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Resumo "Pós-Modernismo", de David Harvey

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“Pós-Modernismo”, de David Harvey
Pedro Teodósio Mansur
	O texto “Pós-Modernismo” é o terceiro capítulo da primeira parte do livro de David Harvey “Condição Pós-Moderna”, obra importantíssima no que diz respeito à discussão acerca da passagem da modernidade para a pós-modernidade. Geógrafo crítico, o autor afinado com a obra marxista mobiliza com destreza conceitos de diversos campos para pensar a cultura de forma a caracterizar o que ele chama de condição pós-moderna.
		A tese principal do livro é a de que ocorreram intensas mudanças culturais e político-econômicas no mundo desde o começo da década de 1970, derivadas do surgimento de novas maneiras de se experimentar o tempo e o espaço que estão, por sua vez, vinculadas à uma nova forma de acumulação do capital, chamada pelo autor de “acumulação flexível”. Aqui, vou tratar principalmente do terceiro capítulo, no qual ele caracteriza o pós-modernismo.
	Harvey inicia o capítulo falando de uma “mudança na estrutura do sentimento”, e depois vai a alguns campos do saber e da cultura pegar exemplos para caracterizar essa mudança. Na arquitetura – a área principal de onde ele colhe expressões do pós-modernismo –, no romance, na filosofia e na teologia, ele busca então características específicas do movimento pós-moderno, como a passagem de um dominante epistemológico a um ontológico, a denúncia filosófica da razão abstrata e a aversão à busca da emancipação através da tecnologia e da ciência.
	Nesse momento, ainda inicial, ele levanta algumas das questões que vão permear o resto do texto, principalmente com relação ao pós-modernismo em sua relação com o mercado e com o capital, e acerca de seu potencial revolucionário. Ele condensa: “portanto, o pós-modernismo solapa a crítica neoconservadora ou se integra a ela?”, e para tratar dessa questão parte para uma sistematização das diferenças entre a modernidade e a pós-modernidade, a partir das oposições estabelecidas por Ihab Hassan. Algumas delas são: centração do pensamento moderno, dispersão do pós-moderno; raiz - rizoma; significado - significante; determinação - indeterminação; totalização - desconstrução.
	Com algumas dessas oposições podemos perceber o que Harvey considera um fato espantoso do pós-modernismo, sua aceitação “do efêmero, do fragmentário, do descontínuo”. Isso, aliado à discussão acerca do suposto potencial revolucionário pós-modernista, nos levanta uma importante questão: a sustentação dessa dimensão fragmentária permite a maior visibilidade de correntes de pensamento e reivindicações de grupos oprimidos pelo capital ou aumenta a divisão e a desorganização das parcelas sociais que precisam se servir de um coletivo unido para que operem suas transformações no mundo?
	As críticas de Foucault, por exemplo, com relação ao caráter metanarrativo e totalizante da teoria marxista, alegando que ela não consegue escapar de uma relação repressiva entre poder e conhecimento, me parecem interessantes na medida em que evidenciam a necessidade de tornar sempre contemporâneas as teorias clássicas, mas por vezes cai na impossibilidade de nos organizarmos de forma majoritária. O “ataque multifacetado e pluralista” que Harvey aponta no texto como a estratégia foucaltiana de resistência ao capital exige que levantemos essa questão. Como aponta o autor: “Aceitar a fragmentação, o pluralismo e a autenticidade de outras vozes e outros mundos traz o agudo problema da comunicação e dos meios de exercer o poder através do comando”.
	O aparente receio dos movimentos pós-modernistas críticos ao capital à aspiração de um projeto de organização global me parece ter dois problemas: por um lado, a fragmentação da linguagem e da representação, por alegadamente impedir a coerência de organizações majoritárias, impede um projeto organizado de atividade política; por outro, essa negação da ação dita repressiva e a recusa do poder enquanto instrumento acabam por fazer obstáculos a um projeto real de emancipação popular contra um Estado que, esse sim, é fundado na violência sobre a população.
	Essa prevalência das determinações locais, a meu ver, é muito presente inclusive em discursos liberais como o de “pensar global, agir local”, que acabam inclusive por desmobilizar projetos de destituição das grandes forças capitalistas globais. A ação local é extremamente importante, mas a partir do momento em que a ação possível pelas forças pós-modernistas é balizada pela fragmentação de suas concepções de mundo, perde-se de vista a urgência de uma perspectiva global de ação – que se dê, claro, sem o apagamento das devidas especificidades regionais.
	Para além de especulações acerca do potencial político do pensamento pós-modernista ou das eventuais limitações derivadas das determinações de sua gênese pelo capital, algo me parece muito importante ao tratarmos do tempo pós-moderno: as modulações atuais de sofrimento psíquico. Tratando do caráter esquizofrênico da experiência atual, o autor levanta, junto de Jameson, a idéia de “uma série de presentes puros e não relacionados no tempo”. Com a desordem da experiência temporal, a perda de referência histórica a um tempo contínuo, constitui-se de uma forma específica um sujeito cujas formações sintomáticas poderão servir de chave de leitura ao se pensar o tempo e lugar em que ele vive. 
	É imprescindível, portanto, que a aposta em qualquer clínica, seja individual ou coletiva, ou em qualquer atuação por parte da psicologia que vise o aumento do bem-estar dos sujeitos com quem trabalha, passe por um estudo fino das forças que movem o tecido social contemporâneo. Nesse sentido, o texto de Harvey é extremamente útil à qualquer um que queira, por exemplo, pensar o sintoma em tempos pós-modernos. O que no texto aparece como um caráter esquizofrênico da experiência pós-moderna em contraponto a paranóia da experiência moderna, por exemplo, é uma visão muito interessante para se pensar clinicamente.
	Essa perda da temporalidade contínua, que desemboca em uma exigência constante de impacto imediato e na instantaneidade efêmera do cotidiano, é um ponto bastante interessante para pensarmos não só as relações do capitalismo com a sintomatologia contemporânea, mas também com a sua captura das mídias sociais. Muito bem instrumentalizadas pela política bolsonarista de controle das pautas públicas, inclusive por meio da hostilização e conseqüente esvaziamento da zona de debate democrático, as mídias sociais são causa e conseqüência do imediatismo atual, e com certeza são um fator incontornável ao se pensar o pós-modernismo hoje em dia.
	Esse uso da tecnologia, mesmo que não exatamente abordado no texto, pode ser pensado de acordo com a linha de questionamento do autor e de outros pensadores que ele resgata, que levantam a importante questão acerca da produção pelo pós-modernismo de uma cultura de consumo cujo desenvolvimento foi essencial ao firmamento do capitalismo em sua forma mais atual. Como resposta à “busca do impacto instantâneo” que o próprio capitalismo produziu, ele oferece o consumo impulsionado pelas plataformas de mídia. Emaranhado desse sistema, o pensamento pós-modernista nos convoca a estar atentos com relação à tênue linha entre popularização e mercadificação do saber e da cultura.
	Já no fim do capítulo, Harvey nos oferece uma síntese do pensamento de Jameson que, nesse texto, acompanha minha desconfiança – ainda que não possa defendê-la ou garantir sua plausibilidade com firmeza – com relação ao movimento pós-modernista. Evidenciando a necessidade de que tratemos, enquanto psicólogos formadores e/ou em formação que afirmam compromissos sociais e éticos junto aos sujeitos de nossas práticas, diz o autor: “a invocação de Jameson nos traz, por fim, à sua ousada tese de que o pós-modernismo não é senão a lógica cultural do capitalismo avançado”.

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