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OBSTETRÍCIA TRABALHO DE PARTO O trabalho de parto representa as últimas horas da gestação humana, caracterizado por contrações uterinas fortes e dolorosas que efetuam a dilatação cervical e fazem o feto descer através do canal de parto. Várias preparações ocorrem no útero e no colo uterino. No decorrer das primeiras 36 a 38 semanas de gestação normal, o miométrio encontra-se em um estado preparatório, mas não reativo. Ao mesmo tempo, o colo uterino inicia um estágio inicial de remodelação, embora mantenha a integridade estrutural. Depois dessa inatividade uterina prolongada, ocorre uma fase de transição, durante a qual a falta de reatividade miometrial é suspensa e o colo passa pelos processos de amadurecimento, apagamento e perda da coesão estrutural. FISIOLOGIA DA GESTAÇÃO Os processos fisiológicos que regulam a parturição – o ato de dar à luz um bebê – e o início do trabalho de parto ainda não estão completamente definidos. Três teorias contemporâneas gerais descrevem o início do trabalho de parto. Visto de maneira simplista, a primeira é a perda funcional dos fatores de manutenção da gestação. A segunda se concentra na síntese de fatores que induzem a parturição. A terceira sugere que o feto maduro seja a fonte do sinal inicial para o início da parturição. As pesquisas atuais sustentam um modelo que abrange os três temas. O início do trabalho de parto claramente representa a culminância de uma série de alterações bioquímicas que ocorrem no útero e no colo uterino. Essas alterações são estimuladas por sinais endócrinos e parácrinos provenientes da mãe e do feto. Quando a parturição não é normal, as consequências podem ser trabalho de parto prematuro, distocia ou gravidez pós-termo. Entre essas complicações, o trabalho de parto prematuro ainda é o principal contribuinte para os índices de morbidade e mortalidade neonatais. ÚTERO A camada miometrial do útero é composta de feixes de células musculares lisas circundadas por tecido conectivo. Diferentemente dos músculos esquelético ou cardíaco, a célula muscular lisa não é terminalmente diferenciada e, assim, é prontamente adaptável a mudanças ambientais. Vários estímulos, como estiramento mecânico, inflamação e sinais endócrinos e parácrinos, podem modular a transição da célula muscular lisa entre os fenótipos que fornecem crescimento, proliferação, secreção e contratilidade celular. Durante a gestação, o colo uterino tem múltiplas funções, incluindo: (1) manter a função de barreira de forma a proteger o trato reprodutivo contra infecções; (2) manter a competência cervical, apesar das forças gravitacionais crescentes à medida que o feto aumenta de tamanho; e (3) coordenar as alterações da matriz extracelular que permitem aumentos progressivos da complacência dos tecidos. Nas mulheres que não estão grávidas, o colo uterino apresenta-se fechado e firme, sendo sua consistência similar à da cartilagem nasal. Ao final da gravidez, o colo é facilmente distensível, assemelhando-se à consistência dos lábios da cavidade oral. As observações feitas por ultrassonografia tridimensional e ressonância magnética (RM) mostram aumentos na área transversal do canal cervical e no estroma cervical desde o início até o final da gestação. Junto com a expansão do estroma, o epitélio cervical prolifera e exerce uma imunoproteção específica da gestação. PLACENTA Além de fornecer a troca de nutrientes e resíduos entre a mãe e o feto, a placenta é uma fonte importante de hormônios esteroides, fatores de crescimento e outros mediadores que mantêm a gestação e potencialmente auxiliam a transição para a parturição. As membranas fetais – âmnio, córion e decídua adjacente – formam um envoltório importante de tecidos ao redor do feto, que serve como proteção fisiológica, imunológica e metabólica contra a iniciação inoportuna da parturição. OBSTETRÍCIA TRABALHO DE PARTO FUNÇÃO DOS HORMONIOS ESTEROIDES SEXUAIS Os níveis plasmáticos de estrogênio e progesterona na gestação normal são muito altos e excedem a afinidade estável para seus receptores. Por esse motivo, é difícil compreender como alterações relativamente sutis na razão de suas concentrações podem modular os processos fisiológicos durante a gravidez. Contudo, a evidência teleológica para uma razão mais alta entre progesterona/estrogênio na manutenção da gravidez e um declínio nessa razão para a parturição é avassaladora. Em todas as espécies estudadas, inclusive seres humanos, a administração dos antagonistas do receptor de progesterona mifepristona (RU- 486) ou onapristona causa algumas ou todas as manifestações da parturição, incluindo amadurecimento do colo uterino, aumento da distensibilidade do colo uterino e acentuação da sensibilidade uterina aos uterotônicos. FUNÇÃO DAS PROSTAGLANDINAS As prostaglandinas são moléculas lipídicas com diversas ações do tipo hormonais. Na parturição, elas são importantes na contratilidade, relaxamento e inflamação miometriais. As prostaglandinas interagem com uma família de oito diferentes receptores acoplados à proteína G, vários dos quais estão expressos no miométrio e no colo uterino. FASE 1: RELAXAMENTO E AMOLECIMENTO CERVICAL As fases da parturição são: (1) prelúdio, (2) preparação, (3) processo do parto e (4) recuperação. É importante salientar que as fases da parturição não devem ser confundidas com os estágios clínicos do trabalho de parto, isto é, primeiro, segundo e terceiro estágios – que constituem a terceira fase da parturição. Diagrama da curva de dilatação média do colo uterino no trabalho de parto em mulheres nulíparas. A curva baseia-se na análise dos dados derivados de uma série grande e quase consecutiva de mulheres. O primeiro estágio é dividido em uma fase latente relativamente plana e uma fase ativa rapidamente progressiva. Na fase ativa, há três partes detectáveis: uma fase de aceleração, uma fase linear de inclinação máxima e uma fase de desaceleração. Começando mesmo antes da implantação, há um período obrigatório notavelmente eficaz de relaxamento miometrial. Esta fase 1 em geral compreende 95% da gestação e caracteriza-se por inatividade da musculatura lisa uterina com manutenção da integridade estrutural cervical. Todos os tipos de sistema molecular – neural, endócrino, parácrino e autócrino – são provavelmente chamados para implementar e coordenar um estado de não reatividade relativa do útero. Além disso, um sistema complementar de “segurança contra falhas”, que protege o útero contra agentes que possam perturbar a OBSTETRÍCIA TRABALHO DE PARTO tranquilidade da fase 1, também deve ser implementado. Durante a fase 1, as células miometriais passam por uma modificação fenotípica para um estado não contrátil, e a musculatura uterina fica não responsiva aos estímulos naturais. Ao mesmo tempo, o útero deve iniciar profundas alterações em seu tamanho e vascularização para acomodar o crescimento fetal e preparar-se para as contrações uterinas. A falta de reatividade miometrial da fase 1 continua até próximo ao fim da gestação. No entanto, algumas contrações miometriais de baixa intensidade são percebidas durante a fase de relaxamento, mas em geral não causam dilatação cervical. Essas contrações tornam-se mais comuns à medida que se aproxima o fim da gestação, em especial nas multíparas, e são conhecidas como contrações de Braxton Hicks ou falso trabalho de parto. ■ Relaxamento e contração miometriais O relaxamento é alcançado em parte por: (1) redução da comunicação intracelular e diminuição dos níveis intracelulares de Ca2+ ([Ca2+]i); (2) regulação por canais iônicos do potencial da membrana celular; (3) ativação da resposta a proteínas desdobradas por estresse do retículo endoplasmático uterino; e (4) degradação de uterotônicos. Por outro lado, a contratilidade resulta de: (1) aumento das interações entre as proteínas actinae miosina; (2) excitabilidade aumentada de células miometriais individuais; e (3) promoção da comunicação intracelular que permite o desenvolvimento de contrações sincronizadas. ■ Decídua Para garantir o relaxamento uterino, a síntese de prostaglandinas na decídua, em especial de PGF2α, é marcadamente suprimida. A supressão da produção de prostaglandinas persiste ao longo da maior parte da gestação, e a retirada da supressão é um pré-requisito para a parturição. A fase 1 da parturição também promove um ambiente de tolerância imunológica para proteger o feto. Ou seja, as células estromais da decídua garantem de forma proativa que os antígenos fetais não desencadeiem uma resposta imunológica materna. Isso deriva de uma capacidade reduzida de atrair as células T. Esta capacidade limitada deriva em parte do silenciamento epigenético de genes de quimiocinas inflamatórias atratoras de células T. ■ Amolecimento cervical O estágio inicial do remodelamento cervical – chamado amolecimento – começa na fase 1 da parturição. Ele se caracteriza por maior complacência tecidual, ainda que o colo uterino permaneça firme e inflexível. Clinicamente, a manutenção da integridade anatômica e estrutural do colo uterino é essencial para o prosseguimento da gestação até o termo. A dilatação prematura do colo uterino ou a insuficiência estrutural, ou ambas, podem provocar nascimento pré-termo. O amolecimento cervical resulta do aumento da vascularização, da hipertrofia e hiperplasia celular e de alterações progressivas e lentas da composição ou da estrutura da matriz extracelular. O colágeno, que é fundamental para as alterações da matriz e a proteína estrutural principal do colo uterino, passa por alterações de conformação que alteram a resistência e a flexibilidade dos tecidos. FASE 2: PREPARAÇÃO PARA O TRABALHO DE PARTO De forma a preparar-se para o trabalho de parto, a inatividade miometrial da fase 1 da parturição precisa ser interrompida – o chamado despertar ou ativação uterina. Esta fase 2 da parturição é uma progressão das alterações uterinas que ocorrem durante as últimas semanas de gestação. É importante salientar que os eventos de transição associados à fase 2 podem causar trabalho de parto pré-termo ou tardio. ■ Abstinência de Progesterona Nas espécies que exibem abstinência de progesterona, a progressão da parturição ao trabalho de parto pode ser bloqueada ao se administrar progesterona à mãe. A abstinência de progesterona clássica que resulta de secreção reduzida não ocorre na parturição humana. Porém, um mecanismo de inativação da progesterona, no qual o miométrio e o colo uterino ficam refratários às ações inibitórias da progesterona, foi sustentado por estudos que usaram antagonistas do receptor de progesterona. A mifepristona é um antagonista esteroide clássico, atuando no nível do receptor de progesterona. Embora seja menos eficaz na indução de aborto ou trabalho de parto nas mulheres em uma fase mais tardia na gravidez, a mifepristona parece ter algum efeito sobre o amadurecimento cervical e sobre a crescente sensibilidade do miométrio aos uterotônicos. ■ Alterações Miometriais As alterações miometriais da fase 2 preparam o miométrio para as contrações do trabalho de parto, OBSTETRÍCIA TRABALHO DE PARTO como resultado de um desvio da expressão de proteínas importantes que controlam o relaxamento uterino para uma expressão de proteínas associadas à contração (PACs) - Receptores de Ocitocina De fato, os níveis miometriais dos receptores de ocitocina aumentam durante a fase 2 da parturição, e o nível de mRNA do receptor de ocitocina no miométrio humano a termo é maior que o encontrado no miométrio pré-termo. Porém, ainda não está claro se a ocitocina desempenha um papel nas fases iniciais da ativação uterina ou se sua única função é na fase de expulsão durante o trabalho de parto. A progesterona e o estradiol parecem ser os reguladores principais da expressão do receptor de ocitocina. ■ Amadurecimento do colo uterino Antes de iniciarem as contrações, o colo uterino precisa passar por uma remodelação extensa. Isso acaba levando à flexibilização e dilatação do colo uterino pelas fortes contrações uterinas. As modificações cervicais durante a fase 2 envolvem principalmente alterações do tecido conectivo – processo conhecido como amadurecimento cervical. A transição da fase de amolecimento para a fase de amadurecimento começa semanas ou dias antes do trabalho de parto. Durante essa transformação, a matriz cervical altera sua quantidade total de glicosaminoglicanos, que são grandes polissacarídeos lineares, e de proteoglicanos, que são proteínas ligadas a esses glicosaminoglicanos. O colo uterino é um tecido rico em matriz extracelular. Os componentes da matriz são os colágenos dos tipos I, III e IV, as proteínas da matriz celular, os glicosaminoglicanos, os proteoglicanos e as fibras elásticas. Entre esses, o colágeno é o principal responsável pela conformação estrutural do colo do útero. - Indução do amadurecimento cervical Não há tratamentos para evitar o amadurecimento prematuro do colo uterino, mas os tratamentos usados para estimular o amadurecimento cervical e induzir o trabalho de parto incluem a aplicação direta das prostaglandinas PGE2 e PGF2a. As prostaglandinas provavelmente modificam a estrutura da matriz extracelular de modo a facilitar o amadurecimento. Embora o papel das prostaglandinas na fisiologia normal do amadurecimento cervical ainda não esteja definido, essa propriedade é útil na prática clínica para facilitar a indução do trabalho de parto ■ Contribuições fetais à parturição O feto pode enviar sinais por meio de agentes transmitidos pelo sangue que atuam na placenta ou pela secreção no líquido amniótico. - Estiramento uterino O crescimento fetal é um importante componente da ativação uterina na fase 2 da parturição. Com a ativação uterina, o estiramento é necessário para a indução de PACs específicas. A saber, o estiramento aumenta a expressão de conexina-43 e de receptores de ocitocina. Os níveis do peptídeo de liberação da gastrina, um agonista estimulador do músculo liso, também aumentam com o estiramento do miométrio. Cascatas Endócrinas Fetais- O eixo hipotalâmico-hipofisário-suprarrenal-placentário fetal humano é considerado um componente fundamental da parturição normal. Além disso, considera-se que a ativação prematura desse eixo seja responsável por muitos casos de trabalho de parto prematuro. Acredita-se que os produtos esteroides da glândula suprarrenal humana tenham efeitos na placenta e nas membranas que, por fim, transformam o miométrio do estado relaxante para o estado contrátil. Um componente primordial no ser humano pode ser a capacidade singular da placenta de produzir grandes quantidades de CRH. Os níveis de CRH plasmáticos maternos são baixos no primeiro trimestre e se elevam a partir da metade da gestação até o termo. Nas últimas 12 semanas, os níveis plasmáticos de CRH aumentam exponencialmente, atingindo o pico durante o trabalho de parto e, em seguida, caindo de forma acentuada depois do parto. OBSTETRÍCIA TRABALHO DE PARTO - Surfactante pulmonar fetal e fator ativador plaquetário A proteína surfactante A (SP-A) produzida pelo pulmão fetal é necessária para a maturação pulmonar. A SP-A é expressa pelo âmnio e pela decídua dos seres humanos, está presente no líquido amniótico e estimula as vias de sinalização das células do miométrio humano. Além da SP-A, o pulmão fetal produz o agente uterotônico fator ativador plaquetário. Este fator e a SP- A são importantes na sinalização materno-fetal para a parturição - Senescência das membranas fetais No final da gravidez, as membranas fetais passam por um envelhecimento fisiológico chamado senescência celular. Nas membranas fetais humanas e em modelos animais, o estiramentoe o estresse oxidativo induzem as membranas fetais senescentes a manifestarem uma forma de inflamação estéril denominada fenótipo secretor associado à senescência (SASP, de senescent- associated secretory phenotype). Isso, por sua vez, propaga os sinais inflamatórios que enfraquecem ainda mais as membranas fetais e ativam sinais na decídua e miométrio para iniciar a parturição. Assim, como a necessidade funcional das membranas fetais diminui no final da gestação, elas conseguem promover sinais que contribuem para o início da parturição. - Anomalias fetais e retardo da parturição Algumas evidências mostram que as gestações com produção de estrogênio acentuadamente reduzida podem estar associadas à gestação prolongada. Esses “experimentos naturais” incluem mulheres com deficiência placentária hereditária de sulfatase e anencefalia fetal com hipoplasia suprarrenal. Porém, a variação ampla da duração gestacional observada com essas patologias coloca em dúvida a função exata do estrogênio na iniciação da parturição humana. Outras anormalidades fetais que impedem ou reduzem drasticamente a entrada da urina fetal ou de secreções pulmonares no líquido amniótico não prolongam a gestação humana. Os exemplos são agenesia renal e hipoplasia pulmonar, respectivamente. Dessa maneira, um sinal fetal através do ramo parácrino do sistema de comunicação materno-fetal não parece ser obrigatório para a iniciação da parturição. FASE 3: TRABALHO DE PARTO Esta fase é sinônimo de trabalho de parto ativo, que em geral é dividido em três estágios. O primeiro estágio começa quando contrações uterinas espaçadas com frequência, intensidade e duração suficientes causam adelgaçamento ou apagamento do colo. Vários uterotônicos podem ser importantes para o sucesso dessa fase de parto ativo Esse estágio do trabalho de parto termina quando o colo uterino está totalmente dilatado (cerca de 10 cm) para permitir a passagem da cabeça do feto a termo. Por conseguinte, o primeiro estágio do trabalho de parto é o estágio do apagamento e da dilatação cervicais. O segundo estágio começa quando a dilatação cervical estiver completa e termina com o nascimento. Dessa maneira, o segundo estágio do trabalho de parto é o estágio da expulsão fetal. Por fim, o terceiro estágio começa imediatamente depois do nascimento do feto e termina com a evacuação da placenta. Assim, o terceiro estágio do trabalho de parto é o estágio da separação e expulsão da placenta. ■ Primeiro estágio: sinais clínicos iniciais do trabalho de parto Contrações uterinas do trabalho de parto Em algumas mulheres, as contrações uterinas vigorosas que resultam no parto começam repentinamente. Em outras, o início do trabalho de parto é anunciado pela liberação vaginal espontânea de uma pequena quantidade de muco tingido de sangue. Essa eliminação do tampão mucoso que preenchia anteriormente o canal cervical durante a gravidez é referida como “sinal” ou “sinal sanguinolento”. A sua eliminação indica que o trabalho de parto já está em andamento ou provavelmente começará em horas ou dias. Singulares entre as contrações musculares fisiológicas, as contrações do músculo liso uterino durante o trabalho de parto são dolorosas. As contrações uterinas são involuntárias e, em sua maior parte, independentes do controle extrauterino. O bloqueio neural por analgesia peridural não diminui sua frequência ou intensidade. O estiramento mecânico do colo uterino aumenta a atividade uterina em várias espécies, inclusive nos seres humanos. Esse fenômeno é o reflexo de Ferguson. O intervalo entre as contrações diminui gradualmente, de cerca de 10 minutos no início do primeiro estágio do trabalho de parto até apenas 1 minuto ou menos no segundo estágio. No entanto, os períodos de relaxamento entre as contrações são essenciais para o bem-estar fetal. As contrações incessantes comprometem tanto o fluxo sanguíneo uteroplacentário que podem provocar hipoxemia fetal. OBSTETRÍCIA TRABALHO DE PARTO Na fase ativa do trabalho de parto, a duração de cada contração varia de 30 a 90 segundos, com média de cerca de 1 minuto. A intensidade das contrações varia muito durante o trabalho de parto normal. Em termos mais específicos, as pressões do líquido amniótico geradas pelas contrações durante o trabalho de parto espontâneo oscilam em torno de 40 mmHg, mas podem variar de 20 a 60 mmHg Diferenças entre os segmentos uterinos superior e inferior. Por meio da palpação abdominal, mesmo antes da ruptura das membranas, os dois segmentos podem ser diferenciados em alguns casos. O segmento superior é firme durante as contrações, e o segmento inferior é mais macio, distendido e passivo. Esse mecanismo é primordial porque se todo o miométrio, inclusive o segmento uterino inferior e o colo, contraísse ao mesmo tempo e com intensidade igual, a força expulsiva final seria acentuadamente menor. Dessa maneira, o segmento superior contrai, retrai e expulsa o feto. Em resposta a essas contrações, o segmento uterino inferior mole e o colo uterino dilatam e, assim, formam um tubo adelgaçado, muito expandido, através do qual o feto pode passar. Clinicamente, é importante compreender que o fenômeno de retração do segmento superior depende da diminuição do volume de seu conteúdo. Para que isso aconteça, principalmente no início do trabalho de parto, quando todo o útero é praticamente um saco fechado com dilatação cervical mínima, a musculatura do segmento inferior precisa distender-se. Isso permite que uma parte maior do conteúdo uterino ocupe o segmento inferior. O segmento superior retrai apenas na extensão em que o segmento inferior se distende e que o colo dilata. Útero no momento do parto vaginal. O segmento superior ativo retrai em torno da parte de apresentação à medida que o feto desce através do canal de parto. No segmento inferior passivo, o tônus miometrial é consideravelmente menor. Alterações no formato uterino. Cada contração gradualmente alonga o formato ovoide do útero e, assim, estreita o diâmetro horizontal. Essa alteração de formato tem efeitos importantes sobre o processo do trabalho de parto. Em primeiro lugar, há aumento da pressão axial fetal, isto é, a redução do diâmetro horizontal ajuda a alinhar a coluna vertebral do feto. Isso pressiona o polo superior do feto firmemente contra o fundo do útero, enquanto o polo inferior é empurrado ainda mais para baixo. Em segundo lugar, com o alongamento do útero, as fibras musculares longitudinais são retraídas. Em OBSTETRÍCIA TRABALHO DE PARTO consequência, o segmento inferior e o colo são as únicas partes flexíveis do útero, e elas são puxadas para cima e ao redor do polo inferior do feto. Forças auxiliares Depois que o colo estiver totalmente dilatado, a força mais importante para a expulsão fetal é produzida pela pressão intra-abdominal materna. A contração dos músculos abdominais, simultaneamente com os esforços respiratórios forçados com a glote fechada, é referida como puxos. Essa força é similar à da defecação, mas a intensidade costuma ser muito maior. A importância da pressão intra-abdominal é demonstrada pela descida prolongada durante o trabalho de parto das mulheres paraplégicas e das pacientes com bloqueio peridural denso. Além disso, embora a pressão intra-abdominal seja necessária à finalização do segundo estágio do trabalho de parto, os esforços de empurrar para baixo têm pouco efeito no primeiro estágio. Eles esgotam a mãe, e as pressões intrauterinas altas associadas podem ser prejudiciais ao feto. Alterações do colo uterino Em consequência das forças de contração, duas alterações fundamentais – apagamento e dilatação – acontecem no colo já amadurecido. Para que uma cabeça fetal de dimensões medianas possa passar pelo colo uterino, seu canal precisa dilatar-se até um diâmetro aproximado de 10 cm. Nesse momento,diz-se que o colo está completa ou plenamente dilatado. Embora possa não haver descida fetal durante o apagamento cervical, em geral a parte de apresentação fetal desce um pouco à medida que o colo dilata. O apagamento cervical é a “obliteração” ou “subida” do colo. Ele se evidencia clinicamente pelo encurtamento do canal cervical, que começa com comprimento aproximado de 3 cm e termina simplesmente com um orifício circular com bordas praticamente da espessura de uma folha de papel. As fibras musculares no nível do orifício cervical interno são puxadas para cima, ou “levantadas”, para dentro do segmento uterino inferior. A condição do orifício externo permanece temporariamente inalterada. Como o segmento inferior e o colo têm menos resistência durante a contração, uma força centrífuga é exercida sobre o colo, levando à dilatação cervical. Como as contrações uterinas provocam pressão sobre as membranas, a ação hidrostática da bolsa amniótica dilata o canal cervical como uma cunha. O processo de apagamento e dilatação do colo é responsável pela formação de uma bolsa anterior de líquido amniótico. Essa bolsa corresponde à parte principal do saco de líquido amniótico situado na frente da parte de apresentação fetal. Na ausência de membranas intactas, a pressão da parte de apresentação contra o colo e o segmento uterino inferior tem eficácia similar. A ruptura precoce das membranas não retarda a dilatação cervical desde que a parte de apresentação fetal esteja posicionada de forma a exercer pressão contra o colo e o segmento inferior. A. Antes do trabalho de parto, o colo da primípara é longo e não está dilatado, em contraste com o colo uterino da multípara, que apresenta dilatação dos orifícios interno e externo. B. À medida que começa o apagamento, o colo da multípara apresenta dilatação e afunilamento do orifício interno. Isso é menos evidente no colo uterino da primípara. C. À medida que se alcança apagamento completo do colo da primípara, a dilatação é mínima. O inverso ocorre na multípara. A dilatação cervical é dividida nas fases latente e ativa. A fase ativa também é subdividida em fase de aceleração, fase de inclinação máxima e fase de desaceleração. A duração da fase latente é mais variável e sensível a fatores externos. Por exemplo, a sedação pode prolongar a fase latente, enquanto a estimulação do miométrio abrevia essa fase. A duração da fase latente tem pouco impacto sobre a evolução subsequente do trabalho de parto, enquanto as características da fase de aceleração em geral são preditivas do desfecho do trabalho de parto. O primeiro estágio termina quando a dilatação cervical é completa. OBSTETRÍCIA TRABALHO DE PARTO ■ Segundo estágio: descida fetal Em muitas nulíparas, o encaixe da cabeça é concluído antes que o trabalho de parto comece. Apesar disso, a cabeça pode não descer mais até o final do trabalho de parto. No padrão de descida do trabalho de parto normal, uma curva hiperbólica típica é formada quando a estação da cabeça fetal é plotada como uma função da duração do trabalho de parto. O plano descreve a descida do diâmetro biparietal fetal em relação a uma linha desenhada entre as espinhas isquiáticas maternas. Comumente, a descida ativa acontece depois que a dilatação progrediu por algum tempo. Durante o segundo estágio do trabalho de parto, a velocidade da descida também é máxima, sendo mantida até que a parte de apresentação alcance o assoalho do períneo. Em nulíparas, a parte de apresentação costuma descer lenta e continuamente. No entanto, nas multíparas, principalmente naquelas de alta paridade, a descida pode ser rápida. ■ Alterações do assoalho pélvico No primeiro estágio do trabalho de parto, as membranas (quando estão intactas) e a parte de apresentação fetal servem para dilatar a parte superior da vagina. A alteração mais marcante é o estiramento das fibras do músculo levantador do ânus. Ele é acompanhado pelo adelgaçamento da porção central do períneo, que se transforma de uma massa de tecidos com formato cuneiforme de 5 cm de espessura em uma estrutura membranosa fina e quase transparente com espessura menor que 1 cm. Quando o períneo é distendido ao máximo, o ânus fica acentuadamente dilatado, apresentando uma abertura que varia de 2 a 3 cm de diâmetro, pela qual ocorre abaulamento da parede anterior do reto. ■ Terceiro estágio: expulsão da placenta e das membranas Este estágio começa logo depois do nascimento do feto e envolve a separação e a expulsão da placenta e das membranas. À medida que o feto nasce, o útero contrai de maneira espontânea ao redor de seu conteúdo cada vez menor. Normalmente, no momento em que o feto é totalmente expulso, a cavidade uterina é quase obliterada. O órgão consiste em uma massa quase sólida de músculo, com vários centímetros de espessura, acima do segmento inferior mais delgado. O fundo do útero agora se localiza exatamente abaixo do nível umbilical. Essa diminuição súbita do tamanho uterino é inevitavelmente acompanhada por diminuição da área do sítio de implantação da placenta. Para que a placenta se acomode a essa área reduzida, ela aumenta sua espessura; contudo, em virtude da elasticidade placentária limitada, ela é forçada a curvar-se. A tensão resultante empurra a camada mais fraca – a decídua esponjosa – para fora desse local. Assim, a separação da placenta segue a desproporção criada entre o tamanho placentário relativamente inalterado e o tamanho reduzido do sítio de implantação. OBSTETRÍCIA TRABALHO DE PARTO Depois da separação da placenta, ela pode ser expelida pela pressão abdominal aumentada. A conclusão do terceiro estágio também é alcançada pela compressão e pela elevação alternadas do fundo do útero, enquanto se exerce tração mínima no cordão umbilical. O hematoma retroplacentário desce depois da placenta ou está localizado dentro do saco invertido formado pelas membranas. Nesse processo, conhecido como mecanismo de Schultze de expulsão da placenta, o sangue oriundo do sítio placentário derrama dentro do saco membranoso e não escapa externamente até que a placenta seja expelida. Com outro método de expulsão da placenta, conhecido como mecanismo de Duncan, a placenta separa-se em primeiro lugar na periferia, e o sangue acumula-se entre as membranas e a parede uterina e sai pela vagina. Nessa circunstância, a placenta desce lateralmente, e a superfície materna aparece em primeiro lugar. UTEROTÔNICOS NA FASE 3 DA PARTURIÇÃO ■ Ocitocina No final da gravidez, durante a fase 2 da parturição, cresce muito a quantidade de receptores de ocitocina do miométrio . Esse aumento coincide com a acentuação da reatividade contrátil do útero à ocitocina. A gestação prolongada está associada a um atraso no aumento do nível desses receptores. A ocitocina – literalmente, nascimento rápido – foi o primeiro uterotônico a ser implicado na iniciação da parturição. O pró-hormônio é transportado com sua proteína carreadora, neurofisina, ao longo dos axônios até o lobo neural da neuro-hipófise em vesículas acopladas à membrana para armazenamento e liberação posterior. O pró-hormônio é convertido por ação enzimática em ocitocina durante o transporte. Além de sua eficácia na indução farmacológica do trabalho de parto a termo, a ocitocina é um potente uterotônico e ocorre naturalmente nos seres humanos. Observações subsequentes forneceram apoio adicional a essa teoria: (1) a quantidade de receptores de ocitocina aumenta notavelmente nos tecidos miometriais e deciduais pouco antes do final da gestação; (2) a ocitocina atua nos tecidos deciduais estimulando a secreção de prostaglandinas; e (3) a ocitocina é sintetizada diretamente na decídua e nos tecidos fetais extraembrionários e na placenta. Embora exista pouca evidência sugerindo um papel para a ocitocina na fase 2 da parturição, dados abundantes sustentam seuimportante papel durante o segundo estágio do trabalho de parto e no puerpério – fase 4 da parturição. Especificamente, os níveis séricos maternos de ocitocina estão elevados: (1) durante o segundo estágio do trabalho de parto, que corresponde ao final da fase 3 da parturição; (2) no início do puerpério; e (3) durante a amamentação. Imediatamente após o nascimento do feto e a expulsão da placenta e membranas, o que completa a fase 3 da parturição, as contrações firmes e persistentes do útero são fundamentais para evitar a hemorragia pós-parto. A ocitocina provavelmente causa contrações persistentes. ■ Prostaglandinas Embora seu papel na fase 2 da parturição das gestações não complicadas não esteja bem definido, é evidente um papel importante das prostaglandinas na fase 3 da parturição. Em primeiro lugar, os níveis das prostaglandinas – ou de seus metabólitos – no líquido amniótico, no plasma materno e na urina materna aumentam durante o trabalho de parto. Em segundo lugar, os receptores de PGE2 e PGF2α são expressos no útero e no colo uterino. Assim, esses tecidos responderão se forem expostos a prostaglandinas. Em terceiro lugar, o tratamento das gestantes com prostaglandinas, por qualquer uma das diversas vias de administração, causa abortamento ou trabalho de parto em qualquer idade gestacional. Além disso, a administração dos inibidores de prostaglandina H-sintase tipo 2 (PGHS-2) às mulheres grávidas atrasa o início do trabalho de parto espontâneo e, às vezes, paralisa o trabalho de parto prematuro. Por fim, o tratamento do tecido miometrial com prostaglandina in vitro às vezes provoca contração, dependendo do prostanoide testado e do estado fisiológico do tecido tratado. Durante o trabalho de parto, a produção das prostaglandinas dentro do miométrio e da decídua é um mecanismo eficiente de ativação das contrações. Por exemplo, a síntese de prostaglandinas é alta e não se altera na decídua durante as fases 2 e 3 da parturição. Além disso, o nível de receptor de PGF2α está elevado na decídua a termo, sendo esse aumento provavelmente uma etapa regulatória da ação das prostaglandinas no útero. As membranas fetais e a placenta também produzem prostaglandinas. Principalmente PGE2, mas também PGF2α, são detectadas no líquido amniótico em todas as OBSTETRÍCIA TRABALHO DE PARTO idades gestacionais. À medida que o feto cresce, os níveis de prostaglandinas no líquido amniótico aumentam gradualmente. No entanto, os principais aumentos da concentração no líquido amniótico são demonstráveis depois que começa o trabalho de parto. Esses níveis mais altos provavelmente ocorrem à medida que o colo dilata e expõe os tecidos da decídua. Em conjunto, os aumentos de concentração das citocinas e das prostaglandinas degradam ainda mais a matriz extracelular e, desse modo, enfraquecem as membranas fetais. ■ Endotelina 1 As endotelinas constituem uma família de peptídeos com 21 aminoácidos que induzem contração vigorosa do miométrio. O receptor de endotelina A está expresso preferencialmente na musculatura lisa e, quando ativado, provoca aumento no cálcio intracelular. A endotelina 1 é produzida no miométrio das gestantes a termo e pode induzir a síntese de outros mediadores contráteis, inclusive prostaglandinas e mediadores inflamatórios. A necessidade da endotelina 1 na fisiologia da parturição normal ainda não foi confirmada. ■ Angiotensina II Existem dois receptores de angiotensina II ligados à proteína G expressos no útero – AT1 e AT2. Nas mulheres que não estão grávidas, o receptor AT2 é predominante, mas o receptor AT1 está expresso preferencialmente nas mulheres grávidas. A ligação da angiotensina II ao receptor da membrana plasmática provoca contração. Durante a gestação, o músculo liso vascular que expressa o receptor AT2 é refratário aos efeitos pressores da angiotensina II infundida. FASE 4: PUERPÉRIO Imediatamente e por cerca de 1 hora após o parto, o miométrio permanece persistentemente contraído. Isso comprime diretamente os vasos uterinos de grande calibre e provoca trombose de seu interior de forma a evitar hemorragia. Essa ação é tipicamente potencializada por agentes uterotônicos endógenos e farmacológicos. A involução uterina e o reparo cervical são processos de remodelação que recuperam esses órgãos de volta ao estado pré-concepcional. Eles protegem o trato reprodutor contra a invasão de microrganismos comensais e recuperam a reatividade do endométrio às oscilações hormonais cíclicas normais. Durante a fase inicial do puerpério, começa a ocorrer a lactogênese e a saída de leite nas glândulas mamárias. O reinício da ovulação assinala a preparação para uma gestação subsequente. A ovulação geralmente ocorre dentro de 4 a 6 semanas após o parto. Porém, ela depende da duração da amamentação e da anovulação e amenorreia mediadas pela prolactina e induzidas pela lactação.
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