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João Henrique Ribeiro Roriz & Alberto Amaral Júnior (Orgs.) O Direito Internacional em Movimento: Jurisprudência Internacional Comentada Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia | Tribunal Penal Internacional | Corte Interamericana de Direitos Humanos | Corte Europeia de Direitos Humanos Instituto Brasiliense de Direito Civil Grupo de Pesquisa Crítica e Direito Internacional Brasília – Brasil TOPO 2017 Serigrafia sobre papel 42 x 59.4 cm “A obra ‘TOPO’ é a releitura gráfica de mapa topográfico referente a uma região brasileira não específica. Seus traços representam as divisões e ou demarcações, imaginárias e transitórias de áreas de solo, seja por cobiça do homem ou por capricho natureza.” M.o.a Estudio João Henrique Ribeiro Roriz e Alberto do Amaral Júnior (orgs.) O Direito Internacional em Movimento: Jurisprudência Internacional Comentada Tribunal Penal Internacional para a ex- Iugoslávia, Tribunal Penal Internacional, Corte Interamericana de Direitos Humanos e Corte Europeia de Direitos Humanos Instituto Brasiliense de Direito Civil (IBDC) Grupo de Pesquisa Crítica e Direito Internacional (C&DI) Brasília – Brasil 2020 Instituto Brasiliense de Direito Civil e Grupo de Pesquisa Crítica e Direito Internacional Série Jus Civile, Jus Gentium Diagramação: George Rodrigo Bandeira Galindo Edição: Patrícia Ramos Barros Capa: M.o.a Estudio Imagem da Capa: M.o.a Estudio Revisão: Os autores Série Jus Civile, Jus Gentium – Conselho Editorial George Rodrigo Bandeira Galindo (UnB) - Presidente Frederico Henrique Viegas de Lima (UnB) Othon de Azevedo Lopes (UnB) João Henrique Ribeiro Roriz (UFG) Fábia Fernandes Carvalho Veçoso (Universidade de Melbourne) O direito internacional em movimento [livro eletrônico] : jurisprudência internacional comentada... / organização João Henrique Ribeiro Roriz , Alberto do Amaral Júnior. -- 1. ed. -- Brasília, DF : IBDC Instituto Brasiliense de Direito Civil ; Brasília : Grupo de Pesquisa Crítica e Direito Internacional, 2020. -- (Série Jus Civile, Jus Gentium ; 5) 326 p. Inclui bibliografia e sumário ISBN 978-65-89358-00-8 1. Direito 2. Direito internacional 3. Jurisprudência 4. Legislação 5. Tribunal de Justiça I. Roriz, João Henrique Ribeiro. II. Júnior, Alberto do Amaral. III. Série. 20-51853 CDU 341 Série Jus Civile, Jus Gentium, Nº 5: O direito internacional em movimento: jurisprudência internacional comentada: Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia, Tribunal Penal Internacional, Corte Interamericana de Direitos Humanos e Corte Europeia de Direitos Humanos. 1ª edição: dezembro de 2020. 2020: Centenário da publicação de A sociedade das nações, de Amaro Cavalcanti. Instituto Brasiliense de Direito Civil SBN Quadra 02 Bloco F Sala 903 Edifício Via Capital -70.041-906 Brasília – DF Grupo de Pesquisa Crítica e Direito Internacional Campus Darcy Ribeiro s/n Faculdade de Direito, UnB – 70.919-970 Brasília – DF Aos meus pais, João e Silvia, com todo meu amor e gratidão. João Henrique Ribeiro Roriz Aos meus pais que me ensinaram a superar os obstáculos e acreditar na árvore eterna da vida. Alberto do Amaral Júnior SUMÁRIO APRESENTAÇÃO................................................................................................................... 08 O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA Procurador vs. Duško Tadić, Decisão sobre a Moção da Defesa por Recurso Interlocutório (2 de outubro de 1995) João Roriz................................................................................................................................. 14 Procurador vs. Dražen Erdemović, Julgamento (07 de outubro de 1997) Janaína Rodrigues Valle Gomes.............................................................................................. 31 Procurador vs. Sikirica e outros, Julgamento sobre as Moções da Defesa de Absolvição (3 de setembro de 2001) Wellington Pereira Carneiro................................................................................................... 45 Procurador vs. Radislav Krstić (IT-98-33), julgamento da Seção de Recursos em 19 de abril de 2004 André Lopes Lasmar................................................................................................................ 54 O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL Situação na República do Quênia, Decisão nos termos do artigo 15 do Estatuto de Roma sobre a autorização de uma investigação sobre a situação na República do Quênia (31 de março de 2010) Renata Nagamine..................................................................................................................... 70 Procurador vs. Muammar Gaddafi e Saif Al-Islam Gaddafi, Julgamento referente ao Artigo 19 do Estatuto de Roma (05 de julho de 2011) Renata Mantovani de Lima e Carlos Augusto Canêdo Gonçalves da Silva............................ 86 Procurador vs. Thomas Lubanga Dyilo, Julgamento relativo ao Artigo 74 do Estatuto (14 de março de 2012) Gabriela Rodrigues Saab........................................................................................................ 102 6 Procurador vs. Mathieu Ngudjolo Chui, Julgamento referente ao Artigo 74 do Estatuto (18 de dezembro de 2012) Tor Krever e Teresa Almeida Cravo.......................................................................................114 A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS “A Última Tentação de Cristo” (Olmedo Bustos e outros vs. Chile) (05 de fevereiro de 2001) Fúlvio Eduardo Fonseca........................................................................................................ 130 Herrera Ulloa vs. Costa Rica (02 de julho de 2004) Adriane Sanctis de Brito........................................................................................................ 145 “Campo Algodonero” (González e outras v. México) (16 de novembro de 2009) Isabela Gerbelli Garbin Ramanzini e Marrielle Maia Alves Ferreira................................. 159 Gomes Lund e outros vs. Brasil (“Guerrilha do Araguaia”) (24 de novembro de 2010) André de Carvalho Ramos.................................................................................................... 171 Gomes Lund e outros vs. Brasil (“Guerrilha do Araguaia”) (24 de novembro de 2010) Fábia Fernandes Carvalho Veçoso........................................................................................ 197 Gelman vs. Uruguai (24 de fevereiro de 2011) Renan Honório Quinalha..................................................................................................... 210 Atala e filhas vs. Chile (24 de fevereiro de 2012) Flávia Piovesan...................................................................................................................... 222 A CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS Soering vs. Reino Unido (07 de julho de 1989) Liliana Lyra Jubilut e Adriane Sanctis de Brito..................................................................... 239 Lopez Ostra vs. Espanha (09 de dezembro de 1994) / Guerra e outros vs. Itália (19 de fevereiro de 1998) Gabriela Rodrigues Saab........................................................................................................ 255 Christine Goodwin vs. Reino Unido (11 de julho de 2002) Saulo de Oliveira Pinto Coelho e Rodrigo Antonio Calixto Mello....................................... 268 Tătar vs. Romênia (27 de janeiro de 2009) Nitish Monebhurrun.............................................................................................................282 7 Nada vs. Suíça (12 de setembro de 2012) Daniel Campos de Carvalho.................................................................................................. 298 Oliari e Outros c. Itália (21 de julho de 2015) Renata Nagamine e Olívia Alves Barbosa............................................................................. 312 Apresentação Os três volumes que compõem essa série são o resultado de um esforço coletivo em analisar criticamente o direito internacional a partir de casos concretos julgados pelos principais tribunais internacionais e regionais. Diversos autores do Brasil e de outros países se empenharam em analisar o direito internacional em aplicação, como ele ganha significado em disputas e questões específicas e como ele pode ser estudado com maior proximidade por aqueles que se preocupam com sua eficácia, suas lacunas, seus resultados – enfim, com seu funcionamento e sua operacionalização. O estudo do direito internacional pelo viés de sua jurisprudência infelizmente ainda é escasso no Brasil. Todavia, se o discurso que o constitui só faz sentido a partir de tensões, e nas situações concretas que a disciplina/profissão se revelam. Estudar a política e o direito no plano internacional pelas demandas específicas tratadas em tribunais e fazê-lo desde um lugar privilegiado, onde o direito deixa as páginas de livros e encontra disputas palpáveis, onde ele ganha nomes de países e de indivíduos, e onde doutrinas e posições teóricas são confirmadas ou refutadas por juízes. Além do mais, estudar o direito internacional a partir de julgados pode ser muito mais intelectual e academicamente estimulante, principalmente para aqueles que se iniciam nessa área. Dessa forma, nossa intenção em propor estes três volumes foi apresentar ao leitor brasileiro o direito internacional por uma perspectiva diferente da usual, mas que se mostra muito instigante e que tem o potencial para despertar maior interesse pela área. Dentre os vários temas que são tratados neste livro estão: uso da forca, imunidades, reparação de danos, crimes de guerra, genocídio e crimes contra a humanidade, disputas territoriais e marítimas, integração regional, comercio internacional, proteção internacional dos direitos humanos, meio ambiente, dentre outros. São analisados casos dos seguintes tribunais: Corte Internacional de Justiça; Órgão de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio; Corte Interamericana de Direitos Humanos; Corte Europeia de Direitos Humanos; Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia; Tribunal Penal Internacional; Supremo Tribunal Federal; Solução de Controvérsias do Mercosul; e Tribunal Internacional para o Direito do Mar. Antes dos capítulos que discutem a jurisprudência de um tribunal especifico, são apresentadas pequenas introduções a essas instituições. Este livro não seria possível sem as contribuições que o compõem. Gostaríamos de agradecer a participação das autoras e dos autores que trabalharam com afinco e que tiveram paciência na sua elaboração. Agradecemos também o Instituto Brasiliense de Direito Civil e o Grupo de Pesquisa Crítica e Direito Internacional na pessoa de George R. B. Galindo, que tornou essa publicação possível. João Henrique Ribeiro Roriz Faculdade de Ciências Sociais Universidade Federal de Goiás Alberto do Amaral Junior Faculdade de Direito Universidade de São Paulo LISTA DE AUTORES Adriane Sanctis de Brito Pesquisadora do LAUT - Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo. Doutora em Filosofia e Teoria do Direito pela Universidade de São Paulo e mestre em Direito Internacional pela mesma instituição. André de Carvalho Ramos Professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Largo São Francisco). Professor Titular de Mestrado e Doutorado da Faculdade Autônoma de Direito (FADISP). Doutor e Livre-Docente em Direito Internacional (USP). Procurador Regional da República. Antigo Secretário de Direitos Humanos da Procuradoria-Geral da República (2017-2019). Antigo Procurador Regional Eleitoral do Estado de São Paulo (2012-2016). Visiting Fellow do Lauterpacht Centre for International Law (Cambridge). Diretor do Ramo brasileiro da International Law Association (ILA). Membro da Asociación Americana de Derecho Internacional Privado (ASADIP). Membro da Sociedade Brasileira de Direito Internacional (SBDI). André Lopes Lasmar Doutor em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP). Procurador da República e Secretário de Cooperação Internacional Adjunto (MPF/PGR/SCI). Carlos Augusto Canêdo Gonçalves da Silva Professor Associado da UFMG. Doutor e Mestre em Direito pela UFMG; Pós-Doutor pela Universidade de Barcelona. Procurador de Justiça. Daniel Campos de Carvalho Professor-Adjunto da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da UNESP (PPGDIREITO/UNESP/FRANCA) e Professor do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da UFABC (PPG-PRI/UFABC). Doutor e Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) – Área de Concentração: Direito Internacional. Fábia Fernandes Carvalho Veçoso Pesquisadora de Pós-Doutorado do Laureate Program em Direito Internacional da Faculdade de Direito da Universidade de Melbourne, Austrália (2017-2021). Doutora (2012) e mestre (2006) em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP), Brasil. Flávia Piovesan Professora doutora em Direito Constitucional e Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Professora de Direitos Humanos dos Programas de Pós 10 Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e da Universidade Pablo de Olavide (Sevilha, Espanha); visiting fellow do Human Rights Program da Harvard Law School (1995 e 2000), visiting fellow do Centre for Brazilian Studies da University of Oxford (2005), visiting fellow do Max Planck Institute for Comparative Public Law and International Law (Heidelberg - 2007 e 2008); desde 2009 é Humboldt Foundation Georg Forster Research Fellow no Max Planck Institute (Heidelberg); membro do Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Foi membro da UN High Level Task Force on the implementation of the right to development e do OAS Working Group para o monitoramento do Protocolo de San Salvador em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais. Procuradora do Estado de São Paulo. Fúlvio Eduardo Fonseca Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e Auditor Federal de Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União (CGU). Gabriela Rodrigues Saab Doutora em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FD-USP) e mestre em Direitos Humanos pela Université Catholique de Louvain/FUSL/FUNDP e pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FD-USP). Isabela Gerbelli Garbin Ramanzini Doutora em Relações Internacionais pela USP, Estágio Pós-Doutoral na Harvard Kennedy School (2017-2019), pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos e Professora dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia. Janaína Rodrigues Valle Gomes Mestre em direito na área de concentração de direitos humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (2015). Professora do Curso de especialização Latu sensu da escola Federal Concursos em parceira com a Universidade de Amparo/SP (2004 - 2010). Juíza Federal do Tribunal Regional Federal da Terceira Região desde 2002. Ex-promotora de Justiça - MP/SP (1997 - 2002). Graduação em direito pela Universidade de São Paulo (1996). João Roriz Doutor em direito internacional, USP. Mestre em direito internacional, London School of Economics. Professor na Universidade federal deGoiás. Liliana Lyra Jubilut Mestre e Doutora em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo e tem LLM em International Legal Studies pela NYU School of Law. Foi Visiting Scholar na Columbia Law School e Visiting Fellow na Refugee Law Initiative – University of London. É Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Católica de Santos, instituição em que coordena o Grupo de Pesquisa “Direitos Humanos e Vulnerabilidades”. 11 Marrielle Maia Alves Ferreira Doutora em Política Internacional pela UNICAMP, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Direitos Humanos do Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia, coordenadora do GT de Direitos Humanos do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos, membro do Comitê Gestor dos ODS da Universidade Federal de Uberlândia, Professora dos cursos de graduação e pós-graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia. Nitish Monebhurrun Doutor em Direito Internacional (Escola de Direito de Sorbonne, Paris), Professor Titular (Centro Universitário de Brasília - UniCEUB), Professor Visitante (Universidade da Sabana, Bogotá), Diretor da Clínica Empresas, Direitos Humanos e Políticas Públicas - UniCEUB. Olívia Alves Barbosa Mestre pela Université Aix-Marseille e Mestranda em Direito pela Faculdade de Direito da USP. Também é pesquisadora-colaboradora no projeto temático “Religião, direito e secularismo: A reconfiguração do repertório cívico no Brasil contemporâneo”, desenvolvido no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) com financiamento da Fapesp. Renan Honório Quinalha Professor de Direito da Unifesp, advogado e ativista no campo dos direitos humanos. Professor visitante na Unicamp (2018). Foi assessor jurídico da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo e consultor da Comissão Nacional da Verdade para assuntos de gênero e sexualidade. Foi Visiting Research Fellow no Watson Institute da Universidade de Brown. Publicou o livro “Justiça de Transição: contornos do conceito” (Expressão Popular, 2013) e co-organizou as obras “Ditadura e Homossexualidades: repressão, resistência e a busca da verdade” (EdUFSCar, 2014) e "História do Movimento LGBT no Brasil" (Alameda, 2018). Renata Mantovani de Lima Advogada. Doutora e Mestre em Direito, com Pesquisa realizada na Universidade de Pisa/Itália. Professora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Fundação Universidade de Itaúna/Minas Gerais. Reitora da Universidade Vale do Rio Verde - UninCor. Renata Nagamine Doutora em direito internacional pela USP, pós-doutoranda (bolsista PNPD) no Programa de Relações Internacionais da UFBA e pesquisadora no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Rodrigo Antonio Calixto Mello Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e juiz federal substituto. 12 Saulo de Oliveira Pinto Coelho Professor Efetivo da UFG. Doutor e Mestre em Direito pela UFMG. Pós-Doutorado em Teoria do Direito pela Universitat de Barcelona. Coordenador do Programa de Pós- Graduação em Direito e Políticas Públicas. Professor do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos. Trabalho realizado com apoio da CAPES e do PPGDP-UFG e seus parceiros conveniados. Teresa Almeida Cravo Professora Auxiliar de Relações Internacionais na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e investigadora do Centro de Estudos Sociais. Doutora em Política e Estudos Internacionais pela Universidade de Cambridge. Tor Krever Professor Auxiliar na Faculdade de Direito da Universidade de Warwick, no Reino Unido. Doutorado em Direito pela London School of Economics and Political Science. Mestre em Direito pela Universidade de Cambridge e Graduado em Direito pela Universidade de Harvard. Wellington Pereira Carneiro Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília, Mestre em Direito Internacional dos Direitos Humanos pela Universidade de Oxford, Mestre em Direito Internacional Público pela Universidade “Drujby Narodov” de Moscou. Ex-professor da Univap – SP e UniCeub, Brasília. Atualmente serve como oficial do Alto Comissariado da ONU para refugiados na Federação Russa. O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA Procurador vs. Duško Tadić, Decisão sobre a Moção da Defesa por Recurso Interlocutório relativo à Jurisdição (2 de outubro de 1995) João Roriz 1. Introdução Este artigo analisa o caso Procurador vs. Duško Tadić (doravante, “caso Tadić”), julgado no Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (TPII), como um ponto de inflexão na construção histórica de um projeto que se entende hoje como justiça penal internacional. A referência é a Decisão sobre a Moção da Defesa por Recurso Interlocutório relativo à Jurisdição,1 proferida em 2 de outubro de 1995 pela Seção de Recursos do tribunal, e descrita como “seminal”2 e “fundacional, política e épica”.3 Neste trabalho, ao invés de revisitar seus aspectos técnicos,4 procuro os significados de seu enquadramento em um momento histórico específico que revela pontos cruciais. O argumento principal é que Tadić, como primeiro caso analisado no TPII, indica um processo de distensão entre dois discursos presentes no desenrolar da justiça penal internacional: um primeiro mais próximo da noção de soberania e da guerra, e outro que pretende um reordenamento pela afirmação dos direitos humanos. Na parte seguinte, faço breves apontamentos sobre tais discursos para, em seguida, detalhá-los na decisão do caso. 2. A justiça penal internacional entre dois discursos No decorrer da segunda metade do século XX, conseguiu-se organizar princípios, pactuar normas e erigir instituições no plano internacional incumbidas de lidar com a responsabilidade de indivíduos por condutas doravante adjetivadas como criminosas. Uma série de tratados e alguns tribunais internacionais e híbridos foram fruto de vontades políticas em se avançar projetos de justiça penal no plano internacional. Uma grande 1 Optei por uma tradução livre do título da decisão. No original: Decision on the Defence Motion for Interlocutory Appeal on Jurisdiction. 2 SCHABAS, William. An Introduction to the International Criminal Court. 3ª ed., Nova York: Cambridge University Press, 2007, p. 307. 3 ALVAREZ, Jose E. Nuremberg Revisited: The Tadic Case. European Journal of International Law, v. 7, n. 2, p. 245-264, 1996, p. 245. 4 Suas discussões técnicas e sua contribuição em diversas áreas substantivas do direito internacional penal já foram tratadas exaustivamente por vários comentadores. Por exemplo: GREENWOOD, Christopher. International Humanitarian Law and the Tadic Case. European Journal of International Law, v. 7, n. 2, p. 265- 283, 1996. 15 narrativa desse esforço, todavia, não comporta suas imaginações jurídicas concorrentes,5 suas nuances, seus pontos cegos e muito menos suas lutas políticas que competiam e que competem por autorias, contornos e significados. Traçar um fio condutor coeso entre os julgamentos de Nuremberg e Tóquio até o Tribunal Penal Internacional pode reafirmar buscas pontuais, mas ignora os distintos enquadramentos jurídicos e políticos, disputas de significado e outras diferenças. Entendo que (pelo menos) dois discursos marcam o projeto de construção de uma justiça penal internacional. Tais discursos são, por vezes, utilizados de maneira simultânea, por outras, como concorrentes, mas ambos são recorrentes quando necessários. O primeiro tem matriz soberanista e está vinculado à noção da guerra, ou mais especificamente, à criminalização da ação de guerrear. Nele, a justiça penal internacional constrói sua história e seus fundamentos a partir dos arranjos políticos e institucionais organizados pelos Estados em cenários que sucedem e sãoconsequências de conflitos armados. Às guerras, ou aos atos de guerrear, são atribuídos juízos de justiça. O exame de condutas (do lado perdedor) seriam desdobramentos dentro de um contexto pós-guerra vinculados não somente à busca pelo (re)estabelecimento da paz, mas também pela responsabilização de sua ruptura. Tal perspectiva parte de um processo de “moralização” da guerra.6 A intenção de delimitar a condução dos conflitos armados através do direito – conhecido como direito internacional humanitário – é um dos assuntos em pauta nas imaginações e debates jurídicos europeus do final do século XIX e início do XX. Em um primeiro momento, o humanitarismo liberal almejado objetivou tornar a guerra em projeto público, arquitetado e cingido juridicamente, ao mesmo tempo em que aos militares eram concedidos os contornos legais de suas ações.7 Noções do chamado “Estado de Direito” requeriam uma separação entre política e direito, com um controle do segundo sobre a primeira,8 o que abriu espaços para condenações da guerra através de argumentos normativos. Entretanto, o impacto desse primeiro esboço foi limitado, pelo menos no que se refere a iniciativas concretas de julgamento por violações às normas e princípios que se pretendia estabelecer. Quando muito, jurisdições nacionais foram ativadas. No início do século XX, o projeto do estabelecimento de um tipo de justiça penal com caráter internacional ganhou força, mesmo que seu impulso inicial tenha sido o malogrado projeto arquitetado em Versalhes para julgar o imperador alemão no pós-Primeira Guerra Mundial. Pela primeira vez, colocou-se no texto de um tratado de paz que o líder máximo de um país deveria, após perder a guerra, ser indiciado por uma corte de caráter 5 KAHN, Paul W. The Cultural Study of Law: Reconstructing Legal Scholarship. Chicago: University of Chicago Press, 1999. 6 Este processo de moralização da política internacional é descrito por vários autores e tem seu auge no período do entreguerras. Nesse contexto pós-Primeira Guerra, novas teses de ordenação das relações internacionais são elaboradas e propostas, influenciadas por um discurso de matriz liberal, muito forte no século XIX. Os chamados “Quatorze Pontos de Wilson” e a própria arquitetura da Liga das Nações refletem essa tendência em 1919. É criticando este movimento nas relações internacionais que E. H. Carr escreve um dos clássicos da área, Vinte Anos de Crise (1919-1939). 7 KENNEDY, David. Of war and law. Princeton: Princeton University Press, 2006. 8 KOSKENNIEMI, Martti. The politics of international law. European Journal of International Law, v. 1, n. 1, p. 4-32, 1990. 16 supranacional. Conforme versa o documento, o Kaiser Wilhelm II de Hohenzollern seria julgado por um tribunal especial “por uma ofensa suprema contra a moralidade internacional e a santidade dos tratados.”9 Como o Kaiser nunca foi posto frente a um juiz com tal propósito e nenhuma outra ação foi tomada, o esforço inicial ficou apenas no papel10 e o Kaiser encontrou abrigo nos Países Baixos; ironicamente a sede de outros tantos tribunais internacionais na segunda metade do século XX. Retomado o esboço de Versalhes no pós-Segunda Guerra, os vencedores decidiram criar instituições para julgar os alemães e posteriormente os japoneses. Buscou-se, mais uma vez, a criminalização da guerra conduzida pelo lado perdedor, individualizando a responsabilidade na figura de seus líderes políticos. De ato político, a guerra tornava-se ato criminoso. De meros perdedores da guerra, os indivíduos do outro lado passaram a ser também criminosos de guerra.11 O restabelecimento da paz, para os defensores dessa concepção, passaria pela responsabilização de sua ruptura e a vitória por um processo de condenação a partir da derrota. O direito, ou mais especificamente o direito penal, foi alçado a uma condição de compor não apenas as condutas de indivíduos, mas a própria história dos acontecimentos.12 Os tribunais de Nuremberg e Tóquio inauguraram institucionalmente um projeto específico de justiça penal no plano internacional controlado por Estados e que partia da criminalização do ato de guerrear, a partir do qual outros crimes derivavam (como as categorias de “crimes de guerra” e “crimes contra a humanidade”).13 O segundo discurso que hoje compõe a justiça penal internacional é o dos direitos humanos. Mais recente e próximo da vertente liberal que se afasta do Estado, tal discurso entende a justiça penal no plano internacional a partir de uma luta histórica contra a impunidade por violações de direitos, quase sempre perpetrados por políticas estatais. Direitos humanos seriam percebidos como garantias na proteção de interesses individuais contra as “ameaças previsíveis” associadas ao poder soberano;14 ou seja, sua construção se dá em oposição àquela de soberania. Julgamentos seriam momentos de triunfo do direito, ou melhor, do chamado “Estado de Direito”, principalmente contra uma “política de barbárie”, e esta justiça estaria calcada em uma noção dever de punição de condutas que são uma ofensa à humanidade como um todo.15 9 “Art. 227 - The Allied and Associated Powers publicly arraign William II of Hohenzollern, formerly German Emperor, for a supreme offence against international morality and the sanctity of treaties.” (Tratado de Versalhes, disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/imt/partvii.asp>. Acesso em: 22 de dezembro de 2015. 10 É interessante pontuar que os estadunidenses contrários ao indiciamento do Kaiser – e é justamente os EUA o principal articulador do Tribunal de Nuremberg, no pós-Segunda Guerra. Sobre o assunto, cf.: SCHMITT, Carl. O Nomos da Terra no Direito das Gentes do Jus Publicum Europaeum. Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 2014. 11 SCHMITT, Carl. O Nomos da Terra no Direito das Gentes do Jus Publicum Europaeum. Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 2014. 12 KOSKENNIEMI, Martti. Between Impunity and Show Trials. Max Planck Yearbook of United Nations Law, v. 6, n. 1, p. 1-32, 2002. 13 De acordo com as normas postas nos tribunais de Nuremberg e Tóquio, a existência das categorias de “crimes contra a humanidade” e “crimes de guerra” dependia da existência de uma guerra (ou, na linguagem daqueles tribunais de um “crime contra a paz”). O vínculo de crimes contra a humanidade com os conflitos armados só será questionado no caso Tadić, como será exposto adiante. 14 BEITZ, Charles R. The Idea of Human Rights. Oxford: Oxford University Press, 2009. 15 HENKIN, Louis. The Rights of Man Today. Boulder: Westview Press, 1978. 17 Historiadores têm mostrado que é recente a separação entre a realização de direitos pelo Estado (por vezes nominados como “direitos fundamentais”) e direitos garantidos apesar do Estado (a concepção de “direitos humanos” mais recente).16 O giro do direito internacional em direção aos direitos humanos ocorreu de forma crucial para a disciplina após a década de 1970, com a ascensão da noção no vernáculo, a formação de instituições (principalmente não governamentais) e mobilização de ativistas transnacionais. Nas últimas décadas do século XX, direitos humanos se sobrepuseram a outros ideais de organização social e ação política e passaram a ser utilizados com potencial emancipatório, referencial político e princípio normativo.17 Com a implosão da União Soviética e o fim da bipolaridade nas relações internacionais, o potencial de convencimento dos direitos humanos parecia fazer muito mais sentido à opinião pública e nos plenários de fóruns internacionais. Quando se reconsiderou a instauração de tribunais no plano internacional capazes de julgar indivíduos por crimes cometidos durante contextos de conflito armado, o léxico de direitos humanos tinha referencial mais propício do que o anterior que deu sentido aos tribunais militares de Nuremberg e Tóquio. O contexto da guerra de fragmentação da Iugoslávia ofereceu uma oportunidade para uma resposta do ocidente de que “algoestá sendo feito” para acabar com a impunidade das atrocidades ali cometidas.18 Somado à desobstrução da agenda do Conselho de Segurança, as potências ocidentais avançaram propostas de tribunais penais internacionais, caracterizando-as como iniciativas às violações sistemáticas de direitos, além de uma ameaça à paz e segurança internacionais.19 Assim, enquanto as primeiras instituições internacionais que consideraram a possibilidade de punir indivíduos por “crimes internacionais” cometidos durante guerras vincularam-se ao discurso de matriz soberanista, as instituições penais internacionais criadas após a década de 1990 tiveram outros contornos. O ápice deste processo seria a concretização do Tribunal Penal Internacional, instituição de caráter permanente e distinta da ONU. Para 16 MOYN, Samuel. The Last Utopia: Human Rights in History. Cambridge: Belknap Press, 2010. 17 Este processo é analisado em detalhes na obra The Last Utopia (2010), de Samuel Moyn. Para ele, direitos humanos se tornaram “a última utopia” pelo seu emprego no discurso de movimentos sociais que se afastam da luta revolucionária esquerdista (dentre outras) e encontram na noção de direitos humanos um potencial reivindicatório que lhes dá sentido. Ademais, a noção que é (re)significada encontra terreno fértil para seu emprego nos processos de descolonização afro-asiáticos, assim como na retórica da política externa do governo Jimmy Carter e sua pressão a governo latino-americanos. A noção de direitos humanos adquire assim espaço e agendas em uma lógica que permite a pretensão de superar fronteiras estatais em prol de um referencial universal que ganha sentido no plano jurídico sem limitar-se a ele. 18 É importante relembrar que, em um primeiro momento da sangrenta guerra na Bósnia e Herzegovina, o ocidente decidiu pela não intervenção militar – que só ocorre nas etapas finais desta guerra e posteriormente, em 1999, na guerra de Kosovo. 19 Essa caracterização é ilustrada nos quatro primeiros parágrafos da resolução 827, em que o Conselho de Segurança: (i) demonstra sua preocupação com as violações de direito internacional humanitário que ocorrem no conflito, (ii) determina que a situação constitui uma ameaça à paz e segurança internacionais, (iii) menciona seu entendimento de que o que acontece na região são crimes e que pretende levar à justiça seus responsáveis, e que, para tanto, (iv) está convencido da necessidade de criação de um tribunal internacional ad hoc (CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução 827 (S/RES/827) 23 de maio de 1993. Disponível em: <http://www.un.org/Docs/scres/1993/scres93.htm>. Acesso em: 10 de novembro de 2015). 18 Antonio Cassese, ex-presidente e juiz do TPII, e grande referência doutrinária (assim como um dos entusiastas da aproximação do direito internacional penal com os direitos humanos), o Tribunal Penal Internacional pode ser entendido como um “imperativo moral” capaz de julgar crimes que chocam “a consciência da humanidade”, hábil a promover uma justiça “verdadeiramente internacional, imparcial e correta”,20 cujos crimes não se limitam a contextos de conflitos armados. Há, no entanto, vários pontos de tensão entre as normas penais internacionais construídas no pós-Segunda Guerra e aquelas de direitos humanos. O caso Tadić, analisado em seguida, oferece uma boa oportunidade para trazer à tona os embates argumentativos dos dois discursos mencionados. 3. O caso Tadić: um ponto de inflexão na justiça penal internacional A estrutura argumentativa da decisão em apreço foi definida a partir de três grandes argumentos levantados pela defesa de Tadić. Para os advogados de defesa: (i) o Tribunal não foi estabelecido legalmente, (ii) a primazia da jurisdição do Tribunal em relação às cortes domésticas não está de acordo com o direito, e (iii) o Tribunal não tem competência ratione materiae para julgar o acusado. Em seu conjunto, a defesa levantou temas que envolvem a legitimidade de um tribunal internacional que não foi estabelecido por um tratado, que tem primazia sobre cortes domésticas e cuja competência é controversa de acordo com o direito internacional. Os juízes da Seção de Recursos do TPII organizaram suas respostas a partir dos três pontos levantados pela defesa e, ao fazê-lo, aproximou seus argumentos da linguagem de direitos humanos. 3.1. A criatura que analisa o criador: o Conselho de Segurança e o direito O primeiro argumento questiona a legalidade do estabelecimento do TPII, ou seja, disputa a competência do Conselho de Segurança para criar um tribunal penal internacional ad hoc em nome da manutenção da paz e da segurança internacionais. Para analisar a questão, inicialmente os magistrados da Seção de Recursos consideraram (ao contrário dos seus colegas da seção anterior) que eles têm prerrogativa de analisar sua própria competência; um entendimento expansivo para além de questões de tempo e objeto previstas no Estatuto. Inferiram assim que a competência do tribunal não se restringia ao intencionado pelo Conselho, o tribunal não seria um mero “órgão subsidiário” do seu criador. Ancorando-se no princípio da competência-competência (Kompetenz-Kompetenz, em alemão, ou la compétence de la compétence, em francês), que consiste nos poderes “inerentes” do tribunal determinar sua própria competência, os juízes consideraram que a ausência de um sistema judicial integrado no direito internacional torna uma necessidade para tribunais (e cortes de arbitragens) internacionais definirem suas próprias competências. Do contrário, segundo eles, o tribunal ficaria “totalmente sob o poder e à mercê” do 20 CASSESE, Antonio. Reflections on International Criminal Justice. The Modern Law Review, v. 61, n. 1, p. 01-10, 1998. 19 Conselho, o que subjugaria seu caráter de órgão com natureza judiciária.21 Os juízes de apelação não aceitaram os argumentos de sobreposição ou separação de demandas consideradas “políticas” daquelas jurídicas. A alegação da procuradoria de que o TPII não tinha autoridade para rever o que foi estabelecido pelo Conselho, uma vez que este seria um assunto de “natureza política”, ou seja, “não judiciável”22 (tese aceita pela Seção de Julgamento),23 foi plenamente rechaçada pelos julgadores da Seção de Recursos. Ao recusar a doutrina da “questão política”, eles se aproximaram do entendimento de que as características políticas de uma requisição não desqualificavam sua apreciação judiciária, conforme decidiu a Corte Internacional de Justiça na opinião consultiva Certas Despesas.24 Entretanto, os magistrados do TPII foram além ao alegar que as “doutrinas de ‘questões políticas’ e ‘disputas não judiciáveis’ são remanescentes das reservas de ‘soberania’, ‘honra nacional’ (...) [que] recuaram do horizonte do direito internacional contemporâneo.”25 Mais do que uma compreensão de que considerasse a separação e a conjunção de questões políticas e jurídicas, os julgadores do tribunal ad hoc preferiram uma linguagem que remente à superação de tais doutrinas, associadas às “reservas de soberania”. Com tal entendimento amplo sobre sua competência, os magistrados passaram então a avaliar a “constitucionalidade” da resolução do Conselho; uma vez que, para a defesa, um tribunal internacional deveria ter sido criado ou por tratado internacional ou por emenda à Carta da ONU, mas não por uma resolução do Conselho.26 O assunto foi detalhado pelos juízes, que ponderaram sobre o poder do Conselho em invocar o Capítulo VII da Carta, seus limites para fazê-lo, o estabelecimento do tribunal como uma medida adotada sob o Capítulo VII e se seu estabelecimento seria contrário ao princípio geral em que cortes devem ser “estabelecidas pela lei”.27 Dentre os pontos levantados, destaco dois. 21 TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA. Procurador v. Duško Tadić (IT-94-1- T), Decision on the Defence Motion for Interlocutory Appeal on Jurisdiction. J. em: 02 out. 1995, parágrafos10, 15 e 18-19. 22 TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA. Procurador v. Duško Tadić (IT-94-1- T), Response to the Motion of the Defence on the Jurisdiction of the Tribunal before the Trial Chamber of the International Tribunal, 7 July 1995. D. em: 7 jul. 1995, parágrafos 10-14. 23 TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA. Procurador v. Duško Tadić (IT-94-1- T), Decision on the Defence Motion on Jurisdiction. J. em: 10 ago. 1995, parágrafo 08. 24 “[I]t has been argued that the question put to the Court is intertwined with political questions, and that for this reason the Court should refuse to give an opinion. It is true that most interpretations of the Charter of the United Nations will have political significance, great or small. In the nature of things it could not be otherwise. The Court, however, cannot attribute a political character to a request which invites it to undertake an essentially judicial task, namely, the interpretation of a treaty provision.” (CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Certain Expenses of the United Nations, 1962 I.C.J. Reports 151, 155 (Advisory Opinion of 20 July). 25 TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA. Procurador v. Duško Tadić (IT-94-1- T), Decision on the Defence Motion for Interlocutory Appeal on Jurisdiction. J. em: 02 out. 1995, parágrafo 24. 26 TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA. Procurador v. Duško Tadić (IT-94-1- T), Decision on the Defence Motion on Jurisdiction. J. em: 10 ago. 1995, parágrafo 2. 27 Na opinião de um comentador, os juízes do TPII fizeram mais considerações sobre os poderes do Conselho de Segurança do que qualquer decisão da Corte Internacional de Justiça. Cf.: ALVAREZ, Jose E. Nuremberg Revisited: The Tadic Case. European Journal of International Law, v. 7, n. 2, p. 245-264, 1996, p. 248. 20 Em primeiro lugar, apesar de manifestar não pretender enfrentar a questão se o TPII (ou outra corte internacional) pode revisar judicialmente resoluções do Conselho, os juízes da Seção de Recursos avaliaram a legalidade da res. 827. Concluíram que o Conselho tem ampla discricionariedade para atuar de acordo com os artigos 39, 41 e 42 da Carta, e que a criação de instituições internacionais como o próprio TPII poderia ser compreendida a partir do art. 41 que versa sobre medidas que não envolvem o uso da força armada.28 Entretanto, em uma passagem que se tornou recorrente (e quase folclórica) nos escritos de direito internacional, os juízes avaliaram que os poderes do Conselho não são ilimitados; que, como órgão de uma organização internacional, está “sujeito a certas limitações constitucionais por mais amplo que seus poderes sobre essa constituição possam ser”, em outras palavras, “nem o texto, nem o espírito da Carta concebe o Conselho de Segurança como legibus solutus (acima da lei)”.29 Ainda que tenha ficado patente a imensa discricionariedade do Conselho ao mencionar limitações específicas, como os próprios limites de competência da ONU e as limitações da divisão de poder interna da organização, os juízes do TPII se dispuseram a dar um passo maior do que seus colegas da Corte Internacional de Justiça:30 pela primeira vez um tribunal internacional atestou que o Conselho de Segurança não estaria além do direito; o que insinua que este está contido naquele. Ainda que em termos práticos os juízes do TPII não detalharam os limites efetivos à atuação do Conselho, o fato de a criatura julgar ações do seu criador gerou certo desconforto. Evidenciou-se isso em um momento posterior quando, com outros juízes e outra procuradoria, se cogitou investigar supostos crimes cometidos por militares da OTAN.31 A iniciativa não foi concretizada, mas certamente alarmou aqueles que talvez estivessem pensando rever nos procedimentos dos juristas envolvidos comportamentos como aqueles de Nuremberg e Tóquio. Por fim, usando a linguagem do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos de 1966, a defesa arguiu que o TPII violaria o direito de um indivíduo de ser julgado 28 TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA. Procurador v. Duško Tadić (IT-94-1- T), Decision on the Defence Motion for Interlocutory Appeal on Jurisdiction. J. em: 02 out. 1995, parágrafos 20, 29, 31, 32 e 34. 29 “It is clear from this text [Article 39] that the Security Council plays a pivotal role and exercises a very wide discretion under this Article. But this does not mean that its powers are unlimited. The Security Council is an organ of an international organization, established by a treaty which serves as a constitutional framework for that organization. The Security Council is thus subjected to certain constitutional limitations, however broad its powers under the constitution may be. Those powers cannot, in any case, go beyond the limits of the jurisdiction of the Organization at large, not to mention other specific limitations or those which may derive from the internal division of power within the Organization. In any case, neither the text nor the spirit of the Charter conceives of the Security Council as legibus solutus (unbound by law).” (TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA. Procurador v. Duško Tadić (IT-94-1-T), Decision on the Defence Motion for Interlocutory Appeal on Jurisdiction. J. em: 02 out. 1995, parágrafo 28). 30 CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Questions of Interpretation and Application of the 1971 Montreal Convention Arising from the Aerial Incident at Lockerbie (Líbia v. Estados Unidos), 1992 I.C.J. 114, 176 (Provisional Measures Order of 14 April) (the "Lockerbie decision"). 31 BENVENUTI, Paolo. The ICTY Prosecutor and the Review of the NATO Bombing Campaign against the Federal Republic of Yugoslavia. European Journal of International Law, v. 12, n. 3, p. 503-530, 2001. 21 por um “tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido pela lei”,32 e mencionou que um julgamento deve ser calcado em princípios e garantias como “julgamento justo” e “devido processo legal”. Os cinco juízes que analisavam a apelação concordaram com a defesa sobre tais necessidades, mas não aceitaram seu passo seguinte de que o TPII não teria sido instaurado de outra forma que não pela “lei” e que o acusado não teria garantias processuais. Em sua opinião, um tribunal deve estar “enraizado no rule of law e [ser capaz de] oferecer todas as garantias incorporadas nos instrumentos internacionais relevantes”, assim poder-se-ia afirmar que tal tribunal é “estabelecido pela lei”. De fato, eles parecem concordar que a exigência de que o tribunal seja “estabelecido pela lei” com a noção de rule of law. Nesse sentido, os magistrados do TPII vão além da exigência de que o tribunal seja calcado em um direito próprio, mas qualificam tal fundação: um tribunal “deve fornecer todas as garantias de equidade, justiça e imparcialidade, em plena conformidade com instrumentos de direitos humanos internacionalmente reconhecidos.”33 Assim, os juízes complementaram a fundação do tribunal que os abrigava: do órgão político com prerrogativas sobre a paz e a segurança internacionais para uma instituição calcada em ideias normativos, com destaque para os direitos humanos. 3.2. Uma “erosão progressiva nas mãos das forças mais liberais”: soberania e direitos humanos No segundo argumento, a defesa denunciou o primado da jurisdição do TPII a partir principalmente da violação da soberania da Bósnia e Herzegovina e da violação do princípio jus de non evocando. Os juízes reafirmaram a primazia de jurisdição do TPII contida no art. 9(2) do Estatuto, descartaram que o princípio da soberania pode se sobrepor aos direitos humanos e reafirmaram que tribunais internacionais podem julgar crimes internacionais. Ao fazê-lo, expuseram mais diretamente seus argumentos sobre o choque entre soberania e direitos humanos. Segundo a defesa, Tadić teria direito de ser julgado por tribunais domésticos amparado por leis nacionais, uma prerrogativa de acordo como princípio jus de non evocando. Os juízes não questionaram tal direito, mas se perguntaram se ele seria exclusivo, se cortes internacionais também poderiam julgar os crimes ao acusado imputados. Na interpretação dos juízes, o princípio jus de non evocando teria como principal objetivo “evitar a criação de cortes especiais ou extraordinárias destinadas a julgar delitos políticos em tempos de agitação social, sem garantias de um julgamento justo.”34 O questionamento da defesa foi enquadrado assim a partir de uma recorrente linha de argumentação crítica em julgamentos que envolvem crimes internacionais. Segundo tal crítica, cortes ad hoc como o TPII seriam “tribunais de exceção”, estabelecidos a partir de e para um contexto específico 32 ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, resolução 2200A (XXI). 16 de dezembro de 1966, art. 14, § 1º. Disponível em: <http://www.ohchr.org/EN/ProfessionalInterest/Pages/CCPR.aspx>. Acesso em: 10 de novembro de 2015. 33 TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA. Procurador v. Duško Tadić (IT-94-1- T), Decision on the Defence Motion for Interlocutory Appeal on Jurisdiction. J. em: 02 out. 1995, parágrafos 41, 42 e 45. 34 TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA. Procurador v. Duško Tadić (IT-94-1), Decision on the Defence Motion for Interlocutory Appeal on Jurisdiction. J. em: 02 out. 1995, parágrafo 62. 22 com fundamentações políticas cujos objetivos dificultariam ou mesmo impossibilitariam um julgamento justo. Apesar de trazer à tona tal ponto, os juízes da Seção de Recursos não abordaram a excepcionalidade da criação do TPII, seu contexto e suas fundamentações políticas como uma possível violação a esse princípio. Ao invés disso, consideraram que o princípio jus de non evocando não seria violado com a transferência de jurisdição para um tribunal internacional estabelecido pelo Conselho de Segurança que age “em nome da comunidade de nações”, desde que os direitos do acusado estivessem garantidos.35 Ou seja, para os juízes deste tribunal na Haia, o respeito aos direitos do acusado seria suficiente para a garantia do princípio jus de non evocando. Não se discutiu as questões da excepcionalidade do tribunal e de sua inexistência prévia em relação aos fatos imputados ao acusado, o que poderia favorecer a defesa. Para os juízes, os direitos humanos do acusado na forma de suas garantias processuais seriam suficientes para descartar violações ao princípio do jus de non evocando. Outra acusação feita pelos defensores de Tadić foi mais direta: seus advogados afirmaram que o TPII violou a soberania da Bósnia e Herzegovina. Em referência ao art. 2(1) da Carta da ONU,36 a defesa indicou que a soberania bósnia teria sido infringida com a criação de uma instância judiciária superior às domésticas. Ao ponderar sobre esse ponto, os juízes da Seção de Recursos primeiro consideraram se um indivíduo poderia alegar uma violação da soberania de um Estado. Na instância anterior, na Seção de Julgamento, o ponto da defesa foi recusado, ao se asseverar que “o acusado não sendo um Estado” não teria locus standi para questionar violações de soberania.37 Essa passagem destoa de forma significativa do estilo e do conteúdo prevalecentes na decisão da Seção de Recursos. Para os juízes desta, indivíduos têm capacidade de questionar decisões ditas soberanas de um Estado. Todavia, se em um primeiro passo, a defesa saiu contemplada com a prerrogativa de questionar uma violação de soberania (o que pode ser entendido como um reforço ao locus standi do indivíduo no direito internacional), seu passo seguinte foi contido. Ao mencionar o art. 2(7) da Carta da ONU, que reforça a não intervenção em assuntos domésticos, os juízes do TPII lembraram que a exceção ao dispositivo é o Capítulo VII da Carta, justamente o invocado pelo Conselho de Segurança na criação do TPII. Ademais, mencionaram que nem a Bósnia e Herzegovina nem a Alemanha questionaram a jurisdição do TPII. 38 Mas mais importante para os propósitos deste artigo foi a forma pela qual os juízes do TPII construíram suas explicações. Ao escrever sobre o momento político de criação do TPII, os magistrados lançaram mão de recursos estéticos e políticos como crimes que “chocam a consciência da humanidade” e “revulsão pública” da “comunidade de nações” frente as 35 TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA. Procurador v. Duško Tadić (IT-94-1), Decision on the Defence Motion for Interlocutory Appeal on Jurisdiction. J. em: 02 out. 1995, parágrafo 62. 36 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Carta das Nações Unidas. 26 de junho de 1945. Disponível em: <http://www.un.org/en/charter-united-nations/>. Acesso em: 10 de novembro de 2015. 37 TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA. Procurador v. Duško Tadić (IT-94-1- T), Decision on the Defence Motion on Jurisdiction. J. em: 10 ago. 1995, parágrafo 41. 38 parágrafo 56. 23 atrocidades cometidas na ex-Iugoslávia.39 Para eles: Seria uma paródia do direito e uma traição à necessidade universal de justiça, se o conceito de soberania do Estado pudesse ser levantado com sucesso contra os direitos humanos. Fronteiras não devem ser consideradas como um escudo contra o alcance do direito e como uma proteção àqueles que pisoteiam os direitos mais elementares da humanidade.40 A noção de soberania foi alçada ao lado oposto da de direitos humanos, formando-se uma díade com um polo positivo e outro negativo. Herdeira de uma era distinta, a ideia de soberania estaria na contramão quando contraposta à de direitos humanos. Na opinião dos juízes, no passado, a soberania era entendida como um “atributo sagrado e incontestável de um Estado”; mas agora ela sofreria uma “erosão progressiva nas mãos das forças mais liberais no trabalho nas sociedades democráticas, particularmente no campo dos direitos humanos.”41 Direitos humanos seriam uma “força liberal” separada e contrária à antiga noção de soberania, sugerida como um atributo responsável pelas violações àqueles direitos. Um dos desdobramentos dessa linha de raciocínio foi exposto nos parágrafos seguintes. Perguntando-se sobre a primazia de cortes nacionais ou internacionais, os juízes concluíram que o Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia deveria ter primazia sobre cortes nacionais. Caso não tivesse, nas palavras da decisão, “sendo a natureza humana o que é”, haveria um perigo perene de crimes internacionais serem considerados crimes ordinários, os procedimentos serem “desenhados para blindar o acusado” e os casos não serem diligentemente processados.42 Nessa passagem há uma ponderação implícita não apenas de uma consideração filosófica deslocada sobre a natureza humana, como também uma clara preferência pelo âmbito internacional, como se este, ou melhor, os profissionais que nele atuam, estivessem em melhores condições e/ou fossem mais capacitados para julgar crimes internacionais. Os direitos humanos, nessa concepção, seriam mais bem resguardados no plano internacional em contraposição aos sistemas judiciários domésticos. 3.3. Definindo (e ampliando) o que os Estados não regularam Houve, ainda, mais desdobramentos a partir da linha de argumentação tomada pelos juízes de apelação. Até antes do estabelecimento do TPII, certas normas internacionais penais ainda eram consideradas não muito distantes dos contornos construídos no contexto do pós-Segunda Guerra, ou seja, quando um viés mais estatista fundamentava o corpo 39 TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA. Procurador v. Duško Tadić (IT-94-1), Decision on the Defence Motion for Interlocutory Appeal on Jurisdiction. J. em: 02 out. 1995, parágrafo 57. 40 “It would be a travesty of law and a betrayal of the universal need for justice, should the concept of State sovereignty be allowed to be raised successfully against human rights. Borders should not be considered as a shield against the reachof the law and as a protection for those who trample underfoot the most elementary rights of humanity.” (tradução livre) (TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA. Procurador v. Duško Tadić (IT-94-1), Decision on the Defence Motion for Interlocutory Appeal on Jurisdiction. J. em: 02 out. 1995, parágrafo 58). 41 TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA. Procurador v. Duško Tadić (IT-94-1), Decision on the Defence Motion for Interlocutory Appeal on Jurisdiction. J. em: 02 out. 1995, parágrafo 55. 42 TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA. Procurador v. Duško Tadić (IT-94-1), Decision on the Defence Motion for Interlocutory Appeal on Jurisdiction. J. em: 02 out. 1995, parágrafo 58. 24 normativo. Três são os pontos principais abordados pelos juízes da apelação de forma diferente ao arquitetado no pós-Segunda Guerra: (i) uma definição de conflito armado, (ii) a divisão entre as proteções conferidas a indivíduos durante conflitos armados internacionais e não internacionais e (iii) o vínculo entre crimes contra a humanidade e um contexto de conflito armado. Tais questões foram desencadeadas quando a defesa questionou a competência do TPII para julgar os crimes imputados ao réu. Como os crimes previstos nos artigos 2º, 3º e 5º do Estatuto do TPII são limitados ao contexto de conflito armado, a definição deste último era condição de existência dos crimes, para os advogados de defesa. Inexistia, contudo, uma definição consensual sobre “conflito armado” (ou “guerra”) no direito internacional, seja o conflito de caráter internacional ou não – ainda que sua constatação seja condição de aplicação do direito internacional humanitário e dos chamados crimes de guerra. Na Seção de Julgamento, a defesa de Tadić argumentou que os crimes, se cometidos, ocorreram em um conflito armado não internacional e, na Seção de Recursos, que não havia conflito armado na região onde os crimes supostamente ocorreram. Para tratar do assunto, os juízes da apelação abordaram inicialmente se realmente existia um conflito armado e, posteriormente e de uma forma muito mais extensa, sobre os crimes aplicáveis a cada tipo de conflito. Sobre a definição de conflito armado, a defesa disputou não apenas sua existência, mas também quando seria seu início, seu fim e em quais partes do território seria considerado (para fins de aplicação de normas humanitárias).43 Os juízes entenderam assim que a provocação da defesa exigia um entendimento detalhado da noção de conflito armado. Dessa forma, a Seção de Recursos do TPII ofereceu a primeira definição de conflito armado por um tribunal internacional, que seria repetida várias vezes em outros julgados e se tornou uma das passagens mais tradicionais do direito internacional penal: (...) um conflito armado existe sempre que há um recurso à força armada entre Estados, ou violência armada prolongada entre autoridades governamentais e grupos armados organizados, ou entre estes grupos dentro de um Estado. O direito internacional humanitário se aplica a partir do início de tais conflitos armados e se estende para além da cessação das hostilidades até que quando se chega a uma conclusão geral de paz; ou, no caso de conflitos internos, até que uma solução pacífica seja alcançada. Até aquele momento, o direito internacional humanitário continua a aplicar em todo o território dos Estados em conflito, ou, no caso de conflitos internos, em todo o território sob o controle de uma das partes, quer aconteça ou não um combate real naquela localidade.44 43 TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA. Procurador v. Duško Tadić (IT-94-1), Decision on the Defence Motion for Interlocutory Appeal on Jurisdiction. J. em: 02 out. 1995, parágrafo 67. 44 “(…) an armed conflict exists whenever there is a resort to armed force between States or protracted armed violence between governmental authorities and organized armed groups or between such groups within a State. International humanitarian law applies from the initiation of such armed conflicts and extends beyond the cessation of hostilities until a general conclusion of peace is reached; or, in the case of internal conflicts, a peaceful settlement is achieved. Until that moment, international humanitarian law continues to apply in the whole territory of the warring States or, in the case of internal conflicts, the whole territory under the control of a party, whether or not actual combat takes place there.” (tradução livre) (TRIBUNAL PENAL 25 Os juízes abordaram também outros detalhes levantados pela defesa. Em sua interpretação, mesmo que confrontos substantivos entre os partícipes do conflito não estivessem acontecendo no momento e no lugar dos supostos crimes imputados ao réu, bastaria que os crimes alegados estivessem “relacionados de forma próxima” com as hostilidades que ocorriam em outras partes no território controlado pelas partes do conflito. Os magistrados, porém, não entenderam que a situação na ex-Iugoslávia deveria ser considerada como um só tipo de conflito, no caso apenas internacional. O conflito naquela região, em sua opinião, tinha características internacionais e internas.45 Em seguida, os magistrados se debruçaram longamente se o Estatuto do TPII contemplaria somente a conflitos armados internacionais. Para tanto, apresentam interpretações diversas ao texto em apreço, uma “literal”, uma “teleológica” e uma “lógica e sistemática”,46 ainda que não as tenham contrastado. O cerce do problema residiu na questão se certas condutas podem ser consideradas como crime em contextos de conflito armado não internacional. O art. 2º do Estatuto é relativo às violações graves das Convenções de Genebra de 1949, um instrumento internacional claramente direcionado a conflitos armados de natureza internacional. Já o art. 3º, “violações das leis e costumes da guerra”, não faz referência ao tipo de conflito armado. O art. 5º, sobre crimes contra a humanidade, explicita sua aplicação aos dois tipos de conflito. Ao analisar as resoluções e pronunciamentos de membros do Conselho de Segurança, os juízes entenderam que não se faziam distinções entre os dois tipos de conflito no órgão onusiano. Na interpretação dos magistrados, o “Conselho de Segurança estava claramente preocupado em levar à justiça os responsáveis por esses atos especificamente condenados, independentemente do contexto [do conflito armado].”47 Ou seja, não interessaria ao Conselho de Segurança a distinção entre os dois tipos de conflitos armados; seria “ilógico”, nas palavras dos juízes, que o Conselho redigisse um Estatuto sem competência para julgar casos nos quais o próprio Conselho sabia que poderia ser classificado a partir de um conflito armado internacional ou não internacional. Ao contrário da Seção de Julgamento, que tinha entendido que o art. 2º seria aplicável a ambos os tipos de conflito armado,48 os julgadores da Seção de Recursos consideraram que tal dispositivo se limitava ao contexto de um conflito armado internacional. Entenderam INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA. Procurador v. Duško Tadić (IT-94-1), Decision on the Defence Motion for Interlocutory Appeal on Jurisdiction. J. em: 02 out. 1995, parágrafo 70). 45 TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA. Procurador v. Duško Tadić (IT-94-1), Decision on the Defence Motion for Interlocutory Appeal on Jurisdiction. J. em: 02 out. 1995, parágrafos 70 e 72. É relevante notar também a opinião em separado do Juiz Li. 46 TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA. Procurador v. Duško Tadić (IT-94-1), Decision on the Defence Motion for Interlocutory Appeal on Jurisdiction. J. em: 02 out. 1995, parágrafos 71- 142. 47 TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA. Procurador v. Duško Tadić (IT-94-1), Decision on the Defence Motion for Interlocutory Appeal on Jurisdiction. J. em: 02 out. 1995, parágrafo 74. 48 TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA. Procuradorv. Duško Tadić (IT-94-1- T), Response to the Motion of the Defence on the Jurisdiction of the Tribunal before the Trial Chamber of the International Tribunal, 7 July 1995. D. em: 7 jul. 1995, parágrafos 46-56. 26 que o art. 2º do Estatuto do TPII está vinculado às Convenções de Genebra e essas, por sua vez, seriam relativas às violações graves ao conceito de pessoas e propriedades protegidas. Os dispositivos sobre conflitos armados internos estão dispostos apenas no art. 3º comum às Convenções, sendo que os outros dizem respeito aos conflitos armados internacionais. Contudo, os juízes da instância de apelação chegaram a essa conclusão com um tom resignado, tecendo elogios àquelas interpretações, como o amicus curiae submetido pelo governo dos EUA, em que se pretende estender a aplicação do referido dispositivo em conflitos armados não internacionais.49 Dentre as conclusões mais controversas dos juízes da Seção de Recursos, está sua interpretação sobre os artigos 3º e 5º do Estatuto do TPII. Eles se detiveram longamente sobre o art. 3º e entenderam que ele é aplicável em ambos os tipos de conflito, internacional e interno. Aproveitaram a discussão para revisitar todo o corpus juris aplicável a conflitos armados não internacionais e reconstruíram a longa trajetória das normas consuetudinárias relativas às hostilidades, desde a Convenção da Haia de 1907. Concluíram que, através do costume, havia sido criado um corpo de normas regulando conflitos armados não internacionais.50 Pode-se interpretar que tal decisão tem caráter obiter dicta, uma vez que a discussão não tinha relevância direta no caso Tadić. Mas mais significativo foram as considerações dos magistrados que aproximaram o corpo de normas que regulam os conflitos armados internos dos internacionais e entenderam que o indivíduo que viola o direito relativo a conflitos armados internos, incluindo o art. 3º comum às Convenções de Genebra, está sujeito à responsabilidade individual segundo o direito internacional. Ambas as ponderações destoam do que os Estados regularam nos documentos de direito internacional humanitário. Ciosos de suas prerrogativas soberanas e da interferência de normas internacionais regulando situações domésticas, os Estados reduziram a proteção em situações de conflitos armados internos ao art. 3º comum às Convenções de Genebra.51 No mesmo sentido, como o próprio Comitê Internacional da Cruz Vermelha comentou, a noção de crime de guerra estava restrita a conflitos armados internacionais52 – e, ao entender que a violação de normas que regulam conflitos armados internos acarretam em responsabilidade individual, os juízes da apelação no caso Tadić alargaram essa categoria para conflitos armados não internacionais. Por fim, os julgadores na Seção de Recursos consideraram de forma breve – mas muito significativa – a necessidade do vínculo entre crimes contra a humanidade e o contexto de um conflito armado. O caput do art. 5º do Estatuto do TPII é claro a respeito deste ponto: o tribunal terá competência para julgar “pessoas responsáveis pelos seguintes 49 TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA. Procurador v. Duško Tadić (IT-94-1), Decision on the Defence Motion for Interlocutory Appeal on Jurisdiction. J. em: 02 out. 1995, parágrafos 79- 85. 50 TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA. Procurador v. Duško Tadić (IT-94-1), Decision on the Defence Motion for Interlocutory Appeal on Jurisdiction. J. em: 02 out. 1995, parágrafos 87- ss e 96-137. 51 BEST, Geoffrey. War and Law since 1945. Nova York: Oxford University Press, 1997. 52 GREENWOOD, Christopher. International Humanitarian Law and the Tadic Case. European Journal of International Law, v. 7, n. 2, p. 265-283, 1996, p. 280. 27 crimes, quando cometidos durante um conflito armado, de natureza internacional ou interna, e dirigido contra qualquer população civil”.53 O vínculo entre essa categoria de crime e um conflito armado foi afirmado pela primeira vez no Estatuto e nos julgamentos de Nuremberg, no contexto do pós-Segunda Guerra. Fazia sentido, para os juristas à época, vincular a noção de crimes que se tinha ao contexto em que era entendido como condição de possibilidade da sua existência. Robert Jackson, o promotor estadunidense no julgamento em Nuremberg, defendia que os aliados só poderiam julgar crimes cometidos pelos nazistas contra sua própria população, caso estes tivessem uma conexão com a guerra – do contrário, a narrativa costumeira era de que “os assuntos internos de outro governo não são normalmente dos nossos interesses”.54 De forma oposta, os juízes consideraram que essa limitação exigida no dispositivo não refletiria o direito internacional contemporâneo e desconsideraram o disposto no caput do referido artigo. Em sua opinião, [...] [o] costume internacional não pode exigir uma conexão entre crimes contra a humanidade e qualquer tipo de conflito. Assim, ao exigir que crimes contra a humanidade sejam cometidos em um conflito armado interno ou internacional, o Conselho de Segurança pode ter definido o crime no artigo 5º [de forma] mais restrita do que o necessário pelo costume internacional.55 O critério para chegarem à essa conclusão foi uma noção do que seria “desumano”. Em suas palavras, “o que é desumano e, consequentemente, proscrito, em guerras internacionais, não pode deixar de ser desumano e inadmissível em conflitos civis”.56 Tal arrazoamento desvincula a noção de justiça penal internacional do contexto político do conflito armado interestatal e encontra outro critério que não precisa ser obstaculizado pela soberania, os direitos humanos. A qualidade do que é “desumano” não seria restrita a critérios exógenos ao próprio antônimo da noção de humanidade. No final, os magistrados da Seção de Recursos não entraram em uma discussão detalhada sobre esse dispositivo, ao contrário da análise do art. 3º, reiterando que ele não refletiria mais o direito internacional contemporâneo.57 53 CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução 827 (S/RES/827) 23 de maio de 1993. Anexo: Estatuto do Tribunal Penal Internacional. Disponível em: <http://www.un.org/Docs/scres/1993/scres93.htm>. Acesso em: 10 de novembro de 2015. 54 JACKSON, Robert. Minutes of Conference Session of July 23, 1945. Report of Robert H. Jackson, United States Representative to the International Conference on Military Trials. Washington: US Government Printing Office, 1949, p. 331. 55 “(…) customary international law may not require a connection between crimes against humanity and any conflict at all. Thus, by requiring that crimes against humanity be committed in either internal or international armed conflict, the Security Council may have defined the crime in Article 5 more narrowly than necessary under customary international law.” (tradução livre) (TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA. Procurador v. Duško Tadić (IT-94-1), Decision on the Defence Motion for Interlocutory Appeal on Jurisdiction. J. em: 02 out. 1995, parágrafo 141). 56 TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA. Procurador v. Duško Tadić (IT-94-1), Decision on the Defence Motion for Interlocutory Appeal on Jurisdiction. J. em: 02 out. 1995, parágrafo 119. 57 A jurisprudência que se seguiu tanto no TPII quanto em outras cortes reafirmou a desnecessidade de tal vínculo. Essa restrição tampouco consta no art. 7º do Estatuto de Roma relativo a crimes contra a humanidade. 28 4. Considerações finais Os tribunais militares em Nuremberg e Tóquio não se desvencilharam do contexto pós-guerra em que os vitoriosos constituíam a corte, os perdedores se sentavam em bancos de réus e normas eram cristalizadas após fatos. Responder às críticas sobre sua legitimidade significaria enfrentar o argumento de “justiça dos vencedores”. O marco fundacional da justiça penal internacional se aproximava muito mais da noção de que certos estadistas se engajaram em uma guerrailegal, os “crimes contra a paz”, e a partir dessa outros crimes deveriam ser julgados. Os tribunais ad hoc tampouco foram isentos de críticas sobre sua legitimidade. Os juízes do TPII, no entanto, enfrentaram questões polêmicas com uma narrativa em ascensão nas últimas décadas do século XX, os direitos humanos. Distanciaram-se da perspectiva tradicional soberanista, mais próxima do Estado e cuja principal preocupação era a guerra, e quando tiveram que apresentar argumentos convincentes, encontraram nos direitos humanos um recurso útil. A existência de crimes internacionais não mais dependia (da ilegalidade) da guerra. O caso Tadić marca, na história das decisões de tribunais penais internacionais, a aproximação com a linguagem em ascensão dos direitos humanos. Ao contrário dos tribunais militares do pós-Segunda Guerra Mundial que não se envolveram longamente em desafios à sua legitimidade, é possível visualizar o embate entre os dois discursos nas brechas das questões enfrentadas pelos juízes do TPII. O legado da decisão em apreço do caso Tadić não é, entretanto, consensual. Por mais que a decisão aqui analisada tenha lastro muito mais próximo no léxico dos direitos humanos, o discurso soberanista ainda marca diversas outras decisões não apenas do TPII, mas de outras cortes internacionais, híbridas e nacionais. Além de jurisprudências concorrentes, o reforço de argumentos estatais também está presente em negociações, práticas e discursos estatais que recepcionam esse viés liberal com menos entusiasmo. Referências bibliográficas ALVAREZ, Jose E. Nuremberg Revisited: The Tadic Case. European Journal of International Law, v. 7, n. 2, p. 245-264, 1996. ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, resolução 2200A (XXI). 16 de dezembro de 1966. Disponível em: <http://www.ohchr.org/EN/ProfessionalInterest/Pages/CCPR.aspx>. Acesso em: 10 de novembro de 2015. BEITZ, Charles R. The Idea of Human Rights. Oxford: Oxford University Press, 2009. BENVENUTI, Paolo. 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TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA. Procurador v. Duško Tadić (IT-94-1-T), Response to the Motion of the Defence on the Jurisdiction of the 30 Tribunal before the Trial Chamber of the International Tribunal, 7 July 1995. D. em: 7 jul. 1995. Procurador vs. Dražen Erdemović, Julgamento (07 de outubro de 1997) Janaína Rodrigues Valle Gomes 1. Introdução O presente texto se propõe a discutir o julgado do caso Procurador v. Erdemović (doravante, “caso Erdemović”) pelo Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (TPII) com ênfase no julgamento da Seção de Apelação. Depois de contextualizar o cenário histórico e político da instalação do tribunal, o presente artigo efetua uma análise crítica de alguns temas abordados em referido julgamento no que tange a regras de interpretação, garantias do acusado, institutos como a confissão de culpa e a coação moral, comentando também o tema atinente à condenação por crime contra a humanidade. Por fim, admitindo- se que a instalação do tribunal foi um ato político, propõe-se uma reflexão sobre eventual politização da decisão proferida no caso Erdemović e, buscando enfocar a constante interação entre o direito internacional e a política, discute-se a contribuição de referido julgado para o desenvolvimento do direito humanitário e do direito internacional penal. 2. Da instalação do Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia 1991. A então República Federativa Socialista da Iugoslávia, que era composta de seis repúblicas (Eslovênia, Croácia, Bósnia e Herzegovina, Montenegro, Macedônia e Sérvia, com duas regiões autônomas denominadas Kosovo e Vojvodina) se encontrava em processo de dissolução. Após a morte do general Tito em 1981, as amarras do caldeirão de etnias existentes naquele país se afrouxaram. As repúblicas buscavam independência, uma onda de nacionalismo exacerbado tomou conta da Sérvia e Croácia, disputas étnicas proliferavam, as diferentes etnias lutavam pela conquista de seus territórios. Em agosto de 1992, o exército Bósnio da Sérvia controlava setenta por cento do território da antiga Iugoslávia e atos de assassinatos em massa, torturas, estupro de mulheres e massacres tomaram conta do país e um movimento de limpeza étnica. Um conflito interno envolvendo graves violações de direitos humanos e direito humanitário, localizado no território europeu, chamava a atenção do mundo. Observadores internacionais monitoravam o país. Diante de tal quadro, após mal sucedido embargo econômico, em 25 de maio de 1993, através da Resolução nº 827 do Conselho de Segurança das Organizações das Nações Unidas (ONU), o TPII foi criado para processar e punir os responsáveis pelas sérias violações ao direito humanitário ocorridas no território da ex-Iugoslávia entre 01 de janeiro de 1991 e uma data a ser determinada pelo Conselho de Segurança da ONU. A criação do TPII somente foi possível
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