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Drogas e redução de danos

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BREVE HISTÓRICO E CARACTERIZAÇÃO/QUESTÕES ÉTICAS RELACIONADAS AO TEMA
A complexidade da vida humana sempre foi um dos principais fatores responsáveis pelo desenvolvimento do conhecimento científico. Com a evolução e obtenção de conhecimento, o homem pôde desenvolver formas de extinguir ou diminuir muitos dos seus sofrimentos, fossem eles físicos ou psíquicos. Assim, foram-se apresentando inúmeras propostas de tratamento para transtornos humanos, resultado de um vasto conhecimento acumulado, continuamente atualizado para satisfazer as necessidades de cada época.
O campo clínico das toxicomanias apresenta-nos uma gama variada de ofertas de tratamento que, em sua maioria, partem do princípio da abstinência, o que torna suas propostas ineficazes na maior parte dos casos. Partindo desses princípios, estes que algumas vezes não dão certo com alguns pacientes, surge uma nova opção, os programas de redução de danos – que ao introduzir a dimensão da particularidade do sujeito no tratamento e não partir da égide da abstinência, dá um novo rumo à questão e aos impasses advindos da atual forma de se trabalhar, representada principalmente pelo modelo proposto pelas fazendas de recuperação.
Redução de danos é um movimento internacional que surgiu em resposta à crescente propagação da Aids na década de 80, embora as origens desta abordagem aos problemas com drogas possam ser remontadas a um período anterior.
As primeiras intervenções, no plano da saúde coletiva, adotadas dentro deste movimento, ocorreram em 1926, na Inglaterra, quando da prescrição de opiáceos por profissionais de saúde com o objetivo de possibilitar ao usuário desta droga uma vida mais estável. À época, pressupunha-se, como hoje, ser mais adequado a interrupção completa do uso de opiáceos. No entanto, por reconhecer que seu uso estava intrinsecamente associado às características de vida dos usuários, a prescrição médica da droga poderia minimizar os efeitos mais danosos à saúde dos indivíduos com ela envolvidos.
Antes de tornar-se um conceito e uma estratégia científica a redução de danos deu-se enquanto movimento político. Por volta dos anos 70, na Holanda, vinha sendo estruturada uma política nacional tolerante às drogas. Especificamente no ano de 1972, antes mesmo da emergência da epidemia de Aids, houve a publicação de um documento pelo Comitê de Narcóticos, cuja conclusão estabelecia que as premissas básicas de uma política de drogas deveriam ser congruentes com a extensão de riscos envolvidos no uso das mesmas, o que convergia para a aplicação de intervenções via redução de danos. Em 1976 houve uma revisão da Lei Holandesa do Ópio a qual passa a diferenciar o tratamento a ser dado às drogas com risco inaceitável (como heroína, cocaína, anfetaminas e LSD) e àquelas que oferecem riscos mais baixos como a maconha e o haxixe.
E.M. Engelsman, sociólogo holandês e um dos principais defensores da redução de danos, assinala:  A esse respeito, os holandeses mostram-se muito pragmáticos e tentam evitar uma situação na qual os consumidores de maconha sejam mais prejudicados pelos procedimentos criminais do que pelo uso da droga em si. Tal política reflete um princípio implícito, segundo o qual seu objetivo não é erradicação do uso da droga ilícita, mas a minimização do seu dano. Este princípio é comumente descrito como normalização, isto é, redução da demanda através da integração social dos usuários de drogas.
Concomitantemente a este processo de desenvolvimento e implementação de uma política holandesa tolerante às drogas, no início dos anos 80, neste mesmo país, um grupo de usuários preocupados com o aumento do número de casos de hepatite e com a possibilidade de limitação no acesso a agulhas e seringas, organizou-se no sentido de obter, através da troca, equipamentos estéreis.
A partir de então, através da auto-organização destes usuários numa espécie de sindicato para usuários de drogas pesadas chamado Junkie-bond (Liga de Dependentes), há um impulsionamento para a geração de novas organizações locais de usuários de drogas, o que culmina na viabilização de propostas de redução de danos em conjunto com o estado holandês.  O ponto de partida da Junkiebond é zelar pelos interesses dos usuários de drogas. O mais importante é combater a deterioração do usuário ou, dito de outra maneira, melhorar as condições de vida e de moradia do dependente. Sua filosofia é a de que os próprios usuários de drogas conhecem melhor seus problemas. A participação dos dependentes associados à Junkiebond levou à implantação do primeiro programa de troca de seringas em Amsterdã, em 1984.
Enquanto isso, em Liverpool, Inglaterra, as estratégias de redução de danos, como prática de saúde pública instituída, encontravam sustentação. A partir de 1985, os dependentes passaram a dispor de uma grande variedade de serviços, incluindo:
• troca de seringas e educação em sua comunidade;
• prescrição de drogas como heroína e cocaína;
• serviços de aconselhamento, emprego e moradia;
• tratamento para a dependência, incluindo internação para desintoxicação.
É de grande interesse assinalar que somente cerca de 10% dos usuários interessavam-se por um tratamento cuja meta fosse livrar-se do uso de drogas.
O reconhecimento das intervenções referenciadas na redução de danos como básicas e diretivas deu-se, naquele momento, por intermédio de quatro fatores fundamentais, intimamente vinculados à emergência da epidemia de Aids:
• a intensa infecção pelo vírus HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis, bem como por hepatites, entre usuários de drogas injetáveis;
• a estreita relação entre os casos de Aids e o abuso de drogas, indicado pelas altas taxas de soro prevalência entre os usuários de drogas injetáveis;
• o aumento substancial do número de usuários / dependentes de drogas;
Assim, é dentro dessa concepção político, filosófica e científica que encontra lugar o conceito de redução quando associado ao uso de drogas e à epidemia de Aids.
Percebe-se, claramente, uma diferença ideológica entre os dois movimentos pioneiros em redução de danos, ou seja, o modelo de Liverpool, o qual se estrutura a partir de justificativas que legitimam a necessidade de intervenções alternativas e eficazes no âmbito da saúde pública, e o modelo holandês, que se funda numa articulação social entre organizações governamentais e um grupo específico da sociedade civil organizada, o que dá a este um cunho mais político e ao de Liverpool mais científico.
Importa lembrar que a redução de danos é muito mais do que uma alternativa à abstinência no tratamento da dependência química e na prevenção do HIV/AIDS. A redução de danos trata do manejo seguro de uma ampla gama de comportamentos de alto risco e dos danos associados a eles. Desse modo, o importante não é se determinado comportamento é bom ou ruim, certo ou errado. Na redução de danos, a ênfase é se o comportamento é seguro ou inseguro, favorável ou desfavorável. A redução de danos centra-se no que funciona (pragmatismo) e no que ajuda (empatia e solidariedade).
As ações de redução de danos constituem um conjunto de medidas de saúde pública voltadas a minimizar as consequências adversas do uso de drogas. O princípio fundamental que as orienta é o respeito à liberdade de escolha, à medida que os estudos e a experiência dos serviços demonstram que muitos usuários, por vezes, não conseguem ou não querem deixar de usar drogas e, mesmo assim, precisam ter os riscos decorrentes do seu uso minimizado.
 No campo das políticas públicas de saúde, existem diversas experiências exitosas com a participação de psicólogos que, ao longo do tempo, desenvolveram práticas de cuidado e de acolhimento que têm como pressupostos a defesa dos direitos humanos das pessoas que fazem uso de álcool e outras drogas e o referencial ético e político da profissão. Como descreve o Código de Ética Profissional: “O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação,exploração, violência, crueldade e opressão” (CFP, 2005, p.7).
Por muito tempo, a única opção de atenção para usuários de álcool e outras drogas foi dada pelo paradigma da abstinência através da internação em grandes hospitais psiquiátricos ou instituições com características asilares que marcaram a institucionalização do saber psiquiátrico no Brasil. Multiplicaram-se também iniciativas de cunho religioso e de apoio mútuo entre os próprios usuários que encaravam a questão do uso e abuso de drogas a partir do enfoque biomédico, ao considerá-la uma doença incurável. Embora o debate sobre as drogas tenha se intensificado na atualidade com a diversificação de dispositivos de cuidado, desde a década de 1980 a Política Nacional de DST/Aids e o processo da Reforma Psiquiátrica estiveram diretamente implicadas no desenvolvimento das políticas públicas sobre álcool e outras drogas. A partir do desenvolvimento dos dispositivos da reforma psiquiátrica na década de 80, as políticas públicas começaram a tratar do tema do uso e abuso de álcool e outras drogas de modo mais integrado e levando em conta a complexidade do cuidado.
Inúmeros centros de tratamento e pesquisa foram criados na década de 80, ligados a Universidades brasileiras, e se tornaram referência para as políticas de álcool e outras drogas. Podemos citar o Centro de Estudos e Terapias ao Abuso de Drogas (CETAD), em Salvador, o Núcleo de Estudos e Pesquisa em Atenção ao Uso de Drogas (NEPAD), no Rio de Janeiro, o Programa de Orientação e Assistência a Dependentes (PROAD), em São Paulo, o Centro Mineiro de Toxicomanias (CMT) em Belo Horizonte e o Centro de Referência para Assessoramento e Educação em Redução de Danos da Escola de Saúde Pública do RS, entre outros. Esses centros de pesquisa foram importantes referências para as práticas clínicas e de cuidado para o uso e abuso de álcool e outras drogas. Essas ações experimentais, por sua eficácia em articular práticas de atenção e cuidado integral, ganharam estatuto de política pública para as ações psicossociais voltadas para os usuários de álcool e outras drogas. Essas políticas foram importantes no desenvolvimento e consolidação das estratégias de cuidado e na afirmação à cidadania política das pessoas que fazem uso de drogas lícitas e ilícitas contra qualquer tipo de discriminação. O movimento da reforma psiquiátrica, preocupado com a desinstitucionalização da loucura, tardou em perceber a especificidade da questão do álcool e outras drogas e da urgência do desenvolvimento e a consolidação de tecnologias de cuidado para esse campo. A reforma psiquiátrica brasileira, dessa forma, entrou com atraso no debate sobre as políticas psicossociais voltadas para o uso e abuso de álcool e outras drogas. Essa desresponsabilização da clínica psicossocial com a atenção dos usuários de álcool e outras drogas fez com que os recursos historicamente criados para dar conta desse campo social complexo ganhassem terreno seja formado de forma espontânea pelos próprios usuários, seja pela difusão das autodenominadas comunidades terapêuticas, que articulam ações de medicina privada com a assistência religiosa. As duas iniciativas são fortemente guiadas pela racionalidade proibicionista e por protocolos rígidos de comportamento, marcados por uma alta exigência. As práticas de cuidado na saúde mental ainda hoje trazem um forte componente que se articula com o paradigma da abstinência. O Programa Dos Doze Passos, por exemplo, foi desenvolvido pelos grupos de mútua- -ajuda Alcoólicos Anônimos (AA) e Narcóticos Anônimos (NA) e, muitas vezes, são adaptados de modo acrítico para a realidade dos serviços da rede de saúde mental, onde tais práticas integram o leque de ações voltadas para a atenção aos usuários de álcool e outras drogas. Já nas Comunidades Terapêuticas, a lógica da abstinência e da medicalização é hegemônica e estão integradas às estratégias motivacionais e terapêuticas, que muitas vezes carecem de embasamento teórico no campo de conhecimento clínico, ético e político produzido pela Psicologia.
Na atualidade, a política de atenção primária à saúde - Estratégia de Saúde da Família (ESF), Agentes Comunitários de Saúde (ACS), Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) – busca fortalecer a articulação com a rede psicossocial - CAPS AD, Unidades de Acolhimento (UAs), Consultórios de Rua, Programas de Redução de Danos (PRDs) e Escola de Redutores de Danos (ERD). Para ampliar as ações de proteção social, o SUAS preconiza os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e os Centros de Referência Especializada de Assistência Social (CREAS). As políticas sobre álcool e outras drogas englobam diversos setores da política pública, seja na área da segurança pública, seja na saúde, assistência social e educação. O grande desafio dessa integração é atuar na perspectiva da garantia de direitos e, dessa maneira, enfrentar a lógica que trata a questão das drogas pelo viés exclusivo da doença e do crime. Esta lógica reducionista criminaliza e patologiza os usuários, que passam a ser objeto de discriminação, preconceito, exclusão, recolhimento e internação compulsória.
A estratégia da RD afirma a autonomia, o diálogo e os direitos das pessoas que fazem uso de substâncias psicoativas, sem recorrer a julgamentos morais ou práticas criminalizadoras e punitivas. No contato dos agentes redutores de danos e agentes comunitários de saúde com os usuários de drogas é construído um espaço de co-responsabilização. As estratégias de RD consideram as pessoas que fazem uso de drogas (lícitas ou ilícitas) como sujeitos de direitos e buscam garantir seu acesso às políticas públicas (saúde, educação, cultura, trabalho, etc.) de modo integral. Dessa forma, não é aceitável que a abstinência seja, ao mesmo tempo, a pré-condição e a meta a ser atingida pelos usuários de drogas para que seus direitos sejam garantidos. A interrupção do uso de substâncias psicoativas é, em muitas situações, um passo não só necessário como desejável para diminuir os agravos à saúde. As práticas de saúde pública, contudo, não podem descrever um modelo ideal a ser atingido como meta de sucesso.
Fontes: Os programas de redução de danos como espaços de exercício da cidadania dos usuários de drogas - Isabela Saraiva de Queiroz
Referências Técnicas para a Atuação de Psicólogas(os) em Políticas Públicas de Álcool e Outras Drogas - CRPSP

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