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TUBERCULOSE Karen Soares – 2020.1 AGENTE ETIOLÓGICO A Tuberculose pode ser causada por 7 espécies que compõe o complexo de Mycobacterium tuberculosis: M. tuberculosis, M. bovis (pode ser relevante em alguns locais – consumo de leite e derivados não pasteurizados ou não fervidos de rebanhos infectados -, com maior frequência da forma ganglionar e outras extrapulmonares), M. africanum, M. canetti, M. microti, M. pinnipedi e M. caprae. Mycobacterium tuberculosis → também conhecido como bacilo de Kock (BK). É um bacilo álcool-resistente (BAAR), aeróbio. EPIDEMIOLOGIA Entre as doenças com agente específico é a que causa o maior número de mortes, sendo 99% em regiões subdesenvolvidas. Segundo a OMS, os 22 países que apresentam maior incidência de tuberculose em 2013 são os que têm menor taxa de desenvolvimento socioeconômico. 2015: 10,4 milhões infectados → 1,4 evolui com óbito pela doença. Subnotificação: problema mundial. Índia, Indonésia, Nigéria, China, Paquistão e África do Sul: concentram 60% dos novos casos de TB. As Américas concentram 3% dos casos de TB mundialmente, e o Brasil lidera esse ranking com 33%. Dos casos de TB notificados em 2017, 77,8% foram testados para HIV, apresentando 9,5% de coinfecção. Afeta grupos sociais desfavorecidos, como pessoas em situação de pobreza e fome, pessoas privadas de liberdade, minorias étnicas (indígenas) e aidéticos. TRANSMISSÃO O M. tuberculosis é transmitido por via aérea, de uma a pessoa com TB pulmonar ou laríngea, que elimina bacilos no ambiente, a outra pessoa, por exalação de aerossóis oriundos da tosse, fala ou espirro. Bacilífero: pessoas com TB pulmonar ou laríngea com baciloscopia positiva no escarro. Essas pessoas têm maior capacidade de transmissão, mas também devemos nos atentar para pessoas com outros exames bacteriológicos (cultura, teste rápido molecular da tuberculose) que também podem transmitir. Pessoas com cultura de escarro negativa e as com tb extrapulmonar exclusivamente são desprovidas de infectividade. Transmissão: via respiratória, pela inalação de aerossóis produzidos pela tosse, fala ou espirro de um doente com TB ativa pulmonar ou laríngea; outras vias de transmissão, como pele e placenta, são raras e sem importância epidemiológica. As gotículas exaladas (gotículas de Pfluger) rapidamente tornam-se secas e transformam-se em particular menores (núcleos de Wells), os quais podem manter-se em suspensão no ar por muitas horas e são capazes de alcançar o alvéolo. Estima-se que uma pessoa com baciloscopia positiva infecte 10-15 pessoas em uma comunidade por ano. Além disso, a probabilidade de uma pessoa se infectar depende de fatores exógenos: infectividade do caso-fonte, a duração do contato e o tipo de ambiente partilhado. Risco de se infectar ≠ risco de adoecimento: o risco de se infectar depende de fatores exógenos supracitados; já o risco de adoecimento depende de fatores endógenos, relacionados a integridade do sistema imune. O maior risco de adoecimento por TB é em pessoas com infecção pelo HIV; além disso fatores como o tempo decorrido da infecção para o desenvolvimento (maior risco nos dois primeiros anos após a exposição) e idade menor que dois anos ou maior que 60 + doenças/tratamentos imunossupressores. FISIOPATOLOGIA As vias respiratórias são a principal porta de entrada do Mycobacterium tuberculosis, uma vez inalados, a maioria dos bacilos fixa-se na arvore brônquica. Partículas núcleos que se comportam como gases vencem essa barreira e localizam-se no trato respiratório inferior, especialmente no interior dos alvéolos onde, facilitadas por ambiente propício, com temperatura, umidade e aporte de substâncias nutrientes, multiplicam-se livremente, caracterizando a fase simbiótica ou de crescimento livre. O bacilo poderá ser eliminado por vários mecanismos mediados por uma complexa interação entre macrófagos, linfócitos e citocinas. Por seu lado, o M. tuberculosis desenvolve mecanismos de escape e defesa de maneira que possa romper a parede do fagossoma, crescendo livremente dentro do macrófago (parasitismo intracelular facultativo), inibir a fusão lisossomal e impedir novas fagocitoses. Um desses mecanismos estaria relacionado com a própria estrutura da parede bacteriana que produz substâncias que impedem a ligação do macrófago à bactéria. Se o macrófago alveolar não conseguir deter o microrganismo, por desconhecimento imunológico do bacilo ou depressão imunitária – definida pela resposta tuberculínica negativa –, haverá uma multiplicação bacilar com destruição celular e tecidual. Forma-se, então, uma resposta inespecífica com acúmulo local de polimorfos nucleares que fagocitam bacilos e, assim como chegam, retornam à corrente sanguínea com bacilos em seu interior estabelecendo uma disseminação hematogênica primária. A bactéria multiplica-selentamente, dividindo-se aproximadamente a cada 25 ou 32 horas dentro do macrófago. O bacilo cresce por 2 a 12 semanas, tempo esse suficiente para desencadear a resposta imunológica mediada por células e a hipersensibilidade do tipo retardada – conversão tuberculínica, detectada pela positividade do teste cutâneo. Em indivíduos com sistema imunológico íntegro, ocorre um acúmulo de células, formado por macrófagos e linfócitos T ativados, na região do parênquima pulmonar em que os bacilos se instalaram, compondo o granuloma, responsável por conter a disseminação da bactéria. PRIMÁRIA, SECUNDÁRIA OU MILIAR. TB primária ocorre após a infecção, é comum em crianças, adultos jovens e nos pacientes com condições imunossupressoras. TB secundária: quando o sistema imune é capaz de contê-la, pelo menos temporariamente; os bacilos podem permanecer latentes até a reativação; comum em adolescentes e adultos jovens; caracterizada pela distribuição assimétrica de lesões pulmonares, entre as quais destacam-se cavernas e fibrose. TB miliar: resulta da disseminação hematogênica maciça de bacilos; refere-se a um aspecto radiológico pulmonar específico, e pode ocorrer tanto na forma primária quanto secundária; é uma forma grave da doença, é mais comum em imunocomprometidos. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DE TUBERCULOSE PULMONAR Sintomas clássicos: tosse persistente seca ou produtiva, febre vespertina, sudorese noturna e emagrecimento – comum as três apresentações. TB PRIMÁRIA: Manifestações insidiosas, paciente irritado, febre baixa ou moderada (por 2 semanas ou mais), sudorese noturna e inapetência; nem sempre a tosse estará presente. Exame físico pode ser inexpressivo. Certoconjutivite flictenular e/ou eritema nodos, reumatismo de Poncet (artralgias locais ou generalizadas): embora raros, aumentam a suspeita diagnóstica. DIAGNÓSTICO O contato com adulto sintomático ou confirmado com TB pulmonar é a informação epidemiológica mais importante para suspeita diagnóstica. Radiografia: adenomegalia hilar e paratraqueal (pode ser de difícil visualização), mas quando se torna mais exuberante → “imagem de halteres”. A presença de bacilo no parênquima pulmonar promove a formação do granuloma (processo inflamatório granulomatoso), também conhecida como foco primário ou nódulo de Ghon (são focos de bacilos e podem evoluir para a cura, fibrose, calcificação ou para a doença. Complexo de Ranke: nódulo de Ghon + linfonodomegalias hilares. COMPLICAÇOES Linfonodos hilares e paratraqueais, quando volumosos, podem comprimir brônquios, causando atelectasias. Esses mesmo linfonodos, quando caseificados, podem provocar erosão da parede bronquial, com disseminação de bacilos: epituberculose. Pleuris tuberculoso: granuloma sofre erosão para a pleura. Disseminações mais intensas → tuberculose miliar. TB SECUNDÁRIA: Início insidioso, e marcado, quase sempre, por uma pneumonite do lobo superiordireito. Tosse seca ou produtiva (purulenta ou mucoide, com ou sem sangue); febre (< 38,5° C) vespertina e diária, sem calafrios, sudorese noturna, anorexia, adinamia; dor exacerbada pela tosse; Exame físico: fácies de doença crônica e emagrecimento, ↓MV, sopro anfórico ou normal; roncos, sibilos, estertores, Suspeitar em indivíduos com tosse e expectoração há mais de 3 semanas. DIAGNÓSTICO Coleta de escarro: baciloscopia direta (pesquisa de álcool-ácido resistente – BAAR, pelo método de Ziehl-Nielsen) Alterações de imagens semelhantes a forma primária, com predileção dos lobos superiores. Presença de granulomas coalescentes, as cavidades podem ser únicas ou múltiplas e suas paredes costumam ser espessas. Quando evoluem para estado estável pode haver adelgaçamento das paredes. TB MILIAR: Pode apresentar-se de forma aguda ou subaguda; febre, astenia, emagrecimento e tosse (80% dos casos); EF: hepatomegalia, alterações do SNC e alterações cutâneas do tipo eritemo-máculo- pápulo-vesiculosas (incomum). Afeta as meninges e sistema reticulo endotelial. Aguda disseminada: - Extrema gravidade, compromete diversos órgãos simultaneamente; - Pode se caracterizar por início súbito, febre alta, calafrios, prostração ou gradual com mal-estar, prostação, febre baixa e tosse frequente, taquipneia e tiragem intercostal. - Na ausculta: estertores subcreptantes e roncos difusos; - Os sintomas respiratórios podem ser discretos ou ausentes, contrastando com a imagem radiológica típica de infiltrado miliar em ambos os pulmões. - Pode haver hepatomegalia e esplenomegalia e em até 2/3 dos casos há envolvimento das meninges e sistema nervoso central. - Alta letalidade. Hematogênica crônica: - Mais frequentemente em idosos e adultos imunossuprimidos. - Início insidioso, febre baixa a moderada (ou até sem febre), apatia e emagrecimento → confunde-se com neoplasia. - Em pacientes mais jovens, o quadro clínico se assemelha mais ao da tuberculose miliar aguda; é raro, porém, o desenvolvimento de esplenomegalia. DIAGNÓSTICO Exames a solicitar se suspeita clínica de TB: radiografia de tórax, baciloscopia, cultura e teste rápido molecular. Todo paciente com diagnóstico de tuberculose deve ser testado para HIV. Em crianças devemos nos atentar pois o exame de baciloscopia costuma ser negativo, os sintomas são inespecíficos e não são capazes de expectorar, de forma geral → devemos procurar a tríade de redução de apetite, perda de peso e tosse crônica. EXAME HISTOPATOLÓGICO Se identificado granuloma com necrose caseosa é compatível com TB. BACILOSCOPIA DIRETA Pesquisa do bacilo álcool-ácido resistente – BAAR, pelo método de Ziehl, Nielsen. Detecta 60-80% dos casos de TB pulmonar em adultos. Indicações: - Sintomático respiratório, durante estratégia de busca ativa. - Em caso de suspeita clínica e/ou radiológica de TB pulmonar, independentemente do tempo de tosse. - Para acompanhamento e controle de cura. Deve ser realizada em duas amostras: uma por ocasião do primeiro contato com a pessoa que tosse e outra, independentemente do resultado da primeira, no dia seguinte, com coleta, preferencialmente, ao acordar. Baciloscopia positiva e quadro clínico compatível fecham o diagnóstico para TB e autorizam o início de tratamento. TESTE MOLECULAR RÁPIDO PARA TUBERCULOSE (TRM-TB, GENEXPERT) Indicado para o diagnóstico de tuberculose pulmonar e laríngea em adultos e adolescentes. Detecta DNA dos bacilos e cepas resistentes a rifampicina pela técnica de PCR. Dá resultado em duas horas e precisa apenas uma amostra de escarro, mas também podemos fazer escarro induzido, lavado broncoalveolar, lavado gástrico, líquor, gânglios linfáticos e outros tecidos (TB extrapulmonar). PROVA TUBERCULÍNICA (PPD) Baseia-se em uma reação de hipersensibilidade cutânea após a aplicação da tuberculina por via intradérmica, em que a leitura é realizada 48 a 72 horas após a aplicação, podendo estender-se até 96 horas. Detecta a forma latente da tuberculose. Indicada na investigação da forma latente em adultos e em crianças. CULTURA PARA MICOBACTÉRIA Elevada especificidade e sensibilidade. Nos casos de baciloscopia negativa, a cultura do escarro pode aumentar em até 30% o diagnóstico. Indicado em todo caso de suspeita de TB. COLETA, ARMAZENAMENTO E TRANSPORTE DAS AMOSTRAS DE ESCARRO Quantidade e qualidade da amostra: deve vir da arvore brônquica, após o esforço de tosse. O volume ideal é de 5-10 ml. Recipiente: potes de plástico descartáveis, com a boca larga, transparentes, com capacidade de 35—50 ml. A identificação (nome do paciente e data da coleta) deve ser feita no corpo do pote com esparadrapo e caneta permanente. Requisição de exame. Local da coleta: local aberto e condições adequadas de biossegurança. Momento da coleta e número de amostras: uma ou duas amostras. Quando em duas amostras, a primeira deve ser coletada no momento da consulta e a segunda no dia seguinte ao acordar. Orientação ao paciente: Conservação e transporte: enviadas e processadas no laboratório imediatamente após a coleta, podendo ser conservadas sob refrigeração no máximo por 7 dias. Refrigerar, proteger contra a luz solar e ter cuidado para não derramar. Procedimentos recomendados para coleta de escarro induzido: a técnica do escarro induzido, utilizando nebulizador ultrassônico e solução salina hipertônica (5 ml de nacl 3% a 5%), pode ser usada em pacientes com forte suspeita de tb pulmonar que não conseguem coletar uma amostra adequada de material proveniente da árvore brônquica. A solução de NaCl 3% é preparada da seguinte forma: 5 ml de soro fisiológico 0,9% + 0,5 ml de nacl 20%. a indução do escarro deve sempre ser realizada em condições adequadas de biossegurança e acompanhada por profissional capacitado. RADIOGRAFIA DE TÓRAX Pode revelar vários sinais sugestivos da doença: cavidade, nódulos, consolidações, massas, processo intersticial (miliar), derrame pleural e alargamento do mediastino. Deve ser solicitada em todo paciente com suspeita clínica de TB pulmonar. Deve ser realizada em PA e perfil. TOMOGRAFIA DE TÓRAX Indicada quando a radiografia inicial é normal, e na diferenciação de outras doenças, principalmente em imunocomprometidos. TRATAMENTO TB PULMONAR Esses medicamentos, em geral, interferem no sistema enzimático do bacilo ou bloqueiam a síntese de algum metabólito essencial para seu crescimento. O esquema de tratamento divide-se em duas fases: intensiva (ou de ataque) e de manutenção: - Intensiva (de ataque): tem como objetivo reduzir rapidamente a população de bacilos, gerando uma diminuição da contagiosidade → 2 meses - Manutenção: tem como objetivo eliminar os bacilos latentes ou persistentes → 4 meses. Existem alguns casos que devemos nos atentar, como: gestação (esquema básico + piridoxina 50mg/dia e monitorar atentamente); hepatopatias (o tratamento só deverá ser interrompido quando os valores das enzimas atingirem até cinco vezes o valor normal em pacientes sem sintomas digestivos, três vezes o valor normal, acompanhado de sintomas dispépticos, ou logo que a icterícia se manifeste), nefropatias, diabetes... ESQUEMA BÁSICO (>10 ANOS E ADULTOS) Reações adversas: náuseas, vômitos, epigrastralgia, suor/urina avermelhada, prurido e exantema leve, dor articular, neuropatia periférica, hiperureicemia, cefaleia, febre. Rifampicina: secreções alarajadas; Isoniazoda: neuropatia periférica → piridoxina 50mg/dia e monitorar atentamente. Etambutol: neurite óptica; ESQUEMA BÁSICO PARA CRIANÇAS (<10 ANOS) TB LATENTE ISONIAZIDA POR 6 MESES ACOMPANHAMENTO ABORDAGEM AOS CONTACTANTES Contato: toda pessoa que foi exposta ao caso índice ou caso fonte, no momento dadescoberta do caso de tuberculose. A avaliação está indicada quando o caso índice for: - TB pulmonar ou laríngea com exame de escarro positivo; - TB pulmonar, ainda que sem confirmação bacteriológica; - TB extrapulmonar e pVHIV com formas não infectantes e crianças, com objetivo de descobrir o caso fonte e interromper a cadeia de transmissão; REFERÊNCIAS 1. ROTINAS DE DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DAS DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS, WALTER TAVRES, 4° EDIÇÃO, 2015. 2. TÉCNICAS DE APLICAÇÃO E LEITURA DA PROVA TUBERCULÍNICA, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014. 3. MANUAL DE RECOMENDAÇÕES PARA O CONTROLE DA TUBERCULOSE NO BRASIL, 2° EDIÇÃO, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2018.
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