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Dupla Camada Elétrica Adaptação do texto de Zibihniew Stojek em “Electronalytical Method. Guide to Experiments and Applications”. F.Scholz, Springer, 2005. 1 Introdução Quando qualquer eletrodo é imerso em uma solução eletrolítica, uma região interfacial específica é formada. Esta região é chamada de “Dupla Camada Elétrica (DCE)”. As propriedades elétricas dessa camada são importantes, uma vez que afetam significativamente as medidas eletroquímicas. Em um circuito elétrico usado para medir a corrente que flui de um eletrodo de trabalho em particular, a DCE pode ser vista como um capacitor, Cd, figura 1. Figura 1: Esquema eletrônico de uma célula eletroquímica. Ru é a resistência não-compensada em um sistema de três eletrodos; Cd a capacitância diferencial da dupla camada elétrica (CDE); Rf a resistência da corrente faradáica na superfície do eletrodo e R a resistência compensada da solução no sistema de três-eletrodos. Para se aplicar um potencial desejado na superfície de um eletrodo, o capacitor da dupla-camada tem que ser apropriadamente carregado, o que significa que uma corrente capacitiva (não relacionada com a redução ou oxidação das espécies) flui no circuito elétrico. A corrente capacitiva carrega informações da dupla-camada e sua estrutura, mas do ponto de vista analítico, sua contribuição interfere nas investigações eletroquímicas. Porém, há uma série de maneiras para diminuir, isolar ou filtrar sua contribuição no sinal eletroquímico. Embora muitos modelos para a dupla-camada tenham sido publicados na literatura, não existe nenhum modelo geral que possa ser usado em todas as situações experimentais. Isto porque a estrutura da dupla-camada e sua capacitância depende de vários parâmetros, como: material do eletrodo (metais, carbono, semicondutores, porosidade do eletrodo, presença de camadas tanto de óxidos como de filmes poliméricos ou outros materiais na superfície), tipo de solvente, tipo de eletrólito de suporte, extensão da adsorção específica de íons e moléculas, e temperatura. A composição da DCE influencia a velocidade de transferência de elétrons. Alguns íons e moléculas que adsorvem especificamente na superfície do eletrodo provocam o aumento da velocidade do processo. Esta situação é chamada de “eletrocatálise”. Por outro lado, existem inúmeros compostos que, após a adsorção, provocam a diminuição da velocidade de transferência de elétrons e, portanto, são inibidores do processo. Alguns compostos podem ser tão fortemente adsorvidos à superfície do eletrodo que levam a um bloqueio total da transferência de elétrons diminuindo ou fazendo desaparecer picos ou ondas voltamétricas. A imposição de um potencial de uma fonte externa (potenciostato) a um eletrodo metálico resulta na geração de uma carga, M, no metal e uma carga S na solução. A carga na superfície do eletrodo está relacionada com a capacitância da dupla-camada. Existem duas maneiras para descrever a capacitância de um eletrodo: - Capacitância diferencial, Cd, a qual naturalmente é mínima no potencial de carga zero (𝐸𝜎=0), e pode ser representada pela equação 1. 𝐶𝑑 = 𝜕𝜎𝑀 𝜕𝐸 eq.1 Onde, E, é o potencial. - Capacitância integral, Ci, descrita pela equação 2. 𝐶𝑖 = 𝜕𝑀 𝐸−𝐸𝜎=0 eq.2 O excesso de carga num eletrodo metálico,M, é uma função do potencial do eletrodo. 2 Modelo da Dupla-Camada O conceito da existência da dupla-camada na superfície de metal em contato com uma solução eletrolítica surgiu em 1879, por Hermann von Helmholtz (conhecido como o modelo de Helmholtz). Este foi o primeiro modelo teórico que assumiu a presença de uma camada marsa Destacar compacta e íons em contato com a superfície carregada do metal. O próximo modelo foi desenvolvido por Luis Georges Gouy e David Leonard Chapman (conhecido com o modelo de Gouy-Chapman), envolve uma “dupla camada difusa” na qual os íons acumulados, devido a distribuição de Boltzman se estendem por uma distância da superfície sólida. Posteriormente (1924), surgiu o modelo para a interface sólido-líquido eletrificada, proposto por Otto Stern que inclui a camada rígida de Helmoltz e a camada difusa de Guy-Chapman. A adsorção específica de íons na superfície metálica foi apontada por D. C. Grahan em 1947. Em consecutivos desenvolvimentos, o papel do solvente foi levado em conta (Roger Parsons, 1954 e John Bockris, 1963). Rapidamente, ficou claro que solventes dipolares, tais como água, os dipolos podem interagir com a superfície carregada do metal. Vale notar que as interações são promovidas pela alta concentração do solvente, a qual usualmente é no mínimo muitos moles por litro que, no caso particular da água é 55,5 mol L-1. Nesta teoria, Pearsons reconheceu que a constante dielétrica do solvente na camada compacta de moléculas adsorvidas é muito menor quando comparada com a região externa da camada. Um clássico e simplificado modelo da dupla-camada formada na superfície de um metal é apresentado na figura 2. O modelo mostra que existe uma camada de água adsorvida na superfície do metal. Admitindo-se que existe um excesso de cargas negativas no metal; os átomos de hidrogênio das moléculas de água estão orientados em direção a superfície do metal. Porém, isso não quer dizer que em um determinado potencial, todas as moléculas de água assumem essa orientação. No caso de um excesso de cargas positivas na superfície do metal, os dipolos da água terão uma orientação diferente. Na figura 2a, podemos ver também uma molécula grande e carregada negativamente adsorvida especificamente à superfície do eletrodo, da qual removeu algumas moléculas de água. Por outro lado, cátions hidratados presentes na superfície não removem moléculas de água lá existentes e, por esse motivo, não podem ser considerados com especificamente adsorvidos. Dois planos são usualmente associados com a dupla-camada. O primeiro, o plano interno de Helmholtz (IHP, do inglês Inner Helmholtz Plane), passa através do centro dos íons especificamente adsorvidos (camada compacta no modelo de Helmholtz) ou simplesmente localizados exatamente atrás da camada de água adsorvida. O segundo plano é chamado de plano externo de Helmholtz (OHP, do inglês outer Helmholtz Plane) e passa através do centro dos íons hidratados que estão em contato com a superfície do metal, mas não adsorvidos. A camada difusa se desenvolve fora do OHP. A concentração de cátions nessa camada, decresce exponencialmente com a distância da superfície do eletrodo. A mudança do potencial elétrico dentro da dupla-camada, assumindo que o eletrodo está carregado negativamente, está marsa Destacar marsa Destacar ilustrada na figura 2b. A figura mostra que o potencial do eletrodo (M) é virtualmente constante dentro do metal, exceto na camada de metal que está em contato com a solução eletrolítica, na qual o potencial cai de maneira exponencial (S). (a) (b) Figura 2: (a) Representação geral da dupla-camada elétrica formada na interface eletrodo- eletrólito, (b) Variação do potencial na dupla-camada formada na superfície de um metal carregado negativamente. Em eletrodos de carbono, largamente utilizados, uma dupla-camada também se desenvolve; entretanto, esses eletrodos possuem propriedades interfaciais específicas. Três principais tipos de eletrodos de carbono são usados: carbono vítreo (GC, do inglês Glassy Carbon), grafite pirolítico altamente orientado (HOPG, do inglês Highly Oriented Pyrolitic Graphite) e diamante dopado com boro (BDD, do inglês Boron-Doped Diamond). Esses eletrodos apresentam diferençasde estrutura, tanto no interior como na superfície o que provoca também diferenças em suas atividades eletroquímicas. Particularmente, grandes diferenças existem entre as superfícies do HOPG: o plano basal ou hexagonal (BPPG, do inglês Basal Plane Pyrolitic Graphite) e o do plano da borda (EPPG, do inglês Edge Plane Pyrolitic Graphite). No EPPG, os processos de eletrodo são usualmente mais rápidos. Um importante fator na velocidade de transferência de elétrons é a presença de oxigênio na superfície. O oxigênio adsorve quimicamente ao carbono sp2 presente nos materiais grafíticos. Isto leva a formação de muitos grupos funcionais, principalmente carbonílicos, fenólicos e carboxilatos e, aumentam a velocidade dos processos de eletrodo. Para reverter a adsorção química e para obter reprodutibilidade, superfícies livres de oxigênio não são fáceis de marsa Destacar marsa Destacar marsa Destacar serem obtidas. Nem tampouco manter constante na superfície, em consecutivos experimentos, a razão oxigênio-carbono. O aspecto positivo e muito explorado é que a presença de grupos funcionais em superfícies grafíticas torna mais fácil a modificação desse tipo de eletrodos. 2.1 Espessura da Dupla-Camada A espessura da dupla-camada é usualmente dada como aproximadamente 1,5-1, onde -1 é o comprimento de Debye-Huckel, equação 3: 𝜅−1 = ( 𝜀𝜀0𝑘𝑇 2𝑐0𝑧𝑖 2𝑒0 2⁄ ) 1 2⁄ eq.3 onde c0 é a concentração da espécie no seio da solução, é a permissividade dielétrica relativa do solvente, 0 é a permissividade no vácuo, k é a constante de Boltmann, T é a temperatura, z é a carga do íon e e0 é a carga de um elétron. Para z=1, os valores aproximados de -1 para concentrações de eletrólitos 1x10-3, 1x10-5 a 1x10-7 são 10 nm, 100 nm e 1 m, respectivamente. A espessura da dupla-camada também depende do potencial: quanto maior for a diferença entre o potencial do eletrodo e o potencial de carga zero (potencial no qual o excesso de carga na superfície do eletrodo é zero), menor é o comprimento de Debye-Huckel. 3 Camada de Difusão A maioria dos métodos voltamétricos usados em eletroanalítica são baseados em uma perturbação programada do potencial do eletrodo de trabalho. Nesses métodos não há agitação da solução e um eletrólito de suporte é utilizado; portanto, exceto em casos extremos, apenas a difusão deve ser considerada como o processo de transporte de massa das espécies eletroativas até a superfície do eletrodo. Nos experimentos voltamétricos usados para fins analíticos, as concentrações das espécies no seio da solução permanecem inalteradas, porém na camada de difusão a concentração varia em função do tempo. Em eletroquímica, a camada de difusão é a região estagnada nas proximidades do eletrodo onde as concentrações são diferentes de seus valores no seio da solução porque é nessa região que ocorre a reação de transferência de elétrons (Ox + ne- ⇆ Red). A espessura da camada de difusão () é arbitrária e depende de agitação da solução. No caso de experimentos voltamétricos onde a convecção é evitada, a espessura da camada de difusão depende do coeficiente de difusão D e da velocidade de varredura. É usualmente considerado ser um múltiplo de (𝐷𝑡)1/2 (onde 1 𝑡⁄ = velocidade de varredura). marsa Destacar marsa Destacar marsa Destacar Quanto mais lenta é a velocidade de varredura, mais larga é a camada de difusão (da ordem de micrômetros), enquanto em velocidade rápida a camada de difusão tem nanômetros de espessura. A figura 3 mostras a relação da espessura da camada de difusão com a velocidade de varredura. Por esse motivo, deve-se usar uma mesma velocidade de varredura nos experimentos voltamétricos realizados nos padrões e amostras. Assim, temos a certeza de que estamos com camadas de difusão com a mesma espessura e a corrente vai ser coerente com a concentração da espécie reduzida em todos os experimentos realizados usando o mesmo critério. Figura 3: Variação da espessura da camada de difusão () em função da velocidade de varredura em um experimento voltamétrico. Lenta (curva a) e rápida (curva b). Um dos critérios utilizados para definir a qualidade de uma metodologia analítica é sua capacidade de detectar baixas concentrações com um sinal analítico intenso. Esse parâmetro é chamado de sensibilidade. A sensibilidade (𝑆) de uma metodologia voltamétrica é definida pela relação entre a variação da resposta da corrente de pico (∆𝐼𝑝) em função da variação da unidade de concentração da espécie oxidada na camada de difusão (∆𝐶𝑜𝑥 ), figura 4, equação 4. Figura 4: Sensibilidade de um método voltamétrico. 𝑆 = 𝑡𝑔 𝛼 = ∆𝐼𝑝 ∆𝐶𝑜𝑥 eq.4 marsa Destacar marsa Destacar Para entender a variação da resposta da corrente ao longo de um experimento voltamétrico é importante saber o que acontece com a concentração da espécie eletroativa, Cox na camada de difusão. Vamos imaginar que um potencial de excitação em onda quadrada (figura 5a) seja aplicado em um eletrodo por um determinado tempo e que esse potencial seja suficientemente alto para que a espécie oxidada seja reduzida de tal modo, que sua concentração caia a zero na superfície do eletrodo. Logo após a aplicação do pulso, a corrente de difusão atinge o seu máximo e, conforme a concentração da espécie oxidada na camada de difusão vai diminuindo com o tempo, a corrente cai de maneira exponencial (figura 5b). Isso acontece porque a espécie oxidada tem que se deslocar de distâncias cada vez maiores para alcançar a camada de difusão, para ser reduzida, figura 5c. Como se pode observar na figura 5c, quanto maior é a distância da espécie oxidada da superfície do eletrodo, tempos maiores são necessários para que sua concentração caia a zero e a concentração da espécie reduzida seja igual a concentração da espécie oxidada no início do processo. (a) (b) (c) Figura 5: (a) Excitação de potencial em onda quadrada de um eletrodo plano em solução não agitada, (b) resposta da corrente e (c) Perfis de concentração durante a redução da espécie, Ox controlada por difusão. marsa Destacar marsa Destacar marsa Destacar
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