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Ascensão e Queda do pensamento keynesianoFINAL

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Curso de Economia Preparatório p/ CACD
Prof: Marta Skinner
Ascensão e Queda do pensamento keynesiano
Marta Skinner[footnoteRef:1] [1: Professora de Economia da UERJ-UCAM- IBMEC- Pós-Graduação da UFRJ.] 
Desde 1776, com a publicação da Riqueza das Nações, de Adam Smith, junto ao advento das ideias liberais, a dinâmica das economias capitalistas passou a ser entendida como autorregulada baseada no livre jogo de mercado, ou seja, na perfeita interação entre a oferta e a demanda. Você deve estar lembrado de que o livre mercado era visto como o mais eficiente alocador dos recursos da sociedade, capaz de prover o máximo de bens e serviços à população, de orientar os investidores sobre as melhores oportunidades lucrativas e de levar os preços a um nível tal de equilíbrio, aonde a quantidade oferecida de bens e serviços seria igual à quantidade demandada e, nesse caso, não haveria escassez nem excesso de bens.
 Na leitura liberal, cabia ao Estado apenas cuidar da ordem pública, da salvaguarda da nação frente às agressões externas, da defesa das normas e instituições, regulando o direito à propriedade privada, sem a necessidade de intervenção no domínio econômico.
	No entanto, quando examinamos a ordem econômica ao longo da história do capitalismo, nos damos conta de que esse ideal de abstenção total do Estado, assim como a plena liberdade dos espaços da economia, como condições ideais, nunca chegaram a ser praticados, mesmo no século XVIII, quando os Estados liberais surgiram no bojo das revoluções francesa e industrial.
 Você deve estar lembrado também de que mesmo na defesa do liberalismo econômico, Adam Smith já admitia outros papéis a serem cumpridos pelo Estado, como o dever de proteger a sociedade e o de erigir certas obras públicas, cuja exploração não interessasse à empresa privada. Ainda que dentro de limitados padrões, o próprio Adam Smith reconhecia a impraticabilidade da ausência total do Estado. Na verdade, o seu objetivo e dos demais liberais dos séculos XVIII e XIX nunca foi eliminá-lo da vida econômica, mas minimizá-lo. 
 Na aula de hoje vamos analisar a complexidade do papel do Estado, considerando que a sua ausência total, assim como a orientação das atividades econômicas, pura e simplesmente, pelos mecanismos de mercado, embora dentro da teoria liberal justificável, sempre esbarraram em vários tipos de problemas e dificuldades de ordem prática, barreiras que se tornaram gradativamente maiores, à medida que a organização da vida econômica e a diversificação da produção industrial passaram a exigir inúmeras obras e mediações por parte do Estado. 
O Paradigma Liberal – crises e ciclos
Na verdade, o paradigma liberal começou a entrar em clara crise no final do século XIX, respondendo às modificações objetivas que o desenvolvimento histórico do próprio capitalismo foi impondo às sociedades. A utopia do Estado liberal foi perdendo gradativamente a sua razão de ser com a expansão das funções do governo, resultado das pressões oriundas da sociedade, em nome do estabelecimento de uma nova ordem econômica que se ajustasse às grandes transformações, de ordem social, política e tecnológica que começaram a ocorrer já no século XIX.
Mesmo assim e apesar das diversas trepidações experimentadas pelas economias nesse século, prevalecia teoricamente uma confiança generalizada de que a dinâmica do mercado sempre conduziria a atividade econômica ao seu melhor nível, corrigindo-se automaticamente as oscilações. As fases cíclicas de recessões e depressões que ocorriam eram sempre solucionadas pela expansão e recuperação econômica, naturalmente, sem a interferência governamental. 
Atenção!
Apesar de alguns estudiosos já considerarem esses “ciclos” bastante rigorosos, a política ideal continuava a ser aquela que confiava a correção das distorções à própria ação do mercado, dado que era ele que alocava de forma mais racional os recursos produtivos de uma sociedade. Essas sucessivas fases cíclicas foram mudando a percepção da dinâmica do econômico. O mundo econômico que era visto até então pela ótica liberal, como um mundo composto de um grande número de pequenas unidades produtivas passou cada vez mais a ser percebido como constituído por grandes frações do capital, de grande densidade, constituídas por grandes empresas, correspondendo a grandes unidades de negociação no mercado de trabalho, através das centrais sindicais. 
Você acredita que essa percepção da dinâmica do econômico ainda possa se fazer presente no mundo contemporâneo? 
A Etapa Monopólica do Capital e o caminho de repolitização da economia
Ao dar continuidade ao nosso estudo, veremos que os problemas decorrentes das crises já envolviam grande contingente de pessoas e de capital, o que passou a trazer sérias consequências sociais. Portanto, foi a partir dessa visão do mundo econômico, que mais tarde se denominaria Etapa Monopólica do Capital, que recomeçou a repolitização da economia. 
	Essa repolitização da economia não se deu a nível teórico. Na prática, ela foi se expressando pela presença do Estado, muitas vezes não consentida, mas real, na substância econômica da sociedade, quer como protagonista direto, assumindo responsabilidades crescentes na esfera produtiva (que denominamos setor produtivo do Estado), quer onipresente em todas as economias do mundo, assumindo papéis reguladores e com capacidade discriminatória maior. 
 A mais grave crise do sistema capitalista aconteceu no final da década de 1920, do século XX. Essa crise golpeou fortemente o paradigma liberal, na medida em que seus efeitos nefastos se espalharam de forma sistêmica por praticamente todas as economias capitalistas. Já não se tratava de um movimento pendular com perspectivas de rápida recuperação. 
Essa Crise já foi de tal dimensão, que abalou seriamente a tradicional convicção de que a economia de livre-empresa cresceria indefinidamente e que os mecanismos de mercado, por si só, conseguiriam reverter uma situação recessiva. Desse modo, você poderá observar que a dinâmica capitalista de livre mercado, ao entrar em franca crise, criou o ambiente propício para o questionamento dos fundamentos liberais, assim como abriu oportunidades de aprofundamento de investigações acadêmicas, a fim de descobrir a natureza do mal que colocara em risco a dinâmica virtuosa desse sistema de produção. 
À procura de explicações e respostas para solucionar a crise
John Mayard Keynes, um professor inglês, foi um desses acadêmicos. Ele se dedicou arduamente a tal tarefa, procurando analisar, pela ótica dos pressupostos liberais, como se poderia explicar a crise.
 Keynes tinha horror dessa ideia que é vista como a força do sistema capitalista, ou seja, a tese do individualismo. Contudo, ele dizia que há sempre um espaço para certo individualismo, este sentimento que move o indivíduo, na economia mercantil-capitalista. Ele achava a ideia do “amor ao dinheiro” um horror, mesmo que representasse um fator de progresso e de mudança social, pois ela poderia se transformar em um tormento para o homem moderno. No livro, Perspectivas Econômicas para Nossos Netos, Keynes escreveu que os homens precisam voltar para os valores fundamentais da religião, da boa vida, da convivência. Keynes era bem mais do que um economista, se pensarmos nos modelos de economistas atuais. Ele não era apenas um acadêmico, mas entendia que o estudo da economia devia servir para orientar políticas que aprimorassem a convivência entre os homens.
 Na primeira metade do século XX, ele participou ativamente dos acordos econômicos estabelecidos ao final das duas grandes guerras. Em 1919, desgostoso, abandonou a delegação britânica, na Conferência de Versailles, opondo-se as brutais reparações impostas à Alemanha. Sobre esse episódio, publicou o livro The Economic Consequences of Peace, que antevia os desastrosos efeitos das políticas exigidas pela França e Inglaterra à Alemanha. Em 1944, teve uma presença destacada como representante da Inglaterra, no Acordo de Bretton Woods, aonde polarizousua posição sobre a moeda internacional, com o representante dos EUA, Dexter White.
As alternativas propostas por Keynes Além de participar ativamente dos debates econômicos de sua época, Keynes fez uma crítica teórica avassaladora, pelo menos foi o que se pensou à época, da teoria econômica então vigente. Publicou, em 1936, sua Teoria Geral, obra em que apresentou algumas importantes alternativas para minimizar o rigor da crise. Naquela época, como vimos inicialmente, a lógica econômica partia da ideia de que o mercado sempre era capaz de determinar um preço que igualasse a quantidade ofertada e demandada de qualquer bem ou serviço. Isto deveria ser verdade, inclusive no mercado de trabalho. Desta forma, as famílias escolhiam quanto desejavam trabalhar e as firmas escolhiam o quanto contratar de mão de obra. O mercado então determinava o salário de equilíbrio, ou seja, o salário que fazia com que a quantidade de horas que as famílias desejassem trabalhar fosse exatamente igual à quantidade de horas de trabalho que as empresas desejassem contratar. Uma vez que o mercado determinasse as horas de trabalho, a tecnologia vigente determinava o quanto seria produzido. 
	Repare que, segundo esta lógica, as pessoas só não trabalhavam se achassem que o salário era muito baixo para compensar as horas de lazer perdidas e, sendo assim, as empresas nunca ficariam com estoques que não fossem desejados. Durante boa parte do século XIX e o início do século XX esta lógica parecia impecável para explicar o funcionamento de uma economia, por isto é comum se referir a esta linha de raciocínio como uma escola de pensamento, tendo ficado conhecida como Escola Clássica. Porém, o que precisamos destacar é o fato de que Keynes se perguntava: Como justificar a Grande Depressão, partindo do pressuposto de que o mercado de trabalho sempre determina o salário de equilíbrio? Se fosse este o caso, por que existiam filas de pessoas desempregadas? Se as firmas eram capazes de vender tudo o que produziam, por que existiam tantos estoques indesejados? Como explicar que o Brasil estivesse queimando a sua safra de café, uma vez que sempre existia uma demanda para todos os bens produzidos?
	Segundo Keynes, a razão de tudo isto é que o modo de pensar dos economistas clássicos estava simplesmente errado, ou, na melhor das hipóteses, só era válido para o caso raro em que ninguém estivesse desempregado. 
	Em primeiro lugar, Keynes discordava da ideia de que as famílias decidiam o quanto trabalhar, comparando o salário com o valor do tempo de lazer perdido. Logo, para ele, a ideia de que as pessoas estavam sem trabalhar porque valorizavam o lazer não fazia qualquer sentido.
	Deste modo, o conceito de equilíbrio no mercado de trabalho não tinha nenhuma aplicação prática. Sem o equilíbrio no mercado de trabalho, assim como em qualquer outro, Keynes teve de criar outra forma de determinar o produto da economia. Sua interpretação era a de que o produto estaria relacionado à demanda total de uma economia, pois, segundo ele, as decisões das despesas com consumo privado, com investimento e gasto público eram as que condicionavam a decisão da firma produzir. Se não existisse demanda suficiente, as firmas não produziam ou reduziriam a produção, causando o desemprego e jogando a economia numa recessão.
Os desdobramentos da lógica Keynesiana
Você deve estar observando que este raciocínio é exatamente o oposto da lógica do modelo clássico. Em ambos os casos o valor do produto deve ser igual ao da despesa total, isto representa um resultado contábil e não pode ser discutido. Porém, no modelo clássico é a quantidade produzida que determina a despesa enquanto no modelo keynesiano é a despesa que determina a quantidade produzida. Por isso, às vezes, chamamos os economistas de tradição clássica de economistas do lado da oferta e os de tradição keynesiana, de economistas do lado da demanda.
	Pela lógica keynesiana, durante uma recessão, o governo deveria incentivar a recuperação da economia aumentando seus gastos e, desta forma, contribuiria para o aumento da despesa total (demanda agregada), o que levaria a um aumento da produção e ao do emprego. 
	E qual seria a melhor definição para o termo recessão? Na lógica clássica, uma recessão era o efeito de um distúrbio passageiro na produção ou no desejo das famílias trabalharem. Nesse caso, o melhor que o governo deveria fazer seria reduzir seus gastos para adequá-los a uma possível recessão e a uma consequente perda de receita.
 	Para Keynes, na economia capitalista de livre empresa, os agentes econômicos vivem em um ambiente de incerteza e, portanto, usam a renda que chega à suas mãos, a partir das expectativas que fazem do futuro. Como as decisões de despesas com consumo privado, investimento e gasto público eram as que condicionavam as decisões das empresas produzirem, se não existisse demanda as firmas tenderiam a reduzir a produção.
 Levando em conta o ciclo produtivo, Keynes observou que a visão clássica partia do pressuposto de que o valor de tudo aquilo que é produzido pelo aparelho produtivo, durante um determinado período de tempo, o que chamamos “Produto Final da Economia”, equivale ao valor das remunerações que o aparelho produtivo pagou aos agentes envolvidos no processo de produção (salários, aluguéis, juros e lucros), o que chamamos “Renda da Economia”. Observe que, nesse caso, para que as unidades de produção possam vender tudo o que produzem, seria necessário que os agentes econômicos gastassem, coletivamente, toda a sua renda no mercado de bens e serviços de consumo e de capital. Quando tal fato ocorre, naturalmente a produção total é vendida, os lucros permanecem atrativos e os organizadores da produção têm estímulos para produzir mais e mais. Keynes chamava esse processo de Fluxo Circular, mas indagava se esse automatismo perduraria para sempre, pois percebia alguns vazamentos nesse circuito. 
Falhas ou vazamentos nos circuitos econômicos na percepção Keynesiana
Em primeiro lugar, nem todos aqueles que têm uma parcela da renda gastam-na totalmente no próprio circuito econômico. Uma parte dessas rendas é gasta com bens importados, logo, deixam de adquirir bens produzidos pelo sistema, para comprarem bens produzidos por outras economias. Mas, por outro lado, precisamos ressaltar que uma série de bens produzidos pelo sistema também é vendida fora do circuito, ou seja, são exportados. No entanto, se o valor dos gastos com importações fossem compensados pelas receitas das exportações, encontraríamos uma forma de compensar esse vazamento. 
 O segundo vazamento dizia respeito aos impostos que o governo arrecada da população. Como assim? Bem, parte da renda dos indivíduos e das firmas é entregue ao governo, compulsoriamente, logo, ela sai do fluxo das despesas. Mas, se o governo utilizar a totalidade desses recursos, na compra ou financiamento dos bens e serviços oferecidos pelo aparelho produtivo (G), estaria compensando mais esse vazamento, ou seja, criaria uma alternativa pelo que chamamos “Gasto Público”. 
 Keynes constatou ainda um terceiro vazamento no fluxo das despesas. Nem todos os indivíduos que percebem renda a gastam integralmente. Uma parte dela é poupada, geralmente em instituições financeiras, assim como também existem pessoas que gastam além de sua renda, tomando empréstimo junto a essas instituições. Era esperado que a poupança disponível fosse usada sempre que os empresários desejassem ampliar seus negócios, ou que outros desejassem aumentar o seu consumo através de empréstimos, compensando mais esse vazamento. Keynes não considerava possível que esse automatismo perdurasse indefinidamente. Para ele, os investimentos que seriam necessários para absorver toda a poupança disponível certamente ampliariam o estoque de capital da economia e aumentariam a produtividade da mesma, ou seja, eles contribuiriam para aumentar a capacidade produtiva da economia. Para que esse aumento da capacidade produtiva fosse totalmente utilizado seria indispensável que o produto,logo, a renda, crescesse no próximo período.
Renda, poupança e liquidez – Keynes e uma perspectiva de futuro
Nesse ponto, Keynes percebeu que a partir de um determinado nível de renda há uma propensão dos indivíduos a pouparem mais do que consumirem seus acréscimos de renda. Keynes constatou ainda que mesmo no auge de fases de prosperidade econômica, a poupança (parte da renda não consumida) geralmente era maior do que a demanda de empréstimos, que acabava gerando uma poupança líquida. Supôs ainda, que, muitas vezes, os detentores de poupança poderiam, no limite, não disponibilizar sua poupança por temor da iliquidez, o que chamou de “armadilha da liquidez”. Ou seja, os indivíduos, frente à incerteza do futuro, poderiam se refugiar na moeda, como meio de proteção. Essa interpretação era para o pensamento clássico uma heresia, dado que entendiam que a moeda era um meio de realizar transações e não tinha essa atratividade para os indivíduos.
 Por exemplo: consideremos o caso de um indivíduo que tenha certo padrão de renda e já tenha atendido grande parte das suas necessidades de consumo. Qualquer incremento de renda não implica necessariamente no aumento do seu consumo, na proporção do aumento de sua renda. Ele certamente utilizará esse aumento de renda, no propósito de aumentar mais que proporcionalmente a sua poupança do que o seu consumo. Admitindo que esse comportamento fosse extensivo a toda a sociedade, poderíamos concluir que, à medida que víssemos crescer o nível da renda, observaríamos que um percentual maior dessa renda seria transformado em poupança. Ou seja, haveria uma tendência para uma propensão maior a poupar do que consumir (PmgP > PmgC ).
Se os indivíduos frente aos acréscimos de renda reservavam uma maior parte desta sob a forma de poupança e diminuíam a parcela destinada ao consumo, os empresários, racionalmente, não teriam estímulo para aumentar a produção. Logo, o que se supunha no pensamento clássico, sobre o automatismo do sistema produtivo, era a ideia de que os investimentos necessários para absorver a poupança teriam que crescer em ritmo superior ao da renda, pois, só assim, as empresas conseguiriam vender o que produzissem. 
	Keynes advertia que quanto mais acelerado fosse o crescimento dos investimentos, mais rápido seria o aumento da capacidade produtiva. Nesse caso, seria indispensável então, que os capitalistas investissem somas cada vez maiores em cada período produtivo para manter o equilíbrio. Reconhecia, porém, que em qualquer economia madura, geralmente surgem limitações das oportunidades lucrativas, à medida que avança o processo de crescimento econômico, pois elas aumentam as dificuldades para encontrar os canais, em número suficiente, a fim de dar vazão aos investimentos de capital.
 
Quando ocorre esse esgotamento das oportunidades lucrativas, que certamente poderia se expressar por uma possível redução do desejo de consumir, os investimentos desestimulados tenderiam a cair abaixo do nível de poupança da economia e, nesse percurso, as despesas totais, com bens e serviços tendem a cair, para um patamar abaixo do valor do conjunto de bens produzidos pelo aparelho produtivo. As empresas, então, não conseguiriam vender tudo o que produzissem e, desta forma, cresceriam os estoques de bens encalhados e consequentemente, no próximo período, a produção se reduziria mais ainda. 
	Quando tal problema é extensivo a toda a economia, o que se observa é uma violenta retração da produção, com grande número de desempregados e com a queda do nível de renda da economia. Declinando a renda, declinam também as despesas e novamente os empresários não conseguem vender sua produção, sendo levados a contraírem mais ainda os seus negócios. Observamos assim, que se estabelece um círculo vicioso de recessão ou até depressão. Seguindo esse raciocínio, Keynes observou ainda que o declínio da renda gerava um declínio mais que proporcional da poupança. O processo tenderia a se repetir até o ponto em que o nível da poupança atingisse um patamar que já não excedesse o nível dos investimentos. 
Keynes, Marx e o dinamismo da economia
Se compararmos a análise de Keynes e Marx, veremos que em seus aspectos essenciais eles não diferem radicalmente. Os dois acreditavam que a depressão da economia capitalista era fruto da inabilidade dos capitalistas para encontrar suficientes oportunidades de investimentos e, portanto, era impossível contrabalançar os níveis crescentes de poupança gerados pelo crescimento econômico. No entanto, Marx acreditava que tal fato era inerente ao sistema capitalista, portanto, indissolúvel. Marx afirmava ainda que o mal era incurável e inerente ao capitalismo. Para Keynes o problema não era insolúvel, havia sim uma alternativa.
	 Keynes demonstrou que essa relação poupança/investimento poderia reencontrar uma situação de equilíbrio sim, pelos próprios mecanismos de mercado, mas, se a poupança é parte da renda, esse novo patamar poderia se dar em um baixíssimo nível de renda e com elevados índices de desemprego. Quanto tempo levaria esse ajuste? É o que você deve estar se perguntando... “No longo prazo estaremos todos mortos”, argumentava Keynes. .
	Como supunha que a economia não trabalhava naturalmente na sua capacidade máxima, pois não concordava com a ideia dos clássicos, em que o produto potencial era naturalmente atingido, dada as disponibilidades de fatores produtivos, Keynes acreditava que o ‘PIB efetivo’ era menor do que o ‘PIB potencial’. Portanto, havia um hiato não preenchido, por falta de demanda efetiva.
	Sendo assim, sempre que a poupança excedesse os investimentos o governo deveria entrar em cena, captando esse excesso de poupança, mediante empréstimos, sendo levado a gastar o dinheiro em projetos de utilidade social. Por que social? Porque o importante era que esses projetos não ampliassem a capacidade produtiva da economia e nem reduzissem as oportunidades de investimento para o futuro, ou seja, na premissa de que o governo não deveria substituir o empresariado, no seu papel dinamizador de investimentos, uma vez que os empresários estavam agindo racionalmente, não investiam, pois o consumo não estava aumentando. Esses gastos do governo, portanto, deveriam injetar maior volume de recursos no fluxo das despesas, de forma direta ou indireta, elevando o consumo da economia e criando condições para o estabelecimento do pleno emprego sem alterar o estoque de capital. 
	Repare que Keynes não estava sugerindo que o Governo substituísse o empresariado, estava defendendo a ideia do GASTO PÚBLICO, como uma variável impulsionadora do dinamismo da economia, nas fases críticas.
 Que tipo de despesas deveria o governo realizar? Keynes inclinava-se para os gastos de utilidade pública. No entanto, ele admitia que como que como esse tipo de despesas beneficiava muito mais os setores de média e de baixa renda (que tinham maior propensão a consumir) do que setores de alta renda, considerando o fato de que o poder político estava nas mãos dos mais ricos, talvez esses grupos resistissem a esse tipo de gasto público. Ele percebeu que do ponto de vista político, talvez fosse até necessário canalizar essas despesas para os cofres das grandes corporações, ainda que trouxesse poucos benefícios diretos para a sociedade, mas diria: “melhor esses gastos, do que nada”... 
O Conceito de Multiplicador e a Teoria Keynesiana
A Teoria Keynesiana propõe que a renda e o produto são determinados pela despesa total de um país. Desta forma, para entender a proposta de Keynes é importante analisar cada um dos elementos da despesa total. Do estudo das Contas Nacionais, de onde se chega ao valor do produto e da renda da economia, sabe-se que a despesa de um país é igual à soma do consumo privado, do investimento, dos gastos públicos e das exportações líquidas. Por simplicidade, vamos limitar a nossa discussão ao caso de uma economia fechada, que não tem relações com o exterior.
Ao seguir com o estudo das Contas Nacionais, denotando por D a despesa total da sociedade,vale a seguinte expressão: (C representa o consumo privado, I o investimento e G representa o gasto público).
D = C + I + G (1)
Repare que a origem do fenômeno do multiplicador está intrinsecamente relacionada às hipóteses de que a despesa determina a renda de equilíbrio e de que o consumo depende fundamentalmente da renda. Analisando com mais cuidado é possível identificar o funcionamento do multiplicador.
A hipótese fundamental para dar continuidade à análise diz respeito ao comportamento do consumo privado. De acordo com Keynes este dependeria da renda das famílias, de modo que quanto maior a renda de uma família, maior seria a quantidade consumida. Além disso, a Teoria Keynesiana supõe que a cada aumento (ou redução) de uma unidade na Renda, o Consumo da família aumenta (ou diminui) em um valor inferior a essa unidade. A esse valor de aumento do Consumo associado a um aumento da Renda chegamos ao que Keynes chamou de “propensão marginal para consumir (PmgC)”.
	Será que o que ele estava afirmando que quanto mais consumistas fossem as pessoas, maior seria a renda do país? Não seria surpreendente essa conclusão e ela vai ser explicada pelo conceito do “Multiplicador” de gastos, que demonstra que gastos autônomos, ou seja, o gasto público (G) gera efeitos multiplicadores da renda da economia. Suponhamos que numa economia com Renda igual 5000, um aumento do gasto público em R$ 100,00 causa, inicialmente, um aumento da despesa e da renda, no mesmo valor. Ocorre que este aumento de R$ 100,00 da renda levará a um aumento do consumo= PmgC (que suponhamos seja de 0,8), logo de R$ 80,00, pois a propensão marginal a consumir, igual a 0,8, implica que o aumento de um real na renda leva a um aumento de oitenta centavos no consumo. Como a renda de equilíbrio deve ser igual à soma do consumo, do investimento e do gasto público, o aumento de R$ 80,00 no consumo causa um novo aumento na renda. Este causará um novo aumento no consumo e assim por diante. 
Como pode ser observado na Tabela, o aumento da renda em cada período será igual ao aumento anterior, multiplicado pela propensão marginal a consumir, que é igual a 0,8. Desta forma, a coluna central da Tabela representa uma progressão geométrica, com termo inicial igual a 100 e razão 0,8. O aumento final da renda será igual à soma dos termos desta progressão geométrica. R$ 100,00 + R4 80,00 + R$ 64,00 + R$ 51,20...
Sabemos da matemática que o valor da soma dos termos de uma progressão geométrica infinita – com termo inicial igual a A e razão q é dado por: 
S= A / 1-q
Logo, usando este resultado no problema da Tabela anterior, podemos concluir que a variação total da renda será igual a:
∆ Y = 100 / 1- 0,8 = 100 / 0,2 = 500
Onde ΔY representa a variação na renda. Note que um gasto de R$ 100,00 leva a um aumento na Renda de R$ 500,00, ou seja, a Renda passaria a R$ 5500,00
O efeito multiplicador dos gastos
O multiplicador dos gastos autônomos possui uma sólida interpretação econômica, pelo menos do ponto de vista dos economistas keynesianos. Como dissemos, Keynes acreditava que as firmas reduziam a quantidade produzida devido à falta de demanda efetiva. Caso o governo aumentasse seus gastos ele estaria criando uma demanda, esta nova demanda faria com que algumas firmas elevassem sua produção. Para aumentar a produção, as firmas contratariam novos trabalhadores, estes passariam a receber um salário que seria gasto com novos produtos. As firmas que produzem os bens e serviços demandados pelos trabalhadores recém-empregados também teriam de aumentar a sua produção, o que as faria contratar novos trabalhadores. A repetição infinita deste ciclo virtuoso seria a responsável pelo efeito multiplicador dos gastos.
	No tocante a poupança, Keynes tira também algumas conclusões interessantes. Dado que a poupança é a parte da renda não consumida e, segundo a visão clássica, uma função crescente da renda, ou seja, quanto maior a Renda maior a poupança, porém, com inclinação menor do que um. Por essa premissa, o equilíbrio para os clássicos ocorre no ponto em que a poupança é igual ao investimento. Este tipo de formulação permitiu a Keynes chegar a um resultado bastante curioso chamado “paradoxo da parcimônia”. Ele supôs que uma determinada sociedade possa vir a ser mais poupadora, de forma que aumente a propensão marginal a poupar. O aumento da propensão marginal a poupar implicaria em uma redução da propensão marginal a consumir, pois as duas devem somar um. Com a redução da propensão marginal a consumir ocorreria uma queda na renda de equilíbrio, cujo valor depende da própria propensão marginal a consumir, pois o multiplicador keynesiano é = 1/1-PmgC. Uma vez que, a poupança é determinada pela renda, esta queda na renda de equilíbrio pode fazer com que, no final, o desejo de poupar mais leve a uma redução da poupança.
A mudança de Paradigma
 Sabemos que a Grande Depressão, iniciada em 1929, prolongou-se pelos anos trinta, até a eclosão da segunda grande guerra. A crise econômica somada à situação de guerra trouxe novas pautas de problemas que exigiram uma rediscussão do papel do Estado, na medida em que a conjuntura da época levou os governos a assumirem papéis regulatórios, cada vez mais discriminatórios, passando a estar presente desde as decisões mais gerais até o cotidiano mais elementar. Essa pauta levou os economistas a discussões acaloradas sobre os métodos de suas teorias e de suas proposições práticas. Foi nesse ambiente que Keynes publicou sua Teoria Geral (1936), defendendo para o Estado, o papel de protagonista capaz de restabelecer o pleno emprego, através do aumento da demanda agregada. No entanto, como já vimos anteriormente, essa dilatação das funções públicas não era vista, pelo próprio Keynes, como substitutiva da iniciativa privada e do funcionamento do próprio sistema de preços.
 A situação de guerra acabou exigindo dos governos a intensificação da produção de armamentos e a adoção de uma política agressiva de compras, o que rapidamente fez ceder os altos níveis de desemprego. Durante a guerra, sob o estímulo de enormes gastos governamentais, a crise do desemprego chegou mesmo a ceder lugar a uma situação de escassez de mão de obra. Segundo Keynes, teria sido na realidade a situação de guerra a responsável por tirar as economias capitalistas da grande crise, e não as políticas do New Deal, como pensavam alguns, pois a economia alemã foi uma das primeiras a apresentar taxas de recuperação, antes mesmo da economia americana. 
 Para a maioria dos economistas, as experiências realizadas durante a guerra comprovaram no essencial, a exatidão das ideias keynesianas, ou seja, que o gasto público tinha papel relevante no equilíbrio macroeconômico. Ao longo das décadas posteriores, as funções públicas foram gradativamente ganhando mais peso e se diversificando em praticamente todas as economias. Após a segunda grande guerra, seguiu-se a reconstrução da Europa, a Guerra da Coréia e a Guerra Fria. Todas essas situações foram levando o Estado a se transformar num protagonista de grande peso, dentro da ordem econômica, interferindo nas decisões e no comportamento de cada um dos agentes econômicos, quer no plano global ou individual. O planejamento no aspecto macroeconômico passou a ser valorizado, levando o Estado a impor uma maior disciplina às atividades econômicas e, mesmo em alguns casos, a institucionalizar a atividade governamental no domínio econômico. É interessante notar que essa dilatação do papel do Estado foi comum a quase todas as economias e se deu de forma diversa nas suas ações e resultados, nos países centrais e periféricos. 
 Nos países centrais coube ao Estado o papel de comandar a recuperação econômica após a crise de 29 e a Segunda Guerra. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) já havia deixado evidente a necessidade do aperfeiçoamento tecnológico de defesa. O poderio militar passara a depender da existência de uma poderosa indústria bélica – e não mais de elevados contingentes humanos, nas áreas deguerra, o que aumentou consideravelmente as despesas governamentais. Mesmo depois da Segunda Guerra, permaneceu a cultura da necessidade de manter um arsenal militar, nesse caso, em função da Guerra Fria. Os EUA mantiveram (do pós-guerra aos nossos dias) uma política de compras de armamentos que, reconhecidamente, se constituiu num estímulo valioso para o complexo industrial militar, emitindo sinais muito positivos para todo o conjunto do setor industrial norte americano, ação que responde pela sua franca expansão até os dias atuais. 
Os novos papéis assumidos pelo Poder Político
Outros motivos, oriundos do próprio avanço do modelo capitalista de produção levaram o Estado, nessas economias, a assumir novos papéis e aumentar o seu dispêndio. Entre esses motivos podemos perceber alguns exemplos de suma relevância. Acompanhe a seguir! 
 - O próprio desenvolvimento da atividade industrial expôs uma variedade de problemas que decorriam diretamente das relações capital-trabalho que, ao gerarem tensão social, exigiram do Estado a intervenção como o mediador dos conflitos. O avanço da Social Democracia, na Europa, teve como pressuposto ideológico o aumento dos gastos de natureza social, de forma a ampliar os direitos cidadãos. Com o avanço da legislação social conquistada ampliaram-se os direitos da classe trabalhadora, aumentando o gasto público com assistência social e previdenciária. Também as descobertas e progressos na área de saúde pública e da própria medicina aumentaram a vida média das populações, provocando assim, maiores despesas de natureza previdenciária.
 - O avanço da fronteira tecnológica, por sua vez, exigiu uma série de obras de infraestrutura. Essas obras foram, na maior parte dos países, realizadas pelo setor público, visto que esses investimentos são de longa maturação e que só poderiam ser realizados numa perspectiva de longo prazo. Esse aspecto, muitas vezes, desencorajava a iniciativa privada, pois o retorno do investimento era geralmente lento e de rentabilidade baixa, devido ao seu caráter social. 
 - O desenvolvimento industrial deslocou grande contingente de mão de obra para os centros urbanos. Para fazer face ao aumento de população foram necessários investimentos para suprimento de serviços básicos, como transportes, saneamento, água, luz, moradia, comunicação e serviços médicos, elementos que, por sua própria natureza, dificilmente seriam supridos pela iniciativa privada, pois são bens que só podem ser oferecidos em bases sociais, políticas ou coletivas. 
 - A modernização dos meios de transportes, por sua vez, exigiu dos Estados a montagem e a manutenção de uma diversificada infraestrutura de estradas, portos, aeroportos, etc. 
 - Outro motivo muito comum nas economias avançadas, em sistemas de livre iniciativa, era a necessidade de corrigir certos “vícios do sistema de preços”, decorrentes da existência de estruturas de mercado, distantes do regime de concorrência perfeita em determinados setores produtores de bens essenciais à população, logo gerando condições e preços que prejudicam o consumidor. Nessas economias, muitos setores eram controlados por poucos produtores (oligopólios), ou por um único produtor (monopólios), o que exigia a intervenção corretiva do Estado. 
 - Nos países periféricos, o aumento da participação do Estado na vida econômica também encontrou nos fatores apresentados acima alguma justificação, mas o ponto central da motivação inicial da interferência governamental foi a necessidade de promover o desenvolvimento industrial. Nesses casos, coube aos Estados, de fato, nas economias que se industrializaram no século XX, um papel de “capitão” do processo de desenvolvimento, ficando sob sua égide, não só obras de infraestrutura básica, mas também a realização de investimentos estratégicos, como na produção de aço, petróleo, construção naval, etc. Setores em que a acumulação de capital privado não apresentava condições materiais para alavancar recursos, nem a disposição de investir, dado o longo período de maturação.
 
O papel do Estado nas economias periféricas
O Estado nessas economias foi muitas vezes o principal agente financiador do projeto industrial, através dos bancos de desenvolvimento, cabendo-lhe o papel de empresário básico na Economia. Nessas economias, como é o caso do Brasil, pelo fato de ter que vencer o atraso das forças produtivas, o Estado foi levado por razões objetivas a assumir sucessivas funções regulatórias dentro da atividade econômica, expandindo esse universo de uma maneira importante (e porque não dizer eficaz), levando-se em conta que a nossa economia em meio século, saiu de uma base agromercantil, apoiada na produção de cafezais, e se transformou numa base industrial de grande importância. 
 Nos dias atuais, o Estado moderno participa ativamente da vida econômica das nações, sendo claro que a profundidade dessa participação varia de nação para nação, dependendo da ordem política e social e das características próprias de cada país. Mas, sem dúvidas, existem atribuições que são comuns a qualquer Estado moderno como: 
· Seguridade Social - (aposentadoria, seguro social, assistência à educação e saúde);
· Encargos militares - armamentos, bases de defesa, sendo que o maior ou menor grau de importância desse encargo varia de acordo com o posicionamento do país no esquema de divisão de forças do mundo atual. Diferente é, no entanto, a motivação dos países do terceiro mundo, onde esses encargos visam muito mais defender a ordem interna e a estabilidade do regime político do que defender a nação de inimigos externos: 
· Manutenção e implantação de serviços públicos para a população; 
· Serviços tradicionais como justiça, defesa, etc. 
Importante!
Em toda e qualquer sociedade moderna, o Estado tem a prerrogativa de regular o acesso ao crédito, o valor do dinheiro, a taxa de conversão da sua moeda em outras moedas, as estruturas de pagamentos internacionais, as grandes operações de exportação e importação, as relações contratuais do trabalho. Mesmo os principais preços sempre foram objeto de política pública: taxa de juros, taxa de câmbio e o preço do trabalho. 
 Para isso, o governo utiliza meios fundamentais, a fim de intervir na economia: através da cobrança de taxas e impostos, através de suas despesas, através de imposição de controles e regulamentos, através da produção de bens e serviços por empresas estatais. O governo tem, pois, meios compulsórios de afetar a economia. Ele utiliza instrumentos de política econômica para encorajar a produção de certos bens ou inibir a produção de outros. No caso brasileiro, a política de industrialização por substituição de importações contou com a decisiva ação estatal, que implementou políticas de real importância para dinamizar o mercado, criando, através de políticas públicas, vantagens dinâmicas que viabilizaram projetos de grande escala, que seriam inviáveis em outras situações.
A difusão da ideia das políticas públicas
O debate teórico sobre a economia do desenvolvimento no pós-guerra teve como principal consequência a difusão da ideia de que as vantagens comparativas, pressupostas pela teoria clássica, não eram estáticas, mas dinâmicas. Essas poderiam ser construídas por políticas públicas adequadas. 
Sem dúvida, podemos observar que as estratégias de industrialização, lideradas pela ação do Estado, nas economias latino americanas, viabilizaram, por meio de um crescimento equilibrado ou desequilibrado, a montagem de um setor fabril moderno que, depois de implantado, foi capaz de competir com economias que se industrializaram em períodos anteriores.
 O processo de expansão das atividades estatais nos países centrais, no entanto, foi motivo de intensas batalhas ideológicas no seio das respectivas sociedades, fatores que inspiram inclusive importantes mudanças nos hábitos políticos e na estrutura partidária desses países. No nosso país, a trajetória foi muito pragmática nesse sentido. Podemos observar que em nenhummomento teve espaço o debate ideológico e clarificador da presença maciça do Estado na economia brasileira. Ele foi atuando em função de realidades objetivas e inexoráveis criadas pelo próprio processo de industrialização tardia.
	O regime de marcha forçada durante os anos de autoritarismo (1964-1985) justificou a ampliação do raio de ação do Estado e da expansão das empresas estatais. Esse processo também foi visto como uma forma de privatização do Estado Brasileiro, no sentido em que, um grupo seleto e restrito se apropriou das decisões de políticas públicas, tornando as ações do Estado opacas aos controles tradicionais da sociedade. Sabemos hoje que vários investimentos foram realizados sem a concordância da sociedade, pois na vigência de uma ordem autoritária, não existe a preocupação com a opinião do público. Esse Estado, na verdade, cresceu sem a presença de um mínimo debate social, , algo que pudesse fundamentar essa presença tão forte, sem que o corpo social brasileiro tivesse desenvolvido a capacidade de conviver com essa realidade objetiva, que é o Estado agigantado, onipresente na produção, na regulação da substância econômica da sociedade. 
 Percebemos, no entanto, que essa expansão no Estado não foi comum à economia brasileira. Em todas as sociedades modernas o Estado cresceu, de fato. No Brasil, muito se fala da intensa participação do Estado na estrutura produtiva, ao longo do processo de industrialização, mas é preciso levar em conta um aspecto importante: os setores onde o Estado brasileiro teve a sua inserção pesada no aparelho produtivo foram mais ou menos os mesmos setores em que os estados das economias centrais tiveram a sua inserção pesada, com a exceção dos EUA: aço, petróleo, petroquímicos, energia, etc.
 O que serve de evidência para o fato de que esse processo é correlato à maior variedade de regimes políticos e que as sociedades altamente democráticas e sociedades autoritárias convergem nesse ponto. 
 No entanto, ao longo da década de 1970, diante dos inúmeros problemas que as economias capitalistas começaram a experimentar, depois de praticamente 30 anos de crescimento, prevaleceu a tese de que o tamanho agigantado do Estado seria a fonte dos grandes problemas econômicos. Usualmente era atribuída ao Estado a menor eficácia da atividade econômica, assim como as deficiências do plano social, monetário e político. O aparelho do Estado era visto como o culpado pela sua dimensão e, em última instância, por todos os males que acometiam a economia capitalista. Toda vez que se falava em gastos correntes do governo, isto era veiculado como algo absurdo, coisa da casa dos bilhões de dólares, cifras que assustam, abrindo assim um espaço para a tese de que a solução dos graves problemas estava na redução drástica dos gastos governamentais. A ideia vitoriosa – amplamente difundida – era a de que um governo eficiente é aquele que não gasta nada, ou gasta muito pouco. Isto é totalmente falso, se olharmos para as demais economias. Se não houvesse nenhuma necessidade do governo gastar, isso significaria que a sociedade, os grupos por si só, seriam capazes de resolver entre eles seus problemas de educação, segurança, defesa, saúde preventiva, etc. Se a sociedade, por si, pudesse contratar entre seus integrantes a solução de todos esses problemas, certamente não seria preciso que o Estado existisse.
O retorno com grande força da tese da necessidade da despolitização da economia, reduzindo ao mínimo a participação do Estado, não foi uma particularidade da economia brasileira. Você poderá observar que essas teses vão reaparecer no primeiro mundo, a partir dos anos de 1970.
Vejamos a seguir, de forma resumida, como foi se construindo essa nova matriz ideológica, que se chamou Neoliberalismo, ou seja, as razões pelas quais podemos afirmar que ela representa uma volta ao passado.
O Neoliberalismo- a volta ao passado 
Por volta de 1968, isto é, do ponto de vista de referências mais visíveis, entre a Revolução de Maio dos estudantes e dos sindicatos, em Paris, e o fim do padrão dólar, para usar duas coisas aparentemente bem desconectadas, fez-se uma rachadura na história contemporânea. 
Na verdade, a partir de 1973, com o primeiro choque do petróleo e o fim da paridade fixa do dólar em ouro, o mundo central entrou em crise. Esse mundo perdeu suas referências anteriores e entrou numa longa transição, estágio ou fase que ainda não acabou e nem se sabe como acabará. Nesse cenário, é importante analisar quais foram as referências perdidas em função das transformações mundiais – considerando que o que ficou para trás foi uma era muito especial do século XX e, talvez, da história moderna, sobretudo nos planos: econômico, político e social da humanidade. 
 O período que se estende do fim da Segunda Guerra Mundial até 1973 é o que – na atualidade – ficaria conhecido como “era de ouro do capitalismo”. Podemos afirmar que é também a “era de ouro da democracia”. Seria apenas isso? Não. Ao aprofundarmos nossa análise você poderá observar que, além de tudo isso, esse período pode ser encarado, por alguns países, como a era de ouro do avanço dos patamares possíveis de igualdade social. Hoje, esse período é percebido como uma excepcionalidade na história do capitalismo, um verdadeiro milagre. Isso porque, durante alguns anos, muitos pensavam que, uma vez passada aquela conjuntura ruim, voltaríamos a viver a situação anterior, mas quanto mais os anos passam, mais nos parece que aquilo – o conjunto de acontecimentos daquela época – foi completamente excepcional na história do capitalismo. Uma era em que a economia mundial cresceu continuamente e à taxas muito altas e universais – ou quase universais (para todos os países). Nós aqui, na América Latina, também crescemos. E os países socialistas – que, hoje, se desintegraram econômica e socialmente – cresceram mais do que ninguém nesse período.
 Podemos afirmar que foi um período em que houve aumento da produtividade do trabalho. Houve pleno emprego. Houve crescimento da renda per capita. Constituiu-se o sistema de proteção social e solidariedade republicana – o mais sofisticado que a humanidade já conseguiu construir. Foi possível manter funcionando os sistemas democráticos, com a participação maciça da população e com a intermediação dos partidos políticos. Precisamos destacar que essa que chamamos “era de ouro do capitalismo” esteve sustentada em pilares antiliberais, uma vez que essa é uma era, do ponto de vista ideológico, predominantemente socialdemocrata ou keynesiana. Momento em que os grandes objetivos da humanidade estavam assim delineados: crescimento, equidade e pleno emprego. Contudo, veremos mais à frente, que quando venceram as ideias do neoliberalismo, os objetivos já eram outros: equilíbrio macroeconômico, eficiência e competitividade. Completamente diferentes.
Nessa época, entre os anos 1950/70, percebemos que esse sucesso foi possível porque houve uma espécie de grande consenso ideológico, promovido pelo próprio efeito da guerra, da socialdemocracia e dos liberais keynesianos, em torno dos objetivos descritos acima. Inclusive, podemos observar que os liberais dessa época reconheciam a necessidade e a indispensabilidade de um papel ativo do Estado. Onde? Como? Para os países centrais, no controle das crises econômicas; para os países periféricos, no comando do desenvolvimento. Essa era esteve assentada em um pacto implícito e, rigorosamente, antiliberal, entre o capital, o trabalho e o Estado, o que se chamou, na época, de neocorporativismo. 
 Esse pacto, esse grande acordo, foi possível graças, sem dúvida nenhuma, à existência de uma ordem mundial, política e ideológica, de caráter bipolar e conflitiva. E, ao mesmo tempo, por conta de uma ordem econômica, do lado ocidental, perfeitamente regulada pelos acordos de Bretton Woods – e perfeitamente conduzida pelo comportamento hegemônico dos EUA, que, durante esse tempo, por generosidade ou por interesse, pensou os interesses dos seus pares antes de pensaros seus próprios. 
Mais transformações econômicas 
Foi entre as décadas de 1960 e 1970 que a economia e a política mundiais começaram a sofrer sucessivas transformações de caráter produtivo, financeiro e tecnológico. Foi, precisamente, a partir da década de 1970 que se iniciou o debate teórico político e ideológico, envolvendo várias ciências, sobre a chamada pós-modernidade, tendo começado nesse momento um questionamento profundo dos alicerces de toda a racionalidade moderna. Desde os finais dos anos 1960, já se falava em crise da hegemonia americana nos seus aspectos comercial, fiscal e militar. Fato que – ao gerar permanente déficit americano no balanço de pagamentos – sugeria que o combalido padrão dólar, acordado em Bretton Woods,[footnoteRef:2] não sustentaria o poder de ordenação dos movimentos comerciais e financeiros. Sem dúvida, essas trepidações geraram a quebra da confiança no dólar, acarretando intensa especulação para fora dos EUA, movida mesmo pelas empresas americanas no exterior, criando um mercado off-shore, o dos chamados eurodólares e petrodólares. A desconfiança no poder da moeda norte-americana gerou especulações por parte dos países europeus, encabeçada pelo General De Gaulle[footnoteRef:3], o que desencadeou uma disputa política, com reflexos nas relações entre os dois países. Isso explica, em parte, a saída da França da OTAN, em 1966. 	Foi também nos anos de 1960, que a Europa, em conjunto, desassociou-se da guerra americana no Vietnã e, a partir de 1969, o novo chanceler alemão Willy Brandt, por sua própria iniciativa, anunciou uma política de aproximação unilateral junto aos países socialistas pela sua “Ostpolitick”. [2: O sistema de Bretton Woods previa taxas cambiais fixas, com o dollar como moeda padrão das trocas internacionais. Instituiu-se um dollar exchange standard, tendo a moeda americana paridade com o ouro de $35.00 por onça troy, mas sem a livre movimentação de capitais que tinham prevalecido antes da crise de 29, deixando aos governos a autonomia para gerir as variáveis macroeconômicas internas, de modo a assegurar estabilidade externa e interna.
] [3: É sabido que desde 1963, a aliança militar do pós-guerra começara a ser questionada pela França, ao não se alinhar incondicionalmente aos EUA, como o fez a Inglaterra e explicitar o desejo da retirada das bases norte-americanas da Europa, que segundo o General De Gaulle, já tinha condições de enfrentar seu futuro por si mesmo. Nesse sentido, a França entrou em rota de colisão com os EUA e a Inglaterra e acabou exigindo a retirada dos americanos do território francês e decidindo pela construção de sua própria force de frappé atômica, abandonando a OTAN. Seguindo a mesma estratégia competitiva, De Gaulle vetou ainda a candidatura inglesa ao Mercado Comum Europeu, desenhou a nova ordem europeia, sob a égide do eixo franco-alemão e iniciou o processo isolado de reaproximação ocidental com a China. ] 
 Frente a tal cenário, em 1968, os EUA mudaram a sua política monetária e Londres cortou a conversibilidade da libra em dólar. Foi nesse momento que o mercado de crédito interbancário liberou-se inteiramente do padrão monetário e de reservas dólar-ouro. Desde então, passaram a estabelecer seu próprio circuito supranacional de crédito, com liquidez abundante e crescente, inteiramente fora do controle das autoridades monetárias. Por seu turno, o governo americano suspendeu a conversibilidade do dólar (em ouro), pactuado em Bretton Woods, e promoveu a sua desvalorização, adotando o sistema de taxas de câmbio flutuantes, fato que sinalizava que aquela arquitetura do sistema monetário internacional tinha seus dias contados. 
	O aumento da oferta de dólares no mercado europeu permitiu que as empresas e os países deficitários, primeiro na Europa e depois no resto do mundo, pudessem usar créditos denominados em dólar, a fim de financiar seu desenvolvimento muito além do que a expansão da base monetária dos respectivos países permitia, possibilitando, assim, um crescimento econômico com endividamento crescente. Nós, aqui no Brasil, também fomos um desses casos, representado no II PND, durante o governo Geisel.
Importante!
Merecem destaque também alguns outros fatos que nos ajudarão a entender melhor aquele momento. 
· Em 1968, as revoluções políticas e sindicais iniciadas na França se espalharam por toda a Europa e pelos EUA, sendo interpretadas como uma rebelião dos sindicatos; 
· A derrota americana no Vietnã e a derrota parcial de Israel, na guerra do Yon Kippur e, como consequência, a formação da OPEP e a chantagem em torno do preço do petróleo, ou seja, o questionamento da hegemonia norte-americana;
· O rompimento definitivo do padrão monetário internacional, sustentado no padrão dólar-ouro, que aconteceu em 1971/73. 
Endividamento e crises de caráter mundial
Como podemos observar, em poucos anos, rompeu-se o pacto do capital com o trabalho, pôs-se em dúvida a hegemonia militar norte-americana e desceu ladeira abaixo: a hegemonia econômica e o dólar norte-americano. As mudanças ocorridas no padrão monetário e cambial foram materializadas em constantes oscilações das taxas de câmbio e juros e, mais tarde, em significativos e erráticos movimentos de capitais. Esses movimentos tiveram como contrapartida a expansão da liquidez mundial, permitindo a expansão do mercado privado de crédito, que alimentou o último pico da expansão da economia mundial e também da dívida financeira global. 
	 Como consequência, entre 1973 e 1980, a economia e a política mundiais passaram a viver uma situação de crise e instabilidade. Esse é o período em que as coisas ficam completamente desestruturadas nas relações entre as grandes potências. O que aconteceu conosco nesse mesmo período? É o que você deve estar se perguntando... Bem, podemos afirmar que nós, aqui no Brasil, até que nos saímos bem. É o período em que aproveitamos e demos um salto no sentido industrializador (IIº PND). Mas, entre as grandes potências, a situação era muito instável. Eles passaram a viver, pela primeira vez, desde a Segunda Guerra Mundial, um período de recessão prolongada: com a desaceleração do crescimento, aumento da inflação, aumento do desemprego, aumento do gasto público de natureza social, considerando também que as políticas de estabilização implementadas não funcionaram.
É esse impasse que pode nos explicar a virulência da virada conservadora, que ocorrerá no mundo, exatamente entre 1979 e 1982, período que se popularizou como a retomada da hegemonia norte-americana e que alguns analistas chamariam de uma “Segunda Guerra Fria”. Cabe ter atenção sobre o que aconteceu nesse período, pois foi muito além da reordenação de prioridades e de políticas econômicas frente ao segundo choque do petróleo. Foi claramente uma iniciativa da política norte-americana, pautada pelo enfrentamento, com fins de colocar o mundo socialista contra a parede e afirmar sua posição de liderança no tabuleiro mundial. Em primeiro lugar, no âmbito econômico-financeiro, pela subida da taxa de juros dos títulos norte-americanos e a consequente revalorização da sua moeda, feito que, sem sombra de dúvidas, recompôs a supremacia do dólar no mundo; e, em segundo lugar, pela postura em relação aos seus aliados, a fim de retomar a liderança comercial, financeira e tecnológica no mundo, com um ousado programa de investimentos na área da Defesa, o que ficaria conhecido como Guerra nas Estrelas, da era Reagan. Muitos seguem até hoje falando de crise da hegemonia americana, mas é cada vez mais difícil dar ouvidos a essa discussão, dadas as dimensões que a presença norte-americana adquiriu no mundo. Muitos discutem se é supremacia, hegemonia, império, unipolaridade; contudo, o que não há como negar, nos dias atuais, é que se estabeleceu uma relação hierárquica de poder com um centro de poder único no mundo, com baixa capacidade de contestação por parte dos demais centros. 
O Triunfo do Neoliberalismo
 Para entender essa virada triunfal das teses liberais a partir dosanos 80 precisamos avaliar o que significou o impacto dessas mudanças sobre o resto do mundo.
	 Nos países europeus, a instabilidade cambial somada ao primeiro choque do petróleo e às vitórias obtidas pelos assalariados, nas lutas do final dos anos 60, acarretaram de imediato uma queda da lucratividade das empresas e a crise de balança de pagamentos. Esses países tinham e têm um alto coeficiente de abertura externa, eles são altamente dependentes do petróleo, o que significa dizer que têm um alto valor de importações sobre o PIB, logo pequenas alterações na renda geram alterações, mais que proporcionais, na procura por importados. Em face à crise de balança de pagamentos, as medidas emergenciais se orientaram no sentido de provocar a redução do ritmo de crescimento, ou seja, uma leve recessão, pois os efeitos sobre a pauta de importações logo se fariam notar. Desta forma, a política recomendada para se atingir tais objetivos foi a redução do gasto público, a fim de provocar o desaquecimento do ritmo de atividade da economia e, consequentemente, a redução das importações. 
 	 Em sociedades democráticas, uma política de corte nos gastos governamentais gera, indiscutivelmente, um debate sobre a hierarquia das prioridades, assim como expõe publicamente a natureza dos gastos. Um gasto público crescente – e excessivamente burocratizado – naquela época, sempre fora alvo da crítica das minorias conservadoras, que, em nome dos ideais liberais e da desregulação do mercado, atacavam a excessiva intervenção e regulação do Estado. 
A exposição da composição do gasto público a um detalhamento maior fez emergir fatos sensacionalistas, envolvendo expoentes da burocracia e da classe política, com grande impacto na imprensa da época, episódios que foram gerando críticas acirradas sobre a capacidade do governo de alocar os recursos da sociedade, contribuindo para criar um caldo de cultura antiestado. 
Repare que enquanto as políticas keynesianas – de sustentação da demanda agregada e do pleno emprego – conjugadas com a estabilidade monetária internacional e o baixo custo de energia – propiciaram crescimento econômico, aumentos da lucratividade, reduções das desigualdades sociais e estabilidade política, as manifestações contrárias à intervenção estatal tiveram pouco peso nas coalizões políticas da época.
	A partir do momento em que se inicia uma política de corte no gasto governamental, conjugado com a instabilidade monetária internacional, o que se assistiu foi a redução do ritmo da atividade econômica, bem como a do nível de emprego e das margens de lucro do capital. Na visão conservadora, esses problemas foram vistos como resultado do excesso de democracia, de demandas sociais, do excesso de Estado, do excesso de regulação e do excesso de força dos organismos sindicais. Enfim, os novos liberais tinham a coragem de dizer que, nos países centrais, a culpa da crise era, exatamente, dos pilares em que se sustentara o sucesso do Estado de Bem Estar; e em alguns países latino-americanos, o sucesso, muito pouco social-democrata, do Nacional-Desenvolvimentismo. 
 Sabidamente, a crise que se iniciou nos anos 70 não se limitou apenas a um descontrole financeiro e de balanço de pagamentos, mas envolveu também aspectos estruturais decisivos, tanto do progresso tecnológico quanto da ordenação da divisão internacional do trabalho. A partir desse período é que o consenso do pós-guerra em torno do pleno emprego foi sendo revogado e as políticas deflacionistas de cunho monetaristas foram sendo priorizadas. Seus efeitos nefastos passaram a ser vistos como o custo necessário do ajuste. Foi-se generalizando, também na burocracia internacional e nos círculos acadêmicos, a visão conservadora de que eram os altos custos do trabalho, dos salários e das contribuições sociais, ou seja, a excessiva rigidez do mercado de trabalho que reduzia as margens de lucratividade empresarial. 
	A aparente incapacidade das políticas discricionárias em geral, de inspiração keynesiana, no enfrentamento dessa nova instabilidade cíclica e em um contexto industrial e financeiro em franca mutação, levou a que o pensamento dominante na academia, nos governos e no mundo dos negócios, finalmente voltasse a gravitar em torno da recuperação dos pressupostos do pensamento liberal. No final da década, o keynesianismo fiscalista e discricionário recuou – o que muito contribuiu para a condução ao poder de partidos ou coalizões de corte de caráter conservador, no Reino Unido, nos Estados Unidos e na Alemanha.
Uma nova utopia
Nesse período, o neoliberalismo já vinha assumindo uma formatação mais científica. Em várias escolas econômicas e políticas ele vinha adquirindo status científico e começando a conquistar corações e mentes nas universidades norte-americanas. Entre 1960 e 1980 eles ganharam uns três ou quatro prêmios Nobel. Isto é, já estava mais ou menos claro que, na academia, o liberalismo estava ganhando a queda de braço com os keynesianos. Nos anos de 1980/90, eles chegaram ao poder e, a partir de 1990, viraram quase “santos”.
	Ainda na década de 1970, nos vários fóruns internacionais, FMI, Banco Mundial e OCDE foi se consolidando a percepção de que o velho remédio monetarista de controle inflacionário, conjugado com a contenção da massa salarial, não era capaz, por si só, de debelar a inflação, que se mantinha a despeito da redução do emprego e dos níveis de crescimento. Logo, esse novo tipo de fenômeno parecia resistente às políticas ortodoxas, sugerindo que as soluções para os conflitos intercapitalistas passavam por uma reestruturação de longo alcance de toda a economia mundial, ou seja, por um amplo ajuste estrutural que se assentava basicamente na redução das demandas sociais. 
	O que nos interessa mais de perto aqui, em nossa análise, é o recuo das concepções keynesianas, que reverteram uma postura de priorização e de defesa da participação direta do Estado, abrindo progressivamente espaço para a legitimação das concepções privatizantes e para a valorização da gestão privada sobre a gestão pública, assim como a desqualificação progressiva da política. Esse conjunto de determinantes ideológicos, fiscais e produtivos está na origem dos processos de ajuste econômico, medidas que passaram a assumir papel relevante nas agendas políticas a partir desse período, assim como na proliferação das políticas de cunho liberal, na Europa e Américas, no final do milênio. No seu conjunto, essa nova utopia alavancou um movimento de revisão da participação estatal, na produção do aparato regulador desenvolvido no pós-guerra e dos direitos sociais do Estado de Bem Estar.
	Na verdade, vale ressaltar que as ideais centrais dessa nova utopia são exatamente os mesmos do velho liberalismo, desde o século XVIII. Há variações na forma de implementação, mas os ideais da utopia neoliberal, no final do século XX, são os mesmos do velho liberalismo: a despolitização da economia, a desregulamentação de todos os mercados, em particular dos mercados do dinheiro e do trabalho e, por derivação, o mínimo de Estado possível. Além desses, cabe lembrar que a ideia de igualdade no neoliberalismo é aceita, apenas, como o estabelecimento de condições iguais para todos na largada, isto é, a igualdade de oportunidades. No pensamento liberal não é possível discutir, cientificamente, o conceito de justiça social, pois não existe esse conceito para eles, ou seja, não há como determiná-lo. Então, o que se pode, segundo essa utopia, é criar condições iguais, na largada. Daí para frente, cada um por si, pois o Mercado é soberano na alocação eficiente dos recursos disponíveis. Essa tem sido a base do individualismo, algo que está presente no liberalismo como um privilégio a ser observado.
 A cartilha do mercado 
Frente a essas constatações, novos tipos de políticas de estímulo à retomada do crescimento foram sendo pensadas, não mais pela via da expansão do gasto público, com fins de aumento da demanda agregada, mas pelos choques de oferta. Pela supply-sides economics[footnoteRef:4]·, que foi parteimportante do programa de governo de Reagan, nos EUA. A atuação do Estado deveria criar condições, pelo lado da oferta, para a promoção do crescimento econômico. Essa política recomendava a redução dos tributos e da regulação do mercado de trabalho, supondo-se que, assim, aumentariam as margens de lucros das empresas, os investimentos, o nível de emprego e as taxas de crescimento do produto. [4: Sobre a experiência da Supply-Sides, ver Sulamins Dain, 1995, p. 24, In: Reforma Tributária e Federação (org.) Rui de Britto Afonso e Pedro Luiz B. Silva -Fundap-Ed.Unesp.] 
A primeira vitória desse novo paradigma se deu na Inglaterra, com a eleição da Sra. Tatcher, em 1979, seguida da de Reagan, nos EUA, em 1980 e dois anos depois, do primeiro ministro alemão, Helmut Kohl. Desde então, o que se tem assistido é a ascensão de coalizões políticas comprometidas com a mesma cartilha, em que o cerne da agenda tem sido a necessidade de eliminar o poder dos sindicatos e os direitos sociais, a desestatização e a desoneração do capital. 	 
	Como vimos anteriormente, os anos de 1980 nasceram sob o impacto do segundo choque do petróleo (1979) e da revalorização do dólar, provocando uma forte recessão que atingiu, com raras exceções, o mundo desenvolvido e os países devedores, com o agravante dos desequilíbrios estruturais introduzidos pela “terceira revolução industrial”. Nesse contexto recessivo, a questão do tamanho do Estado foi adquirindo centralidade e como derivação, a questão do déficit público prevaleceu nas respostas dadas pelos mais variados países. 
A troca patrimonial
Em todas as economias onde o Estado se orientou para a operação direta de amplos ativos produtivos, ao longo da crise, gerou-se uma peculiar evolução da estrutura patrimonial do setor público. Porém, a forma peculiar de equacionamento fiscal adotada abriu, no contexto da crise fiscal, uma alternativa imediata de solução: a troca patrimonial. Este determinante responde pelo enfoque fiscal-financeiro que esteve presente, de alguma forma, na maioria das estratégias de ajuste estrutural adotadas após 1980. 
	A troca patrimonial assumiu lugar de relevo nos processos de ajuste fiscal, combinada com outras políticas voltadas para a redução das necessidades de financiamento do setor público no curto prazo. 
	Parece-nos sustentável a ideia de que, na medida em que se fragilizaram as forças políticas e ideológicas – que defendiam a presença estatal – e que, ao mesmo tempo, se reduziu a base fiscal – seja para sustentação de empresas cronicamente deficitárias, ou para cobrir os custos da universalização de direitos sociais – é que surgiu o espaço político para a valorização da tese de despolitização crescente da economia.
	Ao longo dos anos 1980, já se percebia uma radical mudança do enfoque econômico, com a ascensão das coalizões políticas de corte conservador, na Europa, nos EUA e na América Latina. As novas preocupações dos governos estavam centradas, prioritariamente, na redução do déficit público e na extrema cautela com os possíveis espasmos de crescimento, vistos como o inimigo da “estabilidade fiscal”.
 A consequência mais imediata dessa mudança de rumo das políticas econômicas nos países industrializados foi a redução dos níveis de crescimento, com consequências profundas no nível de emprego, logo também da arrecadação. Essa situação acabou por pressionar aqueles países a buscar novas alternativas de financiamento dos seus déficits, o que gerou novas oportunidades e abriu as portas para a circulação acelerada dos fluxos financeiros internacionais pelas diversas economias do planeta.
	A disputa por esses fluxos internacionais de capitais se intensificou significativamente a partir do final dos anos de 1970, criando novas alternativas de lucratividade para os capitais, que passaram a empreender uma verdadeira cruzada pelo mundo afora, em nome da desregulamentação financeira dos mercados. 
A globalização econômica
Foi na década de 1990 que se assistiu a vitória inconteste dos interesses do capital sob todos os aspectos, que foram ainda magnificados pela utopia da globalização. Cada vez mais foi ficando evidente que esse processo de internacionalização do capital – ou de globalização – como nos acostumamos a chamar esse processo – não foi uma obra exclusiva dos mercados ou do progresso tecnológico. Ele foi impulsionado pela crença ideológica, que nasceu como irmã siamesa da estratégia geopolítica dos norte-americanos, que culminou com a queda do Muro de Berlim e a desintegração da União Soviética. 
 É importante atentar para o fato de que a globalização não deve ser tratada como uma imposição tecnológica, nem como um fenômeno puramente econômico, pois as transformações, que se aceleraram a partir da década de 1970, não suprimiram as leis de movimento e as tendências de longo prazo do sistema capitalista, nem a sua forma de evoluir disruptivamente. Foi John Kenneth Galbraith quem confirmou essa tese, ao declarar, numa entrevista, em outubro de 1997, quando começava, na Ásia, o mais violento terremoto econômico da era das finanças desreguladas e globais:
	“Globalização não é um conceito sério, nós os americanos é que inventamos esse conceito para dissimular nossa política de entrada econômica nos outros países e para tornar respeitáveis os movimentos especulativos de capital, que sempre são causas de graves problemas.” ·.
 Em nossos dias, já há a percepção de que o discurso das vantagens da globalização (vendida como um processo homogeneizador e igualitário), na verdade, não passou de uma competente peça de marketing, em nome dos interesses dos grandes capitais globais, difundido pelos centros de poder mundial. 
	
O Consenso de Washington- as ideias liberais chegam ao Brasil 
Aqui no Brasil, esse discurso chegou de forma veemente, justificado pela situação inflacionária e pela negociação da dívida externa, ainda no início dos anos de 1990. Foi o que se chamou “O Consenso de Washington” (1988). Esse consenso dizia respeito à visão dos núcleos de ideias, pesquisas e de poder financeiro norte-americano sobre a condução da política econômica, sobretudo nos países periféricos. Esse novo paradigma na verdade se referia ao mundo inteiro, mas, obviamente, de forma muito mais direta, para os países da América Latina que, naquele momento, eram os mais endividados, situados abaixo da zona de hegemonia norte-americana.
	 O consenso foi difundido através das agências multilaterais, expressando um conjunto de ideias e recomendações de políticas de ajuste desenhadas pelos principais centros de estudos e investigações acadêmicas norte-americanas, que se reuniam em Washington. O consenso era entre Congresso, burocracias, burocracias internacionais e tratava, no primeiro plano, da ordem macroeconômica. Havia um acordo completo, consensual, entre as agências econômicas internacionais, de que todos os países periféricos deveriam ser convencidos a aplicar um programa, de tal maneira, que lhes fosse requerido um rigoroso esforço de estabilização, com equilíbrio fiscal, austeridade fiscal (ao máximo), o que passava, inevitavelmente, por um programa de reformas administrativas, previdenciárias e fiscais e por um corte violento no gasto público. 
Como se dava esse programa de reforma, na prática?
Estabilizar era a prioridade e, portanto, para estabilizar era necessária uma política fiscal austera, com corte de salários dos funcionários públicos, demissões, flexibilização do mercado de trabalho, corte das contribuições sociais, reforma da previdência social, ou seja, submeter à política fiscal à política monetária. A segunda ordem de propostas e reformas, que estavam no "Consenso", era de natureza microeconômica: era preciso desonerar fiscalmente o capital para que ele pudesse aumentar a sua competitividade no mercado internacional, desregulado e aberto. Nesse sentido, o único caminho das pequenas empresas situadas nos países da periferia para entrarem nesse jogo global seria pelo aumento de competitividade, o que passaria por desoneração fiscal,pela flexibilização dos mercados de trabalho, pela diminuição do gasto social com os trabalhadores e pela diminuição dos salários.
A terceira ordem de propostas sugeria que nenhuma reforma adiantaria se não fosse desmontado radicalmente o modelo de desenvolvimento anteriormente adotado nesses continentes, que, segundo os formuladores do Consenso, fora um modelo perverso, que funcionou de forma incorreta, fez gastos excessivos, motivado pelo modelo de industrialização por substituição de importações.
 Quais eram as propostas? 
· Desregulação dos mercados, sobretudo o financeiro e o do trabalho, 
· Privatização (de preferência selvagem), 
· Abertura comercial, garantia do direito de propriedade, sobretudo na zona de fronteira, isto é, nos serviços e propriedade intelectual etc.
A verdade é que esse pacote foi viabilizado, aqui na América Latina pela imposição da renegociação da dívida externa, pois os organismos multinacionais e o sistema bancário privado, progressivamente, colocaram como condição de reintrodução da América Latina no sistema financeiro internacional, do qual ela havia sido afastada pelas moratórias das dívidas externas dos países ( México 1982), alegando claramente que ela só reingressaria ao sistema se colocasse em prática essas políticas. 
 Não se tratava propriamente de uma imposição imperial, nem de uma conspiração, tratava-se de um condicionamento comercial explícito. Quer dizer: não haveria confiança para emprestar dinheiro a quem não tivesse o orçamento fiscal equilibrado, sem uma moeda estável, sem uma economia aberta, com os mercados financeiros desregulados, o comércio desprotegido e o estado diminuído ao mínimo. 
 O Neoliberalismo na versão latino-americana
Podemos observar que nos principais centros de poder de Washington havia se desenhado um programa compacto de políticas e reformas, perfeitamente alinhadas com a hegemonia dominante dos países centrais, desde o início dos anos 1980, isto é, um programa neoliberal traduzido para a América Latina. 
Surpreendentemente, na altura de 1990/1991, quem quisesse se debruçar sobre a América Latina perceberia que todos os países estavam fazendo políticas muito semelhantes. Ou seja, esse pacote de políticas nada mais era do que a versão construída, nesses organismos internacionais, ou a tradução do programa de ideias neoliberais, que havia sido trazido hegemonizado do Primeiro Mundo, ressaltando o fato de que ele havia se tornado hegemônico a partir da vitória da dama de ferro, a Sra. Thatcher.
 
O Neoliberalismo no Brasil
Na primeira eleição direta para presidente no Brasil (1989), depois dos 25 anos de autoritarismo, o programa de governo vencedor apresentava exatamente um conjunto de propostas de cunho neoliberal. Nesse programa, a questão do déficit público foi promovida a questão central dos problemas da economia brasileira da época.
 Ao equacionar o tamanho do déficit público com o tamanho do gasto público, abriu-se o caminho para a justificativa de que a origem do déficit público era o gasto público corrente. Constantemente verificamos essa evidência sendo veiculada pela imprensa, de que a origem do déficit é o excessivo gasto do governo, principalmente com pessoal.
 Em realidade, ao aprofundar nossa análise, não é difícil perceber que o Estado brasileiro não é grande, ele na verdade é disforme. Tem muita gente onde não precisa, e falta gente onde seria necessário. Isso se dá justamente por conta do tipo de interação entre grupos privados de interesse, grupos político-partidários e o Executivo que, durante séculos, partilharam o Estado sob a forma de benefícios para grupos. Podemos chamar esse processo de “privatização da coisa pública”, pois o processo de regulamentação estendido ao longo da história econômica e política no Brasil permitiu uma interação do Executivo, Legislativo e Judiciário, o que gerou políticas discriminatórias em favor de determinados grupos, situados estrategicamente dentro do aparelho de Estado. 
Estatização ou padrão de financiamento do Estado?
O problema da crise do Estado moderno também levava em conta esses aspectos de ordem política, mas o ponto central do debate contemporâneo é a crise do padrão de financiamento do Estado. Foi esse padrão que entrou em franca crise, a partir dos anos de 1970. O termo padrão de financiamento nos parece bem mais adequado do que os termos usualmente utilizados no debate, tais como: estatização e intervenção estatal. O primeiro deles levava a supor que a propriedade era crescentemente estatal, o que estava muito longe do real, e o segundo induzia a pensar numa intervenção de fora para dentro, escamoteando o lugar estrutural e insubstituível dos fundos públicos, na articulação dos vetores de expansão econômica. O fato é que o Estado passou a ser percebido como o vilão da crise das economias capitalistas pós 1970. 
Na maioria dos fóruns nacionais e internacionais passou-se a repetir a lição segundo a qual o caminho da retomada do crescimento econômico exigiria um aumento da lucratividade do capital incompatível com os níveis salariais e com a carga fiscal requerida pelos sistemas de proteção social, obtidos pelos trabalhadores dos países desenvolvidos. Os mesmos argumentos reapareceram, já de forma caricatural, nas sociedades periféricas, aonde os salários e as contribuições sociais sempre tiveram uma participação baixíssima na formação dos preços e onde jamais existiram redes de proteção social equiparáveis às do Welfare State europeu. 
 Foi por este caminho que a socialdemocracia europeia acabou se transformando numa verdadeira ideologia desconexa, na medida em que passou a desautorizar a sua principal obra histórica em troca da 'moeda única', o que na prática tem se mostrado cada vez mais incompatível com os interesses dos trabalhadores. E o que é pior, como forma de legitimar esta sua estranha conversão às teses de seus adversários históricos, os social-democratas foram obrigados a uma ginástica intelectual e publicitária, situação que os levou a inscrever na sua bandeira 'reformista' as mudanças propostas pelos liberal-conservadores. Posição que coloca, já há algum tempo, a social-democracia europeia numa disjuntiva política extremamente difícil e desafiadora.
Atualmente, trinta anos depois de deflagrada essa discussão política e intelectual, é possível ver com muito mais nitidez que as "crises fiscais dos estados" tiveram muito pouco (ou quase nada) a ver com "o excesso de demandas dos trabalhadores"; e tudo a ver com acontecimentos e decisões, que a partir de 1973, alteraram radicalmente a face do capitalismo, solapando as bases tributárias do keynesianismo, multiplicando as dívidas públicas e submetendo as margens de liberdade das políticas econômicas e sociais ao veredicto dos mercados financeiros.
Pela porta aberta da desregulamentação dos mercados, avançou em velocidade vertiginosa o fenômeno da globalização financeira, situação que acabou colocando os Bancos Centrais na condição de reféns dos mercados e dos agentes privados "desterritorializados". O que se percebe é que os mercados votam todos os dias. Eles forçam os governos a adotar medidas impopulares, mas indispensáveis para a obtenção da credibilidade, condição necessária para que esses “mercados emergentes” se apresentem como espaços seguros de valorização de seus capitais. Atualmente, são os mercados que representam o verdadeiro sentido do Estado, de tal maneira, que só os mais enviesados pelas paixões, ou pelos interesses, não percebem que o chamado desmonte do Estado, a liberalização em nome da competitividade, a flexibilização do mercado de trabalho, a redução dos gastos sociais corresponderam, nessas últimas décadas, a um aprisionamento dos Estados numa ciranda financeira planetária.
	Os resultados mais visíveis dessas décadas das políticas neoliberais podem ser percebidos na multiplicação do número de desempregados, dos excluídos, sem que jamais se alcançasse equilíbrio fiscal algum. Portanto, o que os conservadores chamaram de "custo social" da reestruturação, ou ajuste

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