Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
DADOS DE COPYRIGHT Sobre a obra: A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura. É expressamente proibida e totalmente repudíavel a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo Sobre nós: O Le Livros e seus parceiros disponibilizam conteúdo de dominio publico e propriedade intelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educação devem ser acessíveis e livres a toda e qualquer pessoa. Você pode encontrar mais obras em nosso site: lelivros.love ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link. "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível." http://lelivros.love http://lelivros.love http://lelivros.love http://lelivros.love/parceiros/ AGÊNCIAS REGULADORAS: NATUREZA JURÍDICA E PODER NORMATIVO Marco Aurélio Moura dos Santos São Paulo, 16 de setembro de 2015 Sumário 1: Introdução e breve histórico – pag.02 2: Desenvolvimento – pág. 07 2.1 – Natureza das Agências Reguladoras – pág. 07 2.2 - Características e atribuições – pág. 09 2.3 - As Atribuições e os Métodos de atuação das agências – pág. 12 3: Poder Normativo – pág. 21 4: Determinação da natureza jurídica do poder normativo das agências reguladoras – pág. 29 4.1. A competência normativa das agências reguladoras – pág. 32 4.1.1 - Teoria dos Atos Normativos das Agências Reguladoras Enquanto Regulamentos Autônomos – pág. 32 4.1.2 Teoria da Delegificação ou Deslegalização – pág. 39 4.1.3 - O Poder Normativo das Agências Reguladoras Enquanto Manifestação de Poderes Discricionários. – pág. 43 5 : A função das agências reguladoras nos casos de interrupção da prestação de serviço público em razão de inadimplemento. – pág. 49 6: Conclusão – pág. 57 7: Bibliografia – pág. 60 1 - Introdução e breve histórico O presente trabalho pretende estabelecer os principais pontos controvertidos quanto ao tema, traçando ainda as principais referências legais, doutrinárias e presentes também na jurisprudência. As principais controvérsias surgem em razão da recente criação de entidades chamadas agências reguladoras, introduzidas no Brasil, resultado de um processo de privatização dos serviços públicos e a conseqüente necessidade de Estado de exercer a função reguladora e mediadora, concedendo para a sociedade, a prestação dos serviços públicos com investimentos da iniciativa privada, desonerando assim o Estado. Na última década, o Brasil vem se adequando a uma nova forma de modelo de Estado. Nosso país, seguindo uma forte tendência mundial, está desenhando uma nova estrutura de estado. Ela é baseada em um modelo mediador e regulador. Assim ele se desprende das amarras do monopólio estatal, resquício de modelos interventores, de que são exemplos a época de Getúlio Vargas e mais recentemente do regime militar. As mais importantes figuras desta nova fase são as Agências Reguladoras. A principal mudança para a população com este recém-chegado modelo, é a nova maneira de prestação de serviços públicos. Estes podem se dar de duas formas, direta ou indireta. O processo de desestatização se caracterizou pelo incremento da prestação indireta, pois aumentaram as delegações destes serviços. A forma indireta se caracteriza, basicamente, por três diferentes modalidades, a saber: concessão, permissão e terceirização. Nestas formas, as empresas atuam como uma "longa manus" do poder estatal, atuando em setores de responsabilidade do Estado. Há uma outra forma de desestatização chamada de privatização, entretanto, nesta modalidade, o Estado se retira por completo da prestação dos serviços, não restando responsabilidade indireta ou residual. Sobre todas as formas paira uma mais abrangente, que diz respeito a todas, chamada de desregulamentação. Em resumo, nesta nova fase, o Estado não é mais o único provedor de serviços públicos, pois com a quebra do monopólio estatal, estes foram delegados à iniciativa privada. A criação de agências reguladoras é resultado direto do processo de retirada do Estado da economia. Estas foram criadas com o escopo de normatizar os setores dos serviços públicos delegados e de buscar equilíbrio e harmonia entre o Estado, usuários e delegatários. Entretanto, não deixa de ser um modo de interferência do Estado na economia. De modo geral, as Agências reguladoras visam, entre outros fins a proteção dos usuários, o livre acesso do usuário ao serviço (que deverá ser atualizado, eficiente, adequado, continuo Lei de Concessões, art. 6°, §1°) e sua não discriminação; a possibilidade de livre escolha do fornecedor; e tarifas módicas, mas sempre respeitando o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. E, para cada serviço concedido será exigida uma lei que regule as relações envolvendo poder concedente - concessionário - usuário.[1] Mas a introdução do modelo das agências reguladoras foi inspirado no exemplo americano. De fato, nação-símbolo e terra de eleição do chamado laissez-faire econômico, os Estados Unidos se notabilizaram até o final do século 19 e início do século 20 pelo culto obstinado ao dogma do não-intervenção do Estado não relações econômicas privadas. Tal período, conhecido no direito público do país como o da Era Lochner, foi paulatinamente substituído a partir do início do século 20 por uma cada vez mais intensa presença regulatória do Estado, chancelada por sucessivas decisões da Corte Suprema. Foram tão profundas as mudanças no papel reservado ao Estado americano em matéria econômica que alguns autores chegam ao ponto de qualificar essa brusca alteração de rota como uma verdadeira mudança de regime ou até mesmo como uma “revolução sem derramamento de sangue”. O que é certo é que esse fenômeno de mutação constitucional, desencadeado pelas mudanças estruturais por que passou a sociedade, teve como conseqüência, no plano das instituições políticas, o surgimento do imperativo de mudança nas formas de exercício das funções estatais clássicas. O fenômeno da Regulação, tal como concebido nos dias atuais, nada mais representa, pois, do que uma espécie de corretivo indispensável a dois processos que se entrelaçam. De um lado, trata-se de um corretivo às mazelas e às deformações de regime capitalista. De outro, um corretivo ao modo de funcionamento do aparelho do Estado engendrado por esse mesmo capitalismo. Portanto, para o direito norte-americano, matriz desse novo formato de Estado, foram esses os fatores determinantes da brusca guinada institucional que, certamente, não se encaixaria no modelo previsto por Locke ou Montesquieu. Recepcionado o novo instituto pelo nosso Direito, multiplicam-se as indagações a respeito dos problemas constitucionais que ele suscita: os fatores e condições empíricas que impulsionaram o surgimento das agências reguladoras nos EUA seriam os mesmos que estariam conduzindo à guinada que representa para o Brasil a adoção da nova forma de regulação e do novo tipo de estruturação estatal que ela engendra? Seriam idênticas as premissas impulsionadoras das mudanças ocorridas nos EUA ao longo do século 20 e que aqui mal acabam de se instalar? Aparentemente, não. Para os EUA, a regulação por intermédio de agências independentes constituiu, como já dito, uma brutal(embora não abrupta) ruptura com uma concepção de Estado mínimo, identificado como policing model, isto é, um Estado Alheio à questão do bem-estar econômico da população,e sobretudo proibido de empreender intromissão mais arrojada em aréas tais como fixação de preços, disseminação de informações úteis aos usuários, imposição, consolidação e monitoramento de práticas, concorrências justas, em suma, regulação de mercados.[2] Noutras palavras, trata-se de abandono de conhecida visão do Estado que, segundo Adam Smith, seria regulado pura e simplesmente pela mão invisível do mercado. No Brasil, diversamente, a nova regulação nasce em um contexto inteiramente diferente. Aqui tenta-se abandonar uma concepção de Estado altamente clientelista, o qual, por certo, sempre foi ativo no campo da economia, mas não para regula-la eficazmente, mas sim para servir aos interesses dos diversos estamentos superiores de que sempre foi presa. Doravante esse Estado pretende transferir a “atores” privados o essencial das atividades que antes detinha a título de monopólio ou quase-monopólio, assumindo o papel de normatizador e de fiscalizador. Não se deve confundir agência executiva com agência reguladora independente. No Direito brasileiro, Agência Executiva nada mais é que do que uma Autarquia ou Fundação Pública dotada de regime especial graças ao qual ela passa a ter maior autonomia de gestão do que a normalmente atribuída às autarquias e fundações públicas comuns. Trata-se em realidade de uma qualificação jurídica que pode ser dada a uma autarquia ou fundação, ampliando-lhe a autonomia gerencial, orçamentária e financeira, devendo a entidade firmar contrato de gestão com administração central, no qual se compromete a realizar as metas de desempenho que lhe são atribuídas. No dizer do professor Caio Tácito: “representam um processo de interno de desconcentração administrativa. Assumem, em nível de autonomia, a gestão de serviços públicos específicos que conservam a natureza estatal.”[3] No direito dos EUA, agência executiva tem as mesmas características jurídicas das nossas autarquias. São entidades administrativas dotadas de personalidade jurídica própria, criadas por lei com a atribuição de gerenciar e conduzir, de forma especializada e destacada da Administração Central, um programa ou uma missão governamental específica. Já a Agência Reguladora, é uma entidade administrativa autônoma e altamente descentralizada, com estrutura colegiada, sendo os seus membros nomeados para cumprir um mandado fixo do qual eles só podem ser exonerados em caso de falta grave. A duração do mandato varia de agência para agência e não raro é fixada em função do número de membros varia de agência para agência composta por Cinco Diretores terão mandatos de cinco anos escalonados de tal maneira que haja uma vacância e cada ano. 2 - Desenvolvimento 2.1 – Natureza das Agências Reguladoras Para o Direito brasileiro, agência reguladora é uma autarquia especial, criada por lei, também com estrutura colegiada, com a incumbência de normatizar, disciplinar e fiscalizar a prestação, por agentes econômicos públicos e privados, de certos bens e serviços de acentuado interesse público, inseridos no campo da atividade econômica que o Poder Legislativo entendeu por bem destacar e entregar à regulamentação autônoma e especializada de uma entidade administrativa relativamente independente da Administração Central. Nossas agências configuram, portanto, uma importação de um conceito, de um formato e de um modo específico de estruturação do Estado. Faltam-lhes, contudo, e isso poderá lhes ser fatal no curso de seu amadurecimento institucional, um maio rigor na delimitação de seus poderes e na compatibilização destes com os princípios constituicionais, um controle mais efetivo pelo Senado do processo de designação dos seus dirigentes, um controle mais eficaz de suas atuações pelo Judiciário e pelos órgãos especializados do Congresso e, por fim, uma maior preocupação com o estabelecimento, em seu benefício, de um mínimo lastro democrático de sorte a evitar que elas se convertam em instrumento de dominação de uma determinada tendência político-ideológica. No plano jurídico formal, as agências brasileiras nada mais são, pois do que as velhas e conhecidas autarquias, pessoas jurídicas de direito publico, agora com nova roupagem e datadas de um grau maior de independência em relação ao poder central, daí a qualificação de especial que lhes é conferida pela lei. Segundo a Professora Maria Sylvia Di Pietro, as agencias estão sendo criadas como autarquias de regime especial porque “sendo autarquias, sujeitam-se as normas constitucionais que disciplinam esse tipo de entidade, em regra, à maior autonomia em relação à Administração Direta; à estabilidade de seus dirigentes, garantia pelo exercício de mandato fixo, que eles somente podem perder nas hipóteses expressamente previstas, afastada a possibilidade de exoneração ad nutum; ao caráter final de suas decisões, que não são passiveis de apreciação por outros órgãos ou entidades da Administração Pública.”[4] Em suma, tratam-se de pessoas jurídicas de direito publico, espécie do gênero autarquia, às quais são conferidas as funções de regulamentação, fiscalização de decisão em caráter descentralizado no âmbito de determinado setor da atividade econômica e social de grande interesse público. Por serem autarquias, devem ser criadas por lei, como determina o art. 37, XIX da CF. O regime jurídico das autarquias prevê prerrogativas e sujeições gerais de direito público, equiparadas às da Fazenda do Estado, e características próprias ou especificas, como a criação e extinção somente por lei, o princípio da especialidade (só podem fazer o que a lei que as cria determina ou permite expressamente). 2.2 - Características e atribuições Segundo alguns doutrinadores, suas características podem envolver: (1) serem constituídas como autarquias de regime especial, afastando-se da estrutura hierárquica dos Ministérios e da direita influência política do Governo, com acentuado grau de independência; (2) serem dotadas de autonomia financeira, administrativa e, especialmente, de poderes normativos complementares à legislação própria do setor; (3) possuírem poderes amplos de fiscalização, operar como instância administrativa final nos litígios sobre matéria de sua competência; (4) possuírem controle de matas de desempenho fixadas para as atividades dos prestadores de serviço, segundo as diretrizes do Governo e em defesa da coletividade, às quais se acrescentam; (5) possuírem direção colegiada, sendo os membros nomeados pelo Presidente da República, com a aprovações do Senado Federal; (6) seus dirigentes possuírem mandato com prazo de duração determinado; (7) após cumprido o mandato, seus dirigentes ficarem impedidos, por um prazo certo e determinado de atuar no setor atribuído à agência, sob pena de incidirem em crime de advocacia administrativa e outras penalidades.[5] É claro que, sendo decorrentes da lei criadora, compatível com o ordenamento constitucional, as prerrogativas e autonomias podem varia de uma agência para outra. No entanto, as atribuições de tais agências, doutrinariamente, de vez que se trata de regulação de concessão, permissão ou autorização de serviços públicos, encontram certo consenso: Conforme salienta Maria Sylvia Zanella de Di Pietro: “As atribuições das agências reguladoras, no que diz respeito á concessão, permissão e autorização de serviço público resumem-se ou deveriam resumir-se ás funções que o poder concedente exerce nesses tipos de contratos ou atos de delegação: regular os serviços que constituem objeto da delegação, realizar o procedimento licitatório para escolha do concessionário, permissionárioou autorizatário, celebrar o contrato de concessão ou permissão ou praticar ato unilateral de outorga da autorização, definir o valor da tarifa e da sua revisão ou reajuste, controlar a execução dos serviços, aplicar sanções, encampar, decretar a caducidade, intervir, fazer a rescisão amigável, fazer a reversão de bens ao término da concessão, exercer o papel de ouvidor de denúncias e reclamações dos usuários, enfim exercer todas prerrogativas que a lei outorga ao Poder Público na concessão, permissão e autorização. Isto significa que a lei, ao criar a agência reguladora, esta tirando do Poder Executivo todas essas atribuições para coloca-los nas mãos da agência.”[6] Há de ainda necessidade de salientar as diferenças existentes entre agência reguladora e agência executiva e suas atribuições. A agência executiva é autarquia ou fundação, vinculada à Administração Direta, instituída para melhoria ou eficiência das atividades de sua área funcional, que celebra contrato de gestão com o Governo para isso, nos termos dos Decretos nº 2.487 e 2.488, de 24/02/98, mas que, com vista na sonhada autonomia, pouco efeito pratico conseguiu com suas leis instituidoras e decretos regulamentares, que esbarram em obstáculos constitucionais ou legais para atribui-lhes prerrogativas que já antes poderiam ter atos governamentais. Talvez somente o seja a ampliação de limites da Lei nº 8.666/93 (pela Lei nº 9.648/98) para dispensa de licitação a licitação para compras, obras e serviços. Já as Agências Reguladoras, como as citadas Agências Nacional de Petróleo (ANP), Agência Nacional de Energia Elétrica ( Aneel), etc, teriam objetivos e características algo diversos: primeiro, que vêm sendo criadas como autarquias de regime especial:, cujas estabelecem que seus dirigentes tenham mandatos fixos, e com definitividade de suas decisões em seu âmbito, em relação a outros órgãos ou entidades da Administração, em princípio ( nada estranho, pois como autarquias têm personalidade jurídica própria). 2.3 - As Atribuições e os Métodos de atuação das agências Como tem se afirmado, as agências norte-americanas são detentoras de funções “quase legislativas”, “quase executivas” e “quase judiciais”. Noutras palavras, a uma única agência podem ser outorgadas as mais diversas e importantes atividades estatais, tais como a edição de normas com força de lei e amplo e decisivo impacto sobre toda a sociedade; a condução de investigações de certas condutas irregulares e a conseqüente fixação de penalidades aos particulares responsáveis por essas condutas; e o julgamento de certos litígios inerentes à atividade objeto de regulação, dependendo da regulamentação específica de cada agência. [7] Na prática, as agências imitam as atividades dos três Poderes tradicionais. Com relação à chamada função “quase executiva” pouco há que se dizer, eis que ela em quase nada se diferencia das atividades administrativas e executivas dos demais órgãos e entidades da administração tradicional. As agências são, primordialmente, estruturas administrativas inseridas no âmbito do Poder Executivo e com atribuições típicas desse Poder, que são a de executar as leis votadas pelo Legislativo e de conduzir e comandar as atividades governamentais. É na função propriamente reguladora ou “quase legislativa” que reside o cerne das atribuições das agências independentes americanas. O interessante é que no exercício dessa função “normativa” elas agem ora como um típico Poder Regulamentar, ora adotam procedimentos mais comumente usados na prática do Poder Judiciário. Em princípio, o poder normativo das agências consiste em editar normas regulamentares das atividades incluídas no respectivo campo de especialidade, passando tais normas a ter força de lei, tanto para os agentes econômicos envolvidos quanto para os usuários dos respectivos serviços. Tais normas revestem-se de características que as aproximam das leis. De um lado, o seu descumprimento sujeita o infrator às mesmas consequências jurídicas previstas para a não observância das leis votadas pelo Congresso, como, por exemplo, o pagamento de pesadas multas. Por outro lado, tais normas são bem menos vulneráveis a ataques na via jurisdicional, eis que a tradição do direito público jurisprudencial norte-americano é de outorgar ampla deferência as entidades especializados Os regulamentos editados podem ser de natureza substantiva, interpretativa e procedimental. As substantivas têm considerável força jurídica por simbolizarem a própria delegação da competência normativa do Legislativo e por serem as principais beneficiárias da mencionada deferência do Judiciário, que deliberadamente nelas raramente se imiscui. Já o mesmo não se pode dizer dos regulamentos interpretativos, que são objeto de reexame judicial mais freqüente, ainda que a intervenção do Judiciário se faça com bastante parcimônia, pois, de acordo com a doutrina americana. Já as “regras procedimentais” dizem respeito à estrutura organizacional de cada agência, o seu modo de funcionamento, a sua prática cotidiana. Em suma, o seu regimento interno.[8] Outra peculiaridade do processo decisório-regulamentar das agências, que as aproximam de uma certa maneira do modus operandi do Legislativo, é o procedimento legal por elas observado desde a proposição até a final adoção de uma determinada regulamentação. Aqui o elemento-chave são a transparência e a interação com a sociedade. O procedimento transcorre da seguinte maneira: antes de adotar uma norma regulamentar de algum aspecto da atividade incluída no seu âmbito de atuação, a agência promove estudos, consulta especialistas e prepara um estudo acerca da necessidade daquela regulamentação. Em seguida, publica toda a documentação e os planos concernentes à regulamentação almejada no órgão oficial de divulgação governamental, conclamando a população, os especialistas e as pessoas interessadas na matéria a emitirem suas considerações a respeito num determinado período de tempo. Ultrapassado o prazo estipulado e examinadas as observações vindas do público, a agência edita a regulamentação. As leis instituidoras de algumas das agências reguladoras brasileiras copiaram, ou pelo menos tentaram copiar, a sistemática do modelo americano. Por exemplo, o art. 42 da Lei da Anatel (9.472/97) estipula que “as minutas de atos normativos serão submetidas à consulta pública, formalizada por publicação no Diário Oficial da União, devendo as críticas e sugestões merecer exame e permanecer à disposição do público na Biblioteca”. Já o artigo 44 da mesma Lei, com o objetivo de fomentar a participação da sociedade no processo decisório da Anatel, estabelece que “qualquer pessoa terá o direito de peticionar ou de recorrer contra ato da Agência no prazo máximo de trinta dias, devendo a decisão da Agência ser conhecida em até noventa dias”. Quanto à chamada função “quase judicial”, ela repousa, primeiramente, no fato de que muitas agências reguladoras americanas adotam um procedimento decisório de tipo judicialiforme. Tal procedimento se ilustra por dois aspectos distintos. Em primeiro lugar, pelo fato de que, ao invés de certas questões serem decididas pelo método clássico de exame burocrático através de diversos e sucessivos órgãos e agentes hierarquizados de forma mais ou menos lógica, elas são submetidas a um procedimento muito parecido com o que antecede as decisões judiciais, envolvendo audiências públicas, colheitas de depoimentos, intervenção de advogados representantes das partes envolvidas e final decisão por parte de um órgão colegiado. Em segundo lugar, a “quasejudicialidade” de algumas das atribuições das agências americanas é fruto, do intricado e especialíssimo regime jurídico que o direito dos EUA reserva às relações entre as agências e os órgãos do Poder Judiciário. Para não alongar demasiadamente em detalhes desse regime jurídico, as diferenças podem reduzir-se a três afirmações simples e elucidativas: 1) o Poder Judiciário americano pode, sim, rever as decisões das agências reguladoras; 2) para que isso aconteça, porém, é preciso previsão legal expressa; 3) em um número considerável de situações o exame judicial das decisões das agências não ocorre, porque: a) a lei instituidora da agência excluiu expressamente o reexame judicial da questão específica em disputa; b) a questão objeto de disputa é tida como da alçada discricionária da agência; c) seja por deferência à especialização técnica das agências, seja por entender que, ao julgar os litígios específicos da área posta sob sua regulamentação, elas agem na qualidade de “agents of the courts”, os órgãos do Judiciário confirmam na maior parte das vezes as decisões e escolhas técnicas dessas entidades especializadas. Noutras palavras, o reexame judicial das decisões das agências americanas se dá nos quadros do que poderíamos qualificar como um “controle jurisdicional minimalista”. Ou seja, a função “quase judicial” exercida pelas agências americanas decorre, de certa forma, da preponderância que elas detêm na solução jurisdicional dos litígios que afloram na sua área específica de atuação, indicando, no limite, que é tênue a fronteira que separa a tão falada “usurpação” da função jurisdicional por esses entes e a realidade de um superficial controle que o Judiciário, deliberadamente, exerce sobre elas.[9] Por último, a função “quase judicial” também se ilustra pela surpreendente emergência, em um país de common law como os EUA, de um personagem típico do direito administrativo de tipo francês: o “juiz administrativo”, mais comumente denominado “ALJ” (“Administrative Law Judge”). O “Juiz Administrativo” norte-americano simboliza uma radical mudança de tendência do direito anglo- saxão. Sua criação no seio das Agências constitui uma resposta às duras críticas que ao longo do tempo se fizeram à anomalia institucional consistente em um mesmo ente acumular as três funções governamentais básicas. Preocupações com o caráter justo e razoável das decisões proferidas pelas agências também estiveram na origem da criação dessa inovação institucional. Os “Juízes Administrativos” ou “Juízes de Direito Administrativo” são agentes estatais qualificados aos quais a lei atribui função jurisdicional no âmbito das agências. Denominados “Trial Examiners” ou “Hearing Examiners” nos primeiros tempos de vigência da Lei de Procedimento Administrativo (Administrative Procedure Act — APA) de 1946, eles tiveram o seu estatuto funcional aperfeiçoado ao longo do tempo, gozando nos dias atuais de grande independência funcional em razão do fato de se beneficiarem de estabilidade no emprego, de uma sólida garantia estatutária que lhes é assegurada pelas leis do serviço público e do fato de gozarem de um status diferenciado e isolado em relação às agências e os seus servidores ordinários.[10] Ademais, além dessas garantias, na medida em que foi aumentando o número de agências na paisagem administrativa americana foram crescendo na mesma proporção as preocupações com a natureza dos procedimentos e dos métodos decisórios por elas adotados. Muitas perplexidades advinham do fato de que, em princípio, as agências não se submeteriam às regras da common law e sim ao direito legislado (statutory law). Logo, a elas não se aplicariam, em linha de princípio, inúmeras regras de due process que constituem a marca do direito público do país. Para remediar essa situação, a Lei de Procedimento Administrativo de 1946 e normas posteriores estenderam às agências algumas das mais importantes garantias procedimentais do sistema jurídico, tais como a exigência de “hearings” (audiência pública), separação das autoridades incumbidas da investigação e do julgamento, imposição de regras estritas sobre coleta de prova, presença de advogado, independência funcional da autoridade titular da função jurisdicional no âmbito administrativo (juiz administrativo), à qual foram estendidos os poderes clássicos de um “trial judge”, isto é, de um juiz. O Judiciário, por seu turno, estendeu a elas inúmeros preceitos do direito da common law. Dessa evolução resultou uma verdadeira “judiciarização” do modo de atuar das agências, em consonância com o entendimento doutrinário segundo o qual elas seriam detentoras de funções “quase judiciais”[11]. Se esse fenômeno de “judiciarização” das agências passou por um processo de inequívoca consolidação, indagações múltiplas ainda subsistem quanto à “independência” dessas entidades. A “independência” das Agências — A idéia fundamental que norteou o surgimento das agências reguladoras foi a de se criar um ente administrativo técnico, altamente especializado e sobretudo imperméavel às injunções e oscilações típicas do processo político, as quais, como se sabe, influenciam sobremaneira as decisões dos órgãos situados na cadeia hierárquica da Administração. Para tanto, concebeu-se um tipo de entidade que, embora mantendo algum tipo de vínculo com a Administração Central, tem em relação a ela um acentuado grau de autonomia. Resta saber, precisamente, em que consiste essa autonomia. Existem quatro aspectos fundamentais dessa autonomia, sem os quais qualquer ente regulador que se institua não passará de uma repartição a mais na estrutura hierárquica do Poder Executivo, pois estará impossibilitado de executar a política legislativa do setor, como se pretende que deva fazê-lo. [12] São eles: (a) a independência política dos gestores, que decorre da nomeação de agentes administrativos para o exercício de mandatos a termo, o que lhes garante estabilidade nos cargos necessários para que executem, sem ingerência política do Executivo, a política estabelecida pelo Legislativo para o setor; (b) a independência técnica decisional, que assegura a atuação apolítica da agência, em que deve predominar o emprego da discricionariedade técnica e da negociação, sobre a discricionariedade político-administrativa; (c) a independência normativa, um instituto renovador, que já se impõe como instrumento necessário para que a regulação dos serviços públicos se desloque dos debates político-partidários gerais para concentrarem-se na agência; e (d) a independência gerencial, financeira e orçamentária, que completa o quadro que se precisa para garantir as condições internas de atuação da entidade com autonomia na gestão de seus próprios meios. De fato, todos esses fatores elencados por são de grande importância para a fixação da autonomia das agências, especialmente o que diz respeito à estabilidade do colegiado dirigente da entidade, que é a instância incumbida de tomar as decisões capitais no âmbito de cada setor objeto de regulamentação. Irrelevante, a nosso sentir, para a caracterização da independência, é a criação de uma política de pessoal diferenciada, ou seja, um regime de privilégios em relação aos demais agentes do Estado. Se a idéia da criação de agências reguladoras era a de abrir um capítulo novo na história do Estado brasileiro, uma visão lúcida da nossa evolução administrativa recomenda simplesmente que não se adote esse fator como critério determinante de independência, sob pena de, em razão das práticas clientelistas que certamente se estabelecerão, as agências perderem inteiramente a credibilidade. Advirta-se, contudo, quenão basta conferir estabilidade aos dirigentes de uma agência para que ela automaticamente passe a ser “independente”. Mesmo nos EUA, onde o Congresso exerce com zelo implacável a atribuição hoje crucial de todo órgão legislativo (a fiscalização e o controle), e em que o sistema de “checks and balances” funciona com razoável eficiência, não são raras as críticas de que as agências, ao invés de atuarem em busca do cumprimento do interesse público, procuram preferencialmente atingir seus próprios interesses e os de lobbies eficazmente incrustados e com atuação concertada, tanto nos comitês do Congresso incumbido de supervisioná-las, quanto no âmbito das atividades privadas que lhes incumbe regulamentar e fiscalizar. Noutras palavras, é sério o risco de, ao se retirar às agências do âmbito de influência da Política, submetê-las ao jugo de forças econômicas poderosas. 3 – Poder Normativo O poder normativo das agências reguladoras não abrange o poder de regulamentar leis e, especialmente, não pode inovar na ordem jurídica ou contrariá-lo. Em outras palavras, inovar significaria legislar, e isso fere os princípios da legalidade (art.5º, III, da CF) e da separação dos poderes (CF, art.2º). Assim, suas normatizações deverão ser operacionais apenas, regras que, às vezes aparentemente autônomas, prendem-se a disposições legais efetivamente existentes. É o caso, por exemplo, das regras estabelecidas para licitações nos Editais. Em geral, fala-se em poder regulamentar; prefere-se falar em poder normativo, já que aquele não esgota toda a competência normativa da Administração Pública; é apenas uma de suas formas de expressão, coexistindo com as outras.[13] Os atos normativos tem semelhança com semelhança a lei o fato de que estabelecem normas; ou seja, atos com efeitos gerais e abstratos , sem extrapolar os limites conferidos pela Lei. Segundo a lição de Miguel Reale, pode-se dividir os atos normativos em originários e derivados. “Originários se dizem os emanados de um órgão estatal em virtude de competência própria, outorgada imediata e diretamente pela Constituição, para edição de regras instituidoras de direito novo”; compreende os atos emanados do Legislativo. Já os atos normativos derivados têm por objetivo a “explicitação ou especificação de um conteúdo normativo preexistente, visando à sua execução no plano de práxis; o ato normativo derivado, por excelência, é o regulamento.”[14] Saliente o mesmo autor que “os atos legislativos não diferem dos regulamentos ou de certas sentenças por sua natureza normativa, mas sim pela originariedade com que instauram situações jurídicas novas, pondo o direito e, ao mesmo tempo, os limites de sua vigência e eficácia, ao passo que os demais atos normativos explicitam ou complementam as leis, sem ultrapassar os horizontes da legalidade. O poder regulamentar é uma das formas de expressão da função normativa do Poder Executivo. Sendo de competência do que cabe ao Chefe do Poder Executivo da União, dos Estados e dos Municípios, a função de editar normas complementares á lei, para sua fiel execução. A doutrina admite dois tipos de regulamentos: o regulamento executivo e o regulamento independente ou autônomo. O primeiro complementa a lei ou, nos termos do artigo 84, IV, da Constituição, contém normas “para fiel execução da lei”; ele não pode estabelecer normas contra legem ou ultra legem. Ele não pode inovar na ordem jurídica, criando direitos, obrigações, proibições, medidas punitivas, até porque ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, conforme artigo 5º, II, da Constituição; ele tem que se limitar a estabelecer normas sobre a forma como a lei vai ser cumprida pela Administração.[15] O regulamento autônomo ou independente promove a inovação na ordem jurídica, porque estabelece normas sobre matérias não disciplinadas na lei; ele não completa nem desenvolve nenhuma lei prévia. Os regulamentos jurídicos ou normativos vêm estabelecer normas sobre relações de supremacia geral, ou seja, aquelas relações que fornecem ligação com todos os cidadãos ao Estado, tal como ocorre com as normas emanadas do poder de policia, limitando os direitos individuais em benefício do interesse público. Eles voltam-se para fora da Administração Pública. Os regulamentos administrativos ou de organização são normas sobre a organização administrativa ou sobre as relações entre os particulares que estejam em situação de submissão especial ao Estado, em função de um título jurídico especial, como um contrato, uma concessão de serviço público. Para o doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro no direito brasileiro, só existe o regulamento de execução, hierarquicamente subordinado a uma lei prévia, sendo ato de competência privativa do Chefe do Poder Executivo. “No entanto, alguns órgãos ainda hoje dispõem de competência normativa, porque a legislação que a delegava, antes da Constituição de 1988, teve o prazo de vigência prorrogado por lei, tal como previsto expressamente no artigo 25 das Disposições Transitórias. Fora dessas hipóteses, os demais órgãos administrativos que continuam a exercer função normativa, dispondo sobre matéria reservada à lei ou ao regulamento, não mais dispõem desse poder e as normas que editam padecem do vício de inconstitucionalidade. Há que se lembrar que, em matéria de telecomunicações e de petróleo, as Emendas Constitucionais nº 8/95 e 9/95 alteraram, respectivamente, a redação dos artigos 21, XI, e 177, parágrafo 2º, III, para prever a promulgação de lei que disponha sobre a exploração dessas atividades e a instituições de seu órgão regulador. Isto significa que esse órgão regulador exercerá o poder de regulamentar leis que disponham sobre os referidos serviços, constituindo-se em outra exceção à competência privativa do Chefe do Poder Executivo. Além do decreto regulamentar, o poder normativo da Administração ainda se expressa por meio de resoluções, portaria, deliberações, instruções, editadas por autoridades que não o Chefe do Executivo. Note-se que o artigo 87, parágrafo único, inciso II, outorga aos Ministros de Estado competência para “expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos”. Há, ainda, os regimentos, pelos quais os órgãos colegiados estabelecem normas sobre o seu funcionamento interno. Todos esses atos estabelecem normas que têm alcance limitado ao âmbito de atuação do órgão expedidor. Não têm o mesmo alcance nem a mesma natureza que os regulamentos baixados pelo Chefe do Executivo.”[16] O ato normativo, portanto, não pode contrariar a lei, nem criar direitos, impor obrigações, proibições, penalidades que nela não estejam previstos, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade (arts. 5º, II, e 37, caput, da Constituição)[17]. O Congresso Nacional dispõe agora de poder de controle sobre os atos normativos do Poder Executivo, podendo sustar os que exorbitem do poder regulamentar (art. 49, V), e que o controle de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal, como base no artigo 102, I, a, da Constituição, abrange não só a lei como também a ato normativo federal ou estadual; por outras palavras, abrange também qualquer ato normativo baixado por órgãos administrativos.[18] Assim, suas normatizações deverão ser operacionais apenas, regras que, às vezes aparentemente autônomas, prendem-se a disposições legais efetivamente existentes. É o caso, por exemplo, das regras estabelecidas para licitações nos Editais ( que não podem contrariar normas da Lei nº 8.666/93), das condições exigíveis paraconcessões/permissões de serviço e os aspectos que costumam ser englobados na chamada autonomia técnica da agência reguladora ou discricionariedade técnica, para definir as regras e os parâmetros técnicos referente e essas atividades. Mesmo, assim essa definição de regras operacionais e tecnicamente discricionárias não pode contrariar normas legais e inovar na ordem jurídica legal-formal. Com efeito, até autores que sabidamente apóiam em maior grau o exercício da função regulatória ressaltam essa função essencialmente operacional do processo de regulação e a necessidade da observância dos parâmetros legais. As agências reguladoras gozam de poder normativo, resultado de delegação legal conferida pelo Poder Executivo, uma vez que a agência fará as vezes do Poder Estatal. Então a agência, utilizando do seu poder normativo no exercício de suas atribuições legais para expedir regulamentos, normatiza os contratos de concessão, permissão ou autorização ou ainda soluciona os conflitos advindos dos contratos celebrados. Recentemente no caso da crise energética, ficou a impressão de que essa autonomia técnica operacional no processo de concessão não teria funcionado a contento, o que nos leva a meditar também sobre o aspecto da responsabilidade civil, por danos e prejuízos decorrentes das concessões/permissões/autorizações de serviço público. É claro que a responsabilidade civil das prestadoras de serviços públicos é objetiva, pois assim o determina p art. 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal. Conforme se verifica no jurisprudência: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. EDIÇÃO DE RESOLUÇÃO POR AGÊNCIA REGULADORA. NÃO OBSERVÂNCIA DOS LIMITES DA COMPETÊNCIA NORMATIVA. ALTERAÇÃO INDEVIDA DO CONTEÚDO E QUALIDADE DE CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PACTUADOS ENTRE CONSUMIDORES E OPERADORAS. 1. A parcela do poder estatal conferido por lei às agências reguladoras destina-se à consecução dos objetivos e funções a elas atribuídos. A adequação e conformidade entre o meio e fim legitima o exercício do poder outorgado. 2. Os atos normativos expedidos pelas agências, de natureza regulamentar, não podem modificar, suspender, suprimir ou revogar disposição legal, nem tampouco inovar. 3. A Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 27, da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, extrapolou os lindes regulamentares ao modificar o conteúdo e a qualidade dos contratos de prestação de serviços ajustados entre as operadoras e consumidores, em afronta ao princípio da legalidade. 4. As empresas operadoras, as quais encontram-se vinculadas e sujeitas a controle, fiscalização e regulamentação por parte da ANS, podem ser diretamente afetadas pelos atos normativos por aquela expedidos. Configuração do fenômeno denominado pelos administrativistas alemães e italianos de “relação de especial sujeição.” 5. Os consumidores não se sujeitam a este poder especial de sujeição, sendo afetados tão-somente em função da finalidade atribuída por lei à ANS de tutela de seus particulares interesses como categoria. Este órgão limita-se a zelar pelo cumprimento dos direitos dos consumidores no âmbito de sua competência, ex vi da Lei nº 9.961/2000, artigo 4º, XXXVI. Origem: Tribunal – Terceira Região Tipo de Doc: Acórdão Classe – AG. AGRAVO DE INSTRUMENTO – 129949 Processo: 2001.03.00.012550-9 UF: SP ÓRGÃO JULGADOR: SEXTA TURMA – DATA DA DECISÃO : 24/04/2002 . A posição das agências reguladoras, que se colocam exatamente entre o Poder Público concedente e as concessionárias, segundo a maioria da doutrina predominante no caso das concessões, permissões e autorizações de serviço público, a lei transfere às agências reguladoras as atribuições do Poder Público concedente nessa matéria, se a responsabilidade do Estado em relação à delegação de tais serviços e mesmo concernente às entidades que cria para desempenhar serviços públicos é subsidiária, como tem reconhecido a jurisprudência, uma vez que o serviço é assumido pelas concessionárias em sue próprio nome, por sua conta e risco, no interesse geral, parece lógico que, no caso da execução dos serviços, a responsabilidade civil dos prejuízos causados deva ser direta e objetiva das prestadoras do serviço e subsidiária das agências ou do próprio Poder concedente. No entanto, se falhas ou ilegalidade se verificarem na própria regulação (fiscalização, normatização, controle, gerenciamento, etc.), que venham a indiretamente causar prejuízo ao administrado em geral e ao usuário do serviço em especial,a responsabilidade da agência reguladora poderá ser solidária à da prestadora e, conforme o caso, até mesmo direta. 4 – Determinação da natureza jurídica do poder normativo das agências reguladoras 4.1. A competência normativa das agências reguladoras Conforme o conceito adotado de função reguladora, percebe-se que a existência do poder normativo é imanente à própria definição da referida atividade desempenhada pelo Estado, conforme atribuição do artigo 174 da Constituição Federal de 1988. Entretanto, em que pese a necessidade do exercício de função normativa pelas agências reguladoras, como forma de desenvolvimento de função reguladora, o tema da atribuição da competência normativa aos referidos entes suscita inúmeras discussões face ao regime jurídico brasileiro e à sua pretensa inadequação ao modelo regulatório. Vislumbram-se, de um lado, opiniões de doutrinadoras, como Maria Sylvia Zanella di Pietro[19], Lúcia Valle Figueiredo[20], segundo as quais somente as agências reguladoras com previsão constitucional exerceriam poderes regulamentares. Desta maneira, somente a Agência Nacional de Telecomunicações e a Agência Nacional de Petróleo regulariam a atividade econômica por meio de atos de cunho normativo, vez que originadas nos artigos 21, XI e 177, §2º, III da Constituição Federal de 1988. Este posicionamento, no entanto, não está isento de críticas. Marçal Justen Filho[21] ensina que esta solução não pode ser admitida porque a previsão constitucional de exercício de poderes normativos pelas agências reguladoras, pelo simples fato de estarem contidas no texto constitucional, o que, supostamente, lhes daria uma roupagem especial, retira a competência do Poder Legislativo. "Ou seja, a Constituição teria transferido do Legislativo para o Poder Executivo determinadas competências legiferantes". De toda maneira, como bem observa Renata Porto Adri de ROSA, o problema da atribuição de competência normativa aos entes reguladores envereda a busca de novas formas de interpretação do ordenamento jurídico vigente que compatibilizem esta função normativa com os princípios constitucionais e os postulados de outros ramos do Direito, de maneira a possibilitar que exerçam plenamente a função reguladora que lhes foi atribuída. Assim, ao invés de simplesmente negar a atribuição de poderes normativos às agências reguladoras, o que acabaria por lhes retirar a própria essência, deve-se buscar os instrumentos legitimadores que expliquem a natureza jurídica desta função. Na doutrina, além do posicionamento há pouco mencionado, observa-se a existência de, pelo menos, três teorias mais destacadas. A primeira delas, representada por Leila Cuéllar[22], explica que o poder normativo conferido às agências reguladoras brasileiras resultaria de uma legitimação pela função. Melhor dizendo: em razão da própria função reguladora a que visam dar cumprimento, as referidas autarquias estariam autorizadas a expedir atos administrativos de cunho normativo, os quais estariam equiparados aos regulamentos autônomos. Numa segunda perspectiva, a função normativa das agências reguladorasadviria do fenômeno chamado deslegalização ou delegificação. Esta teoria, cujo maior defensor no Brasil é Diogo de Figueiredo Moreira Neto[23], seria uma subespécie da delegação legislativa, dentro de um modelo classificatório aperfeiçoado por Eduardo García de Enterría[24], o qual surgiu no direito francês. O terceiro entendimento acerca da atribuição de capacidade normativa aos entes reguladores independentes brasileiros é o proposto por Marçal Justen Filho[25], para quem a concessão de poderes normativos às agências reguladoras decorreria da manifestação do poder discricionário conferido aos agentes públicos resultantes de uma delegação normativa imprópria ou de cunho secundário. Vistas, ainda que de maneira panorâmica, quais são as fundamentações teóricas legitimadoras da atribuição de poderes normativos às agências reguladoras, importa, agora, investigá- las, com um pouco mais de vagar, indicando, também, quando necessárias, as devidas críticas. 4.1.1 - Teoria dos Atos Normativos das Agências Reguladoras Enquanto Regulamentos Autônomos Aqueles que se afiliam a essa corrente de pensamento, entendem que o poder normativo das agências reguladoras advém de uma capacidade regulamentar diferente daquela tradicionalmente concebida no Direito Brasileiro. Seria diferente, em princípio, porque admitiria a expedição de regulamentos autônomos, os quais, para a maioria dos doutrinadores, seria vedado pela sistemática instituída pela Constituição Federal de 1988, especificamente no que tange ao princípio da separação dos poderes, contido em seu artigo 2º. O poder regulamentar autônomo surgiria de um primeiro fato que é o reconhecimento da não exclusividade da titularidade do Poder Regulamentar ao Chefe do Poder Executivo e aos Ministros de Estado, tal como estatuído nos artigos 84, IV e 87, parágrafo único, II, ambos da Constituição Federal de 1988. Para eles, outras entidades da Administração Pública também expedem decretos, regulamentos e instruções para fiel execução das leis, tal qual o caso das agências reguladoras, figuras da Administração Pública indireta, sem que isso denotasse qualquer inconstitucionalidade. Noutro momento, esta nova competência regulamentar não estaria cingida, somente, ao fiel cumprimento da lei, como estatuído na parte final do artigo 84, IV da Constituição Federal de 1988. Em virtude da realidade político-econômica, passaria o Estado a ser regulador da atividade econômica, justificando, assim, a realização das finalidades estatais a que se propõem os novos entes. Em outros termos: os fins estatais justificariam a legitimidade dos instrumentos utilizados para a sua consecução. A revisão dos paradigmas constitucionais, em verdade, seria uma condição imprescindível para o embasamento do poder normativo das agências reguladoras e, conseqüentemente, das suas próprias razões de ser, vez que, sem a autonomia para expedir normas jurídicas, não seria possível se cogitar em regulação da atividade econômica. Além disso, conforme salienta Egon Bockmann Moreira[26], outro defensor desta corrente de pensamento, a capacidade para a expedição de normas conferida aos entes reguladores brasileiros não lesionaria o texto constitucional porque limitado pela própria lei instituidora da autarquia especial. Neste sentido, ainda, a leitura crítica feita por Eros Roberto Grau[27] da teoria da separação de poderes citados por Montesquieu[28], quanto à utilização do critério material, e não do orgânico, para classificação das atividades estatais, validaria também a expedição de regulamentos autônomos no ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista que esta competência decorreria de uma outorga constitucional implícita ao Poder Executivo para o desempenho de função normativa que objetivasse a execução de normas jurídicas. Portanto, ao atribuir o poder normativo aos entes administrativos, segundo a classificação sugerida por Eros Roberto Grau[29], explicar-se-ia a denominada capacidade normativa de conjuntura, entendida como aquela disponibilizada ao Poder Executivo para normatizar situações momentâneas que emergem das alterações da realidade econômica. Em verdade, nota-se que a maior preocupação existente é a construção de um conjunto hermenêutico que vise, não somente a dar respaldo jurídico à constitucionalidade dos regulamentos autônomos no direito brasileiro, mas, sim, a desenvolver um cabedal de instrumentos controladores destes atos administrativos. Desta forma, percebe-se das palavras de Leila Cuéllar[30]: "assim, e mesmo que se admita que as agências reguladoras brasileiras possuam competência regulamentar, inclusive para editar regulamentos autônomos, cumpre assinalar que o exercício do poder regulamentar no direito brasileiro jamais seria ilimitado, sendo impostas restrições ao seu exercício". Portanto, dentro do modelo de limites propostos pela referida autora, a primeira regra limitadora dos poderes normativos das agências reguladoras é a de que os regulamentos não podem desrespeitar as normas e os princípios de direito que lhe são superiores, tendo em vista que "ainda que autônomos, os regulamentos são atos administrativos, hierarquicamente subordinados à lei e à constituição – cujo conteúdo devem atender, formal e substancialmente". O segundo preceito disciplinador diz respeito à impossibilidade de o regulamento autônomo inovar de forma absoluta na ordem jurídica, seja criando direitos, deveres ou obrigações às pessoas privadas, sem respaldo de lei; bem como ampliando ou restringindo direitos ou obrigações. Para que os regulamentos possam gerar deveres, direitos e obrigações, a lei há de dar azo a esta possibilidade. Outro limite é o de não ser autorizada à autoridade administrativa a criação de normas cuja edição pressupõe processo legislativo certo e específico, de modo a se viabilizar a observância do princípio da tipicidade no âmbito do Direito Administrativo. Neste ínterim, não cabe ao regulamento, por si só, criar crimes, instituir penas, sanções, prescrever tributos ou encargos de qualquer natureza. Outrossim, veda-se ao regulamento a restrição da igualdade, da liberdade e da propriedade ou de determinar alterações no estado das pessoas. Outra barreira a ser observada é a de que o regulamento não possui efeito ex tunc, exceto quando o regulamento se destinar a beneficiar pessoas privadas, observando-se, obrigatoriamente, o princípio da isonomia de forma a "evitar que não seja ele – regulamento – um benefício específico a determinado grupo de pessoas, em detrimento de outro que esteja submetido a mesma situação fático- jurídica". Imprescindível que a expedição do regulamento seja fundamentada, haja vista que é um ato administrativo e, por esta razão, deve apresentar sua motivação pública de fato e de direito. Por fim, o regulamento há de ser objeto de análise do Poder Judiciário, no que se refere à sua emanação e quanto ao seu conteúdo. Nas palavras da autora: Há de se preservar a essência do sistema de ‘checks and balances’, de modo a possibilitar o controle do título competencial detido pela entidade que emana o provimento regulamentar, assim como quanto ao seu conteúdo. Esse controle, na medida que se impõe a atos administrativos com a natureza jurídica normativa de provimentos gerais e abstratos, pode ser exercitado da forma concentrada – controle objetivo e - difusa – controle subjetivo. Assim, um regulamento emanado por uma agência reguladora federal, cujas normas espalham-se pelo território nacional, pode tanto ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade quanto a ser atacado em mandado de segurança, pela pessoa que se vir prejudicada concretamente pelo provimento. Em suma, seria possível,na opinião de Leila Cuéllar[31], estabelecer uma teoria acerca dos regulamentos autônomos brasileiros, levando-se em conta a existência de certas limitações ao exercício do poder regulamentar. Afirma-se, aliás, que inexiste oposição entre o princípio da legalidade e a possibilidade de emanação de regulamentos autônomos, pois se considera legítima a atuação normativa das agências em razão da relevância das atividades desempenhadas e dos objetivos traçados para a sua instalação. Neste sentido, a competência normativa conferida a essas autarquias sob regime especial, além de inerente à própria atividade de regulação, demonstra-se imprescindível para que tais entes possam desempenhar de maneira eficiente suas atribuições. Contudo, esta teoria foi alvo de críticas, as quais foram desferidas por Marçal Justen Filho[32] e Arianne Brito Rodrigues Cal[33]. Para o primeiro autor, o fato de a Constituição Federal atribuir a responsabilidade de a Administração Pública promover o interesse público não justifica a concessão de qualquer competência normativa determinada e autônoma. Com efeito, "nunca se poderia extrair uma competência normativa autônoma para a Administração Pública a partir de simples argumentação de que a Constituição impõe a ela o dever de realizar o bem-comum. Cada situação concreta comportaria diversas respostas". O referido autor argumenta que o modelo proposto por Leila Cuéllar[34] é parcialmente válido porque, embora esteja correto quanto à criação de instrumentos de controle da atividade normativa das agências reguladoras, defendeu idéia contrária ao sistema constitucional brasileiro, que é a possibilidade de existência de regulamentos autônomos. De outro lado, Arianne Brito Rodrigues Cal[35] entende inconcebível a possibilidade de serem veiculados regulamentos autônomos no Brasil, sob pena de violação do princípio da legalidade contido no artigo 5º, II, da Constituição Federal de 1988, porque o regulamento não é lei formal e, portanto, não estaria legitimado a criar direitos e impor obrigações. Além disso, a função precípua da competência regulamentar é complementar a lei e não inovar na ordem jurídica. Analisada, ainda que perfunctoriamente, a primeira teoria justificadora da atribuição do poder normativo às agências reguladoras, passa-se ao estudo do segundo trabalho mencionado anteriormente. 4.1.2 Teoria da Delegificação ou Deslegalização Tratando da questão atinente ao poder normativo conferido às agências reguladoras, Diogo de Figueiredo Moreira Neto[36] considera-o como a técnica de delegação normativa definida como deslegalização ou delegificação, cuja origem remonta à doutrina francesa da délégation de matières e que foi desenvolvida, no âmbito doutrinário ainda, sobremaneira, por Eduardo Garcia de Enterria[37]. Segundo esta doutrina, a transferência de competência pela qual ela se caracteriza tem fulcro na retirada, pelo legislador, de determinadas matérias da seara legal (domaine de la loi) com a sua conseqüente colocação no domínio do regulamento (domaine de l órdonnance). Não há necessidade de a lei delegante discorrer detalhadamente a respeito do assunto a ser normado, bastaria, apenas, viabilizar a sua regulamentação por atos próprios de outras fontes normativas, independentemente de estas serem estatais. No entanto, a única ressalva que deve ser feita é sobre estas normas se deve exercer continuamente um controle político, com o escopo de evitar e/ou aniquilar eventuais excessos. Diogo de Figueiredo Moreira Neto[38] defende a idéia de que a deslegalização, enquanto utilizada na função regulatória, aproxima as disposições jurídicas dos setores que dela carecem, retirando-as das imposições diretas promovidas pelo Estado, por meio de leis formais editadas pelos seus órgãos legislativos. Além disso, acredita que a competência normativa atribuída às agências reguladoras é o meio ideal para uma atuação célere e flexível para a solução, em abstrato e em concreto, de questões em que haja predominância de escolhas técnicas, distanciadas e isoladas de opções político-administrativas, que são típicas da ação dos parlamentos, e que depois se prolongam nas escolhas administrativas discricionárias, concretas e abstratas, que prevalecem na ação dos órgãos burocráticos da Administração direta. Cumpre enfatizar, ademais, que as normas produzidas em decorrência do mencionado fenômeno não se confundem com as normas regulamentares expedidas pelo Poder Executivo, tampouco pelo Legislativo. Para Diogo de Figueiredo Moreira Neto[39], a regulação derivada da deslegalização materializa as reservas constitucionais impostas relativamente ao controle de toda sorte de atividades econômicas potencialmente ofensivas ao equilíbrio e à harmonia sociais. Isto porque a regulação trata minuciosamente das disposições diretas definidas pelo legislador que contêm apenas finalidades e, destarte, dependem de ulterior tratamento e regulamentação para poderem, efetivamente, serem aplicadas. Todavia, ainda o mesmo doutrinador ensina que toda delegação de função reguladora encontra dois limites: os de ordem externa à transferência e os de ordem interna. Os primeiros são representados pelas limitações que sofre qualquer ato normativo em decorrência do sistema jurídico em que se inserem, quais sejam, serem compatíveis com as demais disposições legais, sejam elas hierarquicamente superiores ou estejam no mesmo nível, sob pena de invalidade da norma reguladora. Referentemente ao segundo grupo de restrições, sublinha-se que é composto pelos limites procedimentais e temporais a serem observados pelas normas reguladoras (parâmetros formais) e pelo seu conteúdo (parâmetro material). Desse modo, como já salientado, o poder normativo das agências reguladoras prima pelo atendimento à exigência de normatização essencialmente técnica, com reduzida interferência político- administrativa estatal em determinados campos de prestação de serviços e bens, públicos ou não. Da mesma opinião apresentada comungam Marília de Ávila e Silva Sampaio[40] e Alexandre Santos de Aragão[41], este com algumas nuanças conceituais no que atine à fixação de standards pela lei delegante, mas que, de todo modo, não rejeitam o seu posicionamento. O entender da função normativa das agências reguladoras como uma forma de delegificação também foi criticada por Marçal Justen Filho[42], em função de, no pensar deste autor, "não há cabimento de produzir a transferência de competência normativa reservada constitucionalmente ao Legislativo para o Executivo. E tal deriva de algumas características da ordem jurídica brasileira". 4.1.3 - O Poder Normativo das Agências Reguladoras Enquanto Manifestação de Poderes Discricionários Esta terceira corrente é encabeçada por Marçal Justen Filho[43] que entende que o problema da definição da natureza jurídica do poder normativo conferido às agências reguladoras deve ser solvido com base num método constitucional sistêmico. A questão referente à natureza dos atos normativos dos entes reguladores seria resolvida da seguinte maneira: deve-se partir do pressuposto de que as leis podem ser exaustivas ou não quanto a uma determinada matéria. Existiriam lacunas caso nem todos os pressupostos do comando normativo estivessem em lei, previstos de maneira abstrata. Quando a lei disciplinadora de determinada matéria deixa margem para maior autonomia do aplicador, há discricionariedade técnica complementar ou acessória. No entanto, deve-se relembrar, que a prévia existência de lei é algo imanente à idéia de discricionariedade, ou seja, esta não existe sem aquela. O ato administrativodiscricionário, desta maneira, há de ser compatível com a norma legal em seu conteúdo, espírito e finalidade, assim como a atuação do legislador em relação à Constituição Federal. Desta maneira, por óbvio, escolhas fundamentais jamais poderiam ser feitas por ato administrativo discricionário porque a sua finalidade, como já visto, é a de dar seguimento ao espírito da lei, e não inovar a ordem jurídica ou complementá-la em desconformidade aos seus preceitos. No entanto, isto não significa dizer que não se possa submeter ao comando de um ato administrativo discricionário, de cunho normativo, pois, se é certo que ninguém poderá fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei, também não deixa de ser verdade que nem tudo este alguém deva fazer esteja, obrigatoriamente, previsto em lei. O referido autor ressalta, todavia, que a discricionariedade não consiste necessariamente numa simples escolha de uma dentre várias que estão previamente determinadas em sede legislativa. Ao configurar a discricionariedade, a lei pode fazê-lo pela impossibilidade de selecionar abstrata e antecipadamente todas as alternativas disponíveis para resolver um certo problema. Também pode haver discricionariedade quando se constatar a intenção do legislador de relegar a disciplina de uma determinada relação jurídica ou de um setor da realidade social a critérios técnico-científicos, variando as soluções de acordo com o progresso futuro. Assim, Marçal Justen Filho[44] define o seu posicionamento, no sentido de que a competência normativa abstrata das agências reguladoras é enquadrada como uma manifestação do poder discricionário. Entende, o referido autor, que a discricionariedade pode ser o fundamento para edição de normas gerais, tal como se passa no tocante ao regulamento, já que não pode haver delegação de poder legislativo às agências reguladoras. Logo, a atribuição de poder regulamentar de caráter secundário às agências reguladoras, já que o primário é de titularidade do chefe do Poder Executivo, seria manifestada por meio de atos discricionários, cuja função precípua é a de complementação das normas legislativas, que lhes conferem esta competência, de modo a desenvolver os princípios, o espírito e o conteúdo dos referidos regramentos de origem legislativa. Indica, como limites à competência normativa discricionária, a falta de lei que confira competências normativas às agências, o que constituiria violação ao princípio da legalidade, ou, ainda, em respeito ao mesmo princípio, que a normatização subsidiária seja realizada em desobediência às balizas, denominadas de standards, delineadas na regra que outorga da competência e que devem ter suas constitucionalidades e legalidades facilmente aferíveis. Acerca do segundo limite, elucida Marçal Justen Filho[45] que, no direito brasileiro, o princípio da legalidade significa a necessidade do ato legislativo disciplinar extensamente a matéria, sendo que "os dados fundamentais da hipótese de incidência e do mandamento normativo apenas podem ser veiculados por meio de lei. Não se admite que a lei estabeleça um padrão abstrato, preenchível pelos mais variados conteúdos, e remeta à agência seu desenvolvimento autônomo". Portanto, percebe-se que, em respeito ao princípio da legalidade, às agências reguladoras é vedado o preenchimento autônomo das balizas legais. De outro lado, indica, como a melhor maneira de complementação destes espaços normativos, a chamada discricionariedade técnica, entendida como a faculdade de o administrador agir em complementação à prescrição legal por meio de juízos técnicos, sem a influência de fatores políticos. Neste ponto específico, é necessário trazer à baila o entendimento de Paulo Roberto Ferreira Motta[46], segundo o qual, a par da identificação de inconstitucionalidade na questão da outorga de competências legiferantes, é conferido ao aplicador do direito uma alternativa, por ele chamada de exegese responsável, em que a atuação normativa das agências reguladoras estaria cingida exclusivamente a critérios técnicos, desde que observados os seguintes limites: a) sempre que a questão técnica implique na inovação da ordem jurídica, criando ou fazendo desaparecer direitos e obrigações, possa a norma, antes de sua vigência, permitir o contraditório (quer por audiências públicas, que pela notificação pessoal dos interessados) por parte da cidadania, que é, sempre, mediata ou imediatamente, atingida pela estatuição primária havida no ordenamento jurídico; b) para tanto, é indispensável a imediata elaboração de um Código de Procedimento Administrativo para, no âmbito das agências reguladoras, permitir a materialização do explicitado no item anterior; c) que, a fundamentação técnica apresentada (discricionariedade técnica) pela agência reguladora, seja, sempre, passível de apreciação judicial, inclusive com a suspensão liminar dos seus efeitos, se for o caso; d) que, neste caso, o Poder Judiciário relativize o princípio da presunção de constitucionalidade do ato normativo atacado. Desta maneira, a utilização da discricionariedade técnica para a complementação dos valores contidos na norma seria a maneira ideal de se permitir a não interferência de fatores políticos nas decisões tomadas pelos entes reguladores. No entanto, o próprio Marçal Justen Filho[47] não aceita totalmente esta assertiva, na medida em que dado o grau de evolução do raciocínio técnico, raras serão as oportunidades em que o aplicador da lei não disporá de qualquer margem de liberdade para realizar uma escolha, a qual, nem sempre, será isenta de ideologismos. Assim, dificilmente será vislumbrada a existência de uma discricionariedade técnica pura, razão pela qual os meios de controle da atuação do aplicador da lei deverão ser incrementados com o objetivo de propiciar a maior averiguação da finalidade precípua de toda a Administração Pública: a consecução do interesse público. Vê-se, desta maneira, que a questão referente à outorga de poderes normativos às agências reguladoras, pelo fato de ainda não ser algo pacificado no âmbito doutrinário, tampouco jurisprudencial, está longe de possuir uma resposta única, quanto à sua natureza jurídica. No entanto, nota-se que a elaboração teórica existente permite a exclusão da opinião que admite que o poder normativo das agências se exterioriza por regulamentos autônomos, ante à sua flagrante inconstitucionalidade. Também se vislumbra que a importação de experiências estrangeiras, tal qual o caso da doutrina da delegificação, não atende, no mais das vezes, às expectativas do ordenamento jurídico brasileiro. De fato, não se admite no direito brasileiro a chamada reserva do regulamento, tal qual ocorre no direito francês. Em verdade, verifica-se que o posicionamento mais adequado à realidade do ordenamento jurídico brasileiro é aquela apresentada por Marçal Justen Filho[48], segundo a qual o poder normativo das agências reguladoras seria a manifestação do poder discricionário conferido à Administração Pública, o qual possui seus limites predeterminados na própria lei instituidora dos entes reguladores, bem como no fato de somente poder ser exercida sob o seu amparo, não podendo inovar em matérias abstrata e insuficientemente tratadas nos referidos diplomas legais e, ainda, invadindo matérias de reserva absoluta de lei, como as matérias tributária e penal. Além disso, devem ser objeto de pleno controle judicial, conforme determina o artigo 5º, XXXV da Constituição Federal de 1988, de maneira a viabilizar a própria existência do Estado Democrático de Direito. 5 - A função das agências reguladoras nos casos de interrupção da prestação de serviço público em razão de inadimplemento.Dentro dos vários objetivos consagrados pela política governamental, é a proteção dos usuários uma das mais importantes, devendo-se conciliar a regra da continuidade, da modicidade das tarifas, não esquecendo da necessária qualidade e eficiência dos serviços. Tema de relevante discussão é o que trata o Código do Consumidor, no art.22, sobre a continuidade dos serviços públicos quando essenciais. A Lei das Concessões, no art. 6°, § 3°, considera que não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em ocorrendo situações de emergência ou após aviso prévio: (I) se motivadas por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações e (II) por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade. Com relação às Agências Reguladoras, por serem as entidades responsáveis pela concessão, permissão, autorização, fiscalização e regulação dos serviços públicos prestados por terceiros, a princípio deveriam ser apenas indiretamente responsáveis pelos prejuízos causados, uma vez que a concessionária ou permissionária do serviço público é quem executa a atividade e, conforme previsão constitucional (art. 37, § 6º, CF/88), quem deve responder diretamente ao usuário pelo serviço prestado. Neste sentido, a Agência de Reguladora seria subsidiariamente responsável pelos prejuízos causados pela concessionária. Esse é o entendimento de Celso Antônio B. de Mello, acrescentando ainda que essa "responsabilidade subsidiária das Agências de Regulação só existirá se o dano for decorrente da própria prestação do serviço público concedido, que em caso de prejuízo em relação a terceiros alheios à prestação, este não será suportado pelas Agências"[49].. Entretanto, há posicionamentos divergentes como o defendido por Yussef Said Cahali, para quem a responsabilidade do Estado por ato de seu concessionário pode ser solidária e não subsidiária, em determinadas situações em que se verifique a omissão do poder concedente: [...] se, em razão da má escolha do concessionário a quem a atividade diretamente constitutiva do desempenho do serviço foi concedida, ou de desídia na fiscalização da maneira como este estaria sendo prestado à coletividade, vem a concorrer por esse modo pra a verificação do evento danoso.[50]. No primeiro caso se está diante da obrigação de manter o adequado e eficiente funcionamento do serviço. Ocorrendo qualquer falha neste serviço em razão de ordem técnica ou de segurança, caberá verificar se realmente ocorreu a falha conforme previsto. Caso contrário, devem ser apuradas as responsabilidades, aplicando-se as sanções previstas no Código do Consumidor. Quanto ao inadimplemento do usuário, existem várias posições, levando assim a um estudo mais detalhado sobre o tema. Em primeiro lugar, merece destacar sobre o que trata o art. 6°, § 3° da Lei 8.987/95 e o art. 22, parte final do Código do Consumidor. No primeiro caso o artigo refere à continuidade dos serviços públicos, não especificando os serviços públicos essenciais, enquanto que no segundo, trata da continuidade dos serviços públicos essenciais. Cabe, em seguida, explicar que a continuidade é um dos princípios que permeiam os serviços públicos. Significa que a prestação do serviço deve ser de forma a satisfazer a necessidade coletiva, pressupondo que o serviço tenha sido iniciado, mas não poderá ser interrompido, ou seja, a partir do momento que o serviço público é colocado à disposição do usuário, através de um contrato tácito ou não, surge o direito à continuidade da prestação do serviço instalado, não podendo o Estado, por si, ou através de seus agentes ou concessionários, fugir da obrigação-dever contraída, que é a de zelar pelo interesse público que, por ora, é a ininterruptibilidade daquela prestação. Quanto aos serviços essenciais, pode-se dizer que são aqueles de vital importância para a sociedade, pois afetam diretamente a saúde, a liberdade ou a vida da população, tendo em vista a natureza dos interesses a cuja satisfação a prestação se endereça. Há aqueles serviços que pela sua própria natureza são ditos essenciais, são os serviços de segurança nacional, segurança pública e os judiciários. Esses não são serviços de consumo, haja vista que não são remunerados. Somente o Estado poderá prestá-los diretamente. São portanto, indelegáveis. Mas há outros serviços que o legislador previamente considera essenciais. Estes se encontram na Lei n° 7.783 - Lei de Greve, que define no art. 10 os serviços ou atividades essenciais e regulamenta o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. Por ser genérica, nem todas atividades definidas como essenciais são serviços públicos. Portanto, é nela que se deve procurar o conceito de serviços públicos essenciais à luz do Código do Consumidor. Assim, identifica-se no citado diploma legal como serviços públicos essenciais que podem ser prestados diretamente ou indiretamente, ou através de concessão, entre outros, os serviços de tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás, combustíveis, transporte coletivo e telecomunicações. Todos esses serviços que foram relacionados são prestados mediante remuneração e, portanto, enquadram-se ao art. 22 do Código do Consumidor, atendendo ao requisito da continuidade. Porém, de modo particular, considerando no conceito de essencial a "vital importância, por afetarem diretamente a saúde, liberdade ou vida da população", alguns serviços podem ser mais essenciais que outros, como por exemplo, a água, a energia elétrica e o telefone. Nessas situações deve- se verificar caso a caso, isto é, o fato em concreto, para então aplicar a regra da continuidade dos serviços no inadimplemento dos usuários. Ou seja, os serviços públicos essenciais não poderão ser suspensos ou interrompidos no caso de inadimplemento em determinadas situações, tais como: fornecimento de água em algumas residências depois de verificado o aspecto social, hospitais públicos e bombeiros; fornecimento de energia elétrica para iluminação pública, presídios, hospitais públicos, e escolas públicas; telefones para efetivo do corpo de bombeiros, hospitais públicos e delegacias. Cabendo às prestadoras desses serviços procurarem a via judicial para cobrá-los pedindo inclusive tutela antecipatória para proteger obrigação de fazer ou não fazer (art. 84, CDC). Porém, há opiniões contrárias, entendendo que o corte no fornecimento de um serviço público pelo inadimplemento das obrigações do usuário é plenamente lícito. Sustenta-se tal posição exclusivamente com o art. 6°., § 3° da Lei 8.987/95. Argumenta-se que o art. 22 do CDC serve de garantia para a coletividade cujos serviços qualificados como essenciais não serão ofertados à comunidade administrativa. É uma obrigação legal de que o Poder Público não poderá se eximir da oferta dos serviços. Outros apontam que, do confronto entre as duas normas, prevalecerá o entendimento que a concessionária, no caso de inadimplemento não poderá interromper o serviço quando não houver o interesse da coletividade, quer dizer em uma residência o fornecimento poderá ser interrompido, pois não há interesse da coletividade a ser considerado; porém em escolas, hospitais, delegacias de polícia, quartéis de bombeiros, havendo o inadimplemento, por parte da Administração Pública, não poderá ser interrompida a prestação do serviço de água, energia elétrica e telefone, pois nesses casos deverá ser levado em consideração o interesse da coletividade. Certos autores defendem a tese da suspensão do serviço essencial pela
Compartilhar