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A arte secreta do ator - Dicionário de Antropologia Teatral

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A ARTE SECRETA DO ATOR
DICIONÁRIO DE ANTROPOLOGIA TEATRAL
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EUGENIO BARBA
nasceu na Itália meridional em ]936 e emigrou em 1954 para a Noruega, onde trabalhou como soldador e marinheiro. De
]960a ]964 estudou teatro na Polônia, e durante três anostrabalhou com [erzy Grotowski, a respeito de quem escreveu seu
primeiro livro. Em 1963, depoisde uma viagem 11 Índia, publicou um longo ensaiosobre o Karhakali, forma de teatro ainda
não estudada no Ocidente. Fundou o Odin T eatret em Oslo em 1964. Foi agraciadocom o título de mestre em Literatura
Francesa e Norueguesa e História das Religiões pela Universidade de Oslo em 1965. Na Dinamarca, em 1979, fundou o
ISTA (Internarional School of Theatre Anthropology), e foi agraciado com o título de doutor honoris causa em
Filosofia pela Universidade de Ãrhus (Dinamarca), em 1988.
Dirigiu as seguintes produções com o Odin Tcatret; ()mifoji/etle (1965), Kaspariana (1967), Femi (1979), A/in Fars Hus
(1972), Come! Anti !lle Da»lJIi// Be01l'-S (1976) ,11Ilabasis (1977), OMi/ht7o - Primeira Viagem (1979), CinzasdeBrec/it (1982), ()
Romnnceiro de Érlipo (1984), l1fafriw)lIio comDeIIs (1984), O Evallge//io rle O:rydIJ'I/CIIS (1 985), ll/dit/i (1987), Talaõor (1 988),
() CastelodeHolstearo (1990), Kaosmos (1 993). d..;
NICOLA SAVARESE
nasceu em Roma em 1945. Leciona História do Teatro e do Espetáculo na Universidade de Lecce (Itália). É um estudioso
que combina pesquisa a respeito do passado com participação direta na vida perforrnática, Estudou a ligação entre o teatro
italiano renascentista e a dinâmica complexa do encontro entre os teatros asiáticos e .o teatro ocidental. Trabalhou
longamente no Oriente, e particularmente no Japão, onde morou por dois anos. Publicou, sobre a relação entre o teatro
oriental e o ocidental, entre Outros textos; 11 teatro ai di /r!. deimare (Turim, 1980) e o Teatrocsperacolofm Oriente e Oaidcnre
(Bari, 1989).
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EQUIPE DE THADUÇi\O
Luís O TAvIO B l l/lNIE R (SIII'ER\'IS,i.O), G\IUD'i Ronurro S I~ 1I0NI, RI C;\IUX) PI ICCE'IT I, l-l ITOSHI NO~I (ll v\, lVI,\RCI!\ S'I'I t\/)'J\(;AI'I' A,
\Vi \ IYSK/\ SIIXE llIlE ll (;; COIAllOROl1 ANI1IU:: TI':I.I ,I':S
EDITORA HUCITEC
EDITORA DA UNICMvIP
São Paulo-Carnpinas, 1995
© Direitos autorais Eugenio Barba e Nicola Savarese, (© 1991 da edição inglesa 11 Diaonnry of Theatre11ntropolof!J', TheSecret
A li olthePerformer, Routlcdge, Londres, 1991 e © 1983da ed içãoitalianaAnatomia deI Teatro, Casa Usher, Florença, 1983).
ISBN 85.271 .0303-6 Hucirec
ISBN 85.268.0323-9 Unicamp
Foi feito o depósito legal.
Este livro é resultado das pesquisasconduzidas de 1980-1990pela ISTA - Escola Internacional de Teatro Antropológico,
dirigida por Eugenio Barba.
Os artigos não atribuídos a um autor em particular são colaborações entre Eugenio Barba e Nicola Savarese,
Diagramaçãooriginal: The Design Stage, Cardiff Bay, Wales.
Editoração Eletrônica: ]ohanncs Christian Bergmann.
Capa: Magali Oliveira Fernandes.
ImlTonA DA
UN1VEHS!DADE ESTADUAL DE CAr'dI'INAS
UNICAIvIP
Reitor: José Martins Filho
Coorde nador Geral ,b Universidade: f\nd ré Villulobos
Conselho Editorial; Antonio Curtos Bunnwurt, César
Francisco Ciacco (Presidente), Edmmlo Guimarães,
Fernando .lor~e da I'a i x~o Filho, Hcrrnógcnc s de Freitas
Leil~o Filho, Hu~o HorácioTorriani, Jayme Antunes Maciel
Júnior, Luiz Roberto f\lonwni,l'au loJosé Snmcnho Mornn
Diretor Executivo: Eduardo Guimarães
199:>
Editora da Unicamp
C ,ix,\ l'oslill6074
Cidade Unil'ersit;Íria · Ihr~o Geraldo
C I':I' 1.'083·lJ/O. Campinas- SI' . Brusil
Tel.: (01lJ2) 39·8412
Fax: (O]lJ2) 39·3157
(Fo to do rrunrispk itl: UIll ;ll." l: n~l de T/ielll J"ulII .f/muli. IST:\ de Bo lo nha . 1 l)~ lJ . com o dauçan no ha lin ês WpC I1~ I i\iJ dc T e mpo c a at riz Ro bcrtn Carrc ri do Odin I
T carrc t).
IIl1slrill;;iu ,.1.1ca pa : Arq uiv» ...lc 1': ll ~Clliu BtHh~ (ver p;í~i nil 2( )t)) .
.,J. .
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i ISTA
International School
of Theatre Anthropology
I
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T odo pesquisador est áfamilia-
rizadocom homôn imos parcia is
c não os confunde com hemo-
logias. Por exemplo, além da
ant ropologia cul tura l, existe
também a an tropologia crimi-
nal, antropo logia filosófica, an-
tropologia física, antropologia
pul eont rópica etc. Na IST t\ a
distinção é repetida mente en-
fatizada; o termo "antropolo-
gia" não est á sendo usado no
sentido de antr opologia cul-
tural, mas no sent ido de ser
um novo campo de estudoupli-
cado ao ser humano numa si-
tuação de represent ação orga-
nizada.
t\ única afinidade entre o trabalho da IST t\ e a antropo-
logia cultural está em questionar o óbvio (a própria tradi-
ção), Isso implica um deslocamento, uma jornada, uma
estratégia de rodeio que torna impossível que alguém
compreen da sua própria cultura de mane ira mais precisa.
Por meio de uma confrontação com o que parece ser
estrangeiro, educa-se o modo de ver.
Deixe-nos, portanto, evitar o equívoco : a Antropologia
Teatral não está preocupadacom aqueles níveis de organi-
zação que tornam possível a aplicação dos paradigmas da
antropologia cultural ao teatro e à dança. Ela não é o
estudo dos fenômenos de atuação naquelas culturas que
são tradicionalmente estudadas pe los antropólogos. Nem
deveria ser confundida com a antropologia do espe táculo.
Novamente: antropologia tcatraIé o esmdo do compor-
tamento do ser humano quando ele usa sua presença física
e mental numa situação organizada de representação e de
acordo com os princípios que são diferentes dos usados na
vida cotidiana. Essa utilização cxtracotidianu do corpo é o
que chamamos de técnica.
Uma análise rrunsculrurul da representação revela que
o trabalho do ator-bailarino é o resu ltado da fusão de três
aspectos, que refletem três níveis diferen tes de organiza-
ção: 1) t\ persona lidade do ator-bailarino, sua sensibilidu-
de, inte ligência artistica, seu ser social, aquelas carncrerís-
ricas que o tornam único e irrep etívc l. 2) As particuluridu-
des das tradições e contextos socioculturuis por meio dos
quais a personalidade do ator-bailarino é manifestada. 3)
O uso da fisiologia de acordo com as técnicas corporais
extrucotidianas. Os princípios periódicos e trnnsculturuis
nos quais se baseiam essas técnicas são defini dos pela An-
tropologia T eatral como o campo da pr é-expressividade.
O primeiro aspecto é individual. O segundo é comum a
todos os que pert ence m ao mesmo gênero de representa-
ção. Soment e o terceiro interessa a todos os atores-bailari-
nos de todos os tempos e culturas: ele pode ser chamado
de nível "bio lógico" da repre-
sentação. Os dois primeiros as-
pectos determinam a transição
da pré-express ividade para a
expressão. O terceiro é o idem
que não varia; ele sublinha as
variações ind ividuais, estilísti-
cas e cultu rais.
Os princípios periódicos no
nível biológico de execução tor-
nam possíveis as várias técni-
cas do ator-bailarino: eles são a
utilização particular da presen-
ça cêni ca e dinamismo do ator.
Aplicados a certos fatores
fisiológicos (peso, equilíb rio, a
posição da coluna vertebral, a
direção do olhar no espaço),
esses princípios produzem tensões orgânicas pré-expressi-
vns, Essas novas tensões geram uma qualidade diferente
dc energi a, fazem o corpo teatralme nte "decidido", "vivo",
e manifes tam a "prese nça" do ator-bailarino, ou bioscêni-
co, atraindo a atenção do espectador antes que qualque r
forma de expressão pessoal aconteça. Aqui se trata, obvia-
mente, de um antes lógico e não cronológico. Os vários
níveis de organização silo, para o espectado r e no espet á-
culo, inseparáveis. Eles somente pode m ser separados por
meio da abstração, numa situação de pes quisa analítica e
durante o trabalho técnico de compos ição feito pelo ator
ou bailarino.
O campo de trabalho da ISTA .éo estu do dos princípios
desse uso extracotidiunodo corpo e sua aplicaçãoao traba-
lho criativo do arar e bailarino. Disto deriva uma ampliação
do conhecimento, que tem conseqüências imediatas no
nível prático,profissional. Em geral, a transmissão de
experiência começa com ,f assimilação de conhecimen to
técnico : o ator aprende e personaliza. O conhecimento dos
princípios que governam o bioscênico pode possibilitar a
alguém aprender a aprender, e não somente aprender uma
técnica. Isso é de tremenda importância para os que esco-
lhem ou que são obrigadosa ir além dos limites da técnica
espec ializada.
O estudo da representação no Ocidente tem-se con-
centrado, na maior parte, em teorias e uto pias, esquecen-
do uma abordagem empírica para os problemas do ator-
bailarino. A ISTA dirige sua atenção para este "territóri o
empírico" com o objetivo de ir além das especializaçõesde
disciplinas particulares, técnicas ou esté ticas. Não se trata
de compreender a técnica, mas os segredos da tiwim, que se
deve possuir para superá-Ia.
E ugenio Barba
SmvJARIü
t '
100
102
Dhunu, a arte de manejar o ..rco na d'In~"l
indian:l Odissi . . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ~ ~
Como se arremessa urna flecha !lO teatro
j i. l fJ O n ~s Kyogcll , .
Disparando um arco .10
12
t:\ T OL HOS E ROSTO
1S · Fis i o l o~ i a e codificação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104
17 i\ concretização do olhar . . . . . . . . . . . . . . IOlí
I ~ t\ ação de ver . . . . . . . .. . . . . . . . . . .. . . . ... . . . . . . . . . . . . .. 1( 1)
211 Mostrur o quc se vê 110
() rosto natura1 114
O rosto pintado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11lí
O H'Stn provisório 11g
DICIO NJ\ mo
A a Z z:>
INT RODUçAO
ANT IHWOLOG IATI ·: ;\T I ~A l o . FII.~mi" /JlllfJII . . . . . . . . •
Principiox simil.ucs, difere ntes rc prcscnr.rçõc,
!.okudharmi " Narvndharmi . . . . . . . . . . . . I)
- () equi líbrio c tn ",ão .
'-'1\ lb,, ~", de nposiçôcs " ' " ' " .
" virtude de CII11 iss;HI .
I utcr rn czzo .
- Um corpo decidido .
Um corpo tic tÍL io __
Um milhão de velas .
'.'
I. ,
120
122
12lí
Microcosmo-Macrocosmo .
Nas pontas .
Gram:ítiea do I'é .
I-JISTORIOGRAF IA
L1NG UAGEi\1ENEI~G I~TICA. Fmlil/l/llr!o Tnoinn) 144
Hcnrv Irving sob () microscópio .' 145
i\'!;,rmore vivo '" . . 14r,
Debaixo do traje do Arlequim : 14g
"SIST Ei\Ií\" DI·: ST ANISI./\VSKI. FmmoRI~[(il/i I.'iO
Palavras de Stanislavski . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . 150
<lA l: o ll d i ç~ o humunu mais s imples": o corpo-me nte orgânic o 1.10
A mente propfu; cx i~ê nc i ~l s : pcrc zhivanic . . . . . , . , . . . . . . . . 1:)I
O corpo responde udcqu. ulumcnrc: pe rsonificação . . . . . . . . . 151
Corp o-mente ()r~5nicCl. per sonagem, papel _. 1.12
Comliçõcs para o sentido c o nível pré-expressivo 1.'i2
i\IEYEI< HOI, I): O GROT ESCO; ISTO I::,
f\ Il IOi\II':C,\ NICA, j ':lIgm i" I/lIIfJII 1.:;4
f\ plasticidade 'lu" não corrcspondcàs palavras . . . . . . . . . . .. 154
() grorr.:sco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. ISS
. , -- Iliollled nic:l . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. l .'i(,
PÉS
QVIONTAGEiVI
;\ \ IONTi \ GEIII no ATOH E A i\IONTAGEi\I
DO J)IHE'rOlt /':lIgru i fJ /l rtrbll l.'ig
A monr.nrcm d" ator . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 160
A lllont:l~C Ill do diretor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IÓO
.....__ i\ ICl!H;t~CI1l poster ior do dire tor .. , , .. , 1(12
32
.")2
26 MAos
Fisiolo~i :1 e codificação das Mãos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 130
As mãos. SOill PUH' ou silêncio , " . . 132
Como inventar 1l1~()S em m ovimento . . . . . . . . . . . . . . . . • . . . . . . 1:;4
índia: mãos e significados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 1:\6
As mãos e a Ópera de Pequim I:;X
As mãos c a dançl hulincsa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.l~
I\Smãos e o teatro japonê s 140
I\ Smãos c o bidê chh sico : . . . . . . . . . . . . . . 141
Um exemplo do teatro ocide ntal 142
.13
. 24
Os p;lis lund.ulorcs c o teat ro pCd;lgú~Ó<:(J no
inicio do século , . . . . .. 2(,
I' rnrcsso criativo, csculn de teatro e cu ltura rcatrul 2r,
A peda .~o.~ia do nuror . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2X
1':XEi\II'L OS OR IENT AIS. ROJrlllfll ,l' .!(rJI/r.I';1111::.(' • •• • ••••• • • .. :;0
O .~ I/m como pai. preceptor hnnr.ul» .lO
G uru-kul.i. aprender na cusu di, ~urll :;1
Guru-lbk 'shin.t, presente c hunorúrios
Ek;l(;] vya, discípulo cxtruordimlrin .
Gu ru-shishva-pararnpara .
DILAT AÇf\ O
() CO I ~ I'O 11 [1,;\TAI10. j' :lIgfll i fJHrrrl){f .'i'1
1\ p rul tc , , 1.)
l'crip écius " ' " 'ir,
CYprillcípill d;1nC~i l \~io _ _. . . . . . . . . _~7
P <':I1 ~ar fi p CI1S;lIll C!H o _ _ , . _ .=iH
1,c'lgic ls gêl1l t: ;I~ 60
Tcb.is d,rs sete-portas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . .. . (,I
i\ i\lI-: NTE I1II.ATAI1t\. /·i7I1fm RIIO' lli (,4
AP REN DIZAGEM
EXE I\II'LOS OCf]) ENTA IS. Ft/briú " r:mrirllli .
~ANAT01VlIA
O Id l\ H I'ODI ': ELI·:V,\H·SE i\(~ Ii\I ;\ )) ;\S
:\ IO NTI\ N 1-11\.'1. ,vim/" St/iJlJrt·sr. . . . .
- EQU ILÍBRIO
I':qui líbrio extra-cotidiano ,4
Equilíbrio de luxo '" ' rl
Técnica cxtra-cotidiann: :1 procura por uma
noV ,1 postura , . . . . . . . . . . . . . . . . . .16
Cc ncrulixnçõcs rcl.rrivus au equilíbrio . . . . . . . . . . . . . . . . :IX
() equ ilíbrio e lll :lção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
Aço c alg,cHI:io _ _. . . . . . . . . 4 1
I'or que o ator visa um equilíbrio de luxo: O que
s i ~n i ficl P;U ;I {) cspcc tadoru ;d tc r; l ~ã () de
eq uilíbrio do ,ttm:. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
Equilíbrio c im ;l~ i n;lryJo , , , . . . . . . 4()
1\ d:I", :1desconhecida de ll rcchr 50
Dn.Al\!X]'URGIA
:\(:() ES Ei\1T RAIlAI.HO. FlIgrrri fJ /l r/ll/fl .. ... .. ..... .. ... .. M;
NOSTALGIA
NOST AI.GIA OU A I'AIX!\O I'OH VII I Im T O HNO•
ENE RG IA
" ung-fu . . . . . . '. . . . . . . . . . 74
":"e rgi'l c continuidade . . . . . . .. . . i (,
I\oshi. Ki-hili.lliIYu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
Anirnus-Anima . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . i<)
I\cr:l' e i\/anis g"
l o:ls\'a c T:lnda l":I X4
S;lll[;l i. lIS trêscorposdu ator _ ' H(l
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EQU IV;\Lf~NCIA
() prínl'Íl'ill da e,\IIiv:1 lênci:1 . . ... . .. . <)5
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omssxo
Fr:lglllenra,ão e reco nstrução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171
A virtude ":I necessidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... .. 17.1
I':lra rcprcscnrur :1 ausênciu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174
i\ virtude d:lomissão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17S
'- o POSIç Ao
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i\ linh:ld:1 beleza " I~o
·/ i i b!Jrrllgi. ou os três arcos IHI
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PR!~-EXPRESSIVID;\DE
Tora lid.ulc c seus níve is de C1q:~.;ani'l."çjo tH()
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- - - - - - - - - - - --..-.T EX' jy m )ALCX) , .
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VISÜES : .
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23X
244
2Sr,
SUl'vJÁRIO 7
CENOGRAFIA E FIGURINO
Fi~lI r i n l ) ~ t;cno~r;IIi~1 " 21:-l
Traje cotidiano, tig,urino extra-cotidiano Z2S
As mangas-de-;Ígua . , 226
- RITIVlO ,
T em po e~eul p i , lo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21\
[o-ha-kyu 214
i\l lll' ;mentlls hiolc\~iws e os microrritrnos do enrpo " 2 1.~
~lcyerhold : ;i p;s\;ni:ialidad e do ritmo , 216
RESTAUH.AÇAo DO COIVIPOIUAI\,lENTO
RES'I'I\UIV\Çt\c) 1)0 COi'\ I PO I ~TA~'II ':N ' 1 'D,
/?id/(m! ~·;H~i:HI;tr ' . . . . .. .. . .. . . . . . . . . . . . . . . . 20S
J!lfImltllllllYIIIII 2()(,O Chhaude Purulia 207
T ranse e dança em H:t li 2I()
SUlVIAmo ElH ORDEM ALFABÉTICA
i-\ GRADECIMENTOS
IST A: ESCOLA INTlmNACIONI\L DE
T EAT RO ANTH OPOI,(}GICO , ·270:
FONT ES nAS I L UST IV\ ÇÜES 272. '
VISÕES
VISÃOno ATOR E VISÃO DO \':SPECTADOR,
Fm !il/lllldfl Tnoian! , , 2.1(,
A ART E S I~CH I~TA DO AT()I~ , . , 26H
Lista hiográfil:a das técnicas coporais, IJlrm:e! IJJf/1/.(' .. 227
~. 1\ coluna: o leme da energia ' .. . . . .. ..... .. . . . ... . . . . . 232
() .!;rilOmudo ' . . . . ..... . ....... .. . .. . .. 234
I,EIS PRAGi\'IÁTICAS, Jcrz»Groll/1JJ'.I"H 236 ,
Suts '236
I ,O.!;OS c Hi o~ ' 2.17
INTRODUÇI\O X
DICIONAHIO . .. . . . . . . . . . . .. . .. . . . . .. .. . . . 2.1
ANATOM IA 24
APREN"nIZAGEM 26
CENOGRAFIA I·: FIGUR INO 21H
DILATAÇÃO .- .. .14
])RA~I ATUR GIA 6H
ENERGIA : 74
EQUILíBRIO " 34
EQUIVALÍo:N CIA , 9S
HISTORIOGRAFI A 144
~ IÃOS 130
I\IONT AGEI\I ' , , ISH
NOSTALGIA , " 16S
OUIOS I ~ ROSTO . . .. .. . . .. . .. . . .. .. .. . .. . . . . . . .. . . . .. 104
OMiSSÃO 171
OPOSIÇÃO 176
PI::S 120
PRI~-EXPRE SSIVIDADE , 1l;6
RESTAURAÇI\O DO COi\!POIU AMENT O , , 20S
RJH·IO 211
TI~CN ICA , 227
T EXT O E PAl.CO 23H
T REINi\i\ IENT O i 244
VISÜES ' , 2S6
TREINAMENT O
DO ";\PRI':NDEW' PARAO "APRENDER 1\
APRENDEH" , /·; /I.~enill Jll/rbl/ , 244
O mito da técnica ' ',' 244
Uma etapa dec isiva 244
Prese nça total , " ',244'.- '
O período de vulncra hilid.nlc , ' 246 .
T HEINAI\IENTO IN"J'I·:RCUI ,TU IV\I '.
I?ir/ltm! Sr/llrHlIl r ' 247
O TREINAMENTO E O PONTO DE I'ARTj])A,
IVirll!fI SflVfl/l'Jl , , 249
Considerações prel iminares '. . . . . 249 .
Mode los de exe rcícios , ' 2S0
Acrobacias , 251
Tr einamento com o mestre , 2.14
T EXTO E PALCO
A CUI,TURA DOTI·:Xro E A CUI,TURA DO PAI ,CO,
Franco RlIffini ' 23H
O som de duns mão batendo palmas , 23H
T exto "pobre" e palco "rico" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 239
Drumaturgia 241
Tipo c pc rsona~crn ". . . . . . . . . . . . 242
227
T ÉCNICA
A noç<io de t écnicas corporai s
Té cnicade incul rurução c acu lturação IH9
Fisiologia c codifieaç~o . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 190
C",l i li eaç~o no ()rie lHe c no Ociden te ' . . . . . 192
O corpo lieitício , . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 1 9 .~
Arte s murcinisc rcut ralid.nlc no Oriente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197
Artes marciais c tcutrulidadc no Ociden te 200
A pré-intcrprctução do espectador '. . . . . . . . . . 20.1
Arquitetura do corpo 204
i
\. ,
ANTROPOLOGIA 'T'EATRAL
EUGENIO BARBA
do comportamento do serhumano. nãoapenas no nível sociocul-
rural, mas turn b érn no nível lisiológico. A antropologia teatral é,
portanto, o estudo do comportamento sociocultural e fisiológico
do ser humano numa situação de representação.
1·6. I)rincípins semelhan tes, cSlu.:r:Íl: ll fns diferentes: ( I) !), lll l":lrin:. :1 ..; hX; I; (Z) nll!?ill
CIlfUPCII lIa It r~ dc f\ 1~d i ; l ; (3) l) 'lnt;";. lrin" haliucsa; (4) Ator ~lp()nC-s do f',:lhuki: (5)
Danç ninu indiau.. de ()llissi; (6) 1~;li hlri n'l de I)alé d:íssic, ~.
Os princípios que regulam I) com purrumcn ro ,Ins»rorcs-ba ilar inos nu p:dcu em dri:IS
culn nus são seme lhantes, IHa., ux cspcr;Ít:'lI lo..; S;jll clitcrcnrcs.
Em quais direções os atores-bailarinos ocidentais podem orien-
tar-se para construir as bases materiaisde sua arte? Esta é , I per-
gunta a que a antropologia teatral tenta responder. Conseqüen-
temente, ela não responde à necessidade de analisar científica-
mente em que consiste a linguagem do ator, nem responde 01
questão fundamental para os que praticam teatro ou dança: de
como alguém se torna um bom ator ou dançarino.
A antropologia teatral não busca princípios universais. mas
indicações úteis. Ela não tem a humildade de urna ciência. mas
uma ambição em revelar conhecimento que pode ser útil parao
trabalho do ator-bailarino. Ela não procura descobrir leis. mas
estudar regrasde comportamento.
Originalmente. a antropologia foi entendida como o estudo
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Princípios similares, representações diferentes
Atores diferentes. em diferen tes lugares e épocas, apesar das
formas estilísticas específicas o1S suas tradições, têm compartilha-
do princípios comuns. Aprimeira tarefa da antropologia teau al'é
seguir esses princípios recorrentes. Eles não são provas da exis-
tência de uma "ciência do teat ro", nem de umas poucas leis
universais. Eles não são nada mais que particularmente um
"conjunto de bons conselhos", informações úteis para a prática
cênica. f alar de um "conjunto de bons conselhos" parece indi-
C~1r algo de pequeno valor quando comparado à expressão "an-
tropologia rcatral'l.Mas campos inteiros de estudo - retóricos e
morais, por exemplo. ou o estudo do comportamento - são
igualmente conjuntos de "bons conselhos".
Os "conjuntos de bons conselhos" são particulares neste
aspecto: podem serseguidos ou ignorados. Eles não são taxativos
como as leis e também podem ser respeitados justamente pelo
fato de se poder infringi-los e vencê-los.
Os atores ocidentais contemporâneos não possuem um reper-
tório orgânico de "conselhos" para proporcionar apoioe orienta-
ção. T êm como ponto de partida ger~ll J1lente um texto ou as
indicações de um diretor de teatro. Faltarn-lhes regras de ação
que, embora não limitando sua liberdade nrtísticu, os auxiliam
em suas diferentes tarefas. O atororiental tradicional, em contra-
partida, possui uma base orgânica e bem testada de "conselho
absoluto", isto é. regras de arte que codificam um estilo de
representação fechado ao qual todos os atores de \1\11 determina-
do gênero devem adequar-se.
Desnecessário dizer que os atores que nubalham dentro de
urna rede de regrascodificadas possuem uma maior liberdade do
que aqueles - como os atoresociden tais - que são prisioneiros
da arbitrariedade e de uma ausência de regras. Mas os atores
orientais pagam por SU'l maior liberdade com urnaespecialização
que limita suas possibilidades de ir além do que eles conhecem.
Um conjunto de regras precisas. úteis e práticas para o ator so-
mente parece ser cap'12 de existir sendo absoluto, fechado à in-
lluência de outras tradições e experiênc ias. Quase todos os mes-
tres do teatro oriental ordenam a seus discípulos que não se
preocupem com outros gêneros de representação. f~ vezes, eles
lhes solicitam que não observem outras formas de teatro ou
dança, Eles sustentam que esta é a maneira de preservar ,1
pureza do estilo dos atores-bailarinos e que a SU,l ded icação
completa à própria arte é demonstrada desse modo. Tu do acon-
tece como se as regras de comportamento teatral fossem arnea -
çadas pela sua própriaevidente relatividade. Este mecanismo de
defesa tem pelo menos o mérito de evitar a tend ência patológica
que resulta de estar atento à relatividade das regras: a falta de
qualquer regra e a arbitrariedade.
Da mesma maneira que um ator do Kubuki pode ignorar os
melhores "segredos" do Nô,é, portanto. sintomático que Etien-
nc Decroux. talvez o único mestre europeu que elaborou um
sistema de regras comparável ao de uma tradição orienta l.
procura transmitir .10 S próprios discípulos um rigoroso afas-
tamento de outras formas cênicas diferentes da sua própria.
P,U,l Decroux, assim como para os mestres orientais, essa não é
uma questão de limitação mental ou intolerância. É lima cons-
ciência de que as bases do trabalho de um ator, os pontos de
partid a. devem ser defendidas como bens preciosos, mesmo
sob risco de isolamento. De outro modo, eles estarão irrcrne-
6
4
5
3
TEATRO ANTROPOLÓGICO 9
diavclmcnte poluídos e destruídos pelo sincretismo.
O risco de isolamento consiste em p~lgar a pureza com a
esterilidade .Aqueles mestres que isolaramseus discípulos numa
fortaleza de regras que, por serem fortes, simulam ignorar a
própria relat ividade. e. portanto, excluídos da vantagem da com-
paração , ce rtamente preservam a qualidade de SU.l própria arte,
m'1Scomprometem seufuturo.
O teatro pode, entretant o. ser aberto às experiências de ou-
tros teatros, n50 para misturar diferentes meios de fazer repre-
sentações, mas com a finalidade de encontrar princípios básicos
comuns e transmitir esses princípios por meio de SUilS próprias
experiências. No caso, abrir para ~1 diversidade n50 s igrii lic~l
necessariamente cair no sincretismo e em urna confusão de
l íngll ~l s. De um lado ela evita o risco de isolamento estéril e, de
outro. teriu uma abertura a qualquer custo, que degeneraria em
promiscuidade. Considerara possibilidade; de umnbase pedagó-
gica comum, mesmo de maneira abstrata e te órica, n50significa.
de fato, considerar um meiocomum de fazer teatro. "As artes",
escreveu Decroux, "parecem-se entre si por seus princípios, n50
por seus espetáculos."
Poderíamos acrescentar: também os teatros n50 se asserne-
lham nas suas representações. mas nos seus princípios.
A nntropologiu teatral procura estudar esses princípios. Eb
está interessada em seus possíveis usos, n50 por razões profun-
das e hipot éticas que podem explicar por que eles se parecem
\ . um com o outro. Estudando esses princípios dessa maneira, ela
prestará um serviço tanto para o ator ocidental quanto para o
oriental, para os que têm uma tradição codificada, e paruos que
sofrem pe la falta de 1I1ll;1.
Lokadharmi c Nntyadharmi
"T emos duas palavras". disse-me a dançarina indiana Sanjukta
Pnnigmhi. "para descrever o comportamento do homem: Loin -
r//IfII"III; significacomportamento (rI!Jfl/7/l;) na vidacotidiana (10/'-;);
lIaf)'arl/f({I7I1; significa comportamento da dança (Jlfl~]'fI)."
No curso dos últimos anos visite i numerosos mestres de
diferentes formas de repre sentação. Com alguns eu colaborei
bastante . f\ finalidade da minha pesquisa n50 tem sidoestudar .1S
carate risticus das várias tradições. nem o que proporcionou sua
arte sem igual. mas estudar o que elas têm em comum. O que
começou como urna pesquisa pessoal quase isolada pouco a
pouco tornou-se a pesquisade um grupo composto de cientistas,
estudiosos do teatro ocidental e asiático e artistas de várias
tradições. Para estes últimos vai minha gratid50 particular: sua
colaboração é uma forma de generosidudc que venceu as barrei-
ras da reticência pilfa revelaros "segredos", e até poderia dizer. •1
intimidade de suas profissões, É uma generosidade que, às
vezes. se tornou uma forma de temeridade calculada quando
eles se colocaram em situações de trabalho que os obrigaram n
procurar por algo novo.e que revela uma curiosidadeinesperada
para a expcrirnenração de artistas que pareciam os mais fiéis
sacerdotes de uma tradição imutável.
Certos atores-bailarinos orientais e ocidentais possuem lima
qualidade de presença que impressiona imediat,1I11enteo espec-
tador e prende sua atenção. Isto também ocorre quando esses
atores-bailarinos estão fazendourna demonstração fria e técnica.
Durante longo tempo pensei que isto era por C,llIS<1 de uma
técnica particular. um poder particular que o possuía.adquirido
através de anos e anos de experiência e trabalho, Mas o que
Cham~1Il10S de t écnica é, de fato, um uso particulardo corpo.
f\ maneira como usamos nossos corpos nu vida cotidiana é
substancialmente diferente de como o fazemos na representa -
ç50. Não somos conscientes das nOSS~lS técnicas cotidianas: nós
nos movemos, sentamos, carregamoscoisas, beijamos, concorda-
mos e discordamos com gestos que acreditamos serem naturais.
mas que. de faro, são determinados cultura lmente. Culturus di-
ferentes determinam t écnicas corporais diferentes, se a pessoa
7. Eri cunc J)CCfOIlX (IXlJX.199Z). fundadflr lht mímica nunlcrnn.
caminha com ou sem sapatos, carrega coisas em sua cabeça 011
com SU,lSmãos, beijam com os lábios ou com o nariz, O primeiro
passo em descobrir quais os princípios que governam um ôios
cênico, ou vida, do ator, deve ser compreender que ,1S t écnicas
corporais podem ser substituídas por técnicas extracoridianas,
isto é. técnicas que não respeitam os condicionamentos habi-
tuuis do corpo. Os atores usam essas técnicas extracotidianns.
No Ocidente. a distância que separa as técnicas corporais
cotidianas das extracotidianns n50 é, com freqüência, evidente
ou conscientemente considerada. Na Índia, por outro lado, a
diferença entre essas duas t écnicasé óbvia, até mesmo reforçada
pela nomenclatura: !oJ'(f(/!Jal7l/; e lIa/)'ar/llflt7ll;. As técnicas coti-
dianns gefil lmente seguem o princípio do menor esforço: isto é,
obter um resultado máximo com o dispêndio mínimo de energia.
Ao contrário,as técnicas exrrncotid ianas se baseiam no máximo
emprego de energia para um resultado mínimo. Quando eu
estava no [apão com o Odin Teutret, ret1eti sobre o significado
da expressão que os espectad ores usavam para agradecer no
atores no final da represe ntação: otsubaresama. O significado
exato desta expressão - us;lda particularmente para atores - é:
"você está cansado". Os atores que interessaram e comoveram
seus espectadores ficamcansados porque não economizaram SU,1
energia. E por isso se agradece a eles.
Mas um excesso, um desperdício de energia, n50 explica
suficientemente a força que é percebida na vida do ator-bailari-
no. em seu ldos cênico. f\ diferen ça entre a vida do ator e a
vitalidade de um acrobata é óbvia. Igualmente óbvia é a diferen-
Ç.1 entre ~1 vida doator e certos momentos de grande virtuosidade
11,1 Ópera de Pequim e outras formas de teatro ou dança. Ne stes
últimos casos. os acrobatas mostram-nos "outro corpo", um cor-
po que US,I técnicas muito diferentes das cotidianas, t50difcrcn-
10 TEATRO ANTROPOLÓGICO
Esses exemplos mostram que existe
um nível no qual as técnicas corporais
extracotidianasengajam a energia doator-
bailarino num estado puro, isto é, no ní-
vel pré-expressivo. No teatro japonês clás-
sico esse nível é às vezes abertamente
manifestado, outras dissimulado, Entre-
ramo, está sempre presente em qualquer
ator-bailarino e é a própria bnse da sua
vida cênica ou õios.
Falar da "energia" de um ator ou bai-
latinosignifica usar um termo que , em si,
proporcionacentenas de mal-entendidos.
Damos fi palavra "energia" muitos signi-
ficados concretos . Etirnologicarnenre,
energia significa "estar em ação, em tra-
balho". Como pode, então, o corpo do
ator-bailarino estar em trabalho num ní-
vel pré-expressivo? Que outras palavras
poderiam substituir o termo "energia"?
Traduzir os princípios do ator-bailari-
no oriental em SU,l própria língua envolve
palavrascomoenergia, vida, força e espí-
rito, traduzidas como as palavras japo-
nesas H-ai, J.-iJ.wv, io-in, j'oshi, as palavras
de Bali taksn, oimsa, baJ'lJ, chiJ.'am, as pa-
lavras chinesas sh1l7/ toeug, l..·lIng:!" e as
sânscritas pmna e shahi. Os significados
práticos dos princípios d.l vida do ator-
bailarino são obscurecidos por termos
complexos. imprecisamente traduzidos.
Tentei ,lV'lIlÇ'U retrocedendo. Pergun-
tei a cerras mestres do teat ro oriental se.
na linguagem que eles usavam em seu
trabalho, existiam palavras que pudes-
sem traduzir nosso termo energia. "Dize-
mos que um ator tem, ou não tem. kOJ"hi
para indicar que ele tem ou não a energia
cerra enquanto trabalha" . replicou o ator
de Kabuki Sawamuru Sojuro. Em japo-
nês, koshi não é um conceito abstrato, mas
urnuparte muito precisa do corpo, o qua-
dril. Dizer que ele tem I.'os/Ji, ou não tem
/;oJ"hi, significa que ele tem ou não tem
quadril. Mas o que significa não ter qua-
dril?
Quando caminhamos usamos as técni-
C".lScotidianasdo corpo, o quadrilacompa-
nha as pernas. Nas técnicas extracotidia-
nus do ator dc Kabuki e N ô o quadril. ao
contr ário.permanece fixo. Para bloquear
o quadril enquanto se caminha é necessá-
riodobrar os joelhos ligeiramente e, ajus-
tando a coluna vertebral, usar o tronco
como um bloco, que então pressiona para
baixo. Desta maneira, diferentes tensões
são criadas nas partes superior e inferior
do corpo. Essastensões obrigam o corpoa
encontrar um novo ponto de equilíbrio.
N50 é uma escolha estilística , é urna ma-
neira para gerar '1 vida do ,HOr. Então, ele
se torna,em um segundo momento, uma
curncterística estilística particular.
De fato,a vida do ator e do bailarino é
baseada numa alteração de equilíbrio.
Quando fic.1I110S eretos, nunca estamos
imóveis mesmoquando parecemos estar;
J..
\~
;;I'" > ~.-: ...• . ...,.....
X-lU. !.nlmlf;nrmi: i\cinlõl. com por rumcnro cm ilfiano de-
uma ínl li:Jn:111:1SII;I tn :I ICI C (pinrur:, dn s écul o XI ): centro •
.~'fI'Jfltlllfl,.mi: o cnmpn rtamc nm cxnucntidi uuo 11:1(l;lnç'-
tina de Odissi S:llljtJkr;1 P:llti~r:(hi C. abaixo. de II Ill onna-
gala (11111 ator llltt: rcprc ....cnta P:llx:i.... fcnuniu os nn Kubuki
jiponês), amho~ em "ccnns de espelho".
o equilíbrio em ação
Aobservação de uma qualidade particular
da presençacênica levou-nosa diferenciar
técnicas cotidianas, virruosísticase técni-
cas extracotidianas. São estas últimas que
dizem respeito ao ator. Elas são caractc-
risticas da vida do ator-bailarino mesmo
antes que qualquer coisa seja expressa ou
representada. Isto nãoé facilmente aceito
por um ocidental. Como é possível que
exista um nível na arte do ator em que ele
ou ela est á vivo e presente sem estar re-
presentandoqualquercoisaou tendo qUi11-
quer significado? Para um ator-bailarino,
este estado de ser fortemente presente,
enquanto ninda não tem qualquer caráter
de representação,é umoxímoro, urna con-
tradicão. MoriakiWatanabe define o oxí-
mor; da presença pura do ator desta ma-
neira: "trata-se de um aror-builariuo re-
presentando sua própri'l ausência". Isso
pode parecerapenas um jogo de imagina-
ção, mas, de I:Ho, é uma figuJ\l fundnmcn- r----- - - --- - - - --- --,
tal do teatro japonês.
Waranabe mostra que no Nô, Kyogeu
e Kabuki, há urna figura intermedi ária
entre as duasoutras possibilidades (reprc-
sentar uma identidade real ou uma identi-
dade fictícia):o 'iJ!xlb. o ator secundário 110
N ô, que freqiienremenreexpress'l seu pró-
prionão-ser. Ele coloca em açãournacom-
plexa técnica corporalextracotidiana para
não expressar-se ,1 si mesmo, mas que
chama a atenção para sua habilidade em
não se expressar. Esta negação também é
encontrada nos momentos finais tio Nô,
quando a personagem principal - o shi/I'
- desaparece : este ator, agora despido
da sua personagem.contlldo não reduzido
~ sua identidade cotidiana, se afasta tio
espectador sem tentar expressar nenhu-
ma coisa. mas com a mesma energia que
tinha nosmomentosexpressivos. O l:oNcll,
homem vestido de preto que auxiliao mor
principal no Nôe Kabuki. é também cha-
mado a "representar sua ausência" . Sua
presença.que expreSSil ou represcnra nuda.
vem tão diretamente das fontes de ener-
gia e vida do ator que os peritos dizem
que é mais difícil ser UIl1 ' ·oH:f.JI do que
um ator.
tcs que eles parecem ter perdido qual-
quer relação com elas. Mas aqui não é
uma questão de técnicas extracotidianas,
mas simplesmente de "outras técnicas".
N:io h,í mais ,1 tensão da distância, a re-
loção dialética criada pehls técnicas ex-
tracotidianas. H á somente a inacessibili-
dude do corpo de um virtuose.
A finalidade das técnicas corporais co-
tidianas é ,1 comunicoção- As técnicas da
virtuosidade visama estupefaçãoe a trans-
formação do corpo. Nisto repousa a dife-
rença essencial que separa as técnicas ex-
tmcoridiarus das que meramente trans-
formam o corpo. L....... --'
TEATRO ANTROPOLÓGICO 11
T
estamos. de fato. usando vários pequenos movimentos para
desloca r nosso peso. UIWl série contínua de ajustes movimenta
nosso peso. primeiro nos dedos. depois noscnlcunhurcs. 'lgora no
lado esquerdo. depois no lado direito dos pés. Mesmo na mais
absoluta imobilidade. esses rnicromovimentos estão presentes.
àsvezes condensados, às vezes ampliados. outras mais ou menos
controlados. de acordo com nossa condição fisiológica, idade e
profissão. Experiência s têm sido feiras com atores profissionais.
Quando lhes é solicitado que imaginem estar carregando um
peso enquanto correm. caindo ou subindo. por exemplo. desco-
bre-seque esta imagem cm si produz imediatumcnte urnamedi-
Iicação no seu equilíbrio. N50 ocorre modificação no equilíbrio
do corpo de um não-ator quando se solicita que executem a
mesma tarefa, pois para ele a imagem permanece quase que
exclusivamente um exerc ício mental.
Tudo isso nos d~í consideráveis informações sobre equilíbrio
e .1 relação entre processos mentais e tensões musculares, mas
não nos diz nada de novo sobre o ator. De fato, dizer que os
atores estão acostumados ~I controlar SU'I própria presenç;l c
tr'1duzir SU;IS imagens mentais em ;IÇÕCSfísica s c vocais simples-
mente significaque os atoress50atores.Mas usérie de micromo-
vimcntos revelada nas experiências de equilíbriocoloca-nos em
outra pista. Esses micromovimentos são urna espécie de núcleo
(IUe, escondidos nas profundezas das técnicas corporaiscotidia-
nas, podemser modelados c ampliadosIX1ra aumentar a força du
presença do ator ou bailarino tornando-se assim a base das
técnicascxtracotidiunas.
Qu,]!quer um que tenha visto uma represenruçiio de Marcel
Marccau certamente considerou por um momento o estranho
destino do mímico que aparece sozinho no palco por alguns
segundos. entre um n úmero e outro de Murceau, segurando um
cartaz noqual est á escrito o títulodo próximo quadro. Concordo.
que alguém possa dizer que a pantomima é uma forma muda e
mesmo os títulos, a fim de não quebrar o silêncio. devem ser
mudos. Mas, então, porque usar um mímico, um ator, como um
porta-cartazes?Será que isto significa bloqueá-lo numa situação
desesperada em que, literalmente , não pode fazer nada?Pierre
Vcrrv, um mímico que apresentou cartazes de títulos de Mar-
ceau durante anos, umdia relatou corno procurou adquiriro mais
alto grau possível de presençacênica durante o breve instante no
qual e le parecia no palco - sem ter e sem poder - fazer
qualquer coisa. Ele disse que a única maneira possível de conse-
guir isso em fazcr n posição na qual ele segurava o cartaz tão forte
quanto possível, tão viva quanto possível. Para alcançar esse
resultado nestes POllCOSsegundos no palco, teve de se concen-
trar durante um longo tempo para encontrar este "equilíbrio
precário". Sua imobilidade tornou-se não urnaimobilidade est á-
rica, mas dinâmica, N50 tendo nada mais com que trabalhar,
Verry teve de reduzir-se ~IO essencial e aí ele descobriu o essen-
cial na alteruçâodo equilíbrio.
As posições corporais básicas das varias forrnas de teatro
oriental são igualmente exemplos de uma distorçãoconsciente e
controlada do equilíbrio. O mesmo se pode dizer d'1S posições
básicas da dança européia e do sistema da mímica de Decroux:
abandonara técnica cotidiana do equilíbrioe procurarum "equilí-
brio de luxo" que prolongueas tensões sobre as quais o corpo se
sustenta. Os atores das várias tradições orientais deformam as
posições das pernas e dos joelhos c a maneira de colocaros pés
no chão, ou diminuem ,1 distância entre um pé e outro, reduzin-
do assim a base do corpoe tornando precário o equilíbrio. "Toda
.1 técnica da dança". diz Sanjuktu Panigrahi. Ué baseada na
divisão vertical do corpo em duas metades iguais,e na colocação
desigual do peso. ora mais em urna meradc do corpo,ora mais na
outra." Isto é. a dançaamplifica,como se estivesse sob o micros-
cópio. esses contínuos e rápidos deslocamentos de peso que
usamos para permanecer imóveise que os especialistas de labo-
ratório em mc~iç50 de equilíbrio revelam por meio de di'lgramas
complicados. E esta r!fl1lçfu !eerj1lilibJio que é revelada nos princí-
pios fundamentai s de todas as formas de representação.
12. Anu-de Ni) .iapo llês: 11m rnrpo lictÍt:'io. não 11111:1 pL:rSOIl;I~CI1l tic(Íl.:i:l.
lZ TEATHO ANTROPOLÓ GICO
~- ._-
U. l\ !cc r;I(;;i u de equilíbrio: ntor daCllilllllcdi:1 dc ll 'Arte , t1i1 11t;ill'Í ll;1 de Odis'ói . h;lil:trin;t d ;íssiLo;l. t!;IJl\:"'; lri llu 11:1(jréc.:i;t ..mi.:.:" em honra ;1 Dinni:m.
A dança de oposições
O leitor não deveria surpreender-se se eu uso as palavras 0 /0 1"-
boi/mino e dOU(a/i/IO indiscriminadamente. nem porque me mo-
vimento com uma certa indiferença do Oriente para o Ocidente
e vice-versa. Osprincípiosda vida que est'111l0Sprocurando não
são limitados pela distinção entre o que definimos como teatro.
dança ou mímica. Gordon Craig, desprezando as imagens distor-
cidas usadas pelos críticos para descrever a maneira particularde
caminhar do ator inglês Hcnry Irving. simplesmente disse: "Ir-
ving não caminhou no palco,ele (1111çou nele". A mesma separa-
çiio entre rearro e dança veio a ser usada. mas desta vez num
sentido negativo. para desaprovar a pesquisa de Mevcrhold.
Após ver sua montagem de Dou J II01I , alguns críticos escreveram
que o que ele havia feito não era teatro verdadeiramente. mas
balé.
A tendê ncia de fazer 'uma distin ção entre dança e teatro.
caratcrísrica de nossa cultura, revela uma ferida profunda. um
vazio sem tradição. que conrinuarnenre expõe o uror rumoa uma
negação do corpo e o dançarino para virtuosidadc, Para o artista
oriental esta distinção parece absurda. como teria sido absurda
para artistas europeus em outros períodos históricos. para um
bufão ou um comediante noséculo XVI. por exemplo. Podemos
perguntar a um ator de Nô ou Knbuki como ele traduziria ,I
palavra "energia" para .1 terminologia do seu trabalho, mas e le
sacudiria sua cabeça com espanto se lhe solicitássemos que
explicasse a diferença entre dança e teatro.
"E nergia". disse o atorde Kabuki Sawarnura Sojuro, "poderia
ser tradu zido como ;roshi", E de acordo com o ator de NôHideo
Kanzc, "IVIeu pai nunca disse 'Use mais ' ·oshi'. mas ele me
ensinou o que era tudo isso fazendo-me tentar caminhar en-
quanto me abraçnva pelo qundril e me ret inha." Para vencer .1
resistência do abraço de seu pai, ele foi forçado a inclinar seu
tronco ligeiramente p.lrafrente. dobrou seus joelhos. comprimiu
seus pés no chão e deslizou-os para frente antes de tomar um
passo normal. O resultado foi o passo básico do Nô. A energia,
como ' ·o.l"hi, não é o resultado de uma alteração mecânica e
simples do eq uilíbrio, 111.1S é <l conseqüência da tensão entre
forçasopostas.
O ator de Kyogen MannojoNornura lembrou que osatores de
Nô da Escola Kitudiziam: "O atordeve imaginarque acimadele
est ásuspenso um anel de ferro. que o está puxando para cima.
Ele deve resistir a este puxãoa tim de manter seus pés nochão".
O termo japonês que descreve esta tensão de oposiçãoé hijJjJfll i
h(li que significa "puxaralguma coisa ou alguémpara si. enquan-
to a outra pessoa ou coisa está tentado fazer o mesmo". Hippari
ho; se encontra entre as partes superior e inferior do corpo do
ator. assim como entre a frente e as costas. Também há hippmi
no;entre osatores e os músicos, que de fato n50representam em
uníssono. m.1S tentam se mover longe um do outro, alternada-
mente surpreendendo um ao outro, interrompendo o movimen-
to um do outro. contudo, não indo tão longe a ponto de perder o
contato. ;1 união particular que os coloca em oposição.
Dilatando este conceito, poderíamos dizer que, neste senti-
do, as técnicas corporais exrracoridiunns têm uma relação de
hijJjJ(/riha; com técnicas cotidianas. Temos visto de fato que,
apesar de às técnicas extracotidianas serem diferentes das técni-
e.1S cotidianas. elas mantêm uma tensão com elas, sem se torna-
rem isoladas ou separadas. O corpo do ator-bailarino revela sua
vida ao espectador por meio de uma tensão entre forças opostas:
este é o princípio da oposição. Baseado neste princípio, que
obviamente também faz parte da experiência do ator-bailarino
ocidental. as tradições codificadas do Oriente construíram vários
sistemas de composição.
Na Ópera de Pequim todo o sistema codificado de movi-
mento do ator está embasado no princípio de que cada mo-
vimento deve começar na direção opostu àquela para a qual ele
será finalmente levado a cubo. Todas as formas de dança bali-
Ilesa são construídas compondo uma série de oposição entre
iems c 11/(11/;.1. Kems significa forte, duro, vigoroso.Mall issignifica
delicado. suave. Keras e nmnis podem ser aplicados a vários
movimentos e posições de diferente s partes do corpo ' numa
dança. e para movimentos sucessivos na mesma dança. Essa
relação é claramente visível na posiçãobásica da dança balinesa,
que paraoolhoocidental pode purecerextremamente estilizada.
Em todo C.1S0.é o resultado de uma alternância conseqüente de
partes do corpo em situação I:ems com partes do corpo em
situação nmnis.
A dança de oposiçãocaracteriza a vida do mor-bailarino em
muitos níveis. Os atores-bailarinos usam uma espécie de bússola
para se orientar enquanto procuram por esta dança: o descon-
forto. "A mímica é um conforto no desconforto", diz Decroux, e
mestres de todas as tradições têm máximas semelhantes. A
mestra da dançarina japonesa de Buyo, Katsuko Azumu, disse-
lhe que poderiaverificar quando a posiçãoestivesse corretamen-
te assumida. se houvesse dor; se não doesse estava errada . E
acrescentava, sorrindo, " mas se dói n80significanecessariarnen-
•.f--
TEATHO ANTHOPOLÓGICO 13
.-.
te que esteja correta". A dançarina indiana Sanjukta Panigruhi.
os mestres da Ópera de Pequim, balé clássicoou dança balinesu,
todos reforçam a mesma idéia. O desconforto, en tão, torna-se
um meio de controle, uma espécie de radar interno que permite
que os atores-bailarinos se observem enquanto em ação. Não
com seusolhos, mas por meiode uma série de percepções físicas
que confirrnam que as tensões extracotidianas, não-habit uais,
estão trabalhando no corpo.
Quando perguntei ao mestre balinês I Mude Pusek Tempo o
que. segundo ele. poderia ser o principal talento de um ator ou
dançarino, ele replicou que era /011011 . "a capacidade para resistir,
tolerância". O mesmo conceito se encontra no teatro chinês.
Para inferir que os atores têm domínio de SU;l arte, diz-se que
eles têm Á'Tl1Ig:fl1, que literalmente significa "a capacidade de
;lgiientar jejum, de resistir". No Ocidente, podemos usar a pala-
vra "energia" para dizer a mesma coisa: "a capacidade para
persistir no trabalho, para suportar". Mas, novamente. esta pala-
vru pode tornar-se uma armadilha.
Quandoosatores-bailarinos ocidentaisquerem serenérgicos.
quando querem usar toda a sua energia, eles freqüenternente
começam a se mover no espaço com tremenda vitalidade. Eles
Usam vastosmovimentos. comgrande velocidade e força muscu-
lar. Este esforço está associado à fl1diga. trabalho duro. Os atores
orientais (ou grandes atores ocidentais) podem tornar-se mais
cansados quase sem se mover. Seu cansaço não é causado por
excesso L1e vitalidade. pelo usode amplos movimentos. mas pelo
jogo de oposições, O corpo torna-se carregado com energia
porque dentro dele se estabelece uma série de diferenças de
potencial,que proporciona um corpovivo, fortemente presente,
mesmo com movimentos lentos ou em imobilidade apare nte. A
dança de ~posições é dunçadu110corpoantes de ser dançada colII
o corpo. E essencial entender este princípio da vida do ator-
bailarino: a energia não corresponde necessariamente ao deslo -
carnento no espaço.
No !o!.'flr/llf1nlli. ,1S diferentes técnicas corporais cotidianas, as
forçasque dão vida ,1S ações de estender ou retrair um braço ou
perna. ou o dedo de uma mão. agem cada urna a seu tempo. No
l1f1tYflr/llrlT7l1i. as técnicas extracotidiunus, as duas forças em opo-
sição (de estender e retrair) agem simultaneamente, ou melhor,
os braços, as pernas. os dedos. a coluna. o pescoço. todas essas
partes do corpo são esten didas como se resistissem a uma força
que, então, asobriga a se dobrarem e vice-versa. Katsuko Azurna
explica, porexemplo, que forçasestão trabalhandono movimen-
to-típico tanto da dança Buyo quanto Nô- no qual o tronco se
inclina ligeiramente e os braços se estendem parn frente numa
curva suave. Ela falusobre as forçasque estãoagindo em direção
oposta à que se observa; os braços. ela diz. nãosc estendem pura
fazer a curva. l11;lS. mais exatamente. é como se eles puxassem
grande caixas quadradas para o peito. De ssa maneira, os braços,
que parecem mover-se longe do corpo, empurram, de fato, em
direção ao corpo; precisamente como o tronco, empurrado pnra
trás, opõe resistência e se dobra para frente.
Avirtude de omissão
O princípio revelado pela dança de oposições no corpo é -
apesar de todas as aparências - um princípio que opera por
meio da eliminação. As ações são isoladas de seus contextos e
são. por isso, reveladas. Os movimentos tecidos juntos em dan-
Ç.1S parecem ser muito mais complexos do que os movimentos
cotidianos. De LHo, eles são o resultado da simplificação: são
compostos de momentos nos quais ,1Soposições, governando a
vida do corpo. são manifestadas no nível mais simples. Isto
ocorre porque um número bem definido de forças, isto é, oposi-
ções, é isolado,ampliado e reunido,juntos ou em sucessão. Mais
uma vez. isso é um uso não-econômico do corpo, porque as
t écnicas cotidianas tendem a sobrepor vários processos, com
uma economia subseqüe nte de tempo e energia. Quando De-
CfOUX escreveque a mímica é um "retrato do trabalho composto
comocorpo", o que ele está dizendo também pode serassumido
por outras tradições.
Este "retrato de trabalhá" do corpo é um dos princípios que
presidem ;1 vida, mas que depois deve ser oculto, como fazem,
por exemplo. os dançarinos de balé clássico, que disfarça m seu
peso e esforço atrás de uma imagem de leveza e conforto. O
princípiode; oposições, porque; a oposição é a essência da ener-
gia, está ligado no princípio da simplificação. A simplificação,
neste caso, significa a omissão de certos elementos para pôr em
destaque outros elementos. Entãoesses outros elementos pare-
cem ser essenciais.
Os mesmos princípios que sustentam a vida do bailarino -
cujos movimentos são obviamente em alto grau distantes dos
movimentos cotidiarios - podem também sustentar a vida do
ator. cujosmovimentos parecem estar mais próximos dos usados
cotidianamente. De faro, não somente os atores podem omitira
complexidade do uso cotidianodo corpo para permitir emergira
essênciado seu trabalho, seu bios; parase manifestar por meiode
oposiçõesfundamentais, eles também podem omitir ampliando
a ação no espaço. Dario Fo explica que a força do movimento de
um ator é resultado da síntese, isto é, da concentração de uma
ação, que usa uma gr;lIlde quantidade de; energia, num espaço
pequeno, ou a reprodução apenas daqueles elementos necessá-
riosà ação, eliminando os considerados supérfluos. DecfOux-
como um ator-bailarino indiano - considera o corpo como
sendo limitadoessencialmente ao tronco. Ele consideraos movi-
141\-14B. Ericn nc lIccmux: "1\ l1Iím i (.~1 é 11m rcrr.tm de tra balho".
1'-1 TEATR O ANTROPOLÓGICO
1:'-1i . 1 )~lnç~1 lle oIJtJsil:'(i cs:: :1C:; I1);I , Jl cnrv In'in;:: (IX3X·19()S) comn ( ;;'. fl !o.:J I \\,f)I~'Y !lIJ
NClllilJllr ri li, de Sh;lkc."pc:l rc; ;I!.:im;l V_ lo:. Mcvcrhnhl (1:)74-19,;9) nu ..lrr,,/.onltlJ. d..: F.
SIH.;llwn. ,\ direita. amr d\: l\.:lhllki.
mentes dos braços e pernas como aces sórios (0 11 "ane-dóticos"),
apenas pertencendo ao corpo se originados do tronco.
Alguém pode falar deste proce sso - durante o qual o espaço
ocupado por uma açâo é restrito - como um processo de absor-
ção de energia. Ele é desenvolvido com base na amplia ção das
oposições e reveja novo e diferente rumo para o descobrimento
dos "princípio s recorrentes" . que podem ser úteis ao fazer tea-
tral. A oposição entre uma força favorável à ação e outra contrária
é conve rtida nu ma série de regras - tais como as usadas pelos
atores do Nô e Kubuki - que criam uma oposição entre a
energia empregada no espaço e a energia empregada no tempo.
De acordo com essas regras, se te décimos da energia do ator
deveriam se r usados no tem po e soment e três déci mos no es-
paço. Os atores também dizem que é como se fosse uma ação
que realmente não terminou, em que o gesto pára no espaço,
l11~lS continua no tempo.
T anto o Nó quan to o Kabuki usam a expressão {ali/ em, que
pode ser representada por um ide ograma chinês que significa
"acumu lar". ou por um ideograma japonês que significa "incli-
nar", algo que é tanto flexível quanto resistente como uma cana
de bambu. Tmnern define a ação de reter, de recu o. De {amem
vem tmn«. a hab ilidade para manter energ ia, para absorver, numa
ação limi tada no espaço, a energia necess ária para realizar uma
ação muito maior. Essa habilidade torna -se um meio de descre-
ver ~l habilidade do ator em geral. Para dizer que um ator-
bailarino tem ou n50 sufi ciente presença cên ica. a força nccessá-
ria, o mes tre diz que ele tem ou não tmne.
Tudo isso pode parecer uma codificação muit o complexa c
excessiva da arte do ator-bailarino. De fato. ela deriva de uma
expe riência que é comum aos atores-ba ilarinos de muitas tradi-
ções d iferentes: a concentração. em movime ntos restritos, da
mesma e nergia que poderia ser usada para executar uma ação
maior e mais pesada. Por exemplo. engajar o corpo inteiro na
ação de acender um cigarro. tomo se esti vesse levantando lima
C,JiX~l pesada c n50 um pequeno fósforo, ou indicando com o
queixo e deixando a boca ligeiramente aberta com a mesma
força que seria usada para morder algo duro . Trabalhando assim
revela-se uma qualidade de energia que f~1Z com que o corpo
intei ro do utor-bailarino se torne vivo, mesmo na imobilidade.
É provavelm e nte per esta razão, que muitos atores famosos
têm sido capazes de transformar cenas secund árias em suas
maiores cenas . Quando esses atores param de atuar e ficam nas
linhas laterais, enquanto outros atores desen volvem a ação prin-
cipal, são capazes de absorver, em movimentos quase impercep-
..
.-"
'.
N"k: Manis
IS
Bigtoe: Ker05
Othertoes: Manis
u g: Manis '
Bultocks: Ker05
Foot: Manis
lndexfinger: Keras
ug : Ker05
TEATRO ANTROPOLÓGICO
~..
. ,
".
I X- l tJ. l)rindpiflSde irms r JlUIlJiJ ( v j~nrnso C SII:1\'C ) I11l m;, posiçnode l la ll ~ :.& balinc su. ilustmdos por .I ;''''' [ilha mui .. 1111\':1tio d:l n ~-:'l r i l1o c me stre I Mude Pasck Tempo.
...
,-
tíveis, a força das açõesque eles não podem executa r. Éprecisa-
me nte nesses casos que seu bios se salien ta com lima força
particu lar e dei xa sua marca na memória do espectador. As cenas
sec undárias não pertencem ape nas à tradição ocidental. No
século ),,7\111.o ator de Kabuki, Karneko Kichiwaernon, escreveu
um tratado sobre a arte do ator, intitulado Poeira 1/0S otnndos. Ele
diz que em dados momentos, em certas re prese nta ções, quando
some nte um ator está dançando, os outros atores voltam suas
costas para a platéia e relaxam. "Eu n50 relaxo", escreve ele,
" mas represento a dança inteira na minha mente. Se eu não E1ÇO
assim, a visão das minhas costas não é int ere ssante para o espec-
tador" .
A virtude teatral da omissão não consis te e m "deixe para lá"
numa não-ação indefinida, No palco e para o ntor-bailarino, a
ornissíio significa "reter", o que distingue a vida cênica real e não
a dis persa ao redor num excesso de exp ress ividade e vitalidade.
t\ be leza da omissão. de fato, é a bele za da nçãoindireta. da vida
que é reve lada com um máximo de intensidade num mínimo de
at ividade. Mais uma vez é um jogo de oposições que vai além do
nível pré-expressivo tb arte do ator-bailarino.
Intermezzo
Neste ponto. alguém pode perguntar se os princípio s da arte
do ator-bailarino que descrevi não nos levam muito longe do
teatro e da dança, conforme são conhec idos e praticados no
Ocidente. Ser50 esses princíp ios, de fato, " bons conselh os".
úteis para o fazer teatral? Será que chamar a atenção para o nível
pré-expressivo da arte do ator nos cega quanto aos problemas
reais do ator-bailarino ocidental? Se rá o nível pré-expressivo
verificá ve l so mente em culturas teatrais altame nte codificadas?
Não será talvez a tradição ocidental caracterizada princ ipalrnen-
tc pe la E1Jra de codificação e pela procura de expressão ind ivi-
duai? Essas são, indubitavelmente, pe rguntas obriga tórias, en-
tretanto , mais do que exigir respost as imedia tas, elas nos convi-
dam a parar e descansar por um momento.
Assim. falemos sobre flore s.
Se colocamos algumas flore s num vaso, o fazemos para mos-
trar como elas são belas, para apreciá-las. Podemos também faze r
com que elas tenham um significadooculto: piedade filial ou
religiosa , amor , reconhecimento, res peito. Todavia, belas como
podem ser. as flores possuem um de feito: retiradas do se u pró-
prio contexto, elas continuam a representar somente a elas. Ela s
são como os atores de quem Decroux falou: um ho me m conde-
nado a se parecer justa mente um homem, um corpo imitando
um corpo..Isto pode ser ag radáv e l, mas para se r considerada art e
nâo é suficien te que algo seja meramente agrad,'í ve l. Para ser
con sidera da MtC. acrescenta Deeroux, a idéia da coisa precisa se r
represe ntada por outra coisa. Flores num vaso são irremed iavel-
mente flores num V,lS0, às vezes tema de trabalhos de arte, mas
nunca traba lhos de arte em si.
Vamos. porém, imaginar q ue usamos Ilores cortadas para
represen tar algo mais: a luta da planta para cresce r, para se
mover na terra onde suas raízes penetram mais profundamente,
elevando-se em direção ao céu. Vamos imagínm o desejo de
representar a passagem do tempo, con forme a planta se desen-
volve, cresce, floresce, se incl ina e morre. Se te mos êxito, .1S
flores representarão algo mais que flores e ser á um trabalho de
arte. isto é. teremos leito um iJ-ebr11lfl. /
O ideograma para il.-eúfl1/fl significa "fazer com que as flores
vivam" . A "i da das flores. por ter sido inte rrompida , bloqueada.
i
i I
posteriormente. isso implica o uso de uma técnica apropriada.
Umsintomadesta crençaabsurda é adesconfiança mostradaparu
,IS formas de representação codificada e para os princípios davida
do ator-bailarinoque elas contêm. Esses princípios, de fato, não
são sugestões estét icas feitas para tornarmais bonito o corpodo
ator-bailarino. Eles são um meio de desnudar o corpo de hábitos
cotidianos. para evitar que ele seja apenas um corpo humano
condenadoa se parecer consigo mesmo, para apresentar e repre-
sentiu somente a si mesmo. Quandocertosprincípios reaparecem
com freqüência, em diferentes latitudes e tradições, pode-se
assumirque eles trabalham no nosso caso também.
O exemplo do ikeballa mostra como certas forças. que se
desenvolvem no tempo, podem ter uma analogia em termos
espaciais. Este uso de forças análogas substituiu as torças que
caracterizam o uso cotidiano do corpoe é a base do sistema da
mímica de Decroux. Decroux muitas vezes dá a idéia de uma
ação real agindo exatamente ao contrário.
Ele mostra, por exemplo. a ação de empurrar algo não pela
projeção do queixo para a frente e pressão com o pé posterior-
como é feito na ação real - masarqueando a coluna concava-
mente, como se. em vez de empurrar, ele estivesse sendo em-
purrado e trazendo os bru ços para o peito e pressionando para
ZI. Ondas: 11r/JflJlII da CSCO I:I SO~hC(.'i l l .
T erra, c o rumo no centro ao mediador entre essas duas entida-
des opostas: o homem. O resultado de uma an álise esquem ática
da realidade e sua transposição seguindo princípios que a repre-
sentam sem reproduzi-la torna-se um objeto para contemplação
filosófica.
"1\mente tem dificuldade em manter o pensamento do botão
porque a coisa assim designada é presa a um desenvolvimento
impetuoso e mostra - apesar do nosso pensamento - forte
impulsonão para ser um botão de flor, mas uma 11 01'''. Essas são
palavras que Bertolt Brecht atribui a Hujeh, que acrescenta:
"Assim. parao pensador, o conceito de botão de tlor é o conceito
de algoque já aspira a ser além do que é". ES(;l "dificuldade" em
nosso pensamento é exatamente o que o ikebm]{f propõe: uma
indicaç ãodo passado e umasugestãodo futuro. uma representa-
ção por meio da imobilidade do movimento contínuo que muda
o positivo'para o negativo e vice-versa.
O exemplo do ilebflJlfI mostra-nos significados abstratos sur-
gindo do trabalho preciso de analisar e transpor um fenômeno
físico. Se alguém começa ,1 partir dos significados abstratos,
nuncaalcançaráa qualidade concreta e a precisão do iJ-ebaJ/a. ao
passo que, corneçnudo da precisãoe qualidade concreta, conse-
guirâesses significados abstratos.
Igualmente. atores-bailarinos com freqüência tentam partir
do abstrato p'l[a o COncreto. Eles acreditam que o ponto de par-
tida pode ser derivado daquilo que alguém deseja expressar c.
TEATRO ANTROPOLÓGICO16
22. Arur lb Kabuki japonês c n ii't:V(lJ/fJ criado pCl:ISlinhilhi"ic;,.'Õ de sun posit;:ii ll.
-21). Sl:lliil:IH:ia.sínrL.'\c CXCC1 1 [a ~ la pcloumr ital ian u Iltril ll :(1: nuunc nroe de ill1fl!lili tb llc
1l ~1 lcn"'~n e xtrema de oposições.
pode ser representada. O procedimento é evidente: ~,Igo foi
arrancado de suascondições normais de vida(este é o estudo que
as flores tomamquando simplesmente .1S arranjamos num vaso).
e as regras que governam essas condiçõesnormais f01"<1 m substi-
ruídas c nnalogicamente reconstruídas usando outrus regras. A.s
flores, pôr exemplo, 11~0 podem 'lgir no tempo, não podem
,representar seu !lorescimento e fenecimento em termos tempo-
rais, mas .1 passagem do tempo pode ser sugerida com uma
analogia no espaço. Alguém pode comparar uma !lor em botão e
outra já totalmente aberta. Com dois ramos. um empurrando
para cima e outro apontando p., ra baixo. alguém pode chamar a
atenção para a direção na qual a planta est á se desenvolvendo:
uma força a liga à ter1"<1 , outra força PUXh1 para longe dela. Um
terceiro ramo, estendendo-se ao longo de uma linha oblíqua.
pode mostrar a força combinada que resulta de duas tensões
opostas. Umacomposiçãoque parecederivar de umgosto estéti-
co refinado é. de fato, o resultado da análisee dissecação de um
' fenômeno e a transposição de energia atuando no tempo em
linhas ampliadas no espaço.
Essa transposição abre a composição paranovos significados,
diferentes dos originais: o ramo que está alcn nçando o topo se
torna associado ao Céu. o ramo estendendo-se para baixo ;',
TEAT1W ANTROPOLÓGICO 17
24. I\ míl i~c csqucmá rica de 11m arabesco, lima das posições b:i.sic a~ do b'l~é clá'isicn.
paraela ver um dançarino seguindo a cadência da música, como
acontece em todas as outrasculturas que não a japonesa. É fáci l
de entend er por que, de acordo com as soluções particulares
encontradas pela sua cultura, uma dança que segue o ritmo da
m ús ica possa torná-la desconfortável, porque ela mostra uma
ação que foi decidida de fora , pela música ou pelo comporta-
mento cotidiano. A solução que 05 japoneses encontraram para
este problema pertence somente ~ sua cultura, mas o problema
em si diz respeito aos atores-bai larinos de todos os lugares.
U m corpo decidido
Muitas lingU'lS européias têm uma expressão que pode ser
usada para resumir o que é essencial para a vida do ator-bailari-
no. É uma expressão gramaticalmente paradoxal, na qual uma
forma passiva assume um significado ativo e em que umaindica-
ção de disponibilidade para ação é expressada como uma forma
de passividade, t\ expressão não é ambígua, é hermafrodita,
combinando dentro dela igualmente a ação e a passividade e,
apesar de sua estranheza,é umaexpressão encontrada nalingua-
gem coloquial. Alguém diz, de lato "esserededso", "êae déâdé",
"tober/ecir/erl". E isto nãosignificaque alguém oualgodecidapor
nós ou seja submetido à decisão, nem que somos o objeto da
decisão.
"Ser decidido" nãosignifica que estamos decidindo nem que
somos nós quem conduz a ação de decidir. Ent re essas duas
condições opostas flui uma corrente de vida, que a linguagem
parece não ser capaz de representar e ao redor da qual ela dança
com imagens. Somente a experiência direta mostra o que signi-
fica "ser decidido". Para explicara alguém o que significa "ser
decidido", devemos referir-nos às inumeráveis associações de
idéias, a inúmeros exemplos, à construção de situações artifi-
ciais. Contudo, todo mundo pode imaginar o que a expressão
signilica, TO&lSas imagenscomplexas e regras obscurasque são
aplicadas nos atores e dançarinos, .1 elaboração de preceitos
arrísricos que parecem ser - e são - resultados de estéticas
refinadas, sãoossaltose acrobacias de urna tentativa de transmi-
tir uma experiência que não pode realmente ser transmitida, não
podeser passadapara a frente, massomente vivida. Paraexplicara experiência de um ator ou dançarino tem-se que usar uma
estratégia complicadapara criarartiticialmente as condiçõesnas
quais a experiência pode ser reproduzida.
Mais uma vez deixe-nos imaginar que podemos penetrar o
universoíntimo do trabalho que se realiza entre K;)tSUKOAzul11<1
c sua mestra. O nome da mestra também é Azuma. Quando ela
julgarque teve êxito em passar sua experiência à sua discípula,
ela também passará seu nome. Azurna, en tão, diz à futura Azu-
baixo com o pé e a perna da frente. Esta inversão radical das
torças com respeito a como elas poderiam ocorrer na ação real
recuperamo trabalho - ou o esforço - que existe na ação real.
Écomose o corpo doator-bailarino fosse tomado separadamente
e, cnrão, recomposto de acordo com as regras, que não siloas da
vidacotidiana. Ao fim do trabalho de recomposição, o corpo não
maisse assemelha a si mesmo. Comoas tloresem nossovaso ou
como o ikebana japonês, o ator e dançarino são ret irados do
contexto "nutural" no qualeles geralmente atuam: são liberados
da dominaçãodas técnicas cotidianas. Como.1S florese ramos do
i!.'eballo, os atores-bailarinos, para serem cenicamente vivos, não
podem apresentar ali rep resentar o que eles são. Em outras
palavras, eles devem desistir de suas próprias respostas auto-
mátiC.1S.
Asvárias codificações da arte do ator-bailarino são, acima de
tudo, métodos para romper as respostas automáticas da vida
cotidiana,criando outras equivalentes.
Naturalmente, esta ruptura do automático não é expressão,
Mas sem essa ruptura não hó expressão. "Mate a respiração.
Mate o ritmo", repetia a mestrade Ku tsukoAzumaconformeela
trabalhava. "Matar" a respiração c "Matar" 'o ritmo significa
compreender a tendência a ligar automaticamente o gesto ao
ritmo da respiração e da música, e transgredi-Ia. A ruptura das
ações habituais da vida cotidiana tem sido feira, talvez, mais
consciente e radicalmente na cultura teatral japonesa.
Os preceitos que exigem a morte do ritmo e da respiração,
expressados pela mestra de Katsuko Azuma, mostram como a
oposiçãodesejada pode causar .1ruptura das respostas habituais
das técnicas corporais cotidianas. Mataro ritmo, de fato, implica
criar uma série de tensões para evitar que os movimentos da
dança coincidamcom as cadências da música. Matar a respiração
significa segurar o fôlego mesmo enquanto se está expirando -
que é um momento de relaxamento - e opor Ct exalação uma
força contrária. Katsuko Azurna disse que é realmente doloroso
T EATRO f\.!"lT ROPOLÓGlCOlfi
l :i Katxuko t\ZlIllla. tl:1ncr;lrina japonc.,,:.t de BIIYO, cu:..i l1 .lIHI" 11m,! ulunau se mover de
acordo com o rirmo dcj (} ·/IfI-(I'II.
ma: "E ncontre seu1lJa" .Masignifica algo semelhante à "dimen-
são" no sentido espacial, mas também "duração" no sentido
temporal. "P,Ha encontrar seu ma você deve matar o ritmo.
Encontre seujo-Im-J.]'II" . A expressão jo-ha-J.j'lt descreve as três
fases nas quais todas as ações de um ntor-builarinoestãosubdivi-
didas. A primeira fase é determinada pela oposição entre a força
que tende a aumentar e outra força que retém (ia significa
"reter"); a segunda fase (lta, "romper") ocorre no momento em
que alguém é libertado da força que a retinha, até que se chegue
à terceira fase CJ.J'II, "velocidade"), em que a ação culmina,
usando todas as suas forças para cessar subitamente. como se
defrontando com um obstáculo,uma nova resistência.
Para ensinar Azuma a se mover de acordo comjo-ha-J.j'il, sua
mestra deveria segurá-Ia pela cinturae, então, largá-lade repen-
te. Azuma trabalhariaduramente para dar os dois primeiros pas-
sos(enquantoestá sendosegura),dobrandoseus joelhos,pressio-
nundo a sola dos seus pés no chão, inclinando ligeiramente seu
tronco. En tão, solta por sua mestra, ela avançaria rapidamente
para o limite determinado do movimento, e nesse ponto ela pa-
raria repentinamente, como se um fosso profundo se abrisse
poucos centímetros à sua frente. O que ela fez, em outras pala-
vras. foi executar o movimento que qualquer pessoa que tenha
visto um teatro japonês reconheceria como típico. Qu,lndo os
atores-bailarinos aprendem, como segunda natureza. a maneira
artificial de se mover, eles parecem ter sido cortados da relação
espaço-tempo do dia-a-dia e parecem estar "vivos": eles estão
"decididos". Etimologicamenre, "es tardecidido" significa "cor-
tar fora". A expressão "estar decidido" tem, então. ainda outra
faceta: é como se isso indicasseque a disponibilidade de alguém
criar também incluísse "cortar-se fora" das práticascotidianas.
As três fases dojo-Ita-J.j'll impregnam os átomos,as células, o
organismo inteiro da representação japonesa. Elas se aplicam a
cada uma das ações do ator-bailarino, para cada um dos seus
gestos, à respiração, à música, a cada cena, para cada peça num
dia de Nô. E uma espécie de código que corre através de todos
os níveis de organizaçãodo teatro. .
René Sieffert mantém que a regra dejo-na-J.]'II é uma "cons-
tante no senso estét icoda humanidade" . De certa maneiraisto é
verdade, mesmo que também seja verdade que uma regra se
dissolve em algo insignificante se aplicada universalmente. Do
nosso ponto de vista. outra d,IS declarações de Sieffert parece
mais importante: que o jo-na-!.:I'" permite ao ator-bailarino -
como explica Zeami - queb rar a regra, aparentemente para
estabelecer contato com o espectador. Isto é uma constante 11<1
viela do ator-bailarino: a reconstrução de regras artificiais cami-
nha passo,1 passo com sua infração. Um atorque não tenha nada
senão regras é um ator que não tem mais teatro, mas apenas
liturgia. Um ator sem regras é também sem teatro: ele tem
apenas !oJ.·ar/nanl/i, comportamento cotidianocom sua qualidade
de predizere sua necessidade de provoca ção direta para manter
desperta a atenção do espectador.
Todos os ensinamentos que a mestra Azuma passou para <l
discípula Azuma são dirigidos ao descobrimento do centro de
energia da aluna. Os métodos de busca são meticulosamente
codificados, frutos de experiê ncias de gerações e gerações. O
resultado é impossívelde delinir com precisãoe difere de pessoa
a pessoa.
Hoje. Azuma diz que o princípio da sua vida, de sua energia
como atriz e dançarina, pode ser definido como um centro de
gravidade que se encontra no ponto médio da linha entre o
umbigo e o cóccix. T oda vez que ela atua, tenta encontrar seu
equ ilíbrio ao redor desse centro. Mesmo hoje, apesar de sua
experiência, apesar do [no de que ela é discípula de uma das
maiores mestras e que ela inesma é, agora, uma mestra, não é
capaz sempre de encontrar esse centro. Ela imagina (usando as
imagenscomas quaissua mestra tentou transmitir a experiência
l)<lra ela) que ocentrode sua energia é uma bola de ,1ÇO encontra-
da num certo ponto da linha entre o umbigo e o cóccix, ou no
centro de um triãngulo formado pelas linhas entre o quadril e o
cóccix.e que essa bola de aço está coberta com muitas camadas
de algodão.O mestre balinês I Made Pasek Tempo diz: "Tudo
que Azurna faz é Leras coberto com I/IflIlÍS, vigor coberto por
suavidade".
U m corpo fictício
Na tradição ocidental o trabalho do ator-bailarino tem sido
orientado para uma rede de ficções, de "ses mágicos", que lida
com a psicologia, o comportamento e SU,1hist ória e da persona-
gcm que está representando. Os princípios pré-expressivos da
vida do ator-bailarino não são conceitos frios relacionados so-
mente com a fisiologia e mecânica do corpo. Eles também são
26. () corpo licrícit l: Chrisrinu l loldcr C(1Il10 ( I Fciricciru Chinêsem Pnrnrlc (cnrcoj!;rôltia: (
Léonidc l\1:l:i..'iinc; múxica: Erik Sutic: cortina, ccrnlric c li'~lIri n n : Pablo Pic:tssu).
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T EATRO ANTROPOLÓGICO 19
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27-29. () cnrpn dt.:cididn: :u;i f1l a. ;. csqucnlu, utriz Pt,;i Y;IIl -L il1~. dil ÓIK:r:l de Pequim;
acim a. ;'1 dirci(;l, :1 thlll<;'"a rin :l j:'1I011l.:S:1 de B II ~·n . Kursukn ,\z.l lIll õl; abaixo à d irei ta . u
dançuriua de balé chlssicu M .milll; vun I lumcl.
baseados numa redede ficções, mas fi cções, "ses nuigicos". que
lidam com as forçasfís icas que movem o corpo. O que o ator-
bailarino está procurando, neste caso, é um corpo fictício, não
uma personalidade fictícia. Pura quebrar as respostas autornáti-
cas do comportamentocotidiano, nas tradiç ões orientais. no balé
e na mímica de Decroux, cada uma das ações docorpo é dramn-
rizada imaginando que alguém está empurrando, levantando,
toca ndo objetos de determinado pesoe consistência.Esta é uma
psicot écnica que nãotenta influenciaro estado psíquicodoator-
bailarino. massimseu estado físico. Portanto. ela'tema ver com
a linguagem usada pelos atores-bailarinos quando fal am de si
mesmose, mais ainda. com o que o mestrediz aodiscípulo, mas
não tem a intenção de significarqualquer coisa";loespectador,
Para encontrar as técnicas corporais extracotidianas o ator-
bailarino não estuda fisiologia. Cria uma rede de estímulos
externos, à qual reage com ações físicas.
Entre as dez qualidades do ator-bailarinona tradição indiana,
há uma qualidade relacionada com o saber ver, como dirigir os
olhosno espaço. É umsinal de que o ator-bailarino estáreagindo
a' algo preciso. Às vezes, os exercícios de treinamento de um
ator-bailarino parecem ser extraordinariamente bem executa-
dos. mas ,1S ações não têm força porque o modo de usar os olhos
não está precisamente dirigido. Por outro lado. o corpo pode
estar relaxado,mas se osolhos estãoativos- isto é. seeles vêem
observando - então o corpo do ator-bailarino é conduzido ii
vida. Neste sentido, os olhos são como a segunda coluna verte-
bral do ator-ba ilarino.
T odas as tradições orientais codificam os movimentos dos
olhos e as direções que osolhosdevem seguir. Isso tem ,1 ver não
somente com o que o espectador vê, mas tambémcom o que o
ator vê: o modo como ele se propaga no espaçovazio com linhas
de força, com estímulos com os quais deve reagir.
20 TEATRO ANTROPOLÓG[CO
No fim do seu diário, o ator Sadoshima Darnpachi, de Kn-
buki, que morreuem 1712,escreveque "dança-secomosolhos",
sugerindo que a dança que alguém est á realizando pode ser
equiparada .10 corpo e os olhos com a alma. Ele acrescenta que
umadança na qual osolhosnãotomam parte é uma dançn 1110rt.l ,
aopasso que uma dança vivaé aquela naqual os movimentosdos
olhos e do corpo trabalham juntos. Da mesma maneira nas
tradições ocidentais os olhossão "espelho da alma" e os olhosde
UI11 ator são considerados um pontode meio caminho entre seu
comportamento físico pelas t écnicas extracotidianas c SUi1S psi-
corécnicasextracoridianas. Os olhos mostramque ele está deci-
dido. Os olhos fazem com que ele seja decidido.
O grande físico dinamarquês Nicls 130hr foi um ávido tU de
filmes de bangue -bangue, e ele imaginava por tIue, em rodos os
tiroteios finais, o herói atirava mais rápido mesmo que seu
adversário fosse geralmente o primeiroa alcançar .1anua. Bohr
perguntava a si mesmo se alguma verdade física não poderia
explicar esse fenômeno. Ele chegou à conclus ão de que tal
verdade de faro existia: o primeiro a sacar é o mais lento paru
atirarporque ele decide atirar. e morre. O segundo vive porqueé
mais rápido, e ele é mais rápido porque não tem de decidir. ele
está decidido.
"Expressãoverdadeira", dizGrotowski, "é a de uma árvore."
E explicou: "Se um ator tem a vontadede se expressar, entãoele
está dividido. Uma parte dele está fazendo o desejo e a outra
partese expressando, urna parteestá comandando e a outra está
executando .1S ordens."
31. [hcn :"~J~cI Rusruu sscu cn ruo Kurrrin,« filha 11111l1" de ~I:ic Cor;l~CI'U. emi\J Cill~s
tIr" ndll (J9X2), 110 Od in Tcutrcr.
30. "prendiz tk f\:Hlmk:di I'r..lcic-Jut/o um exercíc io de ollHl.'Õ.
Um milh ão de velas
Tendo seguido a trilhada energia do ator-bailarino. alcança-
mos o ponto onde somoscapazes de perceber seu núcleo:
1. na ampliação e ativação das forças que estão agindo no
equilíbrio;
2. n.1S oposições que determinam as dinâmicas dos movi-
mentos;
3. numa operaçãode reduçãoe substitu ição,que revelao que
é essencial nasações e afasta o corpo para longedas técni-
cas cotidianas. criando urna tensão, uma diferença de po-
tencial. através (b qual passaa energia.
As técnicas corporais extmcotidianas consistem de procedi-
mentos físicos que parecem ser baseados na realidade com a
qual cada um cstri familiarizado, mas segue em uma lógica não
reconhecível imediatamente.
No Nô o termo "energia" podeser traduzidocomoIi-hai,que
significa u harmonização profunda (hai) do espírito (/.:i) com o
corpo. Aqui o espírito é usado no sentido de respiração, sopro,
ptlelllllo . Tanto na Índiaquanto em 13'1Ji a palavraprana é equiva-
lente a b-//{/i. Essas são imagens inspiradoras, mas não são
conselhos que nos podem guiar. De fato, elas referem-sea algo
que está além da influência do mestre, o que é evocado na
expressãoo "encanto sutil"da arte do ator-bailarino.
Quando Zeumi estava escrevendo a respeito do YlIgell, "o
encanto sutil". ele usoua dançachamadaS/lirabioshi comoexem-
plo. Shirabioshi era uma dançarina do século XIII; ela dançava
vestida como homem, uma espada ~ mão. A razão por que com
tanta freqüência, especialmente no Oriente. mas também no
Ocidente , o pomo alto da arte do ator parece ter sido alcançado
por homens representando personagens femininas ou mulheres
representando personagensmasculinasé porque, nessescasos,o
ator ali atriz estavam fazendo exatamente o oposto do que um
ator moderno faz quando vestido como uma pessoa do sexo
oposto. O ator tradicional travestido não est á disfarçado, mas
despojado da máscara do seu sexo para permitir o brilho de um
temperamento suaveou vigoroso. Este temperamento de repre-
sentação é independente do modelo de comportamento ao qual
um homem ou uma mulherdeve se adaptar porcausa da cultura
específica à qual pertence. I
Nas representaçõesde várias culturas,as personagens rnasculi-
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TEATROANTROPOLÓGICO
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.lZ. Aror de Kahllki {csrilrnpa doséculoXV111)::1rcprcscn mçã« LI" ; ' ~"'I II de ver requer c
i,j ll 'i rC nãoupcnuxdosolhos,mitS de mdnClC0 'l )( I. ' Ille l: diri.~ido llilr:tn ehjcm e m vistu.
nas e femininas são representadas por
aqueles temperamentos que são cultu-
ralmente iden tificados comoo "natural-
mente" apropriadosaosexodas persona-
gens. Arepresentaçãodostemperamen-
tos diferenciadosdos sexos é, portanto,
em palavras teatrais, a mais sujeita à
convenção. Essa representação está tão
profundamente condicionadaque é qua-
se impossível diferenciar sexoe tempe-
ramento. Quando um ator representa
urna pessoado sexooposto, a identifica-
ção do temperamentoespecíficode um
sexo ou outro está fraturada. Este é tal-
vezo momento no qualaoposição entre
10Á'fI/,ll,al7l1i e lIat.J'arlll{/l7lli, entre com-
portamento cotidiano e comportamen-
tocxtracotidiuno, deixa o plano físicoe
alcança outro plano não reconhecível
imediatamente. Uma nova presençafísi-
ca e espiritual é revelada por meio de
uma interrupção - que na representa-
ção é aceita paradoxalmente - de pa-
péis masculinos e femininos.
A tradução mais corre ta, porém
menos conven iente, do termo ener-
gifl surgiu de uma de minhas conver-
sas com a dançarina indiana Sanjuktu
Punigrahi.
É a menos conveniente porque tra-
duz a experiênciade umpontode parti-
da, assim como um grande resultado,
masnãotraduz a experiência doproces-
so para .1IC'1l1ç.í -1 o. Sanjukta Panigrahi
disse que a energia é chamada S/ltIhi,
energiacriadoraque nãoé nemmasculi-
nanem feminina, masque é representa-
da pela imagem de uma mulher. Por
essa razão. na Índia, somente as mulhe-
res recebem o título de Shakti alllslta,
"parte de S/ItI/.-ti" . Mas um ator-baila-
21
rino de qualquer sexo.disseSanjukta, é sempre Shal'ti, a energia
que cna.
Após discutir a dança de oposições na qual a vida do ator-
bailarinoé baseada, depoisde consideraroscontrastes que O ator.
amplia conscientemente, e após examinar o equilíbrio que ele
escolhe por ser precário e depois explora, a imagem de Shahi
pode, talvez, tornar-se um símbolo daquilo de que não falamos
aqui,a questão Iundumcnral:comoalguém se torna umbomator-
bailarino?

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