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TÍTULO 14 • RECURSOS 1797 b) recursos ordinários: o objetivo desse recurso é proteger o interesse particular da parte sucumbente. É bem verdade que, por meio dos recursos ordinários, também se obterá uma preservação do direito objetivo por meio de uma melhor aplicação da lei, porém essa é uma mera consequência do provimento do recurso, cuja existência se justifica na proteção do direito objetivo da parte (v.g., apelação, recurso em sentido estrito, etc.). CAPÍTULO II RECURSOS CRIMINAIS EM ESPÉCIE 1. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Apesar de o recurso em sentido estrito visar à impugnação de decisões interlocutórias, seu cabimento é restrito às hipóteses expressamente previstas em lei (CPP, art. 581). Por isso, afigura-se descabida sua equiparação ao agravo de instrumento do processo civil para que se queira concluir que o RESE pode ser interposto contra toda e qualquer decisão incidental no processo. Cuida-se de modalidade de recurso que se dirige, tão somente, contra decisão de juiz sin- gular, jamais contra decisões de órgãos colegiados dos Tribunais ou decisões monocráticas de relator nos processos que lhe estejam afetos. Segundo o art. 581, caput, do CPP, caberá recurso, no sentido estrito, das decisões, despa- chos ou sentenças ali enumerados. Como se percebe, há uma impropriedade técnica na redação do referido dispositivo. Isso porque, como dito anteriormente, o recurso em sentido estrito somente é cabível contra decisões interlocutórias. Os despachos, atos de mera movimentação processual, que podem ser praticados inclusive por servidores do Poder Judiciário, desde que não sejam dotados de caráter decisório (CF, art. 93, XIV), somente poderão ser impugnados por correição parcial, e apenas se importar em ato tumultuário – error in procedendo –, contra o qual não haja previsão legal de recurso cabível. As sentenças absolutórias ou condenatórias, de seu turno, podem ser objeto de apelação, nos termos do art. 593, I, do CPP, salvo na hipótese de crime político, que admite recurso ordinário constitucional para o Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, II, “b”). 1.1. Interpretação extensiva Parte minoritária da doutrina sustenta que a enumeração das hipóteses de cabimento do recurso em sentido estrito prevista no art. 581 é taxativa, não admitindo ampliação para con- templar outras hipóteses. Prevalece, no entanto, o entendimento no sentido da possibilidade de interpretação extensiva das hipóteses de cabimento do recurso em sentido estrito.135 Diante das constantes mudanças sofridas pela legislação processual penal nos últimos anos (v.g., Leis 11.689/08, 11.690/08, 11.719/08 e 12.403/11), não se revela razoável a estagnação das hipóteses de cabimento do RESE, sobretudo se levarmos em consideração que o projeto de lei que versa sobre a mudança do título do CPP que cuida dos recursos ainda não foi aprovado pelo Congresso Nacional. Até mesmo para não se criar um desequilíbrio entre as partes, violando 135. Segundo Carlos Maximiliano, a interpretação extensiva “completa a norma existente, trata de espécie já regulada pelo Código, enquadrada no sentido de um preceito explícito, embora não se compreenda na letra deste (…) busca o sentido amplo de um preceito estabelecido, de sorte que a própria regra se dilata”. (Hermenêutica e aplicação do direito. São Paulo: Freitas Bastos, 1965. p. 227). MANUAL DE PROCESSO PENAL – Renato Brasileiro de Lima1798 a paridade de armas, não se pode admitir que a acusação fique privada de um instrumento para a impugnação de decisões proferidas por juiz de 1ª instância, se a defesa tem sempre a possi- bilidade de impetrar ordem de habeas corpus.136 Na verdade, o que não se admite é a ampliação para casos em que a lei evidentemente quis excluir. Exemplificando, na hipótese de recebimento da peça acusatória, não se pode cogitar do cabimento do RESE, já que ficou clara a intenção do legislador de só admitir o recurso quando houver o não recebimento da inicial acusatória. Porém, como a lei prevê o cabimento de RESE contra a decisão que não receber a denúncia ou a queixa, não há razão lógica para não se admitir o cabimento do recurso também para a hipótese de rejeição do aditamento. Cuida-se, na verdade, de omissão involuntária do legislador, que pode ser suprida pela interpretação extensiva.137 Destarte, essa interpretação extensiva só não será cabível quando se verificar que a lei intencionalmente excluiu, por omissão, a hipótese contrária à decisão expressamente prevista. Assim, a contrario sensu dos incisos do art. 581, não cabe recurso em sentido estrito contra a decisão que concluir pela competência do juízo (CPP, art. 581, II), que julgar improcedentes as exceções (CPP, art. 581, III), etc.138 1.2. Utilização residual do recurso em sentido estrito O recurso em sentido estrito deve ser utilizado de maneira residual. Em síntese, por mais que a hipótese de cabimento esteja listada no art. 581 do CPP, deve se ter em mente que sua interposição somente será possível se tal decisão não tiver sido proferida no bojo de uma sentença condenatória ou absolutória. Isso porque, segundo o art. 593, § 4º, quando cabível a apelação, não poderá ser usado o recurso em sentido estrito, ainda que somente de parte da decisão se recorra. Trata-se do princípio da consunção.139 Além disso, não se pode perder de vista que muitas hipóteses de cabimento do RESE previstas no art. 581 do CPP foram tacitamente revogadas pela Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84). Isso porque várias decisões listadas no rol do art. 581 do CPP só podem ser proferidas pelo juízo da execução. Ora, a partir do momento em que a LEP passou a prever o cabimento do agravo em execução contra as decisões proferidas pelo juízo da execução (art. 197), houve a revogação tácita dos incisos do art. 581 que preveem o cabimento de RESE. Portanto, como forma didática de se identificar as hipóteses de cabimento do RESE que ainda estão em vigor, podemos nos socorrer do seguinte raciocínio sugerido pela doutrina:140 a) se a decisão é anterior à sentença definitiva de condenação ou absolvição, talvez caiba recurso em sentido estrito: haverá necessidade de se verificar se tal hipótese consta do rol do art. 581 do CPP; 136. Por considerar que o ato de revogar a prisão preventiva, previsto expressamente no inciso V do art. 581 do CPP, é similar ao ato de revogar medida cautelar diversa da prisão, a 6ª Turma do STJ considerou válido o emprego de interpretação extensiva para fins de admitir a interposição do recurso em sentido estrito: STJ, 6ª Turma, REsp 1.628.262/RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 13/12/2016, DJe 19/12/2016. 137. No âmbito do CPPM, há previsão expressa de cabimento do recurso em sentido estrito contra a decisão que não receber a denúncia no todo ou em parte, ou seu aditamento (art. 516, alínea “d”). 138. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2006. p. 643. 139. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 33ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011. p. 484. 140. FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 7ª ed. Niterói/RJ: Editora Impetus, 2010. p. 1.102. Ainda segundo o referido autor, “o recurso em sentido estrito ora é pro et contra, ora é secundum eventum litis. Ele é pro et contra quando “o sim e o não” comportam o recurso, como caso de conceder ou negar a fiança (inciso V do art. 581). Ele é secundum eventum litis, quando cabe para uma situação, mas não para a situação contrária de sucumbência, como no caso de caber para a rejeição da denúncia, mas não para o recebimento, pois o dispositivo legal não falou no recebimento” (op. cit. p. 1.103). TÍTULO 14 • RECURSOS 1799 b) se a decisão está inserida na sentença condenatória ou absolutória, é caso de apelação, ainda que conste do rol do art. 581 do CPP. Isso porque, segundo o art. 593, § 4º, quando cabível a apelação, esta impugnação tem o condão de absorver o RESE, ainda que se queira impugnar apenasparte da decisão; c) se a decisão é posterior ao trânsito em julgado da sentença condenatória ou da absolutória imprópria, ou seja, aquela que impõe medida de segurança, o recurso adequado será o agravo em execução, previsto no art. 197 da LEP, ainda que conste do art. 581 do CPP. 1.3. Hipóteses de cabimento O art. 581 do CPP enumera diversas hipóteses de cabimento do recurso em sentido estri- to. Antes de passarmos à análise detalhada de tais hipóteses, convém lembrar que também há previsão legal de cabimento do RESE na legislação especial. Segundo o art. 294, caput, do Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97), em qualquer fase da investigação ou da ação penal, havendo necessidade para a garantia da ordem pública, poderá o juiz, como medida cautelar, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público ou ainda mediante representação da autoridade policial, decretar, em decisão motivada, a suspensão da permissão ou da habilitação para dirigir veículo automotor, ou a proibição de sua obtenção. Por sua vez, consoante o art. 294, parágrafo único, da Lei nº 9.503/97, da decisão que decretar a suspensão ou a medida cautelar, ou da que indeferir o requerimento do Ministério Público, caberá recurso em sentido estrito, sem efeito suspensivo. No caso de arquivamento das contravenções do jogo do bicho e de corrida de cavalos fora do hipódromo, também há previsão legal de recurso em sentido estrito, a ser interposto pelo autor da representação (Lei nº 1.508/51, art. 6º, parágrafo único). Por fim, segundo o Decreto-lei nº 201/67, que dispõe sobre a responsabilidade dos prefei- tos e vereadores, caberá recurso em sentido estrito dotado de efeito suspensivo no prazo de 5 (cinco) dias para o tribunal competente contra a decisão, concessiva ou denegatória, de prisão preventiva, ou de afastamento do cargo do acusado (art. 2º, III). Quanto à vigência do procedimento previsto no referido Decreto-lei, convém lembrar que a Constituição Federal conferiu foro por prerrogativa de função a Prefeitos Municipais perante o respectivo Tribunal de Justiça pela prática de crime comum, ao menos enquanto o agente estiver no exercício do mandato eletivo (CF, art. 29, X). Destarte, quanto ao prefeito no exercício do mandato, a regra do cabimento do RESE prevista no art. 2º, III, do Decreto-Lei nº 201/67, restou prejudicada diante da Constituição Federal, porquanto o procedimento a ser aplicado é aquele previsto nos arts. 1º a 12 da Lei nº 8.038/90. Como se trata de hipótese de competência originária dos Tribunais, ainda que seja decretada a prisão preventiva do Prefeito, como a decisão terá sido prolatada pelo órgão competente junto ao Tribunal respectivo, a decisão não será passível de impugnação por meio de recurso em sentido estrito, já que essa modalidade de impugnação só pode ser utilizada contra decisão de juiz singular. A hipótese, agora, é de agravo regimental, o qual tem regime jurídico semelhante ao do recurso em sentido estrito, inclusive com juízo de retratação, nos exatos termos do art. 39 da Lei nº 8.038/90, sem prejuízo da possibilidade de impetração de habeas corpus. Subsiste, no entanto, a validade do procedimento previsto no Decreto-lei nº 201/67, assim como a possibilidade de interposição de RESE contra a decisão concessiva ou denegatória de prisão preventiva ou de afastamento do cargo do acusado (art. 2º, III), apenas em relação a ve- readores, os quais, em regra, não são dotados de foro por prerrogativa de função, e ex-Prefeitos, que são processados perante o juiz singular. MANUAL DE PROCESSO PENAL – Renato Brasileiro de Lima1800 1.3.1. Não recebimento da peça acusatória O tema foi objeto de análise no título atinente ao “processo e procedimento”, mais preci- samente no item referente à rejeição da peça acusatória, para onde remetemos o leitor. 1.3.2. Incompetência do juízo Caso o juiz decline de ofício de sua competência, ambas as partes estão legitimadas a in- terpor o recurso em sentido estrito previsto no art. 581, II, do CPP.141 Provocado acerca de sua incompetência no curso do processo penal, o recurso cabível contra a decisão que concluir pela incompetência do juízo também será o recurso em sentido estrito (CPP, art. 581, II). Nesse inciso também se enquadra o recurso em sentido estrito contra a decisão que des- classifica a infração penal na 1ª fase do procedimento do júri (CPP, art. 419), por exemplo, de tentativa de homicídio para lesão corporal. Afinal, ao desclassificar a imputação para crime que não seja doloso contra a vida, é evidente que o juiz sumariante está concluindo, de ofício, pela incompetência do Tribunal do Júri, razão pela qual a via impugnativa adequada contra essa decisão será o RESE do art. 581, II. Lado outro, caso o magistrado julgue procedente a exceção de incompetência, a impugnação adequada também será o Recurso em sentido estrito, porém com fundamento no inciso III do art. 581 do CPP. Por fim, caso o juiz negue a arguição de incompetência, não caberá recurso em sentido estrito, o que, no entanto, não impede que a questão seja novamente ventilada em habeas corpus ou em preliminar de apelação. Noutro giro, é possível que o juiz rejeite eventual arguição de declinação de competência formulado pelo órgão Ministerial. Exemplificando, suponha-se que o órgão do MP Estadual entenda que não tem atribuição para oficiar em um determinado caso concreto, requerendo a remessa dos autos à Justiça Federal. O Juiz Estadual, todavia, discorda da manifestação minis- terial, entendendo que possui competência para o processo e julgamento da infração penal em questão. Como esse magistrado não pode obrigar o órgão ministerial a oferecer denúncia, sob pena de indevida violação ao princípio da independência funcional (CF, art. 127, § 1º), deve receber a manifestação do Parquet como se de arquivamento se tratasse (arquivamento indireto). Na medida em que não cabe recurso em sentido estrito contra essa decisão com fundamento no art. 581, II, do CPP, pois o juiz não está se declarando incompetente, mas sim competente, cabe ao magistrado aplicar por analogia o disposto no art. 28 do CPP, procedendo à remessa dos autos ao órgão de controle revisional no âmbito do respectivo Ministério Público (Procurador-Geral de Justiça nos Estados e Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal – art. 62 da Lei Complementar nº 75/93). Daí falar-se em pedido indireto de arquivamento, ou de arquivamento indireto. 1.3.3. Procedência das exceções, salvo a de suspeição No processo penal, poderão ser opostas as exceções de suspeição, incompetência de juízo, litispendência, ilegitimidade de parte e coisa julgada (CPP, art. 95). Refere-se o art. 581, III, do CPP apenas às exceções de incompetência de juízo, litispendência, ilegitimidade de parte e coisa julgada, deixando de fora a exceção de suspeição. O inciso III do art. 581 do CPP somente prevê o cabimento do RESE na hipótese de decisão que julga procedente as referidas exceções. Logo, são irrecorríveis as decisões que rejeitam tais 141. Em tese, as partes adversas no processo são concorrentemente legitimadas para recorrer contra a decisão do órgão jurisdicional perante o qual ajuizada a demanda, que, de ofício, decline de sua competência para conhecer dela: assim, a litisconsorte passiva necessária está legitimada a interpor agravo de decisão liminar do relator que recusa a competência original do STF para a causa, afirmada pelo impetrante”. (STF – AO 813 AgR/CE – Tribunal Pleno – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJ 31/08/2001). TÍTULO 14 • RECURSOS 1801 exceções, o que, no entanto, não impede que a matéria volte a ser questionada em preliminar de eventual apelação ou por meio de habeas corpus (CPP, art. 648, VI). O dispositivo também deixa claro que não é cabível RESE contra a decisão que julgar procedente a exceção de suspeição. A uma porque, reconhecendo a suspeição nos termos do art. 99 do CPP, o juiz suspeito sustará a marcha do processo, ordenando a remessados autos ao substituto. Logo, não haveria interesse recursal na interposição do RESE. A duas porque, não aceita a suspeição, os autos serão remetidos ao Tribunal a que competir o julgamento. Como se percebe, ao contrário das demais exceções, que são julgadas pelo juiz de 1ª instância, a de suspeição é julgada pelo respectivo Tribunal. Ora, considerando que o RESE é recurso cabível contra decisões proferidas por juiz de 1ª instância, esta via impugnativa não poderá ser usada contra decisão proferida no julgamento da exceção de suspeição. Em relação ao recurso cabível contra a decisão que julga procedente ou improcedente a exceção de suspeição nos tribunais, a via impugnativa depende do órgão que, segundo o res- pectivo regimento interno, tiver competência para apreciá-la. No âmbito do Tribunal de Justiça de São Paulo, compete à Câmara Especial julgar as exceções de suspeição e de impedimento opostas em relação aos juízes de primeiro grau (art. 187 do Regimento Interno). Nesse caso, na medida em que a exceção é decidida pela Câmara Especial, restam os recursos extraordinário e especial como únicas impugnações possíveis. O art. 104 do CPP prevê que, arguida a suspeição do órgão do Ministério Público, o juiz, depois de ouvi-lo, decidirá, sem recurso, podendo antes admitir a produção de provas no prazo de 3 (três) dias. A despeito da irrecorribilidade de tal decisão, a doutrina entende que o órgão do Ministério Público afastado, diante de ilegalidade da procedência da suspeição, poderá, em tese, impetrar mandado de segurança, pois tem direito líquido e certo de atuar no processo.142 1.3.4. Pronúncia do acusado O recurso cabível contra a pronúncia é o RESE (CPP, art. 581, IV). Antes da Lei nº 11.689/08, a impronúncia também estava sujeita ao RESE. Com as mudanças produzidas pela referida lei, o recurso adequado contra a impronúncia passou a ser o de apelação (CPP, art. 416). O mesmo raciocínio também vale para a decisão de absolvição sumária: antes, RESE (CPP, art. 581, revogado inciso VI); com a Lei nº 11.689/08, apelação (CPP, art. 416). Apesar de não ter o condão de suspender eventual prisão preventiva que tenha sido decretada por ocasião da pronúncia, o RESE contra ela interposto tem o condão de suspender o julgamen- to (CPP, art. 584, § 2º). Na verdade, diante das mudanças produzidas pela Lei nº 11.689/08, os autos dos processos atinentes a crimes dolosos contra a vida serão encaminhados ao Juiz Presidente do Tribunal do Júri apenas quando preclusa a decisão de pronúncia (CPP, art. 421, caput). Portanto, ao contrário do disposto no art. 584, § 2º, do CPP, diante da interposição do RESE contra a pronúncia, sequer é possível o início da preparação do processo para julgamento em plenário (CPP, arts. 422 a 424), porquanto os autos somente serão encaminhados ao juiz presidente quando não couber mais recurso contra a decisão de pronúncia. Esse RESE pode ser interposto pela defesa quando o acusado for pronunciado pelo crime capitulado na denúncia, assim como por qualquer outro delito e, nesta hipótese, também poderá recorrer a acusação (v.g., acusado denunciado por homicídio qualificado que é pronunciado por homicídio simples). É perfeitamente possível que o Ministério Público recorra da pronúncia em favor do acusado, visando à absolvição sumária, desclassificação, etc., desde que tenha se manifestado nesse sentido por ocasião da apresentação das alegações orais. 142. FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 7ª ed. Niterói/RJ: Editora Impetus, 2010. p. 1104. MANUAL DE PROCESSO PENAL – Renato Brasileiro de Lima1802 Nos Tribunais Superiores, prepondera a orientação de que, a despeito da redação dos arts. 271, 584, § 1º e 598, todos do CPP, o assistente do Ministério Público tem legitimidade para interpor recurso em sentido estrito contra a decisão de pronúncia. Em caso concreto em que se discutia a legitimidade do assistente para recorrer contra a pronúncia, a fim de reintroduzir qua- lificadoras imputadas na denúncia, o Supremo concluiu que, apesar de se tratar de matéria con- trovertida na doutrina e na jurisprudência, o interesse do ofendido não está limitado à reparação civil do dano, alcançando, na verdade, a exata aplicação da justiça penal. Conferindo amplitude democrática aos princípios que asseguram a ação penal privada subsidiaria e o contraditório, com os meios e recursos a ele inerentes, a Suprema Corte entendeu que, não havendo recurso pelo Ministério Público, deve ser reconhecida a legitimidade do assistente para interpor RESE contra a pronúncia para obter o reconhecimento de qualificadora do crime de homicídio.143 1.3.5. Decisão que conceder, negar, arbitrar, cassar ou julgar inidônea a fiança, indeferir requerimento de prisão preventiva ou revogá-la, conceder liberdade provisória ou relaxar a prisão em flagrante De acordo com o art. 581, inciso V, do CPP, caberá recurso no sentido estrito da decisão que conceder, negar, arbitrar, cassar ou julgar inidônea a fiança. Somente poderão ser impugnadas por meio desse RESE as decisões judiciais relativas à fiança. As decisões da autoridade policial nos casos de fiança não podem ser impugnadas por meio de recurso em sentido estrito. Assim, se o Delegado de Polícia conceder fiança em relação a crime inafiançável (CPP, arts. 323 e 324), deve o órgão do Ministério Público pedir a cassação da fiança à autoridade judiciária. Se, a despeito do requerimento ministerial, o juiz deliberar pela manutenção da fiança concedida pelo delegado, aí sim será cabível o RESE previsto no inciso V do art. 581 do CPP. A concessão da fiança refere-se à decisão judicial que, verificando a presença dos pressupos- tos legais, concede liberdade provisória ao agente mediante o pagamento de fiança. A contrario sensu, se o juiz entender que o acusado não preenche os requisitos necessários à concessão da fiança (v.g., crimes hediondos), deve ser negada a fiança. O arbitramento da fiança diz respeito ao valor fixado pelo juiz a título de fiança, quantum este que não é estabelecido aleatoriamente: o art. 325 do CPP, com redação determinada pela Lei nº 12.403/11, fixa os parâmetros para fixação da fiança. A cassação da fiança ocorre quando o juiz constata que a fiança anteriormente concedida era incabível. Segundo o art. 338 do CPP, a fiança que se reconheça não ser cabível na espécie será cassada em qualquer fase do processo. Também será cassada a fiança quando reconhecida a existência de delito inafiançável, no caso de inovação na classificação do delito (CPP, art. 339). A título de exemplo, na medida em que o art. 322 do CPP, com redação determinada pela Lei nº 12.403/11, somente autoriza a concessão de fiança pela autoridade policial nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos, conclui-se que, diante da concessão de fiança pelo Delegado em crime de furto qualificado, cuja pena é de 02 (dois) a 08 (oito) anos de reclusão, há de ser determinada a cassação da fiança, decisão judicial esta que pode ser impugnada mediante RESE (CPP, art. 581, V). Nesse caso, o fiador também terá legitimidade para recorrer. A inidoneidade da fiança ocorre quando o afiançado se omite diante da exigência de seu reforço (CPP, art. 340). Segundo o art. 581, V, do CPP, também caberá RESE contra a decisão que indeferir re- querimento de prisão preventiva. Na medida em que a lei admite a interposição de recurso em sentido estrito contra a decisão que indeferir requerimento de prisão preventiva, também deve 143. STF, 2ª Turma, HC 84.022/CE, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 14/09/2004, DJ 01/10/2004. E ainda: STF, 2ª Turma, HC 71.453/GO, Rel. Min. Paulo Brossard, j. 06/09/1994, DJ 27/10/1994. TÍTULO 14 • RECURSOS 1803 ser admitido RESE contra a decisão que indefere requerimento de decretação de prisão tem- porária e/ou medida cautelar diversa da prisão, ou que revoga e/ou determina a substituição de quaisquer das medidas cautelares denatureza pessoal. O Código de Processo Penal não prevê o cabimento de recurso contra a decisão que decreta a prisão preventiva e/ou quaisquer das medidas cautelares diversas da prisão. Não obstante, o indivíduo (ou qualquer pessoa) poderá impetrar ordem de habeas corpus. À primeira vista, pode-se pensar que o habeas corpus somente seria cabível quando tivesse havido a decretação da prisão preventiva. Porém, não se pode afastar o cabimento do writ para as demais medidas cautelares de natureza pessoal. Em primeiro lugar, porque a decretação de qualquer medida cau- telar diversa da prisão acarreta certo grau de cerceamento da liberdade de locomoção. Segundo, porque as medidas cautelares de natureza pessoal só podem ser adotadas em relação à infração penal à qual seja cominada, isolada, ou alternativamente, pena privativa de liberdade. Portanto, a inobservância dos elementos do inciso I do art. 282 para a decretação da cautelar, ou do inciso II para a escolha de sua qualidade, ou a ausência de fundamentação na sua aplicação, enseja a utilização de habeas corpus, mesmo que a medida cautelar diversa da prisão não restrinja completamente a liberdade de locomoção do agente, haja vista que, diante do disposto no § 4º do art. 282 do CPP, o descumprimento das condições estabelecidas pode ensejar a decretação da prisão. Evidente, portanto, o interesse de agir na utilização do habeas corpus para impugnar eventual decisão relativa à decretação de medidas cautelares de natureza pessoal, já que delas pode resultar potencial constrangimento ilegal à liberdade de locomoção. Se a medida cautelar de natureza pessoal for decretada na decisão de pronúncia, caberá RESE contra tal decisão, com fundamento no art. 581, inciso IV, do CPP. Por sua vez, se a medida for decretada no bojo da sentença condenatória, o recurso oponível será o de apela- ção, ex vi do art. 593, inciso I, do CPP. A despeito da previsão de recursos contra a pronúncia e contra a sentença condenatória, nada impede que o interessado impetre imediatamente um habeas corpus questionando a medida cautelar, por ser remédio constitucional mais célere na tutela da liberdade de locomoção, sendo inadmissível que normas infraconstitucionais limitem o cabimento do writ (CF, art. 5º, LXVIII). Este RESE do art. 581, V, do CPP, não é dotado de efeito suspensivo. Se tal recurso não é dotado de efeito suspensivo, isso significa dizer que, uma vez revogada a medida cautelar, por exemplo, a prisão preventiva, ainda que o RESE seja interposto, o preso será colocado imediatamente em liberdade. Há precedentes antigos do STJ no sentido de que não se admite a interposição de mandado de segurança para atribuir efeito suspensivo a este recurso em sentido estrito.144 A nosso ver, diante da entrada em vigor da Lei nº 12.016/09, que passou a prever que não se concede mandado de segurança quando se tratar de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo, é hora de se repensar esse entendimento do STJ. Ora, se o art. 5º, II, da Lei nº 12.016/09, dispõe que não se concede mandado de segurança quando se tratar de decisão judicial contra a qual caiba recurso com efeito suspensivo, é de se concluir, a contrario sensu, que será cabível a impetração de mandado de segurança para atribuir efeito suspensivo a recurso que não seja dotado desse efeito, a fim de se evitar a ocorrência de dano irreparável. Portanto, considerando-se que o RESE do art. 581, V, do CPP, não tem efeito suspensivo, há de se admitir a impetração de mandado de segurança para atribuir efeito suspensivo a esse recurso.145 144. STJ, 6ª Turma, RMS 8.802/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 11/05/1998 p. 156. E também: STJ, 6ª Turma, HC 1.723/SP, Rel. Min. Pedro Acioli, DJ 07/06/1993 p. 11.273. 145. Em sentido diverso, concluindo que não cabe mandado de segurança para conferir efeito suspensivo ativo a recurso em sentido estrito interposto contra decisão que concede liberdade provisória ao acusado: STJ, 6ª Turma, MANUAL DE PROCESSO PENAL – Renato Brasileiro de Lima1804 Por fim, contra a decisão que indefere o pedido de revogação e/ou substituição da medi- da cautelar formulado em favor do acusado, admite-se a impetração de habeas corpus, sob o fundamento de que não haveria justa causa para a coação à liberdade de locomoção (CPP, art. 648, inciso I). 1.3.6. Decisão que julgar quebrada a fiança ou perdido o seu valor Reputa-se quebrada a fiança quando o acusado: I – regularmente intimado para ato do processo, deixar de comparecer, sem motivo justo; II – deliberadamente praticar ato de obs- trução ao andamento do processo; III – descumprir medida cautelar imposta cumulativamente com a fiança; IV – resistir injustificadamente a ordem judicial; V – praticar nova infração penal dolosa (CPP, art. 341). O descumprimento dos deveres processuais previstos nos arts. 327 e 328 do CPP também acarreta o quebramento da fiança. Segundo o art. 327 do CPP, a fiança tomada por termo obrigará o afiançado a comparecer perante a autoridade, todas as vezes que for intimado para atos do inquérito e da instrução criminal e para o julgamento. Quando o réu não comparecer, a fiança será havida como quebrada. Por sua vez, nos termos do art. 328 do CPP, o acusado afiançado não poderá, sob pena de quebramento da fiança, mudar de residência, sem prévia permissão da autoridade processante, ou ausentar-se por mais de 8 (oito) dias de sua residência, sem comunicar àquela autoridade o lugar onde será encontrado. O quebramento da fiança só pode ser determinado pela autoridade judiciária, haja vista dispor o art. 581, inciso VII, do CPP, que cabe recurso em sentido estrito em face da decisão que o decretar, referindo-se o caput do art. 581, obviamente, à decisão do magistrado. A decisão que decreta a quebra da fiança está sujeita a recurso em sentido estrito (art. 581, VII, CPP), que terá efeito suspensivo apenas quanto ao perdimento da metade do valor prestado em fiança (art. 584, § 3º, CPP). Esse recurso pode ser interposto até mesmo pelo terceiro que prestou fiança em favor de outrem. Com o provimento do recurso, a fiança volta a subsistir, colocando-se imediatamente o agente em liberdade, nas mesmas condições anteriores (art. 342, CPP). Se a decisão relativa ao quebramento da fiança se der em sede de sentença condenatória recorrível, o recurso cabível será o de apelação, que tem o condão de absorver o RESE, ex vi do art. 593, § 4º, do CPP. Quanto ao perdimento da fiança, convém lembrar que, transitada em julgado a sentença condenatória, não pode o condenado frustrar a efetivação da punição, esquivando-se da apre- sentação à prisão, ou evadindo-se para não ser encontrado pelo oficial ou outra autoridade encarregada de levá-lo ao cárcere. Se o fizer, a fiança será julgada perdida. Segundo o art. 344, com redação determinada pela Lei nº 12.403/11, entende-se perdido, na totalidade, o valor da fiança se, proferida sentença condenatória com trânsito em julgado, o acusado não se apresenta para o início do cumprimento da pena definitivamente imposta. Após as deduções (pagamento das custas, da indenização do dano, da prestação pecuniária e da multa), o que restar será des- tinado aos cofres federais (CPP, art. 345). De acordo com o art. 581, inciso VII, do CPP, a decisão que decreta a perda, privativa do magistrado, comporta recurso em sentido estrito, o qual é dotado de efeito suspensivo quanto à destinação do valor remanescente (art. 584, caput, CPP). Não obstante, como o perdimento da fiança é decretado, em regra, pelo juízo da execução, porquanto ocorre após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, o recurso cabível será o agravo em execução, nos exatos termos do art. 197 da Lei de Execução Penal. HC 341.147/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 23/02/2016, DJe 02/03/2016; STJ, 5ª Turma, HC 352.998/RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 24/05/2016, DJe 01/06/2016. Na mesma linha: súmula n. 604 do STJ. TÍTULO 14 • RECURSOS 1805 1.3.7. Decisão que decretar(ou não) a extinção da punibilidade O art. 581, inciso VIII, do CPP, prevê o cabimento de recurso em sentido estrito contra a decisão que decretar a prescrição ou julgar, por outro modo, extinta a punibilidade. De seu turno, segundo o art. 581, IX, do CPP, também caberá RESE contra a decisão que indeferir o pedido de reconhecimento da prescrição ou de outra causa extintiva da punibilidade. Consta do art. 107 do CP um rol exemplificativo de causas extintivas da punibilidade. Este rol não é taxativo, devendo nele ser incluídas outras causas previstas na lei penal comum ou especial, tais como o decurso do prazo do sursis, da suspensão condicional do processo e do livramento condicional. A reabilitação, que estava catalogada como causa extintiva da punibilidade no Código Pe- nal, foi excluída do rol pela Lei nº 7.209/84. Assim, no caso de deferimento ou indeferimento de reabilitação, sentença com força de definitiva, o recurso adequado será o de apelação, nos termos do art. 593, II, do CPP. Quanto ao interesse de agir do acusado para interpor recurso em sentido estrito contra decisão que declara extinta sua punibilidade, é sabido que, em outros ordenamentos jurídicos, defere-se ao acusado a possibilidade de o acusado, cuja punibilidade foi declarada extinta, pretender recorrer para buscar uma sentença absolutória. No ordenamento pátrio, todavia, pre- valece o entendimento de que, havendo prescrição – ou outra causa extintiva da punibilidade –, o recurso não será apreciado no mérito, porquanto ausente interesse de agir. Esse argumento é reforçado pela própria natureza jurídica da decisão que julga extinta a punibilidade – segundo entendimento majoritário, declaratória –, da qual não derivam quaisquer efeitos civis. É firme o entendimento jurisprudencial segundo o qual, consumando-se o lapso prescricional (v.g., prescrição subsequente ou superveniente), ainda que na pendência de recurso interposto pela defesa (v.g., recurso especial), deve-se declarar, preliminarmente, a extinção da punibilidade, com prejuízo do exame do mérito da causa. Isso porque, uma vez declarada extinta a punibilidade, nos termos do art. 107, IV, do Código Penal, mostra-se patente a falta de interesse do recorrente em obter a absolvição em face de, por exemplo, suposta atipicidade da conduta, em razão dos amplos efeitos do reconhecimento deste instituto.146 Por fim, convém destacar que, apesar de o CPP prever o cabimento de RESE contra a decisão que indeferir o pedido de reconhecimento da prescrição ou de outra causa extintiva da punibilidade (CPP, art. 581, IX), nada impede a utilização pela defesa, contra a mesma decisão, de habeas corpus, nos exatos termos do art. 648, VII, do CPP. Por se revelar um instrumento muito mais célere, o habeas corpus pode ser útil para fazer cessar eventual constrangimento à liberdade de locomoção do acusado, diferenciando-se do RESE por não permitir, em seu julga- mento, o exame aprofundado da prova dos autos. No âmbito processual penal militar, de modo distinto do que ocorre no processo penal comum, a presença de causa extintiva da punibilidade é causa de absolvição do acusado. Caso a extinção da punibilidade seja reconhecida antes da sessão de julgamento, o recurso adequado será o recurso em sentido estrito (CPPM, art. 516, “j”). No entanto, se o acusado for absolvido pelo Conselho de Justiça ou pelo juiz de direito do juízo militar com fundamento em causa ex- tintiva da punibilidade (CPPM, art. 439, “f”), caberá apelação contra essa sentença absolutória, nos termos do art. 526, “a”, do CPPM. 1.3.8. Decisão que conceder ou negar a ordem de habeas corpus Só se admite a interposição de recurso em sentido estrito contra a decisão de juiz de 1ª ins- tância que conceder ou negar a ordem de habeas corpus (v.g., writ impetrado contra o Delegado 146. Nessa linha: STJ, 6ª Turma, REsp 908.863/SP, Rel. Min. Og Fernandes, j. 08/02/2011, DJe 05/04/2011. MANUAL DE PROCESSO PENAL – Renato Brasileiro de Lima1806 de Polícia). Afinal, cuida-se o RESE de modalidade de recurso que se dirige, tão somente, contra decisão de juiz singular, jamais contra decisões de órgãos colegiados dos Tribunais ou decisões monocráticas de relator nos processos que lhe estejam afetos. Se o habeas corpus for considerado prejudicado, também será cabível a interposição de recurso em sentido estrito, pois tal decisão equipara-se à denegação da ordem. Eventual concessão da ordem de habeas corpus por juiz de 1ª instância também está sub- metida ao reexame necessário (CPP, art. 574, I). Logo, diante da concessão da ordem no jul- gamento do writ, ainda que a acusação não interponha o recurso em sentido estrito previsto no art. 581, X, do CPP, incumbe ao magistrado determinar o encaminhamento de sua decisão ao reexame do Tribunal a que estiver vinculado, sob pena de não se operar o trânsito em julgado do decisum, nos termos da súmula nº 423 do Supremo. Este recurso em sentido estrito interposto contra decisão concessiva da ordem de habeas corpus pode ser interposto pelo Ministério Público, pelo querelante e pelo assistente da acusação, valendo lembrar que, quanto a este último, sua intervenção está restrita à fase processual. Isso porque, ao tratar da legitimidade para o requerimento de decretação da prisão preventiva – que também vale para a decretação das medidas cautelares diversas da prisão –, o art. 311 do CPP também passou a conferir legitimação ao assistente da acusação. Logo, se o assistente passa a ter legitimidade para, no curso do processo, requerer a decretação de medidas cautelares de natureza pessoal, inclusive a própria prisão preventiva do acusado, é evidente que também passa a ter interesse recursal para interpor recurso em sentido estrito contra decisão concessiva de habeas corpus. Em que pese o CPP prever o cabimento de RESE contra a decisão que negar a ordem de habeas corpus (CPP, art. 581, X), nada impede a utilização pela defesa, contra a mesma decisão, de habeas corpus, nos exatos termos do art. 648 do CPP. Assim, negada a ordem de habeas corpus pelo magistrado de 1ª instância, poderá ser impetrado novo habeas corpus à instância superior competente. Essa possibilidade de impetração de habeas corpus para uma instância superior contra decisão denegatória de writ anterior não é válida apenas para decisões de juí- zes de 1ª grau, mas também contra decisões proferidas pelos Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais Federais ou Tribunais Superiores. Logo, se um Tribunal de Justiça denegar a ordem de habeas corpus, o paciente poderá se valer tanto de um recurso ordinário constitucional para o Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, II, “a”), quanto de um novo habeas corpus para o STJ (CF, art. 105, I, “c”). 1.3.9. Decisão que conceder, negar ou revogar a suspensão condicional da pena ou a sus- pensão condicional do processo Se a concessão ou negativa da suspensão condicional da pena ocorrer em sede de sentença penal condenatória, o recurso cabível será o de apelação (CPP, art. 593, I), que terá o condão de absorver o RESE, ainda que a parte queira se insurgir, tão somente, contra o deferimento ou indeferimento do benefício, nos exatos termos do art. 593, § 4º, do CPP. Por outro lado, se a decisão pertinente à concessão (ou negativa) do sursis tiver sido pro- ferida pelo juiz da execução penal, o recurso cabível não será o RESE do art. 581, XI, do CPP, mas sim o agravo em execução previsto no art. 197 da Lei nº 7.210/84, impugnação adequada contra qualquer decisão prolatada em sede de execução criminal. O mesmo raciocínio se aplica à revogação do sursis, cuja competência é exclusiva do Juízo das Execuções, já que compete a ele fiscalizar o cumprimento das condições fixadas na suspensão condicional da pena (LEP, art. 66, III, “d”). Como se percebe, quanto à suspensão condicional da pena, o RESE previsto no art. 581, XI, do CPP, encontra-se tacitamente revogado, seja porque, se concedida ou negada a suspensão condicional da pena em sedede sentença condenatória, o recurso adequado será o apelação, seja TÍTULO 14 • RECURSOS 1807 porque, com o advento da LEP (Lei nº 7.210/84), restou previsto o agravo como impugnação adequada em relação a todas as decisões proferidas pelo juiz da execução. Dizemos que o RESE previsto no art. 581, XI, do CPP, encontra-se tacitamente revogado quanto à suspensão condicional da pena porquanto a jurisprudência tem admitido, por meio de interpretação extensiva, a interposição do recurso em sentido estrito aí previsto contra a decisão que concede, nega ou revoga a suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei nº 9.099/95. É bem verdade que a decisão que homologa a suspensão condicional do processo não consta do rol art. 581 do CPP. Mas isso por uma razão óbvia: a Lei nº 9.099/95 é posterior à vigência do Código de Processo Penal. Daí por que não há qualquer menção às decisões dos Juizados nos incisos do art. 581, o que, no entanto, não impede a possibilidade de interpretação extensi- va do art. 581, incisos XI ou XVI, do CPP (c/c art. 92 da Lei nº 9.099/95), que fazem menção expressa ao cabimento do RESE contra a decisão que conceder, negar ou revogar a suspensão condicional da pena, ou que ordenar a suspensão do processo – exatamente o que ocorre com a suspensão condicional do processo –, em virtude de questão prejudicial, respectivamente.147 De todo modo, ainda que se entenda não haver previsão legal de recurso cabível contra a homologação da suspensão, caso haja ofensa a direito líquido e certo, quando, por exemplo, o juiz conceder ex officio o benefício da suspensão condicional do processo, procedendo contra a vontade do titular da ação penal (Ministério Público ou querelante), ou quando houver a imposição de condições em desacordo com o disposto no art. 89, §§ 1º e 2º, nada impede a impetração de mandado de segurança pela acusação, ou habeas corpus em favor do acusado, e, ainda, correição parcial. 1.3.10. Decisão que conceder, negar ou revogar livramento condicional O dispositivo constante do art. 581, XII, do CPP, foi tacitamente revogado pela Lei nº 7.210/84, que passou a prever o cabimento do agravo em execução contra decisões proferidas pelo juízo da execução (LEP, art. 197). Considerando-se que o livramento condicional só pode ser concedido ao condenado à pena privativa de liberdade que tiver cumprido um certo quantum de sua pena – em regra, 1/3 (um terço) da pena (CP, art. 83, I) –, conclui-se que essa decisão só pode ser proferida pelo juízo da execução. Logo, o recurso adequado será o agravo em execução. 1.3.11. Decisão que anular o processo da instrução criminal, no todo ou em parte, ou que reconhecer a ilicitude da prova e determinar seu desentranhamento O art. 581, XIII, do CPP, prevê o cabimento de RESE contra a decisão que anular o pro- cesso da instrução criminal, no todo ou em parte. Em que pese o legislador referir-se à anulação do processo da instrução criminal, é pacífico que o termo aí empregado deve ser interpretado em sentido amplo, no sentido de fase judicial. Assim, diante da anulação total do processo ou de qualquer ato nele praticado, mesmo antes da fase instrutória, o recurso adequado será o RESE, pouco importando se tal anulação foi proferida de ofício pelo magistrado ou se houve provocação das partes. Mais uma vez, é importante que se tenha em mente que a utilização do RESE é residual, ou seja, sua interposição somente será possível se essa anulação não ocorrer em sede de sen- tença condenatória ou absolutória. De fato, considerando-se que a Lei nº 11.719/08 passou a prever uma audiência una de instrução e julgamento, é possível que o reconhecimento dessa 147. No sentido de que cabe RESE contra decisão que concede, nega ou revoga suspensão condicional do processo: STJ, 5ª Turma, REsp 601.924/PR, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU de 07/11/05; STJ, 5ª Turma, REsp 296.343/ MG, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 16/09/02; STJ, 6ª Turma, REsp 263.544/CE, 6ª Turma, Rel. Hamilton Carvalhido, DJu de 19/12/02; STJ, 5ª Turma, RMS 23.516/RJ, Rel. Min. Felix Fischer, DJe 03/03/2008. MANUAL DE PROCESSO PENAL – Renato Brasileiro de Lima1808 nulidade ocorra por ocasião da prolação de sentença condenatória ou absolutória, hipótese em que o recurso adequado será o de apelação, ainda que o recorrente queira impugnar apenas o reconhecimento da nulidade (CPP, art. 593, § 4º). O dispositivo prevê o cabimento do RESE apenas contra a decisão que anular o processo, no todo ou em parte. Logo, indeferida a anulação do processo, a irresignação das partes poderá ser feita por meio de preliminar de futura e eventual apelação, habeas corpus, mandado de se- gurança ou até mesmo correição parcial, a depender do caso concreto. O importante é lembrar que, em se tratando de nulidade relativa, esta deve ter sido arguida oportunamente, sob pena de já ter se operado a preclusão. Essa hipótese de cabimento do RESE prevista no art. 581, XIII, do CPP, também pode ser utilizada no caso de decisão judicial que reconhecer a ilicitude da prova e determinar seu subsequente desentranhamento dos autos do processo. Sobre o assunto, convém lembrar que, segundo o art. 157, § 3º, do CPP, “preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o inci- dente”. Da leitura desse dispositivo, percebe-se que deverá haver uma decisão determinando o desentranhamento da prova declarada inadmissível. Se o magistrado reconhecer a inadmis- sibilidade da prova antes da audiência una de instrução e julgamento, por meio de decisão interlocutória, o recurso cabível será o recurso em sentido estrito. Explica-se: é bem verdade que, segundo o Projeto de Lei nº 4.206/01, caberia agravo de instrumento contra a decisão que declarasse lícita ou ilícita a prova. Porém, tal projeto não foi aprovado. Destarte, pensamos ser aplicável, por interpretação extensiva, o disposto no art. 581, inciso XIII, que prevê ser cabível recurso em sentido estrito contra a decisão que anular o processo da instrução criminal, no todo ou em parte. Se, no entanto, o reconhecimento da ilicitude da prova ocorrer durante a audiência una de instrução e julgamento, sendo proferida sentença em seguida (CPP, art. 403, caput), o recurso a ser manejado será o de apelação, ainda que somente se recorra quanto à questão probatória, nos termos do art. 593, § 4º, do CPP. Lado outro, caso não seja reconhecida a ilicitude da prova, será possível a impetração de habeas corpus em favor do acusado, desde que a imputação constante do processo refira-se à infração penal que preveja, pelo menos em tese, pena privativa de liberdade. Também se afigura cabível o mandado de segurança, seja em favor da acusação, apontando o direito líquido e certo à prova lícita, consectário do direito de ação, seja em favor do acusado, caso a infração penal não preveja pena privativa de liberdade. Em ambas as situações (reconhecimento ou não da ilicitude da prova), a matéria poderá ser impugnada novamente em preliminar de futura e eventual apelação, em face de cerceamento do direito de defesa ou de acusação. 1.3.12. Decisão que incluir jurado na lista geral ou desta o excluir O art. 581, XIV, do CPP, prevê o cabimento de recurso em sentido estrito contra a decisão que incluir jurado na lista geral ou desta o excluir. Esse dispositivo, a nosso ver, deve ser lido em cotejo com as recentes mudanças produzidas pela Lei nº 11.689/08, que alterou o procedi- mento do Tribunal do Júri. De acordo com o art. 426 do CPP, a lista geral dos jurados, com indicação das respectivas profissões, será publicada pela imprensa até o dia 10 de outubro de cada ano e divulgada em editais afixados à porta do Tribunal do Júri. Juntamente com a lista, serão transcritos os arts. 436 a 446 do CPP. Ainda segundo o CPP (art. 426, § 1º), esta lista poderá ser alterada, de ofício ou mediante reclamação de qualquer do povo ao juiz presidente atéo dia 10 de novembro, data de sua publicação definitiva. Há quem entenda que, não obstante as mudanças produzidas pela Lei nº 11.689/08, que passou a prever esta reclamação de qualquer do povo ao juiz presidente até o dia 10 de novem- bro, continua sendo cabível RESE contra a lista geral dos jurados. Ao contrário das demais TÍTULO 14 • RECURSOS 1809 hipóteses de cabimento do RESE, cujo prazo de interposição é de 5 (cinco) dias, sendo o recurso apreciado por câmaras dos Tribunais de Justiça ou por turmas dos Tribunais Regionais Federais, o RESE interposto contra a lista geral dos jurados tem o prazo de 20 (vinte) dias, contados da data da publicação definitiva da lista de jurados, cabendo seu julgamento ao Presidente do respectivo Tribunal, nos exatos termos do art. 581, XIV, c/c art. 582, parágrafo único, c/c art. 586, parágrafo único, todos do CPP. Ademais, este RESE pode ser interposto não somente pelo Ministério Público e advogados, aí também incluídos os Defensores Públicos, como também por qualquer pessoa, desde que representada por advogado que resida na comarca abrangida pela lista, inclusive o próprio jurado incluído ou excluído. A nosso ver, se o art. 426, § 1º, do CPP, com redação determinada pela Lei nº 11.689/08, passou a prever instrumento específico para impugnação da lista geral dos jurados – reclamação de qualquer do povo ao juiz presidente até o dia 10 de novembro –, isso significa dizer que houve a revogação tácita do art. 581, XIV, do CPP, que previa o cabimento de RESE contra a decisão que incluísse jurado na lista geral ou dela o excluísse. 1.3.13. Decisão que denegar a apelação ou a julgar deserta Em regra, o recurso adequado contra a decisão que denegar recurso interposto ou obstar sua expedição é a carta testemunhável, nos termos do art. 639 do CPP. Todavia, contra a deci- são que denegar a apelação ou a julgar deserta, o inciso XV do art. 581 prevê o cabimento de recurso em sentido estrito. A apelação é denegada quando verificada a ausência dos pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade recursal. Apesar de tais pressupostos serem analisados tanto pelo juízo a quo quanto pelo juízo ad quem, é evidente que a hipótese de cabimento do RESE prevista no art. 581, XV, do CPP, destina-se apenas à impugnação da denegação da apelação pelo juízo a quo. Isso porque, como visto anteriormente, o RESE é modalidade de impugnação que se dirige, tão somente, contra decisão de juiz singular, jamais contra decisões de órgãos colegiados dos Tribunais ou decisões monocráticas de relator nos processos que lhe estejam afetos. A deserção é outra hipótese que acarreta a extinção anômala do recurso. Subsiste uma única hipótese de deserção no CPP, a saber, a deserção por falta de preparo do recurso do querelante em crimes de ação penal exclusivamente privada, já que a outra hipótese – fuga do acusado nas hipóteses em que a lei impõe seu recolhimento à prisão para apelar, outrora prevista no art. 595 do CPP – foi expressamente revogada pela Lei nº 12.403/11. Só é cabível RESE contra a decisão do juiz de 1ª instância que denegar a apelação ou a julgar deserta. Logo, se, a despeito do não preenchimento de seus pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade recursal, a apelação for recebida pelo juízo a quo, caberá à parte contrária insurgir-se contra a matéria em suas contrarrazões, objetivando convencer o juízo ad quem no sentido do não conhecimento do recurso interposto. 1.3.14. Decisão que ordenar a suspensão do processo, seja em virtude de questão prejudicial, seja quando o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir defensor Uma vez determinada a suspensão do processo em virtude do reconhecimento de questão prejudicial heterogênea, seja ela pertinente (ou não) ao estado civil das pessoas (CPP, arts. 92 e 93), com a consequente suspensão da prescrição (CP, art. 116, I), o recurso cabível será o recurso em sentido estrito, nos termos do art. 581, XVI, do CPP. Como observa a doutrina, se o juiz, julgando equivocadamente estar diante de questão prejudicial, suspender o processo penal, a prescrição não ficará suspensa, podendo, mais tarde, ser declarada em grau de recurso a extinção da punibilidade. Por isso, a lei faculta o manejo do RESE tanto em relação às questões MANUAL DE PROCESSO PENAL – Renato Brasileiro de Lima1810 prejudiciais de suspensão obrigatória (CPP, art. 92), como no tocante aos casos de suspensão facultativa (CPP, art. 93).148 O CPP prevê o cabimento de RESE apenas contra a decisão que ordenar a suspensão do processo em virtude de questão prejudicial (CPP, art. 581, XVI). Logo, não cabe recurso contra a decisão que indeferir a suspensão do processo. Nesse sentido, aliás, eis o teor do art. 93, § 2º, do CPP: “Do despacho que denegar a suspensão não caberá recurso”. A despeito de não haver previsão legal de recurso adequado contra o indeferimento da suspensão do processo em virtude de questão prejudicial, a matéria poderá ser questionada em preliminar de futura e eventual apelação, sem prejuízo da utilização dos writs constitucionais – mandado de segurança e habeas corpus. Com base em interpretação extensiva do art. 581, XVI, do CPP, os tribunais também têm admitido a utilização do recurso em sentido estrito contra decisão que determina a suspensão do processo e da prescrição pelo fato de o acusado, citado por edital, não ter comparecido nem constituído defensor (CPP, art. 366).149 1.3.15. Decisão que decidir sobre a unificação de penas Caso haja conexão ou continência entre infrações penais, deve haver, em regra, a reunião dos processos. Porém, se houver a instauração de feitos distintos, a unidade dos processos ocorrerá posteriormente para o efeito da soma ou da unificação de penas (CPP, art. 82, in fine). Assim, reconhecendo-se que as penas aplicadas nos processos devem ser unificadas, por haver concurso formal próprio ou crime continuado, o juízo encarregado da execução deve proceder à sua unificação, ajustando-as ao disposto nos arts. 70, 1ª parte, e 71, ambos do Código Penal. Se a Lei de Execução Penal atribui ao juiz da execução competência para decidir sobre soma ou unificação de penas (Lei nº 7.210/84, art. 66, III, “a”), conclui-se que a hipótese de cabimento do RESE prevista no art. 581, XVII, do CPP, foi tacitamente revogada pelo art. 197 da LEP, que passou a prever agravo em execução contra as decisões proferidas pelo juízo das execuções criminais. 1.3.16. Decisão que decidir o incidente de falsidade Segundo o inciso XVIII do art. 581 do CPP, caberá recurso em sentido estrito contra a de- cisão que decidir o incidente de falsidade regulamentado pelos arts. 145 a 148, e que, se julgado procedente, provoca a exclusão do documento impugnado dos autos e, se denegado, sua manu- tenção como prova. O recurso em sentido estrito será cabível tanto na hipótese de procedência como no caso de improcedência do pedido constante do incidente de falsidade documental. Nesse ponto, há de se dispensar especial atenção ao art. 145, inciso IV, do CPP, segundo o qual “se reconhecida a falsidade por decisão irrecorrível, (o juiz) mandará desentranhar o documento e remetê-lo, com os autos do processo incidente, ao Ministério Público”. Leitura precipitada desse dispositivo pode levar à conclusão (equivocada) de que o reconhecimento da falsidade, ou seja, a procedência do incidente, seria irrecorrível. No entanto, quando o dispo- sitivo refere-se ao reconhecimento da falsidade por decisão irrecorrível, não está assegurando sua irrecorribilidade. Na verdade, o dispositivo condiciona o desentranhamento do documento à preclusão da decisão judicial. Tecnicamente, portanto, o dispositivo deve ser lido no seguinte sentido: “preclusa a decisão que reconhecer a falsidade do documento, este será desentranhado dos autos e remetido, com os autos do processo incidente, ao Ministério Público”. 148. AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. 2ª ed. São Paulo: Método, 2010. p. 1.119.149. STJ, 6ª Turma, REsp 260.217/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 12/09/2000, DJ 02/10/2000 p. 192. TÍTULO 14 • RECURSOS 1811 1.3.17. Incidentes da execução da pena O art. 581 também prevê o cabimento do recurso em sentido estrito contra as seguintes decisões: que decretar medida de segurança, depois de transitar a sentença em julgado (XIX); que impuser medida de segurança por transgressão de outra (XX); que mantiver ou substituir a medida de segurança, nos termos do art. 774 (XXI);150 que revogar a medida de segurança (XXII); que deixar de revogar a medida de segurança, nos casos em que a lei admita a revogação (XXIII). Ocorre que todas essas decisões dizem respeito a matérias disciplinadas na Lei de Execu- ção Penal (arts. 175 a 179, 183 e 184). Logo, há de se concluir que tais hipóteses de cabimento do recurso em sentido estrito foram tacitamente revogadas pelo art. 197 da LEP, que passou a prever agravo em execução contra as decisões proferidas pelo juízo das execuções criminais. 1.3.18. Decisão que converter a multa em detenção ou prisão simples Na redação original do Código Penal, era possível a conversão da pena de multa em prisão, quando o condenado solvente deixasse de pagá-la ou frustrasse a sua execução. A cada dia-multa corresponderia um dia de detenção, que não poderia ser superior a um ano. Além disso, se a multa fosse paga, a conversão ficava sem efeito. Ocorre que, em virtude do advento da Lei nº 9.268/96, houve a alteração do art. 51 do Código Penal, que, à época, passou a prever que, transitada em julgado a sentença condenatória, a multa seria considerada dívida de valor, aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição. Mais recentemente ainda, o Pacote Anticrime (Lei n. 13.964/19) conferiu nova redação ao art. 51, caput, do CP: “Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e será conside- rada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição”. Destarte, conclui-se que o art. 581, XXIV, do CPP, foi tacitamente revogado pela Lei nº 9.268/96, que deixou de prever a possibilidade de conversão da pena de multa em detenção ou prisão simples. Se, a despeito da nova redação do art. 51 do CP, houver a conversão, esse constrangimento ilegal à liberdade de locomoção dará ensejo à impetração de habeas corpus. 1.3.19. Decisão que recusar homologação à proposta de acordo de não persecução penal (CPP, art. 28-A) Código de Processo Penal ANTES da Lei n. 13.964/19 Código de Processo Penal DEPOIS da Lei n. 13.964/19 Art. 581. Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença: (...) Sem correspondente. Art. 581. (...) (...) XXV – que recusar homologação à proposta de acordo de não persecução penal, previsto no art. 28-A desta Lei. Ante a inserção no Código de Processo Penal do acordo de não persecução penal (art. 28-A), o legislador do Pacote Anticrime (Lei n. 13.964/19) vislumbrou a necessidade de criar instrumento de impugnação adequado para eventual recusa judicial à homologação da proposta. Com efeito, segundo o art. 28-A, §7º, do CPP, o juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais ou quando não for realizada a adequação a que se refere 150. O art. 774 do CPP encontra-se tacitamente revogado, já que se refere a dispositivo do Código Penal que foi revogado com a reforma da Parte Geral de 1984 (Lei nº 7.209/84). Por consequência, pode-se dizer que o inciso XXI do art. 581 do CPP também foi revogado tacitamente. MANUAL DE PROCESSO PENAL – Renato Brasileiro de Lima1812 o §5º deste artigo. Daí a introdução do inciso XXV ao art. 581 do CPP, que passou a prever o cabimento de recurso em sentido estrito contra a decisão que recusar homologação à proposta de acordo de não persecução penal, previsto no art. 28-A do CPP. Levando-se em consideração a semelhança entre as duas situações, o inciso sob comento pode – e deve – ser interpretado extensivamente para fins de também se admitir a interposição de recurso em sentido estrito con- tra a decisão judicial que recusar homologação à proposta do acordo de colaboração premiada (Lei n. 12.850/13, art. 4º, §8º). 1.4. Aspectos procedimentais do recurso em sentido estrito 1.4.1. Forma O recurso em sentido estrito pode ser interposto por petição ou por termo nos autos (CPP, art. 587, caput). Em regra, o recurso em sentido estrito é processado por instrumento, ou seja, em autos apartados, com peças trasladadas ou fotocopiadas. Nesse caso, incumbe ao recorrente indicar, no próprio termo, ou em requerimento avulso, as peças dos autos de que pretenda traslado (CPP, art. 587, caput). O traslado será extraído, conferido e concertado no prazo de 05 (cinco) dias, e dele constarão sempre a decisão recorrida, a certidão de sua intimação, se por outra forma não possível verificar-se a oportunidade do recurso, e o termo de interposição (CPP, art. 587, parágrafo único). Também é interessante a juntada do instrumento de procuração dos advogados constituídos, uma vez que, segundo a súmula nº 115 do STJ, é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos. Como visto anteriormente, esse preceito sumular não é aplicável exclusivamente em matéria cível. Porém, diante da norma do art. 266 do CPP, que prevê que a constituição de defensor no processo penal independe de instrumento de mandato, se o acusado o indicar por ocasião do interrogatório, deve se flexibilizar a interpretação que é dada à forma- lização do instrumento em matéria penal. Assim, ao invés de ser anexado o mandato aos autos do agravo, é possível que o advogado junte ao feito cópia do termo de interrogatório ou uma certidão da secretaria da vara informando que sua nomeação se deu no ato de interrogatório.151 Quando for impossível ao escrivão extrair o traslado no prazo de lei, poderá o juiz pror- rogá-lo até o dobro, nos termos do art. 590 do CPP. O art. 583 do CPP prevê situações em que o recurso em sentido estrito deve ser encaminhado à instância superior nos próprios autos do processo, e não por instrumento: I – quando interpostos de ofício: subsiste a hipótese de recurso em sentido estrito inter- posto de ofício pelo juiz apenas em relação à decisão concessiva de habeas corpus (CPP, art. 574, I, c/c art. 581, X), porquanto houve a revogação tácita do art. 574, II, do CPP, que previa o reexame necessário na hipótese de absolvição sumária no âmbito do Júri; II – quando se tratar de recurso em sentido estrito contra a decisão que não receber a de- núncia ou a queixa (CPP, art. 581, I), que julgar procedentes as exceções, salvo a de suspeição (CPP, art. 581, III), que pronunciar o acusado (CPP, art. 581, IV), que julgar extinta a punibi- lidade (CPP, art. 581, VIII) e que conceder ou negar a ordem de habeas corpus (CPP, art. 581, X). Especificamente em relação ao RESE interposto contra a pronúncia, especial atenção deve ser dispensada à regra do art. 583, parágrafo único, do CPP, segundo a qual o recurso deve subir em traslado se, havendo dois ou mais acusados, qualquer deles se conformar com a decisão ou todos não tiverem sido ainda intimados da pronúncia. Em tais hipóteses, dar-se-á a cisão do 151. Com esse entendimento: STF, 2ª Turma, HC 87.008/MG, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 08/05/2007, DJe 032 06/06/2007. TÍTULO 14 • RECURSOS 1813 processo, que terá seguimento apenas em relação aos acusados intimados da pronúncia que não manifestaram interesse em recorrer contra ela; III – quando a remessa do recurso nos próprios autos do processo não prejudicar o an- damento do feito: é o que ocorre, por exemplo, com a decisão que determina a suspensão do processo, em virtude do reconhecimento de questão prejudicial, ou pelo fato de o acusado, citado por edital,não ter comparecido, nem constituído defensor (CPP, art. 366). Nesses casos, como o processo está suspenso por força da decisão judicial impugnada, não haverá qualquer prejuízo se os autos originais forem remetidos à instância superior. 1.4.2. Prazo Segundo o art. 586, caput, do CPP, o recurso em sentido estrito deve ser interposto no prazo de 5 (cinco) dias, valendo lembrar que, para aqueles que entendem que subsiste o cabimento do RESE contra a lista geral dos jurados (CPP, art. 581, XIV), o prazo é de 20 (vinte) dias, contados da data da publicação definitiva da lista de jurados. Interposto o RESE no prazo de 5 (cinco) dias, os autos serão conclusos ao magistrado para o juízo de admissibilidade. Denegado o RESE, será cabível carta testemunhável (CPP, art. 639, I). Preenchidos seus pressupostos, a impugnação será recebida pelo juízo a quo, que deve notificar as partes – primeiro o recorrente, depois o recorrido – para apresentação das razões e contrarrazões recursais, cada qual no prazo de 02 (dois) dias (CPP, art. 588, caput). Apesar de o art. 588, caput, do CPP, sugerir que o prazo de 02 (dois) dias para apresentação das razões recursais corra de maneira automática após a interposição do recurso (ou extração do traslado pelo escrivão), prevalece o entendimento no sentido de que sua fluência só terá início após a notificação do recorrente para essa finalidade. Quanto ao recurso em sentido estrito, não existe a possibilidade de se arrazoar na segunda instância, tal qual prevista em relação à apelação (CPP, art. 600, § 4º). Isso porque, como o RESE é dotado de juízo de retratação, é indispensável que as razões sejam apresentadas no 1º grau de jurisdição, permitindo que o juiz possa se retratar ou confirmar sua decisão, antes de remeter os autos à instância superior. No âmbito processual penal militar, os recursos em sentido estrito serão interpostos no prazo de 3 (três) dias, contados da data da intimação da decisão, ou da sua publicação ou leitura em pública audiência, na presença das partes ou seus procuradores, por meio de requerimento em que se especificarão, se for o caso, as peças dos autos de que se pretenda traslado para instruir o recurso (CPPM, art. 518, caput). Dentro em 5 (cinco) dias, contados da vista dos autos, ou do dia em que, extraído o traslado, dele tiver vista o recorrente, oferecerá este as razões do recurso, sendo, em seguida, aberta vista ao recorrido, em igual prazo (CPPM, art. 519, caput). 1.4.3. Processamento Apresentadas (ou não) as razões do recurso em sentido estrito, os autos retornarão ao juízo a quo, para fins de possível retratação da decisão impugnada (CPP, art. 589, caput). Se o magistrado confirmar sua decisão, deve determinar a remessa do recurso ao juízo ad quem. Se, no entanto, houver a retratação, a parte prejudicada poderá, por simples petição, recorrer contra a nova decisão, mas desde que também seja cabível RESE contra ela, hipótese em que não se admitirá nova modificação do teor do decisum. Neste caso, o recurso será remetido ao Tribunal competente, independentemente da apresentação de novas razões recursais (CPP, art. 589, parágrafo único). Vejamos um exemplo: suponha-se que, por meio de decisão interlocutória proferida no curso do processo, um juiz de 1ª instância declare extinta a punibilidade. Não se conformando com tal decisão, o Ministério Público interpõe recurso em sentido estrito, nos termos do art. 581, VIII, do CPP. Apresentadas as razões e contrarrazões recursais, os autos são conclusos ao magistrado, MANUAL DE PROCESSO PENAL – Renato Brasileiro de Lima1814 que acaba se retratando, ou seja, conclui que não era caso de declarar extinta a punibilidade. Como se percebe, diante da retratação do juízo a quo, exsurge para o acusado interesse recursal, porquanto se vê prejudicado diante da decisão que não reconheceu a extinção da punibilidade. Nesse caso, como também há previsão legal de RESE contra a decisão que indeferir o pedido de reconhecimento da prescrição ou de outra causa extintiva da punibilidade (CPP, art. 581, IX), poderá a defesa, por simples petição, recorrer contra a nova decisão, não sendo mais lícito ao juiz modificá-la. Os autos, então, serão encaminhados à instância superior, independentemente da apresentação de novos arrazoados (CPP, art. 589, parágrafo único). Perceba-se que essa interposição de recurso em sentido estrito por simples petição, após a retratação do juízo a quo, somente será cabível se também couber RESE contra essa nova decisão. Por isso, trabalhamos com o exemplo da extinção da punibilidade, que admite RESE nos dois sentidos, seja quando o juiz julga extinta a punibilidade, seja quando o juiz indefere a extinção da punibilidade. Caso não seja cabível RESE contra a decisão emergente da retratação, a parte prejudicada não poderá se valer do permissivo do art. 589, parágrafo único, do CPP. É o que ocorre, por exemplo, com a pronúncia. Interposto recurso em sentido estrito contra tal decisão pela defesa (CPP, art. 581, IV), é possível que o juízo a quo se retrate, deliberando pela absolvição sumá- ria do acusado. Nesse caso, diante da revogação do inciso VI do art. 581 do CPP pela Lei nº 11.689/08, não mais se afigura possível a interposição de RESE por simples petição com base no permissivo do art. 589, parágrafo único, pois a absolvição sumária deixou de ser impugnada por meio de RESE. Portanto, caberá ao Ministério Público interpor recurso de apelação, instru- mento adequado para impugnação da absolvição sumária (CPP, art. 416). 1.4.4. Competência para o julgamento A competência para o julgamento do recurso em sentido estrito recai sobre as Câmaras dos Tribunais de Justiça e Turmas dos Tribunais Regionais Federais. Para aqueles que advogam que o art. 581, XIV, do CPP, não foi tacitamente revogado pela Lei nº 11.689/08, a única ressalva ao julgamento pelas Câmaras e Turmas dos Tribunais fica por conta do recurso em sentido estrito contra a lista geral dos jurados, que deve ser apreciado pelo Presidente do Tribunal a que estiver vinculado o juízo que organizou a lista impugnada.152 1.5. Efeitos Como todo e qualquer recurso, o recurso em sentido estrito é dotado de efeito devolutivo, transferindo o conhecimento da matéria impugnada ao Poder Judiciário, objetivando a reforma, a invalidação, a integração ou o esclarecimento da decisão impugnada. O recurso em sentido estrito também é dotado de efeito regressivo (iterativo ou diferido), já que permite a devolução da matéria impugnada, para fins de reexame, ao mesmo órgão juris- dicional que prolatou a decisão recorrida. Permite-se, assim, que o órgão jurisdicional prolator da decisão impugnada possa se retratar antes de determinar a remessa do recurso ao juízo ad quem. Esse juízo de retratação (ou de confirmação) do RESE está previsto expressamente no art. 589 do CPP. Se o juiz não se manifestar, fundamentadamente, na fase do juízo de retratação, em fiel observância à regra do art. 589, caput, do CPP, a instância superior deve converter o julgamento do recurso em diligência, para que o juízo a quo o faça. De todo modo, prevalece o entendimento jurisprudencial no sentido de que a decisão do juiz singular que encaminha 152. Para mais detalhes acerca da possibilidade de julgamento monocrático do recurso em sentido estrito pelo Relator, remetemos o leitor ao princípio da colegialidade. TÍTULO 14 • RECURSOS 1815 recurso em sentido estrito sem antes proceder ao juízo de retratação é mera irregularidade e não enseja nulidade absoluta.153 O recurso em sentido estrito também pode ser dotado de efeito extensivo: a decisão do recurso interposto por um dos acusados no caso de concurso de agentes, desde que fundada em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos demais (CPP, art. 580). Pelo menos em regra, o recurso em sentido estrito não é dotado de efeito suspensivo, salvo nas seguintes hipóteses: a) perda da fiança: transitada em julgado a sentença condenatória,não pode o condenado frustrar a efetivação da punição, esquivando-se da apresentação à prisão, ou evadindo-se para não ser encontrado pelo oficial ou outra autoridade encarregada de levá-lo ao cárcere. Se o fizer, a fiança será julgada perdida. Segundo o art. 344, com redação determinada pela Lei nº 12.403/11, entende-se perdido, na totalidade, o valor da fiança se, proferida sentença condena- tória com trânsito em julgado, o acusado não se apresenta para o início do cumprimento da pena definitivamente imposta. Após as deduções (pagamento das custas, da indenização do dano, da prestação pecuniária e da multa), o que restar será destinado aos cofres federais (CPP, art. 345). De acordo com o art. 581, inciso VII, do CPP, a decisão que decreta a perda, privativa do magistrado, comporta recurso em sentido estrito, o qual é dotado de efeito suspensivo quanto à destinação do valor remanescente (art. 584, caput, CPP). Não obstante, como o perdimento da fiança é decretado, em regra, pelo juízo da execução, porquanto ocorre após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, o recurso cabível será o agravo em execução, nos exatos termos do art. 197 da Lei de Execução Penal. b) decisão que denegar a apelação ou a julgar deserta; c) recurso contra a pronúncia: de acordo com o art. 584, § 2º, do CPP, este recurso suspen- derá tão somente o julgamento. Interpretação precipitada do dispositivo pode levar à conclusão (equivocada) de que a interposição do RESE contra a pronúncia teria o condão de suspender apenas a realização do julgamento, o que não é verdade. A uma porque, diante das mudanças produzidas pela Lei nº 11.689/08, os autos dos processos atinentes a crimes dolosos contra a vida somente serão encaminhados ao Juiz Presidente do Tribunal do Júri quando preclusa a decisão de pronúncia (CPP, art. 421, caput). Portanto, diante da interposição de RESE contra a pronúncia, sequer é possível o início da preparação do processo para julgamento em plenário (CPP, arts. 422 a 424), porquanto os autos somente serão encaminhados ao juiz presidente quando não couber mais recurso contra a decisão de pronúncia. Ademais, não se pode perder de vista que o RESE contra a pronúncia subirá à instância superior nos próprios autos do pro- cesso, o que demonstra, à evidência, a impossibilidade de prosseguimento do feito na vara do júri. Em síntese, pode-se concluir que, interposto RESE contra a pronúncia, ficará suspensa a submissão do acusado ao julgamento perante o Tribunal do Júri, ficando o início da preparação do processo para julgamento em plenário condicionado ao julgamento da referida impugnação. Se, por ocasião da pronúncia, for decretada (ou mantida) a prisão preventiva ou quaisquer me- didas cautelares diversas da prisão, nos termos do art. 413, § 3º, o recurso em sentido estrito interposto contra a pronúncia não terá o condão de suspender a execução da medida. Restará ao acusado, então, a possibilidade de impetrar ordem de habeas corpus. Ainda em relação a esse recurso em sentido estrito interposto contra a decisão de pronúncia, especial atenção deve ser dispensada ao art. 585 do CPP: “O réu não poderá recorrer da pronúncia senão depois de preso, salvo se prestar fiança, nos casos em que a lei a admitir”. Do mesmo modo que não se pode condicionar o conhecimento da apelação ao recolhimento do acusado à prisão (CPP, art. 387, § 1º), também não se pode exigir o recolhimento do acusado à prisão para que possa se 153. STJ, 5ª Turma, HC 177.854/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 14/02/2012, DJe 24/02/2012; STJ, 5ª Turma, HC 216.944/ PA, Rel. Min. Assusete Magalhães, j. 04/12/2012, DJe 18/12/2012. MANUAL DE PROCESSO PENAL – Renato Brasileiro de Lima1816 insurgir contra a decisão de pronúncia. Com a reforma do CPP pela Lei nº 11.689/08, encontra- -se implicitamente revogado o dispositivo do art. 585 do CPP, uma vez que o acusado somente deve ser recolhido ao cárcere se o magistrado assim entender necessário e desde que presente hipótese que autorize a decretação de sua prisão preventiva (CPP, art. 413, § 3º);154 d) decisão que julgar quebrada a fiança: segundo o art. 343 do CPP, com redação determi- nada pela Lei nº 12.403/11, o quebramento injustificado da fiança importará na perda de metade do seu valor, cabendo ao juiz decidir sobre a imposição de outras medidas cautelares ou, se for o caso, a decretação da prisão preventiva. O recurso em sentido estrito interposto contra essa decisão terá efeito suspensivo apenas quanto ao perdimento da metade do valor prestado em fiança (art. 584, § 3º, CPP). Portanto, diante do quebramento da fiança, caso o juiz determine a imposição de outras medidas cautelares ou, se for o caso, a prisão preventiva, o RESE interposto não terá o condão de impedir a imediata execução de tais medidas. Restará ao acusado, assim, a possibilidade de impetrar ordem de habeas corpus. 2. APELAÇÃO 2.1. Noções gerais A apelação é tratada pela doutrina como recurso ordinário por excelência, já que consiste na impugnação de efeito devolutivo mais amplo, por permitir ao juízo ad quem, quando inter- posta contra sentença de mérito proferida por juiz singular, o reexame integral das questões suscitadas no primeiro grau de jurisdição, ressalvadas aquelas sobre as quais tenha se operado a preclusão (v.g., nulidade relativa não arguida oportunamente). Funciona como eficaz instru- mento processual para concretização do princípio do duplo grau de jurisdição, visto que, em face do extenso âmbito cognitivo do julgado recorrido, permite que o juízo ad quem reaprecie questões de fato e de direito. Trata-se de recurso amplo porque permite à parte, assim o desejando, devolver ao conhe- cimento da instância superior o pleno conhecimento do feito. Por isso, a regra é que a apelação seja um recurso de fundamentação livre. A apelação também funciona como recurso preferível, já que se trata do instrumento ade- quado quando parte da decisão poderia ser impugnada por meio de recurso em sentido estrito, que fica absorvido pela apelação, nos termos do art. 593, § 4º, do CPP, em fiel observância ao princípio da unirrecorribilidade. Essa natureza ampla da apelação contra decisões do juiz singular permite que o juízo ad quem concentre as funções rescindentes e rescisórias. Assim, pelo menos em regra, haverá substituição da sentença impugnada por outra por ocasião do julgamento da apelação, exceto nos casos de reconhecimento de nulidade, em que haverá apenas a cassação da decisão recorrida (juízo rescindente). Ressalve-se dessa possibilidade de devolução plena à instância superior apenas a hipótese de apelação contra decisões do júri. Nesse caso, diante da garantia constitucional da soberania dos veredictos (CF, art. XXXVIII, “c”), o Tribunal está restrito à reforma da aplicação do direito feita pelo juiz presidente, não podendo, todavia, modificar o quanto decidido pelos jurados. Na hipótese de a instância superior concluir que a decisão do Júri foi manifestamente contrária à prova dos autos, o Tribunal deve se limitar a rescindir (cassar) a decisão impugnada, sujeitando o acusado a novo julgamento perante o Tribunal do Júri. 154. Nesse sentido: STF, 1ª Turma, HC 101.244/MG, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 16/03/2010, DJe 62 08/04/2010.
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