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PAULO CÉSAR DUARTE DE OLIVEIRA EDUCAÇÃO TEOLÓGICA INDIGENA NO CENTRO OESTE DO BRASIL Londrina 2006 PAULO CÉSAR DUARTE DE OLIVEIRA EDUCAÇÃO TEOLÓGICA INDÍGENA NO CENTRO OESTE DO BRASIL Dissertação apresentada em cumprimento às exigências do Curso de Mestrado em Divindade da Faculdade Teológica Sul Americana, sob a orientação do Prof. Dr. Marcos Orison. Londrina 2006 DEDICATÓRIA À minha querida esposa Quézia e aos meus filhos Jônatas e Míriam, Pelo amor e carinho que tenho recebido sempre e pelo encorajamento nos momentos mais difíceis. Sem vocês não conseguiria ter alcançado mais um degrau. AGRADECIMENTOS A Deus e ao nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo pelas vitórias e alegrias que nos outorgou neste tempo de estudos. Aos meus pais, incentivadores constantes do meu crescimento como estudante, dando-me conselhos e incentivo para buscar a primazia da sabedoria. À Faculdade Teológica Sul Americana (FTSA), por sua visão de preparar vidas para servir o Reino de Deus, entre as quais somos uma. Aos Professores e funcionários da FTSA que me acompanharam durante todo o meu curso e que demonstraram compreensão e carinho. Ao Prof. Dr. Luiz Wesley de Souza, o primeiro a caminhar comigo nessa pesquisa, ajudando- me no processo do projeto de pesquisa, tornando-se um suporte para os momentos que preci- sei de um conselheiro. Aos amigos Agnaldo Eufrázio Malaguti e Sueli Aparecida Silva que proveram o meu susten- to, ajudando-me em toda a caminhada acadêmica. Sem vocês, não conseguiria ter chegado ao final. Aos colegas de classe pelo exemplo, amizade e companheirismo em Cristo na luta para satisfazer as exigências próprias de uma época de estudos e pela solidariedade no processo acadêmico e espiritual que nos conduziu à vitória. Aos diretores e professores dos Institutos Bíblicos e colegas missionários da Sociedade Internacional de Lingüística que contribuiram com preciosas informações. Esse trabalho não seria o mesmo sem a contribuição de cada um de vocês. Ao Pr. Henrique Terena, por ter me apoiado desde o início, numa das nossas conversas informais no encontro do CONPLEI em Dourados – MS, em 2004. À Associação Lingüística Evangélica Missionária (ALEM), por compreender a necessidade e importância do preparo para o ministério e por me incentivar a continuar os estudos. Ao José Carlos Alcântara da Silva por ter, como diretor da ALEM, permitido minha saída da aldeia do Povo Tembé para continuação dos meus estudos. A Elisabeth Ferreira Vasconcelos de Andrade, colega de missão e doutoranda em Educação, que em nossas conversas informais sobre o tema me ajudou a entender um pouco sobre a pesquisa no campo da educação. Ao Isaac Costa de Souza pela revisão e correção do texto final e pelas preciosas sugestões. A Carlos Delmiro de Oliveira, meu pai, por ter me concedido auxílio financeiro necessário para ir ao Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, a fim de realizar pesquisa em alguns Institutos Bíblicos. Certamente isso não seria possível sem a sua ajuda. E ao professor Dr. Marcos Orison, que nos últimos meses, mesmo em meio a muitas mudanças na pós-graduação, ajudou-me com preciosas sugestões. RESUMO OLIVEIRA, Paulo César Duarte de. Educação Teológica no Centro Oeste do Brasil. Londrina, 2006. 79 p. (Dissertação do Mestrado em Divindade – Faculdade Teológica Sul Americana) Apresenta a história de aproximadamente três décadas, que diz respeito a dois Institutos Bí- blicos e um Centro de Treinamento Bíblico. O Instituto Bíblico Reverendo Felipe Landes e Cades Barnéia, no estado do Mato Grosso do Sul, localizados nas cidades de Dourados e A- quidauana, e o Centro de Treinamento Ami, no estado do Mato Grosso, localizado na Chapa- da dos Guimarães. Essas instituições estão voltadas para o preparo de líderes evangélicos indígenas e possuem indígenas em sua liderança e no quadro de docentes. A história apresen- tada nessa pesquisa começa em 1978. O caminho percorrido por estas escolas é o mesmo que os nossos Seminários e Faculdades Teológicas no Brasil, voltados para não indígenas. Expõe os principais componentes dessas instituições teológicas, sistematizando uma série de infor- mações nesse aspecto. Utiliza-se da pedagogia de Paulo Freire e da teologia da Missão Inte- gral como ferramentas teóricas para uma reflexão acerca da educação teológica indígena. Analisa os principais componentes tais como: objetivos, currículos, corpo discente e docente, levantando questões pertinentes a cada um desses tópicos. E finaliza apresentando cinco su- gestões, em formas de passos, a fim de ser mais prático, na busca de uma educação teológica relevante. Reconhece a necessidade de estudos futuros que abarquem outros aspectos não trabalhos aqui. Orientador: Dr. Marcos Orison ABSTRACT OLIVEIRA, Paulo César Duarte de. Theological Education in Middle-West Brazil. Londrina, 2006. 79 p. (Master Thesis on Divinity – South American Theological School) This thesis presents the history of approximately three decades concerning two Biblical Insti- tutes and one Bible Training Center. Respectively, the Biblical Institute Reverend Felipe Landes and Cades Barnéia located in the state of Mato Grosso do Sul in the cities of Doura- dos and Aquidauana, and the Ami Training Center in the state of Mato Grosso located in the Guimarães Plateau. These institutions aim at preparing evangelical indigenous leaders, and have indigenous leaders and docents. The history presented in this research begins in 1978. The path followed by these schools is the same as the one followed by our Seminars and Theological Colleges in Brazil, which aim at non-indigenous people. This paper presents the main components of these theological institutions, systematizing a series of information re- lated to this aspect. The pedagogy of Paulo Freire and the theology of Integral Mission are used here as theoretical tools for reflection on indigenous theological education. This re- search also analyses the institution’s main components, such as, goals, curriculums and do- cent body, raising questions pertinent to each of these topics. To conclude, the paper gives five suggestions divided into steps, to make it more practical, for the search of a relevant theological education. The need for further studies, which include other aspects not devel- oped here, is recognized. Supervisor: Dr. Marcos Orison SUMÁRIO INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 9 CAPÍTULO I. Educação Teológica Indígena no Centro Oeste do Brasil. ............................. 11 1.1. Um breve histórico.................................................................................................... 11 1.1.1. Instituto Bíblico Rev. Felipe Landes.............................................................. 12 1.1.2. Instituto Bíblico Cades Barnéia...................................................................... 13 1.1.3. Centro de Treinamento Ami........................................................................... 13 1.2. Os principais componentes......................................................................................... 14 1.2.1. Os objetivos iniciais dos Institutos.................................................................. 14 1.2.2. Os currículos.................................................................................................... 16 1.2.3. O corpo discente.............................................................................................. 20 1.2.4. O corpo docente...............................................................................................24 CAPÍTULO II. Educação Teológica Indígena: Necessidade ou Ministério?.......................... 27 2.1. A importância da formação de liderança indígena.................................................... 27 2.1.1. A edificação da Igreja...................................................................................... 29 2.1.2. A expansão do Reino de Deus......................................................................... 34 2.2. Um modelo pedagógico a partir de Paulo Freire....................................................... 40 2.2.1. O educando no seu contexto: o ponto de partida da educação........................ 41 2.2.2. O diálogo como eixo principal no espaço pedagógico.................................... 43 2.2.3. Educação “problematizadora” versus educação “bancária”............................ 47 2.2.4. O currículo: um projeto participativo.............................................................. 49 2.3. Missão Integral: parâmetros para uma educação teológica integral.......................... 50 2.3.1. A relevância do contexto................................................................................. 51 2.3.2. A natureza do ser humano............................................................................... 54 2.3.3. Igreja, Reino e Mundo..................................................................................... 56 CAPÍTULO III. Por uma educação teológica indígena relevante........................................... 60 3.1. Educação e Missão.................................................................................................... 60 3.1.1. Missão para com Deus.................................................................................... 62 3.1.2. Missão para consigo mesma........................................................................... 63 3.1.3. Missão para com o mundo.............................................................................. 65 3.1.4. Missão para com o estudante.......................................................................... 66 3.2. Revisão dos principais componentes dos IBIs e do Centro de Treinamento............ 67 3.2.1. Revisando os objetivos iniciais....................................................................... 67 3.2.2. Revisando os currículos.................................................................................. 70 3.2.3. Revisando o corpo discente............................................................................ 74 3.2.4. Revisando o corpo docente............................................................................. 78 3.3. Sugestões para uma educação teológica indígena relevante..................................... 79 3.3.1. Passo 1: Analisar o contexto sócio-cultural e histórico do(a) educando(a).... 80 3.3.2. Passo 2: Desenvolver uma educação dialógica e problematizadora............... 82 3.3.3. Passo 3: Conceber o(a) educando(a) como ser integral.................................. 84 3.3.4. Passo 4: Conceber a missão da igreja como integral...................................... 85 3.3.5. Passo 5: Desenvolver uma educação centralizada no Reino de Deus............ 87 CONCLUSÃO........................................................................................................................ 89 BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................... 93 TABELAS 1 Tabela 1: Disciplinas do 1º. Ano do Instituto Bíblico Reverendo Felipe Landes................. 16 2. Tabela 2: Disciplinas do 2º. Ano do Instituto Bíblico Reverendo Felipe Landes................ 17 3. Tabela 3: Disciplinas do 1º. Ano do Instituto Bíblico Cades Barnéia.................................. 17 4. Tabela 4: Disciplinas do 2º. Ano do Instituto Bíblico Cades Barnéia.................................. 17 5. Tabela 5: Disciplinas do 3º. Ano do Instituto Bíblico Cades Barnéia.................................. 18 6. Tabela 6: Disciplinas do 1º. Ano do Centro de Treinamento Ami....................................... 18 7. Tabela 7: Disciplinas do 2º. Ano do Centro de Treinamento Ami....................................... 19 8. Tabela 8: Disciplinas do 3º. Ano do centro de Treinamento Ami........................................ 19 ABREVIAÇÕES IBRFL: Instituto Bíblico Reverendo Felipe Landes IBCB: Instituto Bíblico Cades Barnéia CTA: Centro de Treinamento Ami MEU: Missão Evangélica Unida SAIM: South American Indian Mission UNIEDAS: União das Igrejas Evangélicas da América do Sul CONPLEI: Conselho Nacional de Pastores e Líderes Indígenas INTRODUÇÃO A partir da década de 70, inúmeras instituições teológicas começam a surgir no Brasil. Entre elas merece destaque as conhecidas como institutos bíblicos. Em alguns casos, os institutos bíblicos surgiram com o propósito de preparar evangelistas para áreas rurais e para evangelização de indígenas. Esta pesquisa focalizará sua atenção em institutos bíblicos que foram estruturados a partir de 1978, com a finalidade de formar líderes evangélicos indígenas que pudessem dar continuidade à grande comissão estabelecida por Jesus. O tema deste trabalho Educação Teológica Indígena no Centro Oeste do Brasil, ainda que pareça abrangente, compreende um estudo dos principais componentes dos Institutos Bíblicos Reverendo Felipe Landes e Cades Barnéia e do Centro de Treinamento Ami. Os dois primeiros ficam localizados no estado do Mato Grosso do Sul, nas cidade de Dourados e Aquidauana, respectivamente; o terceiro, localiza-se na Chapada dos Guimarães, estado do Mato Grosso. O objetivo desta pesquisa é sistematizar algumas informações acerca da história e dos principais componentes dessas instituições e a partir daí avaliar como se processa a educação teológica indígena. Como este trabalho abordará apenas um aspecto da educação teológica, isso aponta para a necessidade de estudos futuros em relação aos aspectos não abordados. A metodologia utilizada na obtenção dos dados em relação a estas instituições foi a pesquisa de campo, realizada por meio de um questionário e entrevistas gravadas com aproximadamente doze líderes ligados a essas escolas e mais cerca de oito missionários que trabalham com a tradução da bíblia para povos indígenas e que tiveram contato com alunos desses institutos bíblicos. Outras fontes utilizadas dizem respeito a folders, relatórios, notas pessoais e regimento interno das referidas instituições. O autor da pesquisa encontrou certas limitações na obtenção principalmente de informações sobre a fundação desses institutos 10 bíblicos, devido a falta de material escrito e de pessoal que pudesse descrever por meio da história oral este período inicial da vida da instituição. A dificuldade também é resultado do momento em que a pesquisa foi feita, que coincidiu com as férias dos líderes mais antigos. Também foi utilizado levantamento bibliográfico prévio para o desenvolvimento dos demais aspectos da pesquisa. Esta está organizada em três capítulos. No primeiro capítulo, será apresentada, de forma não muito extensa, a história das instiutições alvos desta pesquisa e em seguida os seus prinicipais componentes, tais como: os objetivos iniciais, os currículos, o corpo discente e docente. Neste capítulo veremos, por exemplo, quais foram os objetivos iniciais e quais os objetivos hoje; apresentaremos a proposta de grade curricular de cada uma das instituições; refletiremos acerca da origem do corpo discente, considerando questões como: Como são sustentados? Como são selecionados? Qual o percentual dos que retornam para aldeia? Abordaremos também o corpo docente, onde trataremos sobre questões como: Quem são os docentes? Em que áreas são preparados? E qual o desafio em relação a docência teológica? No segundo capítulo, trataremos inicialmente sobre a importância da formação de líderesindígenas. Veremos principalmente a importância e o papel desses líderes na vida e na missão da igreja emergente no contexto indígena. Ainda neste capítulo, será apresentado o referencial teórico a ser utilizado nesta pesquisa, com dois focos: um na pedagogia freireana e o outro na teologia da Missão Integral. Nesses focos serão buscado subsídios para refletirmos sobre a educação teológica indígena. No terceiro e último capítulo, será mostrada a relação entre educação teológia e a missão da igreja. Em seguida, será feita uma revisão dos principais componentes dessas instituições, apresentados no Capítulo 1. E, por fim, serão apresentadas, de forma didática, algumas sugestões com o objetivo de ajudar no desenvolvimento de educação teológica relevante. CAPÍTULO I EDUCAÇÃO TEOLÓGICA INDÍGENA NO CENTRO OESTE DO BRASIL Neste capítulo, será feita uma apresentação panorâmica dos Institutos Bíblicos Reverendo Felipe Landes, Cades Barnéia e do Centro de Treinamento Ami, descrevendo alguns dos seus principais componentes estruturais. Ver-se-á um pouco da história dessas instituições, quando foram fundadas e outras particularidades. Serão também descritos quais foram os objetivos iniciais e quais são os atuais objetivos de cada uma delas. Serão apresentadas as propostas curriculares de cada um desses institutos bíblicos e por fim será feita a apresentação dos corpos docente e discente. 1.1 Um breve histórico Desde 1978 até os dias atuais, várias escolas bíblicas surgiram no cenário brasileiro com o intuito de preparar liderança indígena evangélica. No site do Conselho Nacional de Pastores e Líderes Evangélicos Indígenas (CONPLEI)1 é possível encontrar o nome de algumas dessas instituições de ensino teológico. O presente trabalho destacará, numa visão panorâmica, apenas três delas: os institutos bíblicos Rev. Felipe Landes, Cades Barnéia e o Centro de Treinamento Ami. Os dois primeiros localizados no Mato Grosso do Sul e o último no Mato Grosso. A educação teológica indígena é resultado do trabalho de organizações missionárias que atuam junto aos povos indígenas. No caso dos institutos bíblicos Rev. Felipe Landes, Cades Barnéia e do Centro de Treinamento Ami, pelo menos quatro organizações – SAIM, MEU, UNIEDAS e Missão Caiuá – ajudaram em sua estruturação. Com exceção da MEU, que tem desenvolvido educação teológica em Porto Velho, no estado de Rondônia, percorrendo várias aldeias, essas organizações continuam envolvidas com os referidos institutos. 1 Ver o site http://www.conplei.org para maiores informações. 12 1.1.1 Instituto Bíblico Reverendo Felipe Landes Em 1978, exatamente quando a Missão Caiuá completava seus 50 anos de existência e ministério servindo a população indígena Kaiwá em Dourados, mais um sonho do Rev. Orlando e da dona Loide se concretizava: organizou-se o Instituto Bíblico Rev. Felipe Landes, em Dourados, no Mato Grosso do Sul. E, conforme as palavras do Rev. Gordon, dona Loide2 sempre afirmava: “Temos que ter evangelistas índios, temos que ter um instituto bíblico.” Um dos primeiros diretores desse instituto bíblico foi o pastor da Igreja Filadélfia3, em Dourados, e “durante quatro anos foram formados três indígenas: o sr. Guilherme, o sr. Xisto e o sr. Adalberto.” Em 1984, quando o Rev. Gordon chegou para ajudar no instituto bíblico, à convite de dona Loide, ele teve em sua primeira turma oito alunos não-indígenas. Então, conversando com a direção da Missão, ele disse: “Não vim aqui para fazer um instituto bíblico para “brancos”. Ou vocês arrumam índios ou vou embora.” E, segundo o Rev. Gordon, “uma campanha foi feita nas aldeias e conseguimos dezoito alunos indígenas.” Algum tempo depois, a direção da Missão Caiuá nomeou o Rev. Gordon como diretor do instituto bíblico. E “dois ou três anos depois, começou a ter uma seqüência de diretores brasileiros, com exceção de Mabel (Irlandesa). Alguns desses diretores foram: Mizael, Heitor, [...] Rev. Gerson (o último não indígena a desempenhar esse papel). Em 2005 foi nomeado um indígena como diretor do Felipe Landes: Jayson de Souza Morais (Tato).” Atualmente, as aulas desse instituto vão de terça até sexta-feira. O curso tem duração de dois anos, no qual ao final o aluno recebe um diploma de evangelista. 2 Rev. Orlando e Dona Loide foram líderes da Missão Caiuá por mais de 40 anos. No início do ministério, o Rev. Orlando foi o diretor e dona Loide vice-diretora; mais tarde, ela foi também administradora e chefe do hospital. (ver: TUCKER, Ruth A. “... E até aos confins da terra” – Uma História Biográfica das Missões Cristãs. Trad. Neyde Siqueira. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova. 1986, p.521-4). 3 Não há informação quanto ao nome deste primeiro diretor. No período da pesquisa, as pessoas com quem conversamos não lembravam o seu nome e boa parte da documentação desse instituto bíblico havia sido perdido. 13 1.1.2 Instituto Bíblico Cades Barnéia Em 1980, sob a inspiração da South America Indian Mission (SAIM), e parceria com a União das Igrejas Evangélicas da América do Sul (UNIEDAS) e com a Missão Evangélica Unida (MEU), nasce o Instituto Bíblico Cades Barnéia, que significa “lugar de decisão”. Atualmente, esse instituto bíblico é conhecido na região de Anastácio como Instituto Bíblico Água Azul. Essa instituição nasceu com o propósito de preparar biblica e teologicamente líderes evangélicos indígenas para o exercício do ministério cristão, seja na igreja local, na Missão UNIEDAS, no próprio IBCB ou ainda plantando igrejas em outras comunidades indígenas. Um aspecto dessa instituição que merece ser mencionado é que a mesma é dirigida por indígenas da etnia Terena. De fato, somente em 1981 é as aulas tiveram início no Cades Barnéia. A primeira turma formada era composta de “dezoito a vinte alunos, entre Terenas, Guaranis e alguns não indígenas da região.” Desde então, esse instituto vem sendo um instrumento para a capacitação teológica dos próprios indígenas. E, conforme afirma o pastor Josias Terena, “mais de nove etnias já estudaram no Instituto Bíblico Cades Barnéia. Tivemos aqui Nambiquara, Gavião, Suruí, Bakairi, Kadiwéu, Guarani, Pariri, Xavante e Terena.” Os alunos que concluem o curso acabam atendendo as necessidades das igrejas locais, ou vão desenvolver ministério em outras aldeias. O curso oferecido pelo Cades Barnéia é o curso médio em missões e tem a duração de três anos, divididos em dois semestres por ano. Sendo as aulas oferecidas de terça-feira até o sábado pela manhã. 1.1.3 Centro de Treinamento Ami Os missionários da South America Indian Mission (SAIM), ainda quando estavam no Mato Grosso do Sul, já pensavam na organização de um centro de treinamento que oferecesse 14 um curso bíblico de preparo transcultural, no estado do Mato Grosso, com o objetivo de alcançar a população indígena desta região. Sendo assim, em 1994 um grupo de pessoas, dentre elas: Daniel e Julia Snyder, Pr. Paulo e Edina, Reginaldo Sandro, Celso e Aldecir e, por fim, Doracir, dirigiram-se para a Chapada dos Guimarães. Lá havia uma propriedade comprada desde 1980 que estava à disposição de igrejas fundadas pela SAIM em Cuiabá. Como esta área não estava sendo utilizada pelas igrejas, esses missionários começaram os preparativos para o funcionamento do Centro de Treinamento. Assim, em março de 1995, na Chapada dos Guimarães, Mato Grosso, é organizado o Centro de Treinamento Ami. O nome Ami foi extraído do livro de Oséias, no Antigo Testamento, e é um vocábulo de origem hebraica que significa “meu povo”. A primeira turma era composta de alunos indígenas e não-indígenas. Mas, como nos outros Institutos Bíblicos vistos até aqui, o seu objetivo era principalmente o preparo de líderes evangélicos indígenas. O Ami oferece o curso bíblico depreparo transcultural com duração de três anos, sendo o ano letivo dividido em quatro bimestres, onde cada bimestres tem duração de seis semanas, tendo, entre um bimestre e outro, um período prático em área indígena. Além do curso bíblico, é oferecido um supletivo de no máximo dois anos, mas a maioria dos alunos conclui em um ano. Segundo os diretores do Ami, “Muitos vão passar pelo supletivo para aprender a ler e escrever em português.” 1.2 Os principais componentes 1.2.1 Os objetivos iniciais dos Institutos De acordo com depoimentos de líderes desses institutos bíblicos, pode-se constatar que tais instituições nasceram com o objetivo de preparar líderes (mão-de-obra) autóctones para o ministério na igreja emergente e para a expansão do evangelho entre os povos 15 indígenas. Um exemplo disso é percebido na afirmação que encontramos em documento do Instituto Bíblico Reverendo Felipe Landes, da Missão Caiuá, que diz: “O Instituto bíblico foi fundado com o objetivo de formar evangelistas índios para auxiliar nos trabalhos existentes e para abertura de novos campos em aldeias onde o ingresso de não indígena é proibido ou inviável” (grifo nosso).4 E ainda no portal geral da Igreja Presbiteriana do Brasil, encontramos a seguinte afirmação: “A Missão Evangélica Caiuá, ainda mantém um Instituto Bíblico para formação de obreiros indígenas, com o intuito de que o próprio índio cumpra a missão da evangelização entre o seu povo.”5 Tal visão permanece ainda hoje: preparar os próprios indígenas para a tarefa da evangelização. Quanto ao Instituto Bíblico Cades Barnéia, os objetivos foram os mesmos preconizado pela Missão Caiuá. O pastor Josias Terena, membro da Missão UNIEDAS e atual diretor do dessa instituição, afirma: “O objetivo principal do Instituto Bíblico Cades Barnéia sempre foi preparar o índio para o trabalho missionário e é nosso objetivo ainda hoje preparar o índio para evangelizar o próprio índio.” Além disso, acrescenta: “nossos ex-alunos, que agora são missionários, têm trabalhado em sua própria comunidade ou em outra, e isso é gratificante.” A trajetória do Instituto Bíblico Ami, não difere muito do que vimos até aqui em relação aos outros. Seu objetivo inicial foi expresso por alguns professores da seguinte maneira: Desde o início, o alvo principal era o de fazer discípulos. A educação e o atendimento das necessidades na área de saúde para as tribos nessa região era um forma de fazer isso. O alcance das tribos com o evangelho sempre foi nosso primeiro alvo. O curso bíblico e as atividades na parte da tarde é só uma forma de alcançar o alvo de fazer discípulos. A esperança é que os alunos que saiam daqui façam discípulos em suas aldeias. [...] fortalecendo as igrejas onde eles estiverem (grifo nosso). 4 Folder do Instituto Bíblico Rev. Felipe Landes. 5 Portal da Igreja Presbiteriana do Brasil: http://www.ipb.org.br/missoes/mec.php3, extraído em 25/02/2006. 16 Em outro documento se diz que o Centro de Treinamento Ami foi fundado “visando o preparo de obreiros indígenas e todos aqueles que recebem o chamado específico para o trabalho transcultural” (grifo nosso).6 O que se observa nessas três instituições de ensino teológico, seja preparando evangelistas, missionários ou discípulos, é a preocupação com o preparo de líderes indígenas que possam atender as necessidades da igreja local e ao mesmo tempo contribuir com a expansão do evangelho. A visão comum encontrada no discurso oral ou escrito dos dois desses institutos bíblicos é a de preparar vocacionados para o ministério.7 Já no Ami não há tanto rigor. Uma vez que seu objetivo é formar discípulos, o aluno é aceito mesmo que não seja convertido. O pastor Henrique Terena afirma: “O nosso alvo é fazer discípulos. Muitos alunos que chegam aqui não são convertidos e muitos deles tomam aqui a decisão de seguir a Jesus.”8 1.2.2 Os currículos Como os institutos bíblicos mencionados até aqui foram fundados por organizações missionárias estrangeiras e nacionais9 com a visião de formar liderança autóctone para a igreja local e para o trabalho missionário junto aos povos indígenas do Brasil, o currículo adotado inicialmente acabou sendo basicamente o que já existia em nossos institutos bíblicos ou seminários não indígenas, com pouca ou nenhuma adaptação. No entanto, o mesmo veio a passar gradativamente por mudanças nos anos seguintes. Várias questões na área do currículo podem ser levantadas. Porém, uma questão fundamental que será ressaltada nesse ponto é: quem determina ou elabora o currículo? 6 Folder de divulgação do Instituto Bíblico Ami. 7 Refiro-me ao Instituto Bíblico Rev. Felipe Landes e ao Cades Barnéia, uma vez que a terceira instituição em apreço é um centro de treinamento. 8 Entrevista com Henrique Dias Terena, professor, membro da diretoria do Ami e atual presidente do Conselho Nacional de Pastores e Líderes Evangélicos Indígenas (CONPLEI), concedida em 07/06/06. 9 A organização nacional, nesse caso, é a Missão Caiuá, que, mesmo tendo sido organizada por missionários estrangeiros, foi dirigida a partir de 1943 por missionários brasileiros e não há dúvida sobre sua nacionalização. 17 No caso do Instituto Bíblico Rev. Felipe Landes, a grade curricular adotada foi a do Instituto Bíblico Eduardo Lane (IBEL), como é possível observar nas palavras do Rev. Benjamim quando afirma: “inicialmente ele foi estruturado, seguindo o modelo do Instituto Bíblico Eduardo Lane (IBEL), depois, com o passar do tempo, esta estrutura foi se adaptando, especialmente a grade curricular.” Nos primeiros anos, diz o Rev. Gordon: “O nível das disciplinas era muito alto, a cada ano nós procuramos baixar o nível das disciplinas para que os alunos pudessem absolver. Não precisa mudar o currículo, talvez o professor devesse modificar o conteúdo ao nível dos alunos. O currículo está dando o básico para o evangelista sair preparado para servir a igreja.” Em relação ainda ao currículo, o Rev. Matoso acrescenta: “O currículo é definido pelo conselho diretor que o apresenta a Assembléia da Missão Caiuá para aprovação ou não.” O Instituto Bíblico tem em sua grade curricular10 de 37 disciplinas, distribuídas num período de quatro semestres, podendo, assim, ser concluída em dois anos. Tabela 1 Disciplinas do 1º. Ano do Instituto Bíblico Rev. Felipe Landes 1º. Semestre 2º. Semestre Doutrina Doutrina Panorama do VT Panorama do VT Educação Cristã Educação Cristã Português Português Música Homilética Saúde e Nutrição Levítico e Hebreus Hermenêutica História da Igreja História da Igreja Tabernáculo Evangelismo e Discipulado Livros Poéticos Práticas Manuais 10 A grade curricular apresentada se encontra no documento com o título Regimento Interno e Grade Curricular do Instituto. Conforme o Rev. Matoso, já foi feita uma proposta para mudança de algumas disciplinas (22/02/2006). 18 Tabela 2 Disciplinas do 2º. Ano do Institutot Bíblico Rev. Felipe Landes 1º. Semestre 2º. Semestre Doutrina Doutrina Panorama do NT Panorama do NT Educação Cristã Educação Cristã Português Português Harmonia dos Evangelhos Música Evangelismo e Discipulado Prática de Evangelismo e Discipulado Seitas e Heresias Vida Crsitã e Aconselhamento Missões Administração Eclesiástica Homilética Missões Indígenas No Cades Barnéia, o currículo foi elaborado pela missão indígena UNIEDAS e outros missionários que atuavam naquela região. E desde o início de suas aulas em 1981 até hoje, tem sido mantido o mesmo currículo, com poucas mudanças. O pastor Josias Terena afirma que: “Desde o início mantemos o mesmo currículo, tem alguma mudança, mas não é muita coisa, às vezes queremos atualizar um pouco”. A grade curricular apresenta 50 disciplinas distribuídas sistematicamenteem seis semestres, ou seja, pode ser concluída em três anos. Tabela 3 Disciplinas do 1º. Ano do Instituto Bíblico Cades Barnéia 1º. Semestre 2º. Semestre Visão Geral da Bíblia Doutrina Homem/pecado/salvação Doutrina da Bíblia Evangelho de João Orientação Cristã Lar Cristão Gênesis/Êxodo Números/Deuteronômio/Josué Áudio Visual Metódos de Estudo I Sinóticos Antropologia /Missiologia Prevenção/Doenças Primeiros Socorros Coral Música/Regência Tabela 4 Disciplinas do 2º. Ano do Instituto Bíblico Cades Barnéia 1º. Semestre 2º. Semestre Doutrina Deus/Cristo/Espírito Santo Doutrina da Igreja Juízes/Rute/Samuel/Reis Esdras/ Neemias/ Ester 19 Atos dos Apóstolos Romanos/Tiago Evangelismo Efésios/Colossenses João/Pedro/Judas História do Cristianismo Pedagogia Cristã Homilética I Métodos de Estudo II Guerra Espiritual Introdução a tradução Primeiros Socorros Coral Coral Tabela 5 Disciplinas do 3º. Ano do Instituto Bíblico Cades Barnéia 1º. Semestre 2º. Semestre Doutrina das Últimas Coisas Profetas Menores Isaías/Jeremias I, II Tessalonicenses/ II Timóteo I Timóteo/Tito I, II Coríntios Daniel/Apocalipse Levíticos/Hebreus Liderança Cristã Missões Bíblia e Cultura Indígena Aconselhamento Pastoral Doutrina dos Anjos Princípio de Ensino Coral Doutrina Escatologia No Ami, a experiência não foi diferente. O currículo foi elaborado por “missionários da SAIM com a participação ativa dos professores do Ami, tanto brasileiros como indígenas. E várias adaptações já foram feitas para chegar a atual grade curricular.” A atual proposta curricular que o Ami oferece é composta de 51 disciplinas, que podem ser concluídas dentro de um período de três anos, distribuídas em seis semestres, sendo cada semestre constituído de dois “bimestres com duração de seis semanas cada”. E além das disciplinas oferecidas em sala de aula, os alunos do Ami desenvolvem tarefas nas áreas de: “carpintaria, oficina, horticultura, enfermagem, construção e datilografia”. Tabela 6 Disciplinas do 1º. Ano do Centro de Treinamento Ami 1º. Semestre 2º. Semestre Português I Português II A Bíblia Visão da Bíblia Lar Cristão Mateus e os Evangelhos Orientação Cristã Números a Josué Áudio Visual Evangelho de João Prevenção/Doenças Métodos de Estudo 20 Corpo Humano/Nutrição Guerra Espiritual Gênesis/Êxodo Primeiros Socorros Música Tabela 7 Disciplinas do 2º. Ano do Centro de Treinamento Ami 1º. Semestre 2º. Semestre Português III Português IV Juízes/2Reis Homem/pecado/salvação Introdução a Tradução Homilética I Atos História Cristã Métodos de Estudar a Bíblia Romanos/Tiago I João a Judas Efésios a Colossenses Pré-Evangelismo Esdras a Ester Anatomia/Fisiologia/Patologia Anatomia/Fisiologia/Patologia 2 Oração Tabela 8 Disciplinas do 3º. Ano do Centro de Treinamento Ami 1º. Semestre 2º. Semestre Português V Português VI Doutrina Deus/Cristo/Espírito Santo Igreja e Missões I Timóteo/Tito Aconselhamento Pastoral Farmacologia Profetas Menores Liderança Cristã Isaías/Jeremias Antropologia Levíticos/Hebreus I, II Coríntios Princípio de Ensino Livros Poéticos I, II Tessalonicenses/Escatologia Daniel/Apocalipse É possível constatar os seguintes grupos de disciplinas em comum nas três grades curriculares: doutrinárias, analíticas (estudo de livros e epístolas), históricas e práticas. 1.2.3 O corpo discente Qual a origem dos alunos? Como são selecionados? Como são sustentados? Qual o percentual dos que retornam para as aldeias? Em que língua os alunos estudam? Essas são algumas questões relevantes que trataremos agora, procurando respondê-las. 21 Segundo os líderes desses institutos bíblicos, os alunos procedem de diferentes aldeias. Mas, vale ressaltar que essas instituições já receberam e formaram alunos não-indígenas. No Instituto Bíblico Rev. Felipe Landes, basicamente os alunos representaram quatro etnias: Terena, Guarani, Kaiwá e Xavante. No Cades Barnéia, o pastor Josias Terena garante que desde o início já passaram o nove etnias: “Nambiquara, Gavião, Suruí, Bakairi, Kadiwéu, Guarani, Pariri, Xavante e Terena”. No Centro de Treinamento Ami, houve um número bem maior de etnias estudando a palavra de Deus, “foram cerca de 25 povos representados, sendo uma média de 12 a 15 por ano”. Algumas das etnias que já passaram por essa escola bíblica são: “Jarawara, Ka’apor, Tikuna, Aikanã, Tupari, Parintintin, Suruí, Parecis, Guajajara, Paumari, Nambiquara, Bakairi, Mamaindé, Karitiana, Xavante, Terena”.11 Os critérios de seleção do aluno são basicamente os mesmos: ser indicado pela igreja local, por missionário ou conselho, preencher um formulário de matrícula e uma avaliação junto ao conselho diretor do instituto. De acrodo com o Rev. Benjamim: Em cada aldeia onde há vocacionado para fazer o instituto e depois atuar como missionário, ele passa por uma avaliação da igreja local ou conselho, para saber se a pessoa está apta, e se realmente é aquilo que ela quer. Depois é preciso preencher vários requisitos do instituto bíblico e isso é feito através de uma avaliação com o conselho diretor do instituto, que é formado pelo diretor, coordenadora pedagógica, um representante dos professores e um representante dos alunos. Nas palavras do pastor Josias Terena, a carta de apresentação traz informação quanto a participação ativa do(a) candidato(a) em sua igreja local e também informa se ele(a) é um vocacionado(a) ou não. No nosso caso Terena, o candidato vem com uma carta de informação assinada pelo pastor de sua igreja local. No caso dos Xavantes, eles precisam trazer uma carta assinada pelo cacique, missionário ou pastor da igreja local. A carta serve para trazer uma informação se ele está sendo um membro ativo em sua igreja e se ele tem essa vocação para ser um missionário. Em relação aos alunos que pretendem ingressar no curso bíblico do Ami, a carta de recomendação pode ser da igreja, se já existe igreja na aldeia, do(a) missionário(a) que trabalha com o povo, da própria comunidade ou mesmo dos pais, que assumem a 11 Ken Lake. Relatório 2003-2004 e 2004-2005. 22 responsabilidade pelo envio do candidato. Snyder declara: “Nós requeremos uma carta do pastor ou da comunidade.” Se não houver igreja pode ser carta: “da comunidade ou do(a) missionário(a).” E ainda foi declarado que “os missionários normalmente indicam. Às vezes tem pastor ou alguém da aldeia que indica. Mas alguns simplesmente chegam”. O que se observa em relação ao sustento dos alunos desses institutos é que suas igrejas ou outras igrejas colaboram financeiramente de alguma maneira para sua manutenção. Segundo o Rev. Benjamim, da Missão Kaiwá: “A Missão tem levantado junto a igrejas e mantenedores o sustento dos alunos, de tal maneira que o próprio aluno não se sinta impedido de vir por causa do sustento. Ao ser aceito um aluno, nós o apresentamos a uma ou mais igrejas para que seja adotado como filho da igreja, para estar orando por ele e o sustentando financeiramente”. Em relação ao sustento dos alunos no Cades Barnéia, o pastor Josias Terena afirma: O IBCB estipulou um valor mensal, mas, infelizmente, nossos alunos que vêm das aldeias não têm condições de pagar suas mensalidades. Nós cobramos R$ 80,00 por alunos solteiros e R$ 150,00 por alunos casados. Mas, infelizmente, eles não têm condições. O que temos feito, então, é que a própria igreja da qual ele é membro é que o mantém aqui com suas contribuições de gênero alimentício. No Ami, o aluno é ensinado a ter responsabilidade quanto ao seu sustento e, portanto, quando deixa de pagar algumas mensalidades, ele retorna para aldeia a fim de levantar o que é necessário para sua manutenção. A mensalidade no Ami é de meio salário mínimo por pessoa. “A escola dá um desconto se o sustento vier da aldeia, mas, todos têm que pagar”. E ainda em um documento, encontramos a seguinteafirmação em relação à mensalidade: “pode ser paga por ele mesmo em dinheiro, em gêneros alimentícios ou em trabalho além do horário de serviço da escola”. Em cada uma dessas escolas bíblicas, é exigido do aluno um período prático, ou seja, um tempo de estágio. Quanto a esse tempo de estágio, o Rev. Benjamim afirma: Aqui, por está perto da aldeia, nós temos, todo final de semana, atividades nos trabalhos locais. Nós temos uma aldeia onde, há quatro anos, eles mesmos (os alunos) abriram um trabalho. Eles vão no domingo pela manhã e retornam à tarde. E 23 há os meses de férias. Além disso, em julho eles têm quinze dias de estágios supervisionados e no final do ano mais um mês de estágio. São um mês e meio de estágio, além dos finais de semana (grifo nosso). No Cades Barnéia, diz o pastor Josias Terena: Nós oferecemos num semestre três ministérios onde os alunos vão colocar em prática o que eles têm aprendido. A própria escola já oferece um treinamento prático para os alunos [...], nas igrejas indígenas da região. [...] Como nós temos esse trabalho em outras tribos, o tempo é de quinze a vinte dias. Quando temos atividade aqui em nossa região é de três dias, geralmente um final de semana, sexta, sábado e domingo. Julho é férias onde os alunos podem retornar para suas aldeias. Os Alunos no Ami também desenvolvem um período de estágio. “O ministério e parte da tarde são áreas em que o aluno pode pôr em prática aquilo que está aprendendo em sala de aula”. Nos meses de férias também é um tempo propício para o aluno desenvolver o que aprendeu na escola bíblica, colocando em prática no convívio em sua aldeia e sua igreja. Um outro ponto crucial em relação aos alunos, diz respeito ao percentual de formandos que não retornam para aldeia ao concluir o curso. Esse percentual é baixo, entre cerca de 10% no Instituto Bíblico Rev. Felipe Landes e aproximadamente 5% no Centro de Treinamento Ami. Já no Instituto Bíblico Cades Barnéia, o pastor Josias Terena não informou o percentual dos que não retornam, mas sua afirmação indica que mais da metade dos alunos formados estão no ministério, seja na aldeia ou não: “Eu acredito que deve ter 60% que hoje são pastores e missionários. Porque hoje, inclusive, nossa diretoria da Missão Indígena UNIEDAS e mais a diretoria do IBCB foram ex-alunos daqui do IBCB e que hoje estão exercendo função importante dentro da Missão, dentro da obra de Deus”. Porém, ainda que os percentuais dos que retornam para suas aldeias seja alto, isso não significa que estejam desenvolvendo algum ministério na igreja local, principalmente como pastor ou qualquer outro cargo de liderança, pois, em alguns casos, os alunos não estão na idade apropriada para exercerem autoridade sobre os mais velhos. E, por fim, vale ressaltar que geralmente alguns alunos chegam ao instituto bíblico sem nenhum conhecimento da língua portuguesa, no sentido de ler e escrever, mesmo 24 possuindo certo grau de bilingüismo oral. Por esta razão, muitos precisam primeiro aprender a ler e a escrever em português – e isso pode durar de um a dois anos, dependendo do grau de dificuldade que o aluno encontra no aprendizado da língua. Depois de superada esta etapa é que o aluno pode ingressar no curso bíblico. A realidade é diferente entre os institutos bíblicos quanto ao processo de ensino- aprendizagem desenvolver-se em língua portuguesa. No Instituto Bíblico Rev. Felipe Landes, diz o Rev. Benjamim: “No nosso caso aqui, 70% são bilíngües e, portanto, não apresentam problemas com relação a isso (língua portuguesa – observação nossa). Nós percebemos que o homem às vezes é bilíngüe, mas, a esposa tem dificuldade”. No contexto do Cades Barnéia, o pastor Josias Terena afirma: “Para nós Terenas, não temos tido essa dificuldade, mas, para os que vêm de outras etnias, de outras tribos, já tem a dificuldade. Os Xavantes enfrentam uma dificuldade maior, porque falam muito pouco e lêem pouco português”. No Centro de Treinamento Ami, como já mencionado anteriormente, é oferecido um supletivo para atender a essa necessidade do aluno. Este curso tem duração de um a dois anos, porém muitos conseguem concluir dentro do período de um ano. 1.2.4. O corpo docente Quem são os professores(as)? Em que áreas são preparados(as)? E qual o desafio em relação ao corpo docente? A questão que envolve a docência teológica, ainda hoje, é um assunto na pauta das agendas das instituições de ensino teológico no Brasil. Essa temática não deixa de ser relevante em relação às instituições que constituem o universo desta pesquisa. Os professores que compõe o quadro de docentes dessas instituições, que abordamos até aqui, são estrangeiros de várias nacionalidades, brasileiros não-indígenas e indígenas. Normalmente, esses professores são os missionários que pertencem às organizações missionárias que fundaram o instituto bíblico ou o centro de treinamento. Também podem ser 25 pastores ou professores de seminários da região próxima a essas escolas, ou ainda líderes e pastores indígenas. O Rev. Benjamim (Felipe Landes) considera como desafio da educação teológica indígena o preparo de docentes indígenas. E em relação a isso, ele afirma: “Em nosso caso, nós estamos distantes de termos professores capacitados para ministrar, porque a visão que se tem da bíblia [...] é aquilo que foi dado no instituto bíblico [...]. Nós precisamos preparar melhor os professores indígenas. É uma caminhada que vai demorar um bom tempo, mas é um desafio”. O corpo docente desse instituto bíblico sempre foi formado por missionários(as) e pastores, tanto estrangeiros como brasileiros. O pastor Josias Terena (Cades Barnéia) também aponta como desafio da educação teológica indígena a formação de professores indígenas. Em seu discurso, ele afirma: “A falta de professores para [...] o povo indígena, [...] essa tem sido uma grande dificuldade que temos tido aqui. O que nós queremos é aperfeiçoar o ensino teológico do povo indígena, para ser nosso próprio professor aqui no instituto”. No Cades Barnéia, há oito professores, dos quais quatro são índios Terena e os demais são não-indígenas pastores e professores de seminários da região. De acordo com o pastor Josias Terena, esses professores: “Têm formação na área teológica, são bacharéis em teologia em sua grande maioria. Mas alguns têm formação na área de educação, saúde e etc.” No contexto do Ami, o corpo docente é composto de vinte professores, sendo “dez estrangeiros, cinco brasileiros não-indígenas e seis indígenas”. A formação da maioria desses professores compreende as seguintes áreas de formação: “Bacharel em Teologia, Mestrado em Missiologia, Doutorado em Ministério e Pedagogia”. Weidt aponta para a importância de um corpo docente diversificado, tanto em relação à origem cultural quanto ao nível acadêmico. Ele afirma: “Minha sugestão para os cursos de treinamento de líderes é então que diversos professores de diversas culturas e níveis 26 acadêmicos contribuam no ensino. Creio que um corpo docente formado de professores indígenas, brasileiros e estrangeiros tem a maior chance de passar o conteúdo de uma forma integral”.12 12 Friedrich Manfred WEIDT, O povo Guarani-Mbyá no Sul do Brasil: Contextualização e Práxis Evangélica, p.148. CAPÍTULO II EDUCAÇÃO TEOLÓGICA INDÍGENA: NECESSIDADE OU MINISTÉRIO? Nesse segundo capítulo, abordaremos a questão da importância da formação de liderança indígena e apresentaremos o referencial de ação pedagógica baseado nas contribuições de Paulo Freire e da Missão Integral da Igreja. 2.1 A importância da formação de liderança indígena Deus confiou à sua Igreja, ou seja, ao seu povo, e isso inclui a igreja evangélica emergente no contexto indígena, a responsabilidade de dar continuidade ao ministério de Cristo. A Igreja é o corpo de Cristo e seus líderese pastores “devem compreender que o poder que lhes foi dado deve ser usado de forma a dar continuidade à práxis pastoral de Jesus.”1 Esse chamado, como é demonstrado na doutrina do sacerdócio universal de todos os crentes, é responsabilidade de toda igreja, de todo laos Theou (povo de Deus), quer seja clero ou leigo. E segundo Lutero, não cabe distinção entre clero e leigo2. A todo membro do corpo de Cristo, deve ser ensinado sua responsabilidade3 sacerdotal em relação aos demais, pois, afinal, a missão da Igreja é composta de todos. Mas, embora todos sejam considerados sacerdotes, “Jesus deu à Igreja alguns homens para pastoreá-la, para serem guias, homens que deviam ajudar a todos, sendo eles mesmos modelos para o rebanho até a sua volta triunfal.” (grifo nosso)4 Pastores, presbíteros, diáconos e demais líderes da igreja local são constituídos por Deus com o propósito de equipar e capacitar todos os santos (Ef. 4.12) para o cumprimento de sua missão. Costa afirma que: “A eleição feita pela igreja deve ser vista como reconhecimento 1 Cornélio Póvoa de OLIVEIRA, O poder pastoral, p. 66. 2 Timothy GEORGE, Teologia dos Reformadores, p. 96-98. 3 De acordo com Habin, tal responsabilidade: “compreende o seu ministrar mesmo enquanto recebe a ministração de outros. Cada um deve interceder pelo outro e ensinar ao outro, até corrigindo quando for necessário. “ Christopher B. HARBIN, Ecleiologia: O Reinar de Deus na Terra, p. 12. 4 Cornélio Póvoa de OLIVEIRA, op. cit, p. 66. 28 público e evidência de que os referidos oficiais foram escolhidos, vocacionados e capacitados por Deus para determinado ofício.”5 E ainda Harbin acrescenta: “A igreja pode convocar indivíduos para funções especiais, mas tal convocação não elimina a responsabilidade dos demais.”6 A esse respeito, o missiólogo Charles Van Engen afirma: “A pessoa ordenada [...] não é mais chamada para o ministério que qualquer outra pessoa; ao contrário, é designada para capacitar cada membro no ministério.”7 A responsabilidade desses líderes é, portanto, capacitar e preparar o povo de Deus para o cumprimento de sua missão no mundo. E em relação a essa missão, diz Harbin: “Existe um duplo enfoque da missão em seu relacionamento com o reinar de Deus: a missão tem aspecto interior – aplicação pessoal do ensino e da vida do reinar de Deus; e o seu aspecto exterior – o levar a mensagem do reinar de Deus aos demais.”8 E quanto a esses dois aspectos9, vale ressaltar que eles não são excludentes, um não existe em detrimento do outro e, sim, são complementares. Assim, observando a vida e o ministério do apóstolo Paulo, constata-se que ele entendia que edificar a igreja significava tanto o fortalecimento dos crentes (Ef. 4.11-12) quanto à expansão do Reino de Deus (Rm 15.20). Portanto, diante de tão grande responsabilidade, cremos que a liderança evangélica indígena precisa ser bem treinada e instruída para que possa fortalecer a Igreja em sua caminhada, enfrentando os desafios próprios de sua situação sócio-cultural e lingüística, com vistas à expansão do Reino de Deus. A seguir refletiremos sobre a ação pastoral ad intra e ad extra, ou seja, respectivamente ação pastoral voltada para dentro e para fora da igreja. 5 Hermisten Maia Pereira da COSTA, Vocação e Ordenação: definições e razões, p. 7-9. 6 Christopher B. HARBIN, op. cit, p. 12. 7 Charles Van. ENGEN, Povo Missionário, Povo de Deus: por uma redefinição do papel da igreja local, p. 202. 8 Christopher B.HARBIN, op. cit, p. 9. 9 O alvo da missão da igreja, seja em sua dimensão interna ou externa é glorificar a Deus e isso aponta para um terceira dimensão da missão da igreja, que é de acordo com alguns estudiosos a missão para com Deus. 29 2.1.1 A edificação da Igreja A igreja evangélica indígena é uma realidade no cenário evangélico brasileiro. E, à semelhança da igreja no contexto secular urbano, ela não está isenta de problemas e desafios. O contexto secular indígena, ainda que distinto do urbano, apresenta inúmeros desafios para igreja evangélica emergente. Alguns são os já consagrados nos escritos missiológicos: a pobreza, a violência, a droga, o alcoolismo etc. Outros incluem a identidade cristã do indígena. E diante da grande complexidade de desafios que se abre ao trabalho missionário e ministerial dessas igrejas, é necessário que os seus líderes e pastores se tornem aptos para capacitar o povo de Deus para o serviço cristão, a fim de construir ou edificar o corpo de Cristo. Nessa caminhada, o papel dos pastores e líderes é bem descrito nas Escrituras. Pedro em sua primeira epístola faz a seguinte exortação: “Rogo, pois, aos presbíteros que há entre vós, eu, presbítero como eles, [...] pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós.”10 Essa clássica exortação do apóstolo Pedro aponta para o cuidado com o rebanho de Deus, como o foco da ação pastoral. O cuidado desse rebanho requer uma supervisão diligente e uma vigilância atenta. Quanto a essa exortação de Pedro, Oliveira afirma: “A idéia de pastorear está ligada ao trabalho do pastor de ovelhas. Isso significa que o apóstolo Pedro está dizendo aos presbíteros que eles deveriam alimentar o rebanho de Deus e protegê-lo dos inimigos que querem destruir sua fé.”11 O rebanho de Deus é alimentado pelo ensino e pela pregação das Escrituras e dessa forma a Igreja é edificada e se expande. E ainda ela é capaz de fazer frente aos seus inimigos e aos falsos ensinamentos. Paulo, além de ter plena convicção de que Deus o chamara para edificar sua Igreja, entendia que a edificação, tanto no sentido de fortalecimento quanto no de expansão, se daria pela proclamação da Palavra de Deus. 10 BÍBLIA de Estudo de Genebra. 11 Cornélio Póvoa de OLIVEIRA, op. cit, p. 56. 30 Ao escrever a igreja de Corinto, ele diz: “Eu, irmãos, quando fui ter convosco [...] decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado [...] a minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder.” (1 Co 2.1-4)12 Sendo Paulo, um dos homem mais sábio de sua época, e que poderia ter falado sobre qualquer outra coisa, tomou a redenção em Jesus Cristo como tema de sua proclamação. Isso mostra que, no ministério do apóstolo Paulo, o método usado era sempre o da exposição da palavra de Deus para edificação do corpo de Cristo em suas duas dimensões, tanto no seu fortalecimento quanto na sua expansão. Assim, escrevendo a Timóteo, ele afirma: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para repreensão, para a correção, para educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra.” (2 Tm 3.16-17)13 Esses versículos dirigidos a Timóteo, além de apontarem a autoridade divina das Escrituras, revelam igualmente ser o ensino bíblico o método básico para equipar os santos para o seu serviço, visando a edificação do corpo de Cristo. A esse respeito vale destacar as palavras de Robinson, ao sugerir como equipar a igreja por meio do ensino e da pregação: A pregação do púlpito ungida por Deus dá o rumo de direção da Igreja. A proclamação da Palavra produz convicção, conclama ao arrependimento e resulta em entrega de vidas. O Estímulo dado pela exortação feita de púlpito concita e motiva os membros do corpo a obedecerem a Cristo. A direção do ministério de equipar é determinada e toma o seu rumo por meio do ministério pastoral da Palavra e do ensino. Muito do ministério de equipar se realiza quando a Palavra de Deus é ensinada e o Espírito Santo a coloca nos corações e nas mentes dos que a ouvem. [...] Ela (a palavra de Deus – observação nossa) prepara inteiramente a pessoa para praticar boas obras. Equipa a pessoa paraa realização da obra de Deus.14 Nas palavras de Robinson, é por meio da pregação e do ensino das Escrituras que as pessoas se convertem e são preparadas para realizarem a obra dada por Deus à sua Igreja. É, portanto, função do pastor, por meio do ensino e da pregação da palavra de Deus, treinar, 12 BÍBLIA, op. cit. 13 Idem. 14 Darrell W. ROBISON, Vida total da igreja: Uma estratégia para o século 21, p. 161 e 163. 31 aperfeiçoar e capacitar cada membro do corpo de Cristo para o desenvolvimento dos mais diversos ministérios na igreja local. E ainda que essa seja a função do pastor, Oliveira afirma que esse tipo de líder: Não está afastado da missão da Igreja, assim, como os membros não estão afastados do seu chamado pastoral para com o mundo. O pastor faz a missão junto com a Igreja, porque não se separa os membros do corpo, não se separa o braço da perna, como não se separa o olho do ouvido. O corpo deve agir em unidade, todos os seus membros devem trabalhar juntos para que o todo funcione bem.15 Nessa afirmação, Oliveira nos chama a atenção para o fato de que todos os membros do corpo de Cristo devem agir em unidade, visando um fim proveitoso. Paulo, em sua epístola aos Efésios, nos chama a atenção para unidade no corpo, dizendo: “Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, de quem todo corpo, bem ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para edificação de si mesmo em amor.” (Ef 4.15-16)16 O que Paulo nos mostra aqui é que nenhuma igreja será edificada se os seus membros trabalharem isoladamente. A própria variedade de dons, afirma Charles Van Engen: Mostra-nos a impossibilidade de uma só pessoa, o “ministro”, ser a única designada para realizar o ministério do corpo de Cristo. Tampouco espera-se que uma pessoa ponha todas as outras a trabalhar. Antes os líderes preparam, organizam, assistem e servem os portadores e executores dos dons do Espírito, mas não controlam, não determinam nem designam esses dons.17 O pastor indígena tem diante de si um grande desafio que lhe exige um preparo adequando, pois além da responsabilidade de cuidar do rebanho, capacitando-o para o exercício do serviço cristão, buscando manter a unidade do corpo, ele deve também ser capaz de mobilizar as “pessoas [...] de seus espaços de comodismo, ansiedade [...] para os espaços da comunhão com Deus e com o próximo, do serviço à comunidade e ao mundo, da vida em livre solidariedade.”18 E não se alcançará os propósitos de Deus, se o pastor ou o líder apenas capacitar, mas não buscar motivá-los ou envolvê-los simultaneamente nos ministérios da 15 Cornélio Póvoa de OLIVEIRA, op. cit, p. 54. 16 BÍBLIA, op. cit. 17 Charles Van ENGEN, op.cit, p. 199. 18 Júlio Paulo Tavares ZABATIEIRO: O Pastor Urbano é um capacitador multidisciplinar, p. 237. 32 igreja local. E depois de mobilizá-los, os pastores ou presbíteros devem ainda supervisionar ou coordenar a vida da Igreja. Esse era o modelo de ministério de Paulo, que pode e deve ser seguido. Em sua práxis ministerial, Paulo, após organizar os convertidos em igrejas e estabelecer liderança local, algum tempo depois voltava para supervisioná-las. No livro de Atos, encontramos esse exemplo de cuidado que o apóstolo Paulo tinha para com as igrejas ou comunidades que eram estabelecidas ao longo de suas viagens missionárias. Lucas registra as seguintes palavras: “Alguns dias depois, disse Paulo a Barnabé: voltemos agora, para visitar os irmãos por todas as cidades nas quais anunciamos a palavra do Senhor, para ver como passam.” (At 15.36)19 E ainda lemos: “havendo passado ali algum tempo, saiu, atravessando sucessivamente a região da Galácia e Frígia, confirmando todos os discípulos.” (At 18.23)20 O método de ensino e a pregação bíblica, mencionados acima, apontam para a capacitação ou formação do povo Deus como eixo central do ministério pastoral. Essa ação capacitadora ou formadora tem como um de seus alvos a formação da identidade cristã da igreja local. Quanto a isso, Zabatieiro nos chama a atenção quando levanta a seguinte questão: “Como formar o povo de Deus para a identidade cristã nesta época em que são tantos os modelos de igreja, os modelos de ministério, os modelos de vida cristã, as teologias que nos convocam a sermos desta ou daquela maneira?”21 Atualmente, um dos maiores desafios à igreja evangélica indígena é a formação de sua identidade cristã. Pois o que se observa em muitas igrejas evangélicas no contexto indígena é uma reprodução de nossa práxis evangélica em vários aspectos22. Isso revela a necessidade e a importância da preparação de pastores e líderes capazes de formar uma identidade cristã contextualizada. 19 BÍBLIA, op.cit. 20 Idem. 21 Júlio Paulo Tavares ZABATIEIRO, O Pastor Urbano é um capacitador multidisciplinar, op. cit, p. 239. 22 O que ocorre atualmente na igreja evangélica emergente no contexto indígena é uma reprodução da nossa Teologia e práxis eclesiológica e isso aponta para a falta de uma reflexão teológica e de uma práxis eclesiológica próprias que sejam relevante ao seu contexto. 33 O cuidado pastoral com o rebanho de Deus implica também em protegê-lo, como mencionamos anteriormente. O apóstolo Paulo, por exemplo, quando estava para se ausentar de Éfeso, mostrou-se preocupado com os inimigos que se levantariam contra aquela igreja. Por isso, adverte aos presbíteros daquela comunidade dizendo: Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual comprou com seu próprio sangue. Eu sei que, depois de minha partida, entre vós penetrarão lobos vorazes, que não pouparão o rebanho. E que dentre vós mesmos, se levantarão homens falando coisas pervertidas para arrastar os discípulos atrás deles. (At 20.28-30)23 E ainda em uma de suas epístolas pastorais, Paulo escrevendo a Timóteo, seu filho na fé, diz: “Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina. Continua nestes deveres; porque fazendo assim, salvarás tanto a ti mesmo como aos teus ouvintes.” (1 Tm 4.16)24 A Escritura é clara quanto ao cuidado que se deve ter com o rebanho de Deus e, inúmeras vezes, nos chama a atenção em relação àqueles que tentam ou que agem com o intuito de remover da fé dos que crêem em Jesus. E no contexto indígena, a igreja evangélica emergente não está isenta de inimigos desta natureza e nem tampouco de seus falsos ensinamentos. Um exemplo de tentativa de remover a fé no contexto indígena parte daqueles que se posicionam contra o evangelho, que em sua grande maioria são não indígenas e que costumam afirmar para os indígenas que o evangelho é “coisa de branco” e que o índio já tem sua religião.25 Por esta razão, a admoestação do apóstolo Paulo é relevante também para os líderes e pastores indígenas. Cuida de ti mesmo, do rebanho de Deus e da doutrina! É essa a advertência bíblica nessas referências para pastores e líderes evangélicos, indígenas ou não. E isso requer preparo em várias áreas da vida. 23 BÍBLIA, op. cit. 24 Idem. 25 O autor desta pesquisa já ouviu muito essa afirmação na reserve indígena onde trabalha. Ela foi feita principalmente por acadêmicos descomprometidos com Deus e que vão para a área indígena desenvolver seus projetos de pesquisa. 34 Pastorear ou cuidar do rebanho de Deus exige que os pastores e líderes sejam aptos a capacitar todo corpo de Cristo para expansão do Reino de Deus. Pois sua função principal, afirma Van Engen: “será edificar o corpo de Cristo para que venha a ser o povo missionário.”26 2.1.2 A expansão do Reino de Deus No Novo Testamento, a responsabilidade da Missio Christipassa para a igreja. Essa delegação de responsabilidade é feita pelo próprio Jesus: “Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo.” (Jo 17.18)27 A este envio, convencionou-se chamar de missão. O chamado para o cumprimento desta missão foi dado por Jesus em duas ocasiões distintas. A primeira foi após sua morte e ressurreição, quando ele aparece aos seus discípulos na Galiléia e diz: “Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até a consumação do século.” (Mt. 28.18-20)28 A segunda foi quando Jesus se dirigiu aos seus discípulos, pouco antes de sua ascensão, dizendo-lhes: “Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda Judéia e Samaria e até aos confins da terra.” (At 1.8)29 Essas passagens bíblicas, e poderiam ainda ser acrescentadas outras, evidenciam que a Igreja é, na sua essência, missionária. Ela existe por causa da missão. Kohl, com base nessas passagens bíblicas, afirma: “A missão é, de fato, o ponto focal da Igreja. É o propósito para o qual ela existe.”30 E, portanto, todos que fazem parte do corpo de Cristo têm o compromisso e a responsabilidade de anunciar o evangelho. Cabrial, referindo-se a esse tópico, afirma: “A 26 Charles Van ENGEN, op. cit, p. 203. 27 BÍBLIA, op. cit. 28 Idem. Ver ainda Marcos 16.15, 16. 29 Ibidem. 30 Manfred Waldemar KHOL, Missão: o coração da igreja para o novo milênio, p. 47. 35 igreja herdou o compromisso de tornar Deus conhecido em todas as nações da terra, anunciando a redenção da humanidade por meio de Jesus Cristo, o ‘Messias prometido’ para ser o libertador de toda humanidade.”31 A Igreja, sim, herdou a responsabilidade de dar continuidade à práxis de Jesus. Isso não é privilégio de apenas um grupo seleto de pastores e líderes. O livro de Atos e as cartas paulinas mencionam muitas pessoas, que não eram necessariamente pastores ou presbíteros, que foram essenciais à vida da igreja em seus anos iniciais e também na propagação do evangelho. Em Atos, por exemplo, Lucas, referindo-se ao dia de pentecostes, revela que o derramamento do Espírito Santo resultou na participação de todos e não apenas dos apóstolos ou dos líderes no que diz respeito à proclamação das grandezas de Deus: Ao cumprir-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar; de repente, veio do céu um som, como de um vento impetuoso, e encheu toda casa onde estavam assentados. E apareceram, distribuídas entre eles, línguas, como de fogo, e pousou uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem. (At 2.1-4)32 O Silva, em seu livro O Espírito Santo e a Missão da Igreja, comentando esta passagem bíblica, afirma: A partir do derramar do Espírito sobre todo povo de Deus, não haveria mais distinção para o serviço, porém todos, homens e mulheres, jovens e velhos, livres e escravos, seriam vocacionados e capacitados para a missão. Portanto, fica claro, a partir de Atos, que o Espírito Santo usaria a totalidade do povo de Deus, para cumprir seu propósito missionário. (grifo nosso)33 Ainda dentro dessa perspectiva, Paulo, em 1 Tessalonicenses 1.8, indica a participação e a responsabilidade de toda a igreja na proclamação do evangelho. Nesse texto, Paulo afirma: “Porque de vós repercutiu a palavra do Senhor não só na Macedônia e Acaia, mas também por toda parte se divulgou a vossa fé para com Deus, a tal ponto de não termos necessidade de 31 Silvanio Silas Ribeiro CABRIAL, Missio Dei e o crescimento das igrejas históricas, p. 35. 32 BÍBLIA, op. cit. 33 Eder José de Melo SILVA, O Espírito Santo e a Missão da Igreja, p. 70-71. 36 acrescentar coisa alguma.”34 O contexto desta passagem nos mostra que certamente todo laos Theou (povo de Deus) e não apenas os líderes dessa comunidade, mesmo em meio a tribulações, esteve envolvido para que por toda parte fosse possível ouvir da sua fé para com Deus. No Pacto de Lausanne, artigo 6º, a ênfase quanto à responsabilidade da propagação do evangelho também recai sobre todo o corpo de Cristo. Afirmamos que Cristo envia o seu povo redimido ao mundo assim como o Pai o enviou, e que isso requer uma penetração de igual modo profunda e sacrificial. [...] A evangelização mundial requer que a igreja inteira leve o evangelho integral ao mundo todo. A igreja ocupa o ponto central do propósito divino para com o mundo, e é o agente que ele promoveu para difundir o evangelho. [...] (grifo nosso).35 Em todas as afirmações vistas até aqui, o que se pode constatar é que Deus tem chamado do mundo um povo para si um povo, como diz Pedro: “[...] de propriedade exclusiva de Deus [...].” (1 Pe 2.9)36 E é esse mesmo povo, sem distinção nenhuma entre clero e leigo, que Ele envia novamente ao mundo, agora como seus servos, suas testemunhas e seus agentes de transformação, com um propósito bem definido: estender o seu Reino. Para o cumprimento dessa missão, os pastores e líderes da igreja local exercem um papel de suma importância que é preparar ou capacitar: “os santos para o desempenho do seu serviço” (Ef 4.12), com vistas à edificação do corpo de Cristo. Essa edificação precisa ser entendida não só como fortalecimento dos membros da igreja, mas, como diz Lopes, “deve ser compreendida como a construção do Corpo de Cristo, do Reino de Deus, fazendo-os se expandir para dentro do mundo, alcançando aqueles que carecem da glória de Deus.”37 Em relação ao papel dos pastores e líderes, e com base em Efésios 4, Lopes ainda afirma: “Não existe outro propósito, não existe outra necessidade de se ter pessoas exercendo 34 BÍBLIA, op. cit. 35 PACTO DE LAUSANNE. A Igreja e a Evangelização, p. 91. 36 BÍBLIA, op.cit. 37 César Marques LOPES, Mobilizando a igreja local para uma missão integral transformadora, p. 138. 37 essa função pastoral além do trabalho de converter membros de igrejas em novos missionários do Reino de Deus.” (ênfase do autor)38 No livro Líderes ontem, líderes hoje, Marcondes, falando da responsabilidade dos líderes eclesiais, afirma: “Os líderes têm a grave responsabilidade de despertar a consciência da comunidade cristã para que ela assuma seu papel de sal da terra e luz do mundo, com todas as suas implicações.”39 Em resumo, o propósito de Deus é que pastores e líderes cumpram o seu papel preparando toda igreja para a ação pastoral conjunta em relação ao mundo. Contudo, a existência de pastores e líderes não elimina, de maneira alguma, a responsabilidade da igreja inteira em sua ação missionária. Por outro lado, a participação dos membros do corpo de Cristo não minimiza nem despreza o papel dos pastores e líderes. Portanto, a ação pastoral deve ser entendida como ação de toda igreja, ou seja, como uma responsabilidade coletiva. E ainda é necessário destacar que dentro do propósito de Deus não há espaço para que uns poucos sejam tidos como sujeitos e a grande maioria como objetos da ação pastoral. Todo povo de Deus, clero e leigo, devem ser tidos como sujeitos da missão. Nessa ação pastoral ou missionária, no contexto indígena, a igreja evangélica emergente se depara com muitos desafios. Entretanto, por falta de espaço nesse trabalho, abordaremos apenas o desafio da contextualização teológica. René Padilla, teólogo e missiólogo equatoriano, em seu livro Missão Integral, ao abordar o tema da contextualização do evangelho, dando atenção à relação entre a teologia e a evangelização na América Latina, afirma: “A igrejana América Latina é uma igreja sem teologia própria.”40 E esse mesmo autor, nos chama a atenção para que sejam observados alguns aspectos que justifica sua afirmação. Permitam-nos citá-los: 38 Idem, p. 139. 39 Juarez Marcondes FILHO, Líder ontem, líder hoje, p. 109. 40 C. René. PADILLA, Missão Integral, p. 107. 38 Então que se constate quanto de nossa literatura cristã é traduzido do inglês [...] e quão pouca é escrita pó nós. Que veja quanto de nossa pregação se reduz a uma mera repetição de fórmulas doutrinais mal-assimiladas, sem inserção em nossa própria realidade histórica. Que observe como nossas igrejas, sem cerimônia, mantém a coloração teológica das missões que as fundaram, e concebem o estudo teológico fundamentalmente como o estudo das peculiaridades doutrinais das igrejas às quais remonta sua origem. Que examine o corpo docente e o programa de nossos seminários e institutos bíblicos teológicos. Que passe em revista nossa hinologia e nossa ‘corinhologia’.41 Uma análise cuidadosa de todos esses aspectos de nossa realidade eclesiástica não fugirá da conclusão que o próprio René Padilla nos aponta: a nossa ‘dependência teológica’. Se a igreja na América Latina, e aqui incluo a igreja evangélica brasileira, sofre a falta de uma reflexão teológica própria não surpreende que o mesmo aconteça com a igreja evangélica emergente em contexto indígena. A verdade é que a igreja evangélica indígena, como qualquer outra igreja evangélica num contexto sócio-cultural específico, carece de uma teologia que responda às suas próprias necessidades. E esse quadro não será revertido enquanto a prática de importação ou imposição (mesmo que involuntária) de teologia continuar. No contexto indígena, inúmeras questões têm continuado sem respostas, pelo fato da teologia sistemática ocidental não oferecer necessariamente respostas bíblicas para questões do dia-a-dia. Por esta razão, muitos novos cristãos continuam buscando ajuda dos pajés para lidar com tais questões. Norval Oliveira, lingüista e tradutor bíblico, em seu artigo O Conceito de salvação num contexto animista, nos ajuda a entender um pouco esta questão, quando afirma: As verdades bíblicas são absolutas e se aplicam a todos os contextos culturais. Porém, cristãos de diferentes épocas e lugares, no afã de aplicar as verdades divinas criaram certas ênfases, ou melhor, aplicaram verdades bíblicas ao seu próprio contexto de acordo com as suas necessidades, deixando de enfatizar outros aspectos dessas mesmas verdades. Assim, no contexto ocidental altamente influenciado por filosofias, a ênfase recaiu sobre aspectos mais filosóficos. Aplicando essas verdades num contexto intelectualizado e filosófico, os irmãos ocidentais estavam apresentando as verdades bíblicas de forma que elas fossem relevantes para o povo 41 Idem, p.107. 39 ocidental. As ênfases filosóficas, contudo, quando aplicadas a outros contextos culturais podem ser inoperantes e irrelevantes. (grifo nosso)42 Esse mesmo autor ainda acrescenta: Povos animistas são muito interessados no aqui e agora. Por isso, precisamos apresentar a eles um conceito de salvação que também dê respostas às questões imanentes. Como lidar com questões espirituais no dia-a-dia, por exemplo. O que Jesus e sua mensagem dizem sobre o mundo dos espíritos e os perigos cotidianos advindos dele? Quando Jesus salva, ele salva aqui e agora ou a salvação é apenas para o futuro após a morte? Esses são assuntos pertinentes num contexto animista. (grifo nosso)43 Ebehart, também lingüista e tradutor bíblico, da Wycliffe Bible Translator, faz uma afirmação semelhante. Diz ele: A teologia sistemática e ocidental não funciona para muitas culturas, incluindo muitas culturas indígenas – eles pensam diferente. Temos que descobrir quais são as perguntas que eles estão fazendo quando pensam em Deus, e depois procurar responder a essas perguntas aplicando a palavra de Deus a essas preocupações. Por exemplo, em vez de perguntar – quais são os atributos de Deus? Muitos querem saber – será que Deus é mais forte do que os espíritos do mato? A teologia indígena terá que responder a esse tipo de pergunta.44 Observa-se nessas afirmações que a teologia sistemática ocidental não oferece necessariamente respostas a questões do cotidiano das pessoas, incluindo aqui os indígenas em seu contexto específico. Talvez, sua inoperância ou irrelevância esteja no âmbito da cosmovisão, que influencia a interpretação das Escrituras. Nesse momento, é importante destacar as diferenças que Hiebert faz entre Bíblia e a teologia e entre duas definições de teologia. Em primeiro lugar, ele afirma que: “A Bíblia é um documento histórico da revelação de Deus aos homens. A teologia é a explicação sistemática e histórica das verdades contidas na Bíblia.”45 Em segundo lugar, ele diz: Algumas vezes, utilizamos o termo (teologia) quando falamos sobre a verdade absoluta. A teologia é uma descrição e explicação sistemática da maneira como as coisas realmente são, a maneira como Deus as vê, e iremos nos referir a isso como “Teologia”, com T maiúsculo. Em outras ocasiões, utilizamos o termo quando falamos de descrições e explicações humanas da realidade, que surgem a partir de 42 Norval Oliveira da. SILVA, O Conceito de salvação num contexto animista. (manuscrito) citado com permissão. 43 Ibid. 44 Davi EBEHART. Notas pessoais. Citado com permissão. 45 Paul G. HIEBERT, op. cit, p. 197. 40 nosso estudo bíblico. Iremos nos referir a isso como “teologia” com um t minúsculo. Freqüentemente, confundimos as duas teologias (acréscimo nosso).46 Essa teologia com T maiúsculo é absoluta e supra-cultural, já a teologia com t minúsculo é desenvolvida pelo ser humano e moldada por seu contexto histórico-cultural específico. E é justamente esta teologia com t minúsculo, resultado do nosso estudo bíblico e condicionada por nossa cultura, que muitas vezes não traz respostas bíblicas e teológicas num dado contexto indígena. Diante desse desafio, um bom preparo bíblico e teológico para os pastores e líderes da igreja evangélica indígena seria um bom começo na busca de uma reflexão teológica própria ou contextual. A seguir, apresentaremos o referencial teórico deste trabalho, em dois focos: o da pedagogia freireana e da missão integral. 2.2 Um modelo pedagógico a partir de Paulo Freire Paulo Freire é talvez o educador brasileiro mais conhecido e reconhecido, tanto a nível nacional como internacional. Sua experiência em vários projetos, direta ou indiretamente relacionados com a educação em diversos contextos sócio-culturais, traz imensa contribuição a diversas áreas do saber. Sua proposta pedagógica é fruto de uma reflexão-ação a partir de um contexto histórico-cultural real e não uma teoria acabada. Sendo assim, ela pode ser reinventada ou recriada em qualquer outro contexto. Mesmo que suas pressuposições ideológicas sejam questionáveis, é possível, encontrar em suas obras subsídios para pensarmos sobre Educação Teológica Indígena. A seguir, então, serão apresentados alguns aspectos principais extraídos do pensamento freireano que servirão de base para o referencial teórico desse trabalho. 46 Idem, p. 198. 41 2.2.1 O educando no seu contexto: o ponto de partida da educação Segundo Freire, o homem não existe fora do mundo, nem fora da realidade, “pois é um ser de raízes espaço-temporal.”47 Ou seja, o homem existe no e com o mundo e vive em constante relação com ele mesmo e com os outros. Por esta razão, a educação deveria ser precedida por uma reflexão sobre a relação homem-mundo, tendo como ponto de partida o educando e a educanda no seu contexto histórico-cultural. Nas palavras de Andrade: A abordagem