste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. O tema dos direitos humanos no Brasil passou por contextos diferenciados nas últimas décadas. Previamente ao contexto do governo militar de 1964 a discussão sobre os direitos humanos e suas garantias não era um tema central no país, focado nas questões ligadas ao desenvolvimento e seus possíveis desdobramentos. A repressão aos direitos durante o governo militar instaurado em 1964 inaugurou uma nova etapa na consideração a respeito dos direitos humanos no país, ensejando a organização de movimentos que pleiteassem o respeito e a garantia de direitos diante das violações identificadas naquele período histórico. No mesmo contexto em que a “Constituição Cidadã” de 1988 foi promulgada, a inserção do país na globalização econômica internacional colocava em cheque a previsão de garantia de direitos, em especial os de ordem econômica e social previstos na Constituição Federal de 1988. Atualmente debatemos a consideração de que os direitos humanos são indivisíveis, portanto a não garantia dos direitos sociais, econômicos e culturais, ou dos direitos coletivos, impacta diretamente na garantia dos direitos individuais e vice-versa, o que está diretamente relacionado a dois grandes desafios dos direitos humanos no Brasil: a questão da violência e a fragmentação de direitos. Desde 2003 o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos tem buscado balizara orientação oficial sobre o tema, após discussões com entidades da sociedade civil. Educação em Direitos Humanos na contemporaneidade A Conexão Entre Direitos Humanos e a Educação Atualmente Atualmente a necessária conexão entre os direitos humanos e a educação em direitos humanos torna-se ainda mais importante diante dos inúmeros desafios impostos a ambos, como a grande defasagem na educação formal, reflexo da desigualdade social, o modelo tradicional de educação e a resistência a pressupostos teóricos e práticas inovadoras que considerem o tema dos direitos humanos de forma transversal, a não implementação das ações previstas no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, especialmente no que tange a abordagem do tema na formação continuada dos docentes, e os desafios aos direitos humanos como a resistência devido ao quadro de insegurança pública e o privilégio dado à consideração dos direitos civis e políticos em detrimento dos demais. A excessiva ênfase na consideração da educação como instrumento exclusivo de formação de mão-de-obra, desconsiderando o caráter de inclusão, estímulo à reflexão crítica e inserção plena do cidadão em sociedade representa um desafio extra à educação em direitos humanos nos tempos atuais. Em paralelo, as sucessivas crises, em especial na educação pública nas últimas décadas, fruto de uma (re) consideração do papel do Estado e de crises orçamentárias do setor público, agravam ainda mais o cenário, impondo uma agenda do “mínimo” às condições adversas enfrentadas pela educação pública, considerando projetos e tarefas “extras” como podem vir a ser consideradas as que levam o tema dos direitos humanos à centralidade (em uma visão que não concebe a questão desde o início do planejamento escolar). A Declaração Universal dos Direitos Humanos assegura a educação enquanto direito humano fundamental, em seu artigo 26, que prevê que: 1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnicoprofissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. (...). Dentro desse contexto, o direito à educação pressupõe, dentro da concepção da educação em direitos humanos, que o aluno seja visto como sujeito detentor de direitos e deveres, que deve ser respeitado em suas características étnicas, culturais, econômicas, dentre outras. O direito à educação recebe a missão de ser uma “porta de entrada” aos demais direitos, pois a reflexão do papel do indivíduo enquanto membro de uma coletividade, a sociedade, desperta a reflexão crítica necessária para compreensão dos direitos, além dos deveres. Cabe ressaltarmos que no Brasil, para além da educação formal, desde a década de 1980 há um trabalho intenso das organizações da sociedade civil organizada, como as organizações não governamentais e movimentos sociais. Conforme vimos, a mobilização inicial em torno da garantia dos direitos civis e políticos no contexto do regime militar de 1964 despertaram o ativismo pelos direitos humanos e a mobilização em torno do tema. Este trabalho ocorre em consonância com o poder público, porém, muitas vezes, busca suprir lacunas que a oferta de políticas públicas deixa no país. “A sociedade civil designa todas as formas de ação social levadas a cabo por indivíduos ou grupos que não emanam do Estado nem são por ele determinadas. Uma sociedade civil organizada é uma estrutura organizativa cujos membros servem o interesse geral através de um processo democrático, atuando como intermediários entre os poderes públicos e os cidadãos.” Disponível em: https://bit.ly/2Sh96ch. (Acesso em 10/05/2019). Assim, tanto em espaços de educação não formal quanto, e principalmente, em espaços de educação formal, um desafios contemporâneos à educação em direitos humanos é a formação de professores habilitados a considerar o tema em seus planejamentos de aula, a partir de uma formação deles próprios em direitos humanos e a compreensão de como, metodologicamente, trabalhar as questões relacionadas. Apesar do Plano Nacional em Direitos Humanos prever ações no sentido da educação em direitos humanos integrar o currículo das instituições de formação de professores, ainda há lacunas nessa formação. Outra questão correlata, conforme debatemos no início desta unidade, é a necessidade da superação de uma educação meramente tecnicista, voltada exclusivamente para a capacitação específica para um ofício. É essencial a consideração dos professores também como cidadão capaz de não apenas participar do processo de ensino-aprendizagem, mas também enquanto agente fundamental de mobilização para os direitos humanos. Cabe ressaltarmos que nos espaços de educação não formal como presídios, organizações não-governamentais, espaços de educação religiosa, dentre outros, também cabe a mobilização dos docentes para o tema, pois, estes, muitas vezes, lidam diretamente com grupos excluídos e marginalizados em nossa sociedade, justamente onde a conscientização para a cidadania plena pode fazer ainda mais diferença. Hodiernamente também é fundamental a conceitualização e a promoção da reflexão a respeito dos direitos de igualdade e os de diferença compreende especificidades das pautas identitárias, relacionadas a temas como sexualidade, étnicoraciais, dentre outras. Esses são temas que tem mobilizado a sociedade devido a diferentes visões sobre como o direito à diferença deve ser tratado. Todavia, se consideramos a questão da educação em direitos humanos devemos sempre lembrar que estamos partindo de pressupostos teóricos e metodológicos consolidados nacional e internacionalmente a partir da garantia e da promoção de direitos, estabelecendo um roteiro mínimo e que busca ser consensual para estes temas. Para além de disputas políticas e ideológicas, há seres humanos que necessitam da intervenção da sociedade para terem o direito à vida e à inclusão social garantidos. Algumas estratégias para a superação das questões aqui tratadas relacionadas aos desafios da educação em direitoshumanos na contemporaneidade passam pelo trabalho de formação dos professores, para a consideração da temática na educação desde o ensino fundamental, pelo reconhecimento das diferenças e do tratamento básico dado a essa questão e a efetivação do direito em direitos humanos em espaços formais e não formais de ensino. Estratégias para Conexão entre Direitos Humanos e Educação Atualmente (tava vazio) Áreas de pesquisa e investigação da Sociolinguística O desafio da implementação e da garantia dos direitos humanos na sociedade moderna é permanente. Demanda educação e mobilização de indivíduos conscientes de seu papel na sociedade moderna e que possam, para além da consciência, ter acesso a mecanismos efetivos de garantia desses direitos. Como vimos ao longo da unidade I, há tanto em âmbito internacional quanto em âmbito nacional, no que tange a construção de direitos positivados, marcos legais que subsidiam e efetivam os direitos humanos. Todavia, é importante que a sociedade tenha a seu dispor a concepção de uma reflexão crítica contínua, além de instrumentos práticos. No Brasil, é importante irmos além do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, fundamental em sua concepção e estratégias, porém, enquanto fruto de discussão e implementação de políticas públicas é um instrumento que baliza as discussões e as ações sobre o tema, demandando o investimento público e privado tanto em termos de recursos financeiros, quanto na concepção de estratégias e planejamentos de efetivação. Para isso, iniciativas de valorização de projetos e experiências que já lidam como o tema são fundamentais, assim como a parceria entre os diferentes setores da sociedade. Por fim, é necessário a reflexão constante sobre a formação de professores, a pesquisa científica na área e a implementação pedagógica em educação em direitos humanos, a fim de que os processos teóricos e metodológicos sejam constantemente revistos e melhorados em prol da consolidação e ampliação de direitos. Figura 6: Representação figurativa de igualdade Um exemplo de iniciativa de formação e valorização da educação em direitos humanos é o “Prêmio Municipal Educação em Direitos Humanos da Cidade de São Paulo” que divide a premiação de boas práticas em categorias de projetos feitos por professores, estudantes, da unidade escolar como um todo, dentre outros. Para mais informações sobre o prêmio acessar Nossa primeira unidade está chegando ao fim, e então, gostou do que lhe mostramos? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Atualmente a necessária conexão entre os direitos humanos e a educação em direitos humanos torna-se ainda mais importante diante dos inúmeros desafios impostos a ambos, como a grande defasagem na educação formal, reflexo da desigualdade social, o modelo tradicional de educação e a resistência a pressupostos teóricos e práticas inovadoras que considerem o tema dos direitos humanos de forma transversal, a não implementação das ações previstas no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. As sucessivas crises nas últimas décadas, em especial na educação pública, fruto de uma reconsideração do papel do Estado e de crises orçamentárias do setor público, agravam ainda mais o cenário. Tanto em espaços de educação não formal quanto, e principalmente, em espaços de educação formal, um desafios contemporâneos à educação em direitos humanos é a formação de professores habilitados a considerar o tema em seus planejamentos de aula. Iniciativas de valorização de projetos e experiências que já lidam como o tema são fundamentais, assim como a parceria entre os diferentes setores da sociedade. Para isso, é necessário a reflexão constante sobre a formação de professores, a pesquisa científica na área e a implementação pedagógica em educação em direitos humanos, a fim de que os processos teóricos e metodológicos sejam constantemente revistos e melhorados em prol da consolidação e ampliação de direitos. A regulamentação dos Direitos Humanos na legislação brasileira Ao término deste capítulo você será capaz de conhecer a regulamentação dos Direitos Humanos na legislação brasileira. Isto será fundamental para o exercício de sua profissão. A compreensão e o conhecimento acerca dos aspectos legais que envolvem os Direitos Humanos em nosso país habilitará o aluno a reconhecer os mecanismos pelos quais se pode exigir a efetivação e a garantia de direitos, assim como identificar o que vimos na Unidade I a respeito da recepção dos tratados internacionais em nossa legislação. Como vimos, a educação em direitos humanos está diretamente ligada a discussão sobre direitos, portanto é necessário conhecer como funciona o tema em nosso ordenamento jurídico para um processo de ensino-aprendizagem mais efetivo. A recepção dos tratados internacionais de direitos humanos na legislação brasileira Como vimos na Unidade I, no que tange os direitos humanos há inúmeros tratados internacionais que efetivam e garantem direitos em âmbito mundial, em especial relacionados ao Sistema ONU e em âmbito regional, como na Organização dos Estados Americanos. Desde o surgimento da Organização das Nações Unidas, em 1945, a discussão sobre o Direito Internacional tem ganhado mais relevo. Hoje, inclusive, a jurisprudência internacional e aqueles que formulam e refletem sobre a garantia de direitos defendem que o Direito Internacional se sobrepõe ao Direito Interno. Jurisprudência internacional é o conjunto de decisões dos tribunais internacionais a respeito de determinado tema, o que consolida a compreensão sobre decisões jurídicas sobre a situação em análise. A Constituição Brasileira de 1988 dispõe em seu artigo 5º, parágrafo 2º dispõe que os direitos previstos na Constituição não são excludentes com outros que sejam incorporados por meio da assinatura de Tratados por parte do Brasil. A Emenda Constitucional nº 45 de dezembro de 2004 incluiu o 3º parágrafo ao artigo 5º prevendo que no caso de Tratados e Convenções Internacionais sobre direitos humanos, caso sejam aprovados, em cada Casa do Congresso nacional, por 3/5 dos parlamentares, em dois turnos, serão equivalentes às emendas constitucionais, ou seja, serão incorporados à Constituição. Em julgamento de 2008 o Supremo Tribunal Federal passou a compreender que os tratados que versam sobre os direitos humanos podem ser considerados como normais supralegais, ou seja, estão acima das leis ordinárias, mas abaixo da Constituição (ressaltado o que vimos antes de incorporação à Constituição por meio do procedimento descrito no parágrafo anterior). “O Supremo Tribunal Federal (STF) é a mais alta instância do Poder Judiciário do Brasil e acumula competências típicas de Suprema Corte (tribunal de última instância) e Tribunal Constitucional (que julga questões de constitucionalidade independentemente de litígios concretos). Sua função institucional fundamental é de servir como guardião da Constituição Federal de 1988, apreciando casos que envolvam lesão ou ameaça a esta última”. Para saber mais sobre o STF acesse o site, disponível em: https://bit.ly/2p8SjxL. Figura 1: Plenário do Supremo Tribunal Federal Histórico da efetivação dos direitos humanos na legislação brasileira Como vimos, foi a partir da Constituição Federal de 1988 que o Brasil passou a incorporar na legislação nacional os avanços com relação ao sistema internacional de proteção aos direitos humanos. Nesse contexto, o país passou a ratificar e a incorporar a legislação sobre o tema. Como coloca Flavia Piovesan, O marco inicial do processo de incorporação de tratados internacionais de direitos humanos pelo Direito Brasileiro foi a ratificação, em 1989, da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes. A partir desta ratificação,inúmeros outros importantes instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos foram também incorporados pelo Direito Brasileiro, sob a égide da Constituição Federal de 1988. Assim, a partir da Carta de 1988 foram ratificados pelo Brasil: a) a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, em 20 de julho de 1989; b) a Convenção sobre os Direitos da Criança, em 24 de setembro de 1990; c) o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em 24 de janeiro de 1992; d) o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em 24 de janeiro de 1992; e) a Convenção Americana de Direitos Humanos, em 25 de setembro de 1992; f) a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em 27 de novembro de 1995. (PIOVESAN, 1996). Figura 2: Organização dos Estados Americanos (OEA). O processo de incorporação dos tratados internacionais que versam sobre os direitos humanos a partir da Constituição de 1988 seguiram a lógica de recomposição da imagem do país após o período autoritário anterior, diante das acusações de violações aos direitos humanos, além de enquadrar o país nos avanços internacionais sobre o tema. Era também o início do contexto de globalização. Cabe destacarmos a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e o seu Protocolo Facultativo de 2007. A Convenção é um exemplo de incorporação de um tratado internacional de direitos humanos ao ordenamento jurídico brasileiro com status de emenda constitucional. Após a incorporação do tratado, uma série de medidas oficiais tem sido tomadas em prol do reconhecimento e da garantia dos direitos das pessoas com deficiência. No que tange os direitos humanos há inúmeros tratados internacionais que efetivam e garantem direitos em âmbito mundial, em especial relacionados ao Sistema ONU e em âmbito regional, como na Organização dos Estados Americanos. A Emenda Constitucional nº 45 de dezembro de 2004 incluiu o 3º parágrafo ao artigo 5º prevendo que no caso de Tratados e Convenções Internacionais sobre direitos humanos, caso sejam aprovados, em cada Casa do Congresso nacional, por 3/5 dos parlamentares, em dois turnos, serão equivalentes às emendas constitucionais, ou seja, serão incorporados à Constituição. O processo de incorporação dos tratados internacionais que versam sobre os direitos humanos a partir da Constituição de 1988 seguiram a lógica de recomposição da imagem do país após o período autoritário anterior, diante das acusações de violações aos direitos humanos, além de enquadrar o país nos avanços internacionais sobre o tema. As perspectivas legais e os desafios da educação em direitos humanos Ao término deste capítulo você será capaz de analisar as perspectivas legais e os desafios da educação em direitos humanos. Veremos em detalhes alguns dos documentos internacionais e nacionais que compõem os marcos legais da educação em direitos humanos, como o Plano Nacional em Direitos Humanos. Em seguida, discutiremos alguns dos desafios que a área ainda apresenta. Os marcos legais da educação em direitos humanos Como vimos na unidade I, em termos de marco legal a educação em direitos humanos está diretamente relacionada a dois documentos que já vimos na unidade I: Com relação ao Programa Mundial da ONU, sua redação final foi produto da “Década das Nações Unidas para a Educação em matéria de direitos humanos” (1995-2004). O Programa prevê algumas etapas para a sua implementação, divididas em 4 anos por etapa, com foco em diferentes níveis da educação formal e formação de servidores/profissionais: básica e ensino médio, superior e formação de servidores, além dos profissionais de mídia e comunicação (etapa atual). A “Década das Nações Unidas para a Educação em matéria de direitos humanos” basear-se-á nas disposições dos instrumentos internacionais de direitos humanos, particularmente nas disposições que abordam a educação em matéria de direitos humanos, incluindo o artigo 26.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o artigo 13.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o artigo 29.º da Convenção sobre os Direitos da Criança, o artigo 10.º da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, o artigo 7.º da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, os parágrafos 33 e 34 da Declaração de Viena e os parágrafos 78 a 82 do seu Programa de Ação. Em conformidade com estas disposições, e para os efeitos da Década, a educação em matéria de direitos humanos será definida como os esforços de formação, divulgação e informação destinados a construir uma cultura universal de direitos humanos através da transmissão de conhecimentos e competências e da modelação de atitudes, com vista a: I. Reforçar o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais; (b) Desenvolver em pleno a personalidade humana e o sentido da sua dignidade; II. Promover a compreensão, a tolerância, a igualdade entre os sexos e a amizade entre todas as nações, povos indígenas e grupos raciais, nacionais, étnicos, religiosos e linguísticos; III. Possibilitar a participação efetiva de todas as pessoas numa sociedade livre; IV. Promover as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.” Para saber mais sobre A Década das Nações Unidades em Matéria de Direitos Humanos, acesse: https://bit.ly/2Yvy49K. Com relação ao Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, como já vimos, é importante lembrarmos que o Plano está dividido em cinco eixos principais: Educação não formal, educação dos profissionais do sistema de justiça e os do sistema de segurança, educação e mídia, educação básica e educação superior. O Conselho Nacional de Educação aprovou, em 2012, documento conhecido como as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos, que versa sobre os parâmetros oficiais para a área. Dentre as questões levantadas no documento, estão algumas reflexões sobre o que podemos compreender como o escopo de uma formação em educação em direitos humanos: A Educação em Direitos Humanos tem por escopo principal uma formação ética, crítica e política. A primeira se refere à formação de atitudes orientadas por valores humanizadores, como a dignidade da pessoa, a liberdade, a igualdade, a justiça, a paz, a reciprocidade entre povos e culturas, servindo de parâmetro ético-político para a reflexão dos modos de ser e agir individual, coletivo e institucional. A formação crítica diz respeito ao exercício de juízos reflexivos sobre as relações entre os contextos sociais, culturais, econômicos e políticos, promovendo práticas institucionais coerentes com os Direitos Humanos. A formação política deve estar pautada numa perspectiva emancipatória e transformadora dos sujeitos de direitos. Sob esta perspectiva promoverse-á o empoderamento de grupos e indivíduos, situados à margem de processos decisórios e de construção de direitos, favorecendo a sua organização e participação na sociedade civil. Vale lembrar que estes aspectos tornam-se possíveis por meio do diálogo e aproximações entre sujeitos biopsicossociais, históricos e culturais diferentes, bem como destes em suas relações com o Estado. Uma formação ética, critica e política (in)forma os sentidos da EDH na sua aspiração de ser parte fundamental da formação de sujeitos e grupos de direitos, requisito básico para a construção de uma sociedade que articule dialeticamente igualdade e diferença (Ministério da Educação, 2012). Educação em Direitos Humanos e o Contexto Brasileiro Como previsto nos planos de educação em direitos humanos tanto em âmbito internacional quanto nacional um dos principais desafios da educação em direitos humanos diz respeito a integração entre os esforços empreendidos em âmbitoda educação formal e também da educação não formal. O esforço dos espaços formais de educação, como as escolas, as universidades e institutos de educação, deve ser acompanhado pelo trabalho das organizações da sociedade civil, como movimentos sociais, ONGs e empresas. Em ambos os casos, é importante que a educação em direitos humanos transcenda o currículo formal das instituições, se colocando de forma transversal. Como vimos na unidade I, um dos enfoques para a educação em direitos humanos é a educação para a cidadania, ou seja, para uma formação que possibilite a inserção plena dos seres humanos no convívio social, considerando todas as dimensões – cultural, social, afetiva, dentre outras – dentro de um compromisso ético. Para isso, pressupõe um processo de ensino-aprendizagem participativo, com o aluno no centro, como sujeito ativo e pleno, tomando-se em conta as diferentes vivências e realidades. Para que todo o processo se estabeleça de forma plena, a formação dos professores para trabalhar com o tema da educação em direitos humanos é fundamental. Em primeiro lugar, a formação deve considerar que o tema direitos humanos não constitui uma disciplina e um tópico em si. Ele atravessa o processo de ensino-aprendizagem como tema transversal. Para isso, os professores devem ser capazes de compreender o que são os direitos humanos, seu histórico, sua inserção internacional e nacional. Deve ser considerada a formação para trabalhar o processo de ensino- aprendizagem com metodologias ativas, dentro dos cursos de licenciatura e de pós-graduação. Por fim, sobre a formação, devemos lembrar a importância da formação continuada dos professores. Figura 3: Alunos do ensino básico. Em termos de marco legal a educação em direitos humanos está diretamente relacionada a dois documentos que já vimos na unidade I: O Programa Mundial para a Educação em Direitos Humanos, da ONU, e o Plano Nacional em Direitos Humanos, do governo brasileiro em parceria com organizações da sociedade civil. Com relação ao Programa Mundial da ONU, sua redação final foi produto da “Década das Nações Unidas para a Educação em matéria de direitos humanos” (1995-2004). Com relação ao Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, como já vimos, é importante lembrarmos que o Plano está dividido em cinco eixos principais: Educação não formal, educação dos profissionais do sistema de justiça e os do sistema de segurança, educação e mídia, educação básica e educação superior. Como previsto nos planos de educação em direitos humanos tanto em âmbito internacional quanto nacional um dos principais desafios da educação em direitos humanos diz respeito a integração entre os esforços empreendidos em âmbito da educação formal e também da educação não formal. As diretrizes nacionais para a educação em direitos humanos: dimensões e princípio Neste capítulo identificaremos as diretrizes nacionais para a educação em direitos humanos em suas dimensões e princípios. Para isso, analisaremos as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação em 2012. Analisaremos os princípios, dimensões e objetivos da educação em direitos humanos a partir dos documentos oficiais e as práticas pedagógicas nos processos de ensino-aprendizagem. Conhecendo as Diretrizes Em 2012 o Conselho Nacional de Educação (CNE) estabeleceu as “Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos”. Logo em seu início o documento estabelece que as diretrizes seguem o disposto em documentos aprovados internacional e nacionalmente, conforme vimos nos capítulos anteriores: Considerando o que dispõe a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a Declaração das Nações Unidas sobre a Educação e Formação em Direitos Humanos (Resolução A/66/137/2011), a Constituição Federal de 1988; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996); o Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos (PMEDH 2005/2014), Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3/Decreto nº 7.037/2009); o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH/2006), as diretrizes nacionais emanadas pelo Conselho Nacional de Educação, bem como outros documentos nacionais e internacionais que visem assegurar o direito a educação a todos/as (...). Vemos, assim, que as diretrizes estão alinhadas diretamente a documentos que analisamos anteriormente em nosso curso, como o Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos e o Programa Nacional de Educação em Direitos Humanos. Além disso, considera o que dispõe tratados internacionais que dispõem direitos e garantias a respeito dos direitos humanos, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Nos artigos do documento, o CNE estabeleceu as diretrizes a serem seguidas pelos sistemas de ensino e suas instituições no que se refere à educação em direitos humanos. O documento, em seu artigo 2º, compreende educação em direitos humanos como o “uso de concepções e práticas educativas fundadas nos Direitos Humanos e em seus processos de promoção, proteção, defesa e aplicação na vida cotidiana e cidadã de sujeitos de direitos e de responsabilidades individuais e coletivas.” No mesmo artigo, o CNE estabeleceu que todos os envolvidos no processo educacional devem adotar os princípios da educação em direitos humanos. Como fundamentos da educação em direitos humanos, o CNE estabelece, no art. 3º do documento, o seguinte: I. Dignidade humana; II. Igualdade de direitos; III. Reconhecimento e valorização das diferenças e das diversidades; IV. Laicidade do Estado; V. Democracia na educação; VI. Transversalidade, vivência e globalidade; e VII. Sustentabilidade socioambiental. Como objetivo central da educação em direitos humanos, o documento apresenta em seu artigo 5º que: A Educação em Direitos Humanos tem como objetivo central a formação para a vida e para a convivência, no exercício cotidiano dos Direitos Humanos como forma de vida e de organização social, política, econômica e cultural nos níveis regionais, nacionais e planetário. § 1º Este objetivo deverá orientar os sistemas de ensino e suas instituições no que se refere ao planejamento e ao desenvolvimento de ações de Educação em Direitos Humanos adequadas às necessidades, às características biopsicossociais e culturais dos diferentes sujeitos e seus contextos. § 2º Os Conselhos de Educação definirão estratégias de acompanhamento das ações de Educação em Direitos Humanos. Por fim, a respeito das dimensões às quais a educação em direitos humanos se articula, o documento estabelece em seu artigo 4º que: A Educação em Direitos Humanos como processo sistemático e multidimensional, orientador da formação integral dos sujeitos de direitos, articulase às seguintes dimensões: I. apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre direitos humanos e a sua relação com os contextos internacional, nacional e local; II. afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultura dos direitos humanos em todos os espaços da sociedade; III. formação de uma consciência cidadã capaz de se fazer presente em níveis cognitivo, social, cultural e político; IV. desenvolvimento de processos metodológicos participativos e de construção coletiva, utilizando linguagens e materiais didáticos contextualizados; e o V. fortalecimento de práticas individuais e sociais que gerem ações e instrumentos em favor da promoção, da proteção e da defesa dos direitos humanos, bem como da reparação das diferentes formas de violação de direitos. Figura 4: Ministério da Educação Análise das diretrizes No processo de redação das diretrizes nacionais para o ensino em direitos humanos foram realizadas reuniões do Conselho do CNE, de comissões, mas também encontros com especialistas no tema a fim de envolver a sociedadecivil organizada na elaboração. As diretrizes levaram em conta uma compreensão da educação em direitos humanos a partir de determinados fundamentos, princípios e objetivos. Com relação aos fundamentos, o documento parte do pressuposto de que a universalização da educação básica e a democratização do acesso ao ensino superior na última década trouxeram desafios específicos. A maior inclusão traz diretamente o desafio de lidar com a diversidade dos alunos. Assim, faz-se necessária a elaboração de estratégias para lidar com a realidade de uma nova organização escolar, que demanda metodologias de ensino-aprendizagem diferenciadas, além de uma instituição em si voltada para a superação de desigualdades. Para isso, são considerados uma série de valores e práticas que embasam a atuação na área. A necessidade de uma educação crítica, ética e com compreensão política está diretamente relacionada a isso. Ética na compreensão sobre uma inserção dos indivíduos em uma sociedade mais humanizada, com princípios de dignidade, igualdade e justiça, por exemplo. Crítica por estimular a reflexão sobre a realidade em seu entorno, pensando a partir dos direitos humanos. Compreensão política por habilitar a participação plena dos indivíduos politicamente na sociedade. No que se refere aos princípios, a Educação em Direitos Humanos, com finalidade de promover a educação para a mudança e a transformação social, fundamenta-se nos seguintes princípios: Dignidade humana: Relacionada a uma concepção de existência humana fundada em direitos; Igualdade de direitos: O respeito à dignidade humana, devendo existir em qualquer tempo e lugar, diz respeito à necessária condição de igualdade na orientação das relações entre os seres humanos; Reconhecimento e valorização das diferenças e das diversidades: Esse princípio se refere ao enfrentamento dos preconceitos e das discriminações, garantindo que diferenças não sejam transformadas em desigualdades; Laicidade do Estado: Esse princípio se constitui em pré-condição para a liberdade de crença garantida pela Declaração Universal dos Direitos humanos, de 1948, e pela Constituição Federal Brasileira de 1988; Democracia na educação: Direitos Humanos e democracia alicerçam-se sobre a mesma base - liberdade, igualdade e solidariedade - expressando-se no reconhecimento e na promoção dos direitos civis, políticos, sociais, econômicos, culturais e ambientais; Transversalidade, vivência e globalidade: Os Direitos Humanos se caracterizam pelo seu caráter transversal e, por isso, devem ser trabalhados a partir do diálogo interdisciplinar; Sustentabilidade socioambiental: A EDH deve estimular o respeito ao espaço público como bem coletivo e de utilização democrática de todos/as. (BRASIL, 2012) Em 2012 o Conselho Nacional de Educação (CNE) estabeleceu as “Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos”. Logo em seu início o documento estabelece que as diretrizes seguem o disposto em documentos aprovados internacional e nacionalmente, conforme vimos nos capítulos anteriores. Vemos, assim, que as diretrizes estão alinhadas diretamente a documentos que analisamos anteriormente em nosso curso, como o Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos e o Programa Nacional de Educação em Direitos Humanos. Nos artigos do documento, o CNE estabeleceu as diretrizes a serem seguidas pelos sistemas de ensino e suas instituições no que se refere à educação em direitos humanos. As diretrizes levaram em conta uma compreensão da educação em direitos humanos a partir de determinados fundamentos, princípios e objetivos. Os Direitos Humanos nas matrizes curriculares e projetos pedagógicos do ensino básico ao superior Neste capítulo analisaremos os direitos humanos nas matrizes curriculares e projetos pedagógicos do ensino básico ao superior. Para isso, refletiremos inicialmente sobre a abordagem da temática dos direitos humanos nos espaços conhecidos como ambiente educacional. Em seguida, discutiremos sobre como abordar a educação em direitos humanos no ensino básico e no ensino superior, considerando as diretrizes nacionais e os documentos nacionais e internacionais que analisamos previamente. Os Direitos Humanos no ambiente educacional Quando tratamos do processo de ensino-aprendizagem é importante levarmos em consideração que estamos tratando de um processo que se estabelece em lugares e tempos diversificados, em contextos de diversidade de vivências, seja na própria escola, seja na família ou na sociedade em geral. Essa diversidade de experiências e vivências é propícia para a educação em direitos humanos, por oportunizar contextos com experiências sobre o mundo diversificadas. Para isso, é necessário que o contexto de ensino-aprendizagem se dê para além do meio físico da instituição de ensino e envolva as demais interações de alunos e professores com o mundo e a sociedade. Um ambiente educacional capaz de promover os direitos humanos deve levar em consideração o respeito às diferenças, garantindo um processo de ensino-aprendizagem inclusivo, com práticas democráticas, sem preconceitos, discriminações e qualquer tipo de violência. Conforme vimos na unidade anterior, a educação para os direitos humanos se pauta em princípios que garantam práticas que respeitam a dignidade humana. Esse respeito se dá na interação entre o que é pessoal e o que é coletivo de forma a respeitar subjetividades e vivências entre os humanos, o meio ambiente e as questões sociais no entorno das instituições de ensino. Figura 5: Aluna da rede pública de ensino. Portanto, as instituições de ensino devem favorecer diferentes visões de mundo no ambiente escolar e, para além dele, garantir o contato das diferenças com o ambiente educacional, levando em consideração o extra-muros da instituição. Assim, espera-se que alunos com capacidade de reflexão crítica compreendam como pleitear e garantir direitos dentro da concepção dos direitos humanos. As diretrizes para a educação em direitos humanos estabelecem em seus artigos 6º e 7º que: Art. 6º A Educação em Direitos Humanos, de modo transversal, deverá ser considerada na construção dos Projetos Políticos Pedagógicos (PPP); dos Regimentos Escolares, dos Planos de Desenvolvimento Institucionais (PDI); dos Programas Pedagógicos de Curso (PPC) das Instituições de Ensino Superior; dos materiais didáticos e pedagógicos; do modelo de ensino, pesquisa e extensão; de gestão; bem como dos diferentes processos de avaliação. Art. 7º A inserção dos conhecimentos concernentes a Educação em Direitos Humanos na organização dos currículos da Educação Básica e da Educação Superior poderá ocorrer das seguintes formas: I. - pela transversalidade, por meio de temas relacionados aos Direitos Humanos e tratados interdisciplinarmente; II. - como um conteúdo específico de uma das disciplinas já existentes no currículo escolar; III. - de maneira mista, ou seja, combinando transversalidade e disciplinaridade. Parágrafo único. Outras formas de inserção da Educação em Direitos Humanos poderão ainda ser admitidas na organização curricular das instituições educativas desde que observadas as especificidades dos níveis e modalidades da Educação Nacional. Veremos nos próximos capítulos como pode se dar a educação em direitos humanos na educação básica e no ensino superior. A educação em direitos humanos na educação básica O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos prevê em seus princípios para a educação básica as seguintes propostas: A Educação em Direitos Humanos além de ser um dos eixos fundamentais da educação básica, deve orientar a formação inicial e continuada dos/as profissionais da educação, a elaboração do projeto político pedagógico, os materiais didático pedagógicos, o modelo de gestão e a avaliação das aprendizagens; A prática escolardeve ser orientada para a Educação em Direitos Humanos, assegurando o seu caráter transversal e a relação dialógica entre os diversos atores sociais; Os/as estudantes devem ser estimulados/as para que sejam protagonistas da construção de sua educação, com o incentivo, por exemplo, do fortalecimento de sua organização estudantil em grêmios escolares e em outros espaços de participação coletiva; Participação da comunidade educativa na construção e efetivação das ações da Educação em Direitos Humanos. Além disso, o Plano chama a atenção para a centralidade de se ter um Projeto Político Pedagógico conectado aos princípios, objetivos e fundamentos da Educação em Direitos Humanos, perpassando as ações do currículo de forma transversal, trazendo os temas gerais dos direitos humanos para a realidade dos alunos e, assim, incorporar vivências e conhecimentos, ampliando a participação e a busca de direitos e deveres em sociedade. Para isso, o Plano clama pelo respeito às diferentes fases de desenvolvimento do ser humano, ressaltando o respeito à individualidade de cada um. Na educação básica o trabalho a respeito da educação em direitos humanos tem o espaço propício para ser desenvolvido, uma vez que diz respeito à formação humana desde a infância. No processo de socialização das crianças, as interações de ensino-aprendizagem já podem desde o início levar em conta os princípios, fundamentos e objetivos da educação em direitos humanos. Isso também se aplica a outras modalidades de ensino, como na educação de jovens e adultos, a educação indígena, quilombola, no campo e outras dimensões, considerando também pessoas que não tiveram oportunidade de acesso à educação na idade adequada. É especialmente importante o exercício da educação para os direitos humanos enquanto formação para a cidadania nesta etapa, possibilitando desde o princípio do processo formal de educação a concepção de direitos e deveres. O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos compreende a escola como: “Um espaço social privilegiado onde se definem a ação institucional pedagógica e a pratica e vivencia dos direitos humanos. [...] local de estruturação de concepções de mundo e de consciência social, de circulação e de consolidação de valores, de promoção da diversidade cultural, da formação para a cidadania, de constituição de sujeitos sociais e de desenvolvimento de práticas pedagógicas.” (BRASIL, 2006, p. 23). Nesse sentido, uma escola de fato capaz de democratizar as relações sociais deve ter o objetivo de formação de indivíduos capazes de serem atores sociais plenos. Para isso, é parte integrante da educação em direitos humanos nessa etapa a compreensão de conteúdos que levem a reflexão sobre a evolução histórica, a construção, as contradições, as conquistas e os reveses com relação aos direitos em sociedade, favorecendo uma visão ética de mundo, integrada ao meio ambiente de forma sustentável. A educação para os direitos humanos no ensino superior Nas Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos, que começamos a analisar no início desta unidade, alguns artigos são voltados para a pesquisa e a formação de professores, além do ensino superior em si. São eles: Art. 8º A Educação em Direitos Humanos deverá orientar a formação inicial e continuada de todos/as os/as profissionais da educação, sendo componente curricular obrigatório nos cursos destinados a esses profissionais. Art. 9º A Educação em Direitos Humanos deverá estar presente na formação inicial e continuada de todos/as os/as profissionais das diferentes áreas do conhecimento. Art. 10. Os sistemas de ensino e as instituições de pesquisa deverão fomentar e divulgar estudos e experiências bem sucedidas realizados na área dos Direitos Humanos e da Educação em Direitos Humanos. Art. 11. Os sistemas de ensino deverão criar políticas de produção de materiais didáticos e paradidáticos, tendo como princípios orientadores os Direitos Humanos, e por extensão, a Educação em Direitos Humanos. Art. 12. As Instituições de Ensino Superior estimularão ações de extensão voltadas para a promoção de direitos humanos, em diálogo com os segmentos sociais em situação de exclusão social e violação de direitos, assim como os movimentos sociais e a gestão pública. Todos os documentos nacionais e internacionais que já analisamos nesse curso enfatizam a responsabilidade das instituições de ensino superior (IES) com relação à educação em direitos humanos. Além da obrigação direta da formação, inclusive de professores, as IES gera pesquisa e conhecimento que impactam diretamente na garantia de direitos e na reflexão sobre os direitos humanos em si. Figura 6: Campus da Universidade do Estado do Rio de Janeiro As IES possuem responsabilidade fundamental na busca pela construção de uma sociedade mais justa, princípio fundamental dos direitos humanos. Para isso, a educação em direitos humanos deve ser considerada de forma transversal nas IES, englobando as diferentes vertentes da universidade, como a pesquisa, a gestão, a extensão e o ensino. Diretamente no ensino os DH podem ser incluídos como disciplinas do currículo regular ou, ainda, como atividades extras. Na pesquisa pode pautar o avanço do conhecimento que gere desenvolvimento sustentável e ainda ser objeto em si de reflexão e análise. Para além disso, é necessário incentivo a essa reflexão específica sobre os direitos humanos por meio de financiamento e estruturação de grupos e núcleos de estudos, assim como a organização de núcleos de memória sobre a instituição e o avanço do conhecimento na área. Na extensão, a aproximação das IES com a sociedade em geral deve ser pautada pelos princípios dos DH, especialmente lidando com setores mais vulneráveis da sociedade. Cabe, ainda, às IES apoiar as demais instituições da sociedade na promoção dos direitos humanos. Um ambiente educacional capaz de promover os direitos humanos deve levar em consideração o respeito às diferenças, garantindo um processo de ensino-aprendizagem inclusivo, com práticas democráticas, sem preconceitos, discriminações e qualquer tipo de violência. O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos chama a atenção para a centralidade de se ter um Projeto Político Pedagógico conectado aos princípios, objetivos e fundamentos da Educação em Direitos Humanos, perpassando as ações do currículo de forma transversal, trazendo os temas gerais dos direitos humanos para a realidade dos alunos e, assim, incorporar vivências e conhecimentos, ampliando a participação e a busca de direitos e deveres em sociedade. Todos os documentos nacionais e internacionais que já analisamos nesse curso enfatizam a responsabilidade das instituições de ensino superior (IES) com relação à educação em direitos humanos. Além da obrigação direta da formação, inclusive de professores, as IES gera pesquisa e conhecimento que impactam diretamente na garantia de direitos e na reflexão sobre os direitos humanos em si. Proposta metodológica para se trabalhar a educação em direitos humanos Ao término desta competência você terá a capacidade de apresentar propostas metodológicas para exercer as atividades referentes à educação em direitos humanos. É impreterível que você tenha tato na aplicação da disciplina. Compreendemos da diversificação dos níveis na educação no sistema brasileiro de educação, bem como, da necessidade da aplicação correta em cada nível, e, o profissional de educação necessita da expertise para que consiga conectar linguagem e informações pertinentes aos receptores em cada nível. Aqui notamos que já não basta simplesmente deter o conhecimento puramente, e sim, a técnica em transmitir de forma pontual o conteúdo trabalho. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante! A construção social para educação em direitos humanos
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