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BLOC, CHAMOND, WOLF-FEDIDAE MOREIRA - A relação de implicação entre as fenomenologias

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bulletin de psychologie / tomo 70 (4) / 550 / julho-agosto 2017a 
 
A RELAÇÃO DE IMPLICAÇÃO (E NÃO DE APLICAÇÃO) ENTRE AS 
FENOMENOLOGIAS FILOSÓFICA E CLÍNICA: O PONTO DE VISTA DE 
ARTHUR TATOSSIANbc 
 
 Lucas Blocd 
 Virginia Moreirae 
 Mareike Wolf-Fédidaf 
 Jeanine Chamondg 
 
Resumo: As obras de Minkowski, Binswanger, Boss, Strauss, Ey e von Gebsattel 
foram as primeiras a interrogar os aportes da fenomenologia filosófica no 
domínio da clínica (psicopatologia, psiquiatria e psicoterapia fenomenológica). 
Este artigo tem como objetivo apresentar e discutir o ponto de vista de Arthur 
Tatossian que, mais recentemente, se voltou à questão da relação entre as 
fenomenologias filosófica e clínica para destacar a importância de uma relação 
de implicação, e não de aplicação, na metodologia entre esses dois domínios. 
Tatossian construiu uma psicopatologia da clínica e para a clínica, e seu ponto 
de vista está sustentado por uma ética da consideração do outro e de seu vivido 
e do fenômeno que se apresenta – dimensões originárias de toda fenomenologia 
clínica. 
LA RELATION D’IMPLICATION (ET NON D’APPLICATION) ENTRE LES 
PHENOMENOLOGIES PHILOSOPHIQUE ET CLINIQUE : LE POINT DE VUE 
D’ARTHUR TATOSSIAN 
Résumé: Les travaux de Minkowski, Binswanger, Boss, Strauss, Ey et von 
Gebsattel ont été les premiers à interroger les apports de la phénoménologie 
philosophique au domaine de la clinique (psychopathologie, psychiatrie et 
psychothérapie phénoménologique). Cet article a pour objet présenter et discuter 
le point de vue d’Arthur Tatossian qui, plus récemment, est revenu sur la question 
de la relation entre les phénoménologies philosophique et clinique pour souligner 
l’importance d’une relation d’implication, et non d’application, dans la 
méthodologie entre ces deux domaines. Tatossian construit une 
psychopathologie de la clinique et pour la clinique, et son point de vue est sous-
tendu par une éthique de la considération de l’autre et de son vécu et du 
phénomène qui se montre – dimensions originaires de toute phénoménologie 
clinique. 
 
a http://www.bulletindepsychologie.net 
b Texto recebido em 25 de julho de 2015 e aceito em 13 de junho de 2016. 
c Tradução para o português de Georges Boris. 
d Universidade Denis Diderot - Paris VII, França, Universidade de Fortaleza, Brasil. 
e Universidade de Fortaleza, Brasil. 
f Universidade Denis Diderot - Paris VII, França. 
g Universidade de Montpellier 3, França. 
http://www.bulletindepsychologie.net/
THE RELATION OF IMPLICATION (AND NON-APPLICATION) BETWEEN 
PHILOSOPHICAL AND CLINICAL PHENOMENOLOGY: ARTHUR 
TATOSSIAN’S POINT OF VIEW 
Abstract: The works of Minkowski, Binswanger, Boss, Strauss, Ey and Von 
Gebsattel were the first ones to debate philosophical phenomenology beyond 
philosophy in the clinical domain (psychopathology, psychiatry and 
phenomenological psychotherapy). This article aims at presenting and discussing 
the point of view of Arthur Tatossian, who, most recently, pursued the matter of 
the relationship between philosophical and clinical phenomenologies in order to 
highlight the importance of a relation of implication and non-application between 
these two areas concerning methodology. Tatossian built a psychopathology 
from clinics and for clinics and his point of view is supported by an ethics that 
takes the other person into consideration, as well as his/her lived experience and 
the phenomenon that presents itself—dimensions originating in every clinical 
phenomenology. 
 
INTRODUÇÃO 
O nascimento da fenomenologia está associado às obras de Edmund 
Husserl no início do século XX. Ele tomou como objetivo refundar o caráter 
rigoroso do conhecimento, propondo um movimento de “retorno às coisas 
mesmas”. Por meio deste novo método, diferente de uma perspectiva metafísica 
e afastado das ciências positivas, Husserl queria dar à filosofia um estatuto de 
saber fundador, saber que teria por vocação ser evidente e capaz de 
compreender a vida psíquica, isto é, de se tornar um método genuíno. 
Outros filósofos, como Heidegger, Merleau-Ponty, Lévinas e Sartre, entre 
outros, continuaram a desenvolver, de uma maneira própria a cada um, o 
trabalho inicial de Husserl. Eles são os principais representantes da 
fenomenologia filosófica e suas contribuições são fontes de inspiração para a 
constituição posterior da fenomenologia clínica. 
O termo “fenomenologia” tem um sentido amplo. Sua meta, como método, 
é descrever o que aparece e se apresenta também como estilo ou maneira de 
pensar (Dastur, 2005; Merleau-Ponty, 1945). Assim, a filosofia e seus métodos 
se tornaram capazes de inspirar diversos saberes e impõem, portanto, a 
exigência de examinar o que se apresenta, bem como de se interessar pelas 
condições de uma representação possível da realidade. 
No começo dos anos 1920, o debate inicial, interno à fenomenologia 
filosófica, transbordou o campo da filosofia. Os psiquiatras Minkowski e 
Binswanger, seguidos de Boss, Strauss, von Gebsattel e Ey, foram os primeiros 
a explorar o campo clínico a partir da psicopatologia e da psiquiatria 
fenomenológicas. Tratavam-se de abordagens dos problemas mentais que, a 
partir desta época, receberam várias denominações: fenomenologia psiquiátrica, 
psicopatologia fenomenológica, análise fenômeno-estrutural, análise existencial, 
Daseinsanálise, antropologia fenomenológica das psicoses e fenomenologia 
clínica (Charbonneau, 2010). Ainda que cada denominação tenha suas 
especificidades, todas se aproximam da fenomenologia e têm seu lugar no 
diálogo aberto entre fenomenologia e psiquiatria. Nosso objetivo, neste artigo, 
não é diferenciá-las: queremos mostrar que estas diferenças constatadas 
testemunham o desejo dos psiquiatras de dialogar com a filosofia (Dastur, 2014), 
de acordo com o movimento particular e direto característico das perspectivas 
da psiquiatria fenomenológica. Nosso interesse está centrado justamente nesta 
relação estabelecida e plena de possibilidades. 
Neste artigo, escolhemos a denominação “fenomenologia clínica” em 
razão de sua eficiência para dar conta do sentido clínico, seja de uma clínica 
psiquiátrica ou psicológica, seja de modelos de psicoterapia de natureza 
fenomenológica. Ela nos permite levar em consideração a construção do 
discurso teórico da psicopatologia, a partir do contato clínico. Insistimos no fato 
de que, desde o início, a psiquiatria e a psicopatologia fenomenológicas 
acentuaram a dimensão clínica, tanto para constituir o plano teórico quanto para 
elaborar o tratamento do doente, o que justifica também esta escolha. 
De um ponto de vista histórico, podemos datar o nascimento da 
fenomenologia clínica no ano de 1922, mais precisamente na ocasião da 63ª 
sessão da Sociedade Suíça de Psiquiatria de Zurique, durante a qual Minkowski 
e Binswanger apresentaram seus trabalhos sobre a melancolia e a 
esquizofrenia, cada um segundo uma perspectiva fenomenológica. No início, 
surgiram algumas dificuldades de distinguir os passos da fenomenologia 
filosófica e da fenomenologia clínica. Este emaranhamento era devido à 
penetração da filosofia no domínio clínico, induzindo uma falta de delimitação 
clara entre estes dois domínios, o que produziu mal-entendidos. O pior deles 
consistiu em querer simplesmente “aplicar” a fenomenologia filosófica à clínica 
(Tatossian, 1979/2002). As consequências deste mal-entendido foram, por 
exemplo, uma sistematização do vivido, que não é aplicável em um passo 
fenomenológico, e a produção de um campo clínico inconsistente e contraditório 
consigo mesmo. É necessário, então, esclarecer esta relação. 
Esta questão foi, particularmente, uma preocupação no pensamento de 
Arthur Tatossian, psiquiatra francês de origem armênia (nascido em 1929 e 
morto em 1995), que teve um papel central no desenvolvimento da 
fenomenologia clínica na França. Ele manteve aberto,especialmente, o debate 
entre fenomenologia e psiquiatria no momento em que a psicanálise tinha um 
lugar dominante na França. Seu livro A Fenomenologia das Psicoses (1979) se 
mantém como a obra de referência da psiquiatria fenomenológica (Dastur, 2014) 
e é considerado um dos mais importantes livros fenomenológicos sobre as 
psicoses do pós-guerra na França. 
Tatossian desenvolveu uma psicopatologia e uma clínica fundada sobre 
o conceito de Lebenswelt (mundo vivido ou mundo da vida). É em referência às 
obras de Tatossian que queremos abordar aqui as relações entre fenomenologia 
filosófica e fenomenologia clínica. Com efeito, o autor destaca a importância de 
uma relação de implicação epistemológica e metodológica, que vai de encontro 
a uma simples relação de aplicação entre estes dois domínios. 
 
A RELAÇÃO ENTRE FENOMENOLOGIA FILOSÓFICA E CLÍNICA, 
DIFICULDADES E MAL-ENTENDIDOS 
Tatossian atribui as dificuldades da fenomenologia à sua maneira de 
penetrar no domínio clínico, pois ela parece mais uma contracorrente formal que 
perturba a hegemonia normativa com aquela com que estava habituada a 
compreender a ciência. Neste sentido, ele escreve: “A fenomenologia não se 
interessa pelas realidades como tais, mas com as suas condições de 
possibilidades, e então ela não começa senão após haver, de uma ou de outra 
forma, praticado a redução fenomenológica, que suspende a atitude natural e 
suas afirmações” (Tatossian, 1979/2002, p. 14). Com efeito, a redução 
fenomenológica consiste em suspender nossas crenças ingênuas e juízos sobre 
o mundo, e visa a evitar que o clínico sucumba à ilusão instrumental, 
classificatória e estatística (Lantéri-Laura & Grenouilloux, 2005), ainda que a 
consideração de Merleau-Ponty seja sempre válida: “O maior ensinamento da 
redução é a impossibilidade de uma redução completa” (Merleau-Ponty, 
1945/1992). Mas, então, se ela não pode ser completa, quais seriam sua 
importância e sua necessidade? 
Abordamos, aqui, um ponto filosófico e metodológico central de um 
grande potencial clínico, na medida em que a redução fenomenológica pode ser 
uma ferramenta preciosa para a compreensão do vivido dos pacientes. Para nós, 
dois argumentos podem justificar sua importância e sua necessidade. O 
primeiro, numa ótica clínica, permite insistir no que a redução pode produzir no 
encontro clínico: na medida em que o clínico tenta manter distância suas 
concepções prévias, ele pode se aproximar muito mais livremente do fenômeno 
que se apresenta a ele, sem se apegar em excesso nem à teoria nem às 
impressões prévias. Este argumento justifica o uso da redução como artifício 
metodológico para permitir acesso à experiência. 
O segundo argumento é que a redução fenomenológica é um freio às 
tentações classificatórias que, com frequência, enclausuram os pacientes em 
quadros nosográficos rígidos nos quais eles se mantêm presos. Quando 
Tatossian afirma que o movimento da redução fenomenológica dá condição a 
“uma crítica da razão psiquiátrica” (Tatossian, 1986), ele reconhece a 
potencialidade da redução para manter o clínico frente aos conteúdos que se 
mostram a ele. A redução permite evitar a classificação induzida por inferências 
que tornam impossível o encontro clínico autêntico e a compreensão do vivido 
dos pacientes. Uma fenomenologia clínica sem a redução ou mesmo somente a 
tentativa de a praticar não é possível, pelo menos aquela proposta por Tatossian: 
ela é, ao mesmo tempo, sua condição de possibilidade e de dificuldade. 
Mas estes argumentos seriam admissíveis se a redução fenomenológica 
completa fosse possível? O fato de que ela não possa jamais ser completa não 
significa, no entanto, uma falha do método, porque ela resulta de nossa inegável 
conexão com o mundo. Dito de outro modo, como sujeitos mundanos, não 
podemos nos afastar completamente do mundo, pois somos este mundo e, de 
certa maneira, somos constituídos por todas as nossas experiências, tanto pelas 
do cotidiano quanto pelas que fazemos como clínicos. Esta condição de ser-no-
mundo é, ao mesmo tempo, o que nos permite uma proximidade com os outros 
e com nossos pacientes. Ela põe em evidência o que nos é comum, o que é 
universal. Mas ela mostra também tudo o que deveria ser necessário para poder 
se afastar para permitir a aparição da dimensão subjetiva. Como resultado, 
Lucas Bloc
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Lucas Bloc
Lucas Bloc
somos confrontados com um paradoxo, cuja origem é o resultado de uma 
proposição fenomenológica da clínica. 
Apesar da necessidade e da importância da redução fenomenológica, 
dizer simplesmente e de forma ingênua que se deveria pôr entre parênteses 
todos os nossos conhecimentos não é suficiente para construir um ponto de vista 
fenomenológico da clínica: isto seria um mal-entendido ligado à tentativa de 
aplicar a fenomenologia a um contexto que não é o seu. Aqui, há um verdadeiro 
paradoxo, cuja solução poderia ser encontrada numa compreensão da 
ambiguidade (Tatossian, Moreira, Chamond et coll., 2016). Esta posição, 
Tatossian sustenta, a partir de sua compreensão da filosofia fenomenológica, 
essencialmente pelo conceito de Lebenswelt de Husserl e pela fenomenologia 
da ambiguidade de Merleau-Ponty, bem como a partir de sua grande experiência 
clínica. Ela está no centro de sua proposição, da qual não se pode senão 
destacar a originalidade. Na verdade, o ponto de vista de Tatossian consiste em 
constatar nossa condição mundana em sua integralidade e, ao mesmo tempo, 
em defender a necessidade de tentar nos livrar de todos nossos juízos e análises 
prévios. O ambíguo reside neste duplo e incessante movimento de estar com 
este sujeito em sua singularidade e também de reconhecer nossa inegável 
condição de sujeito do mundo composto de sua história, de seu saber, de seus 
valores, de seus juízos etc. 
Esta compreensão é oposta à teoria sistemática da psicoterapia ou da 
psicopatologia, pois “a fenomenologia recusa todo prejulgamento e o sistema de 
resultados de uma psico(pato)logia fenomenológica seria um também” 
(Tatossian, 1979/2002, p. 15). A abordagem fenomenológica clínica recusa os 
dogmas, as verdades ou as sistematizações estritas. Sua meta é, ao contrário, 
alcançar a experiência propriamente fenomenológica da doença mental, o que 
apenas se torna possível com o recurso à redução fenomenológica. Conforme 
Tatossian, nenhuma fenomenologia autêntica pode ser “a aplicação” à situação 
intersubjetiva atual de um esquema "teórico" preestabelecido e seu trabalho 
deve sempre ser feito a novos custos e sem preconceitos. É por isso que a 
fenomenologia compreende a "teoria como uma forma de práxis e prática como 
teoria traduzida em obra" (Tatossian, 1994, p. 313). 
A fenomenologia não é uma aplicação trivial de uma teoria filosófica, mas 
antes uma forma de “questionamento” e de investigação da compreensão do 
Lucas Bloc
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Lucas Bloc
Lucas Bloc
doente mental (Tatossian & Samuelian, 2002). Tatossian reconhece o caráter 
precioso e mesmo necessário da fenomenologia filosófica, mas ele não poderá 
jamais substituir o trabalho fenomenológico efetuado pelo clínico. Tomar a 
fenomenologia como base da clínica põe o clínico na posição de sempre 
questionar o paciente e se questionar a si mesmo sobre os fenômenos que se 
apresentam. Na medida em que estes questionamentos não existam mais, 
somos confrontados com as verdades supostamente inegáveis que, no domínio 
clínico, não são nem suficientes nem fenomenológicas. 
Entre os mal-entendidos, a falta de delimitação clara entre estes dois 
domínios leva a equívocos e produz práticas clínicas confusas, que omitem-se 
de se explicar sobre o tipo de relações estabelecidas com a fenomenologia 
filosófica. Uma outra dificuldade reside na diversidade das fenomenologias 
específicas, nas quais podemos nos inspirar, sem alcançar a síntese de cada 
uma destas perspectivas. Estas diferentesfenomenologias filosóficas nos dão, 
efetivamente, recursos para trabalhar a fenomenologia clínica, constituindo sua 
base epistemológica. No entanto, é necessário sempre lembrar que a condição 
para que a fenomenologia possa fornecer postulados práticos é que ela não 
contradiga sua própria natureza (Madioni, 2004). 
Observamos as consequências resultantes da falta de distinção clara 
entre fenomenologia filosófica e fenomenologia clínica, como a tecnicização da 
segunda para se destacar da primeira. Quando a fenomenologia filosófica é 
utilizada somente como recurso metodológico, ela perde muito de seu valor 
epistemológico e filosófico, tornando-se um simples pragmatismo. Por sua vez, 
a fenomenologia clínica não é, não se propõe e não deve ser uma aplicação da 
fenomenologia filosófica. 
Diferentes noções filosóficas surgem durante a experiência 
fenomenológica e não simplesmente como reflexões sobre a experiência. Dito 
de outro modo, é a partir da clínica, do contato com os pacientes, que as noções 
filosóficas podem ser úteis. Tatossian vê nela a maneira pela qual o clínico se 
define e que ele deve usar como ponto de partida. Isto o orienta em direção a 
um posicionamento, que é o de não se enclausurar diante do que é considerado 
como o mais importante para a fenomenologia: a experiência. Isto não quer dizer 
que a teoria não seja importante, mas que ela não pode se sobrepor aos dados 
que se apresentam clinicamente. É necessário sempre retornar o mais próximo 
Lucas Bloc
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Lucas Bloc
Lucas Bloc
possível da experiência: é o movimento proposto a partir da construção da 
fenomenologia, quer ela seja filosófica ou clínica. 
Quando falamos da clínica, é certo que há diferenças, por exemplo, entre 
uma clínica psiquiátrica e uma psicoterapia, mesmo se ambas tenham recorrido 
à fenomenologia em seu campo clínico. Os objetivos não são os mesmos, mas 
há sempre um encontro clínico com o paciente presente nestas duas situações 
clínicas. O olhar fenomenológico na clínica é, ao mesmo tempo, complexo e 
ingênuo, na medida em que o clínico deva assumir uma atitude fenomenológica 
em cada novo encontro, ou seja, “uma operação interminável” (Madioni, 2004). 
A fenomenologia se recusa a seguir uma lógica explicativa da vida subjetiva, 
buscando uma via compreensiva (Benvenuto, 2006). No campo clínico, trata-se 
de uma construção permanente; ou seja, que, no projeto da fenomenologia 
clínica, é necessário seu inacabamento como condição de possibilidades. É uma 
posição difícil, que exige estabelecer bem a relação entre as fenomenologias 
filosófica e clínica. 
 
A RELAÇÃO DE IMPLICAÇÃO ENTRE AS FENOMENOLOGIAS FILOSÓFICA 
E CLÍNICA 
Tatossian propõe um ponto de vista particular da relação difícil entre 
fenomenologia clínica e fenomenologia filosófica. Quando a fenomenologia entra 
no domínio da clínica, isto significa uma maneira de trabalhar em fluxo, pois ela 
não permite uma compreensão estática; ou seja, que ela assume uma posição 
sempre atenta ao que se apresenta na experiência fenomenológica. Isto 
demanda uma relação entre as fenomenologias que ultrapassa a simples 
aplicação. 
Tatossian concebe a fenomenologia filosófica a partir de uma demanda 
emergente no contato e na experiência com o paciente e servindo, assim, de 
inspiração. Ele considera que, para alcançar a experiência fenomenológica, o 
clínico “deve preferir obrigatoriamente o trato direto com o que está em questão: 
a loucura e o louco” (Tatossian, 1979/2002, p. 18). Como resultado, as noções 
filosóficas não devem jamais serem postas como uma reflexão fenomenológica 
sobre a experiência, mas emergir no como e na medida em que a experiência 
se apresenta. Não se trata de uma reflexão sobre sua experiência vivida, 
Lucas Bloc
Lucas Bloc
sobretudo durante o momento do encontro clínico, mas de uma implicação em 
direção à consideração de suas experiências tais como elas surgem. 
A relação de implicação entre as fenomenologias filosófica e clínica, 
proposta por Tatossian, significa o estabelecimento de uma base sólida, 
permitindo um olhar específico sobre a experiência. Trata-se de um lugar de 
inquietude e de questionamento. Estar implicado significa estar engajado; ou 
seja, se manter em coerência com a base sobre a qual nós nos propomos a 
trabalhar. Este engajamento é a condição do compartilhamento entre o clínico e 
o paciente, criando a dimensão intersubjetiva de um encontro. 
Como escreve Tatossian (1979/2002), “a fenomenologia não se 
caracteriza por seu modo de responder, mas por seu modo de questionar a 
doença mental” (p. 225). Suas questões são produzidas no contato com o 
paciente e a partir dos fenômenos que ali se apresentam. Ele continua: “A 
experiência, aqui, não é um ponto de partida do trabalho psiquiátrico, mas um 
objetivo, não um terminus a quoh, mas um terminus ad quemi. É neste sentido 
que a fenomenologia é uma ‘escola da experiência’” (Tatossian, 1986, p. 129). 
É necessário precisar as expressões “questionar a doença mental” e “a 
escola da experiência”. A primeira, frequentemente utilizada por Tatossian, nos 
reenvia a dois sentidos relacionados. O primeiro destaca a importância de 
formular precisamente questões ao paciente para que ele possa revelar e 
exprimir seu vivido o melhor possível. O segundo acentua a necessidade de pôr 
a doença mental em dúvida. Dito de outro modo, duvidando, podemos, ao 
mesmo tempo, permitir a livre expressão das experiências e a inflexão, a partir 
do que se mostra, seja em direção à “confirmação” do que se compreende como 
doença mental, seja em direção à recomposição a partir do que se apresenta. 
Nesta perspectiva, a experiência ultrapassa a investigação de um ponto de 
partida na compreensão da doença mental, pois ela está sempre em movimento 
e continua a se transformar e a trazer novos elementos para uma melhor 
compreensão do vivido do paciente. 
Quando Tatossian reconhece a fenomenologia e seu potencial clínico 
como uma “escola da experiência”, ele quer dizer que ela não está fechada e 
 
h Uma fronteira a partir da qual (N.T.). 
i Uma fronteira pela qual (N.T.). 
Lucas Bloc
Lucas Bloc
Lucas Bloc
Lucas Bloc
não se orienta em função dos elementos previamente dados, mas que ela se 
compõe com a experiência, “aprende” com a experiência. A experiência do 
paciente nos ensina sempre alguma coisa e, para que isto seja possível, o clínico 
deve estar disponível e sempre aberto à possibilidade de reformular seus 
conceitos. Este questionamento toca verdadeiramente nas relações entre teoria 
e prática e pode se configurar como uma das dificuldades atuais do 
fenomenólogo clínico. Isto pode ser uma configuração evidente, mas muitas 
vezes ignorada diante das demandas imediatas e práticas. A diferença entre as 
fenomenologias filosófica e clínica é que esta concepção se apresenta como 
condição de possibilidade de um caminho verdadeiramente fenomenológico. 
 
O PARADOXO ENTRE TEORIA E PRÁTICA 
Tatossian pensa que há, de fato, na abordagem fenomenológica, um 
paradoxo entre teoria e prática. Por um lado, a psiquiatria fenomenológica “aceita 
ou mesmo reivindica como ponto de partida o sentido propriamente científico do 
conhecimento do homem doente mais do que um sentido prático da ação 
terapêutica” (Tatossian, 1980, p. 59) e, por outro lado, não se sabe ou não se 
quer limitar esta teoria fenomenológica por uma prática específica fechada. 
Então, há uma “recusa clara de toda teoria, de todo prejulgamento na relação do 
homem doente. (…) A experiência concreta não é apenas seu ponto de partida, 
mas igualmente seu ponto de chegada, e se apresenta como simples práxis” 
(Tatossian, 1980, p. 59). 
Para Tatossian (1997a), a teoria e a prática estão sempre em statu 
nascendij, pois elas são sempre construídas entre o fato clínico e o paciente, o 
que, para ele, estabelece“a importância decisiva da constituição da vida 
cotidiana do mundo e da realidade pela prática psiquiátrica” (p. 181). Teoria e 
prática se fundam numa unidade fenomenológica, numa experiência, na qual 
“sujeito e objeto, Eu e Mundo, Eu e Outro, não estão ainda isolados e opostos, 
e esta experiência é preobjetiva e pré-teórica, no que Husserl denominou de 
‘mundo da vida’ (Lebenswelt)” (Tatossian, 1980, p. 61). Cada doente impõe 
novamente reinventar a teoria e transformar a prática em teoria. Neste sentido, 
a teoria, em fenomenologia, funciona como uma tentativa de evitar a “submissão 
 
j Estado de gestação (N.T.). 
despercebida dos prejulgamentos teóricos: ela é, assim, sempre prática como 
‘escola da experiência’. A relação entre teoria e prática, ou melhor, entre os dois 
aspectos que mantemos relacionados, aqui, é, então, de implicação e não de 
aplicação” (Tatossian, 1980, p. 62). 
Assim, podemos constatar que a relação entre as fenomenologias 
filosófica e clínica é de implicação, mas que a relação entre teoria e prática 
também o é. No pensamento clínico de Tatossian (1980; 1986; 1997a; 
1979/2002), não parece haver uma delimitação clara entre teoria e prática, mas 
antes um entrelaçamento destes aspectos igualmente necessários, que são 
ferramentas fundamentais para compreender a doença mental e implementar 
práticas clínicas. Deve-se também acrescentar que, na prática clínica de 
Tatossian, esta concepção não tinha por consequência o desprezo pelo uso de 
medicamentos. Ele prescrevia medicamentos, mas sempre de uma maneira 
crítica, em diálogo com os pacientes no seu cotidiano. 
Para Blankenburg, cujas obras sobre a psicose levaram às mesmas 
conclusões que Tatossian (Azorin, Naudin & Pringuey, 2002), a ideia inicial da 
ausência de relação interna entre a teoria (fenomenologia) e a prática, indiferente 
uma à outra, estava ultrapassada. De acordo com ele, “não se pode dizer que 
uma concepção teórica nasce sem qualquer referência a uma certa prática (por 
exemplo, na relação com as doenças psíquicas); e, por outro lado, a longo prazo, 
uma concepção teórica não permanece jamais sem consequência sobre a 
prática” (Blankenburg, 2009, p. 142). Podemos perceber, aqui, uma 
convergência entre estes dois autores contemporâneos da psicopatologia 
fenomenológica. 
A posição tomada por Tatossian de assumir uma relação de implicação e 
não de aplicação entre teoria e clínica tem por consequência dar à liberdade uma 
importância capital. Trata-se sempre de permitir a abertura de possibilidades no 
domínio clínico e de poder ouvir o paciente, como afirma Tatossian (1997b), 
como subjetividade ou possibilidade de subjetividade. Quando a teoria é estática, 
ela não pode senão compreender o paciente de uma maneira heterônoma. Desta 
forma, ela não dá conta da experiência fenomenológica (Moreira & Bloc, 2016). 
É necessário ir além do sintoma, sem o esquecer, e alcançar o fenômeno como 
modo de ser global do paciente (Tatossian, 1979/2002), como estilo existencial, 
capaz de mostrar as particularidades do vivido, mas também seu vínculo 
indissociável com o mundo. 
A fenomenologia clínica consiste na compreensão do fluxo experiencial. 
Então, é sempre necessário duvidar do que já está posto, pois a experiência 
humana deve ser compreendida em seu próprio movimento cotidiano. O 
constante questionamento do lugar do homem no seio da psicopatologia é 
propriamente a meta da pesquisa fenomenológica. A experiência do sujeito 
requer a possibilidade de que a teoria seja, a cada vez, recomposta (Moreira & 
Bloc, 2016; Wolf-Fédida, 2007). 
Para Tatossian, o método fenomenológico tem como mérito restabelecer 
a riqueza da experiência pré-científica do Lebenswelt e suprimir a indistinção 
entre a teoria e a prática, mas sem a amputá-la do essencial, como o faz a 
psicologia positiva: “A meta não é, então, construir teorias a partir da experiência, 
mas criar um novo modelo de experiência, se necessário, pelo intermédio de 
teorias” (Tatossian, 1979/2002, p. 81). 
Esta argumentação mostra que Tatossian quer se distanciar do uso da 
teoria como pura técnica, ou seja, como aplicação prática, e destacar o aspecto 
dinâmico na compreensão da constituição mútua da teoria e da prática. Quanto 
mais as práticas clínicas se tornam técnicas, mais elas se distanciam da 
fenomenologia. Esta crítica destaca o uso inapropriado e indiscriminado de um 
saber prático pouco conectado com a experiência do sujeito e suas demandas – 
uma pura repetição e reprodução de modelos. Para Tatossian (1980), a noção 
de técnica está ausente da fenomenologia, na medida em que ela “implica uma 
manipulação do homem pelo homem” (p. 62-63). Além disso, “uma abordagem 
que não prejulga nada e pretende restaurar em cada momento o que ela 
encontra demonstra uma mobilidade que ameaçaria o componente técnico de 
uma psicoterapia” (p. 63). Poder-se-ia admitir o uso de uma técnica clínica senão 
num sentido ligado a um método com suas ferramentas para permitir as 
intervenções e a facilitação do processo clínico. No entanto, quando esta técnica 
é posta como reprodução acrítica de um suposto saber teórico, ela perde seu 
escopo e seu papel clínico. 
Poderíamos adiantar que, segundo Tatossian, não existiria uma clara 
delimitação entre teoria e prática, o que é fundamental na compreensão da 
doença mental, mas igualmente na elaboração de uma clínica fenomenológica. 
Lucas Bloc
O ponto central é, acima de tudo, a experiência. Psicopatologia e clínica são, 
assim, entrelaçadas numa lógica que não permite as dicotomias entre teoria e 
prática, entre singular e universal, entre homem e mundo. Trata-se de um 
trabalho ambíguo situado na interseção da psicopatologia fenomenológica e da 
clínica, constituída pela experiência do paciente. A prática clínica revela sempre 
a singularidade de cada paciente, mesmo após o diagnóstico ou no caso de 
sintomas referentes a distúrbios específicos (Moreira & Bloc, 2016). 
Teoria e prática são compostas e recompostas, assim, pela experiência, 
redistribuindo a relação sujeito-objeto-sujeito. Isto põe o sujeito em contato com 
a psicopatologia segundo uma dialética estruturante pela experiência pré-
científica (Tatossian, 1979/2002). É necessário considerar a objetividade de um 
vivido, que seja concebido como psicopatologia e já estabelecido teoricamente, 
bem como o fluxo da experiência, que impede um enrijecimento numa 
objetividade pura. 
Para Tatossian, há um mal-entendido persistente, que consiste em pensar 
que a fenomenologia propõe uma teoria do homem em geral e do homem doente 
em particular, pronta a ser aplicada. Esta aplicação é um equívoco próprio à 
fenomenologia. O encontro clínico ocupa um papel central na consideração da 
experiência do paciente num duplo sentido: objetivo e subjetivo. Pode-se dizer 
que tudo está posto por esta experiência. Ela é objetiva no sentido em que pode 
ser comparada com outras patologias na sua construção mundana, quantificada 
ou ainda compreendida a partir de experiências anteriores do clínico. Mas ela é 
também subjetiva, no sentido em que ela permite reconhecer a singularidade de 
cada paciente, seu movimento existencial e suas próprias possibilidades. 
Diante de um paciente psicótico, por exemplo, não estamos apenas com 
a psicose. Estamos com ele e com a psicose. Para designar alguém como 
psicótico, é necessário ter referências anteriores, evidências para afirmar isso. 
Por outro lado, esta conclusão não é possível sem o paciente. Trata-se de 
trabalhar na interseção do empirismo da experiência, que se mostra, sobretudo, 
na clínica, e da teoria, um tipo de a priori construído para compreender a 
psicopatologia. O que demonstra a ambiguidade e também a dificuldade da 
relação entre teoria e prática proposta por Tatossian – uma autêntica ancoragem 
fenomenológica da clínica. Seu diálogoe sua mútua constituição são irrefutáveis 
e dão a condição de uma verdadeira fenomenologia clínica. 
A título ilustrativo, recorremos à tese de doutorado defendida por 
Tatossian, Estudo Fenomenológico de um Caso de Esquizofrenia Paranoide 
(1957/2014), recentemente republicada, que propões uma compreensão 
fenomenológica da existência esquizofrênica de Hélène Jacob. Esta tese 
inovadora, primeiro estudo fenomenológico francês de um caso de esquizofrenia 
(Darcourt & Tatossian, 2014), demonstra, desde o início de sua carreira, a 
amplitude de conhecimentos fenomenológicos de seu autor e seu uso como 
alternativa teórica e clínica à psiquiatria, na segunda metade do século XX, num 
momento no qual a fenomenologia clínica era pouco utilizada na França. Em 
razão da densidade e da amplitude deste caso, vamos destacar apenas alguns 
pontos que se relacionam à nossa discussão sobre a teoria e a prática de 
Tatossian. Sua tese é dividida em duas partes, uma descritiva e uma análise 
fenomenológica do caso, e Tatossian (1957/2014) se recusa a produzir uma 
análise do caso afastada do sentido clínico de um encontro: “Nós aceitamos, 
com prazer, que a análise de Hélène seja preferencialmente interpretada como 
uma análise de nosso encontro com ela” (p. 53). O encontro é sustentado por 
uma reciprocidade essencial que “não é de forma alguma um nivelamento do 
ego e do alter ego, bem ao contrário; o encontro não postula a fusão dos dois 
mundos confrontados, mas simplesmente a atualização de sua coexistência” 
(Tatossian, 1957/2014, p. 61). 
Ele insiste na importância de não visar o ente como coisa, pois isto 
implicaria o abandono de qualquer projeto de sentido. Quando ele aborda, por 
exemplo, a gravidez “imaginária” de Hélène, ele rejeita sua interpretação e as 
conclusões prévias sobre esta experiência, tudo isso visando a que “o sentido 
saia do registro existencial, no movimento da existência (Tatossian, 1957/2014, 
p. 56-57). Para vislumbrar o modo de ser de Hélène, é necessário compreender 
seu movimento. Seu delírio se mostra como sintoma visível, mas ele deve ser 
compreendido também como fenômeno, ou seja, como modo de funcionamento 
que atinge a totalidade de Hélène numa experiência fenomenológica, composta 
pelas significações e os vividos. Não se trata de dispor causalmente os “fatos 
objetivos”, mas buscar um “sentido de ser, um estilo existencial cuja emergência 
nos domínios da memória ou da linguagem é também tão original quanto naquele 
da percepção ‘atual’. O vivido fenomenológico não conhece o ‘estilo indireto’” 
(Tatossian, 1957/2014, p. 75). 
Lucas Bloc
Lucas Bloc
O não-reconhecimento de um estilo indireto significa que ele sustenta uma 
clínica na qual “a única compreensão possível é fenomenológico-ontológica” 
(Tatossian, 1957/2014, p. 75), ou seja, que se estabelece nesta investigação de 
um sentido que se mostrará na relação construída num terreno compartilhado 
entre o paciente e o médico. Segundo Tatossian (1957/2014), “nosso problema 
é a comunicação com a ‘pessoa’” (p. 76), e esta comunicação é implementada 
por meio da redução como atitude para a revelação do vivido do paciente, 
tornando possível sua compreensão. Abandonando a atitude natural para adotar 
uma atitude fenomenológica, visa-se à experiência como fluxo, como 
possibilidade, dimensão amplamente valorizada por Tatossian. 
Num texto sobre o uso da redução fenomenológica em psiquiatria, escrito 
em homenagem a Tatossian, Naudin, Pringuey e Azorin (1999), discípulos de 
Tatossian e continuadores da tradição fenomenológica em psiquiatria no sul da 
França, fazem uma analogia entre a redução e o ato de piscar os olhos. Este ato 
permitiria a aparição, num instante, de uma realidade despojada de 
prejulgamentos. Não se trata de duvidar da existência de uma coisa, mas de 
fazê-la “simplesmente reaparecer como se a tivéssemos perdido de vista por um 
instante, por assim dizer, neutralizada (...) É necessário ainda sermos capazes 
de nos surpreender” (p. 612). 
A partir deste ponto de vista, a teoria em psicopatologia continuaria a 
funcionar como uma referência, mas suas concepções prévias poderiam variar 
frente a cada paciente ou mesmo serem recriadas no momento de um encontro 
(Naudin, Pringuey & Azorin, 1999). Sem surpresa, não há abertura ao que pode 
se apresentar como novo ou diferente. Como resultado, poderíamos 
compreender que a fenomenologia clínica de Arthur Tatossian está, como 
sempre, em construção, pois ela está sempre fundamentada na experiência, no 
movimento mesmo da experiência. Não há uma intenção de ser definitiva, 
fechada ou ainda exata. A base epistemológica, que orienta sua direção clínica, 
configura-se como a condição de possibilidade desta compreensão. 
 
CONCLUSÃO 
Em razão das diferentes fenomenologias filosófica e clínica, Tatossian nos 
apresenta um fio condutor para compreender melhor como fazer uso destas 
orientações tão próximas quanto opostas. A psicopatologia como teoria não 
Lucas Bloc
Lucas Bloc
pode ser separada da clínica, pois se constitui a partir dela. Ao mesmo tempo, a 
criação de um discurso teórico sobre o vivido psicopatológico contribui para 
compreender melhor o vivido do paciente e para se aproximar de sua 
experiência, sempre mantendo uma atitude fenomenológica. Em toda sua vida, 
Tatossian elaborou uma psicopatologia da clínica e para a clínica. Para tornar 
isto possível, é necessário manter a posição de abertura e de implicação entre 
elas. Isto não representa uma mistura, mas uma troca induzida pela maneira pela 
qual a clínica é constituída. Como se trata de uma escola da experiência, as 
fenomenologias estão sempre disponíveis à experiência que, sozinha, é capaz 
de refundar o que aparentemente era evidente. A proposição de investigar e de 
aprender a partir da experiência não significa não buscar a resposta, mas não 
se habituar nem se contentar com ela. Em nossa opinião, esta posição assumida 
por Tatossian traz uma dimensão ética fundamental na medida em que ela dá 
prioridade à consideração do outro e de seu vivido, que se localiza a montante 
do fenômeno que se mostra – dimensão originária e indispensável de toda 
fenomenologia clínica. 
 
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Wolf-Fédida, M. (2007). Théorie de l’action psychothérapique. Paris: MJW 
Fédition. 
	Lucas Bloc
	Virginia Moreira
	Mareike Wolf-Fédida
	Jeanine Chamond
	INTRODUÇÃO
	O PARADOXO ENTRE TEORIA E PRÁTICA
	CONCLUSÃO
	REFERÊNCIAS

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