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Fundamentos Históricos e Filosóficos da Educação Fábio Fetz de Almeida 2 SUMÁRIO 1. EDUCAÇÃO NA ANTIGUIDADE E NO MUNDO MEDIEVAL ................................................................ 3 2. A EDUCAÇÃO NA IDADE MODERNA ................................................................................................. 9 3. A EDUCAÇÃO NA IDADE CONTEMPORÂNEA ................................................................................... 16 4. O PENSAMENTO PEDAGÓGICO POSITIVISTA E SOCIALISTA ............................................................ 19 5. A ESCOLA NOVA .............................................................................................................................. 23 6. O PENSAMENTO ANTIAUTORITÁRIO E CRÍTICO .............................................................................. 29 3 1. EDUCAÇÃO NA ANTIGUIDADE E NO MUNDO MEDIEVAL Ao observarmos o campo educacional na atualidade, precisamos reconhecer que a escola é uma instituição histórica e que os autores que se dedicaram em analisá-la, o fazem tendo em vista, o conhecimento acumulado e transmitido historicamente. Assim, é imprescindível conhecermos a nossa herança clássica que, no recorde promovido na disciplina, privilegiou o estudo dos autores gregos e romanos. Não podemos esquecer, também, da contribuição dos autores medievais, que organizaram o processo educativo à luz da religião. Agora, convido-os a realizar a leitura dos textos que sintetizam as discussões realizadas ao longo da disciplina. 1.1 O pensamento pedagógico grego Nosso estudo na disciplina Fundamentos Históricos e Filosóficos da Educação toma como ponto de partida as reflexões produzidas pelos pensadores gregos da antiguidade clássica. Escolhemos alguns autores para representarmos as contribuições do mundo grego para pensarmos a educação, pois não seria possível analisarmos todos os filósofos, assim esta tarefa seria demasiado longa, extravasando os limites estabelecidos por esta disciplina. O vínculo entre a filosofia e a educação remonta ao surgimento da consciência filosófica em meados do século IV a.C. Os gregos, através da filosofia, criaram um modo específico de expressar os pensamentos, afastando-se assim das interpretações míticas. O pensamento filosófico grego se disseminou na sociedade ocidental, nos levando a refletir sobre a nossa existência, demonstrando que nosso agir resulta de uma busca por uma determinada finalidade, como, por exemplo, o bem da sociedade. Convencionamos chamar de sociedade grega um conjunto de cidades estado independentes que, apesar de compartilharem diferentes valores culturais, apresentavam características que as diferenciavam. Neste sentido, podemos tomar como exemplo Atenas e Esparta, pois, com sua análise, podemos observar detalhes que auxiliam no entendimento das demais cidades. Esparta e Atenas foram cidades que apresentavam características políticas diversas. Enquanto a primeira era uma sociedade militarizada, a segunda evoluía para uma democracia, sendo que estes detalhes exerceram forte influência no modelo educativo proposto por cada uma destas cidades. Em Esparta havia a imposição de uma forte disciplina, com a subordinação total do cidadão ao Estado, sendo preparado desde tenra idade para a guerra. A criança permanecia até os sete anos com sua mãe e, a seguir, deveria ser entregue para o Estado, que se encarregava de educá-la para transformá-la em um bom soldado. Na escola, o currículo era formado essencialmente por exercícios físicos e militares. 4 Em Atenas, havia uma educação muito diferente daquela oferecida na cidade de Esparta. Até o século VI a.C., aos sete anos de idade, a criança era entregue a um pedagogo, que a educava em sua casa. Posteriormente, o pedagogo conduzia a criança até a escola, onde aprendia oratória, gramática, música e ginástica. Destinava-se muita atenção à aprendizagem da escrita e do cálculo. Os professores eram, em sua maioria, escravos cultos e estrangeiros que residiam na cidade. É importante destacar que em Atenas e Esparta apenas recebiam educação os filhos dos cidadãos destas cidades. Podemos dividir os pensadores em dois grupos: os pré-socráticos e os socráticos. Esta divisão resulta da importância atribuída a Sócrates (469-399 a.C.), cujas ideias influenciaram vários filósofos, dentre eles Platão (427-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.). Pitágoras de Samos (século V a.C.), acreditava não ser possível pensar o mundo fora da ordem numérica ou mesmo conceber o mundo fora de uma concepção divina de natureza. Atribui-se ao autor a criação da Escola Pitagórica, tida como primeira Universidade. Isócrates (436-338 a.C.), autor contemporâneo de Platão, baseava o ensino de sua escola na retórica, apostando na formação moral do povo, tendo em vista quatro virtudes: prudência, temperança, força e justiça. Xenofonte (428-355 a.C.), discípulo de Sócrates, foi um dos primeiros pensadores a tratar a educação feminina, mesmo que a restringindo ao lar e aos interesses do esposo. O que conhecemos sobre Sócrates (469-399 a.C.), resulta de texto produzidos por seus discípulos, dentre eles Platão (427-347 a.C.) e Xenofonte (428-355 a.C.). Este pensador realizava suas aulas em locais públicos e seu método de ensino ficou conhecido como maiêutica, em que o aluno deveria dar vazão ao conhecimento através de raciocínios dedutivos. O professor, nesta perspectiva, deveria induzir o aluno, através de diversos questionamentos, para que ele, então, desvelasse o que tinha em sua própria alma. Sócrates acreditava que a verdade das coisas seria encontrada apenas através dos pensamentos. Platão (427-399 a.C.), foi discípulo de Crátilo e, aos vinte anos, inicia seus estudos com Sócrates. Platão foi o principal divulgador das ideias de Sócrates, que exerce grande influência sobre sua obra. O problema principal de sua investigação é reconhecer como as ideias acontecem, procurando resolver problemas fundamentais, tais como o conteúdo do conceito, a inteligibilidade e a relação com a multiplicidade dos seres. Platão acreditava que a formação educacional do homem teria condições de libertá-lo dos grilhões da ignorância, permitindo a ele ir além das aparências. Esta assertiva fica clara através da Alegoria da Caverna, texto em que o autor destaca a busca pelo conhecimento. Aristóteles (384-322 a.C.) nasceu na cidade de Estagira e era filho de um médico. Ingressa, por volta de 366 a.C. na academia de Platão, tornando-se discípulo do referido filósofo, 5 permanecendo ali até a morte. É digno de nota o fato de que Aristóteles tornou-se preceptor do filho de Felipe da Macedônia, Alexandre que, quando adulto tornou-se um grande conquistador. Trata-se de Alexandre, o Grande, que alterou toda a história da Grécia. Aristóteles, segundo Chauí, (2002, p.112), “distingue sete formas ou graus de conhecimento: sensação, percepção, imaginação, memória, raciocínio e intuição. Para ele, ao contrário de Platão, nosso conhecimento vai sendo formado e enriquecido por acumulação de informações trazidas por todos os graus”. Aristóteles insiste que somente através da prática recorrente de ações justas possibilitarão ao homem o estabelecimento de um hábito, tornando-o virtuoso. Este processo para o autor somente poderia ser realizado através da educação. 1.2 O pensamento pedagógico romano A educação, na sociedade romana, era essencialmente humanista, considerada aqui como uma cultura geral que transcendia os interesses locais e nacionais. Comparando a sociedade romana com a grega, é possível observar que o trabalho manual era visto de uma forma negativa, pois este era exercido pelos grupos sociais menos prestigiados. Porém, cabe destacar que a educação romana possuía um caráter utilitário e militarista, reflexo de um estado imperialista, pautadono processo de expansão militar como estratégia de sobrevivência. No período áureo do Império Romano, a educação se encontrava dividida em três graus clássicos: as escolas ludi-magister, dedicadas à educação elementar; as escolas do gramático, que correspondiam ao que hoje conhecemos como ensino secundário e, por fim, os estabelecimentos de educação superior, cujo programa se iniciava com as aulas de retórica, seguidos pelos estudos de Filosofia e Direito. Em Roma, é possível identificarmos diferentes pensadores que refletiram sobre a educação. Dentre estes autores, podemos citar Catão (234-149 a.C.), que atribuía grande importância à formação do caráter. Este autor defendia que os valores romanos deveriam se sobrepor aos valores gregos, visto a grande influência exercida sobre esta sociedade sobre a cultura romana. Marco Túlio Cícero (43-6 a.C.), Senador Romano, afirmava a educação ideal seria aquela que permitisse a formação de um orador que reunisse as qualidades do ator, jurista, poeta e do filósofo. Cícero era um representante da humanitas e era um exímio orador. Sêneca (4 a.C.-65 d.C.) insistia em uma educação voltada para a vida e para a individualidade. Neste sentido, defendia uma educação voltada para a vida, realizada através do exemplo. Plutarco (46-119 d.C.) defendia uma educação amparada em exemplos de grandes lideranças, realizada através de estudos biográficos. 6 Marco Fábio Quintiliano (35-95 d.C.) enfatizava que a educação deveria centrar-se no conteúdo do discurso. Quintiliano chama a atenção por defender que o ensino deveria ser realizado em um ambiente de alegria, alternando trabalhos escolares e recreação, pois assim o ambiente mais leve. 1.3 Idade Média: a formação do homem de fé Com o fim do Império Romano do Ocidente no século V d.C., a Igreja Católica se fortaleceu e, durante a Idade Média (Séculos V-XV d.C.), exerceu o controle sobre o processo educativo, fazendo prevalecer suas ideias. Com sua forte presença, o cristianismo promoveu a defesa da sua fé e se esforçou no processo de conversão dos não cristãos, fazendo com a que cultura greco-romana perdesse espaço na sociedade, exceto no interior dos mosteiros, em que os textos dos filósofos gregos foram preservados e estudados. A educação do homem medieval promovida pela Igreja Católica possuía como objetivo formar os membros do próprio clero e, para este fim, foram mobilizados dois importantes pensadores: Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino, principais teóricos de duas escolas filosóficas cristãs: a Educação Patrística, que colaborou para a exposição racional da doutrina religiosa e a Escolástica, que predominou nas escolas durante o chamado renascimento carolíngio e que pretendia promover um pensamento filosófico-teológico. Iniciaremos analisando a Patrística. Esta forma de pensamento desenvolveu-se nos trabalhos das lideranças religiosas da Igreja Católica, cujo início podemos identificar no século III do Império Romano. A Patrística retomou a filosofia de Platão e tinha como objetivo a criação de uma ética moral, com o controle racional das paixões. A Patrística colaborava com a exposição racional da doutrina religiosa e ocupava-se principalmente da relação entre fé e ciência. Podemos citar como seus principais representantes Clemente de Alexandria, Orígenes e Tertuliano. Porém, não há dúvida de que o seu principal expoente foi Santo Agostinho (354- 430), bispo de Hipona. Santo Agostinho nasceu em Tagaste, parte oriental da atual Argélia. Logo depois de concluir os seus estudos, lecionou retórica em Tagaste, Cartago, Roma e Milão. Converteu-se ao Cristianismo junto com seu filho, Adeodato, que nasceu quando Agostinho tinha 18 anos. Aos 17 anos, Adeodato morreu. Entre as obras pedagógicas de Santo Agostinho, podemos identificar “O Livro da Revolta”, cujo título é O Mestre. Seguindo a tradição platônica, Agostinho escreveu este texto em forma de diálogo entre ele e seu filho. Nesta obra, Santo Agostinho defendeu a ideia de que toda necessidade humana, incluindo a aprendizagem, só 7 pode ser satisfeita por Deus. Assim, podemos dizer que o autor defende a iluminação, em que a verdade penetra o espírito humano por meio de Deus. Para ficar mais claro, podemos dizer que, para Santo Agostinho, o professor apresenta o caminho para seu aluno, e o saber brota do seu interior, através de Deus. Considerando que o conhecimento seria a capacidade de encontramos as verdades através do pensamento, Santo Agostino afirma que, em razão do homem estar constantemente sujeito ao erro, a verdade somente poderia vir de Deus, que é a própria perfeição. Assim, podemos concluir que este autor acreditava que o homem poderia ter acesso à verdade, desde que através da iluminação divina. A Escolástica, por sua vez, foi um método de pensamento e de ensino que surgiu e se desenvolveu nas escolas e universidades medievais. A preocupação central que norteou as reflexões dos pensadores escolásticos foi a questão da distinção e da conciliação entre fé e razão. O método escolástico era constituído de duas práticas: a lectio e a disputatio. No lectio, o mestre realizava a leitura e analisava com seus alunos os textos das autoridades, ou seja, autores considerados excelentes em determinadas áreas como, por exemplo, Aristóteles em Filosofia e as Sagradas Escrituras em Teologia. Na disputatio, que podemos considerar como característica central da Universidade medieval, temas considerados relevantes eram analisados à luz das autoridades em uma perspectiva dialética. A disputatio era realizada da seguinte forma: primeiro, estabelecia-se o problema a ser resolvido e, a seguir, uma hipótese era criada, com as devidas objeções e contra objeções sendo apresentadas. Na etapa seguinte, o mestre respondia à questão, buscando respeitar as arguições apresentadas. Assim, surgiu uma nova concepção sobre a educação, em que se acreditava que as palavras possuíam o poder de resgatar a experiência humana. Neste contexto, Santo Tomás de Aquino resgata o pensamento de Aristóteles, até então rejeitado pela Igreja, adaptando-o à visão cristã, e redige a “Suma Teológica”, texto em que a fé é abordada à luz da razão, colocando assim a filosofia a serviço da teologia. Surge, então, a filosofia Aristotélico-Tomista. Considerado o mais importante dos escolásticos, Santo Tomás de Aquino (1225-1274) dividia as verdades em duas categorias: as crenças que poderiam ser comprovadas com a razão e aquelas cujas verdades ou falsidades não poderiam ser comprovadas. Santo Tomás de Aquino não considerava a razão uma inimiga da revelação, pois entendia que, quanto mais racional se tornava a humanidade, mais cristã ela seria. Finalizada nossa análise sobre a patrística e a escolástica, concluímos que no período medieval, a Igreja Católica possuía destacada influência sobre o processo formativo da população. Era ela 8 que fornecia as explicações para a população, sempre à luz dos seus princípios. A Igreja, mesmo quando valorizava a razão, reforçava ser a revelação como a única fonte de produção do conhecimento. Há de destacarmos também que a Igreja valorizava o saber teórico, subestimando assim as atividades práticas e manuais. Conclusão Ao longo deste bloco, tivemos a oportunidade de conhecer as reflexões dos pensadores da antiguidade clássica e do período medieval. No caminho por nós trilhado, foi possível identificarmos a inegável influência do contexto histórico na obra destes autores, permitindo- nos afirmar que a educação atua de forma a atender às necessidades de cada sociedade. Na Grécia e em Roma, educavam-se apenas os grupos que possuíam a cidadania, enquanto que na Idade Média, a escola, mantida pela Igreja Católica, reproduzia e reforçava a sua visão de mundo. Referências FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Pensadores sociais e História da Educação.3. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011. GHIRALDELLI JÚNIOR, Paulo. Filosofia e História da Educação brasileira: da Colônia ao Governo Lula. Barueri: Manole, 2009. HILSDORF, Maria Lucia Spedo. História da Educação Brasileira: leituras. São Paulo: Cengage Learning, 2003. 9 2. A EDUCAÇÃO NA IDADE MODERNA Neste bloco, teremos a oportunidade de conhecer como a transição do período medieval para o moderno possibilitou o nascimento de um novo modelo de sociedade e, consequentemente, uma nova formatação para a escola. Neste contexto, podemos observar a redução, e não o desaparecimento, do poder da Igreja Católica sobre o processo educativo. Agora, convido-os a realizar a leitura do texto que trata sobre a educação na Idade Moderna. 2.1 Renascimento: a nova imagem do homem Renascimento (ou renascença) é um termo que faz referência a um movimento artístico e cultural nascido na Itália entre os séculos XIV e XVI. O Renascimento foi um período de grandes mudanças nos valores do homem moderno, em que o teocentrismo, característico do período medieval, deixa de ser considerado como a única explicação universal, abrindo espaço para o antropocentrismo, que valoriza o homem e sua capacidade. O Renascimento foi um período de efervescência cultural que se contrapôs à concepção medieval do mundo, procurando revalorizar o pensamento e a arte provenientes da Antiguidade Clássica e, em contrapartida, desvalorizar o período entre os séculos V e XV, atribuindo a este período o termo Idade Média, um período intermediário, de menor expressão e que representou um retrocesso no entendimento dos renascentistas. O Renascimento, apesar da retomada dos valores da cultura greco-romana, não se restringiram apenas a eles, pois o contexto em que foram utilizados era diferente. O Renascimento ocorreu em um momento de profundas transformações na sociedade europeia. Percebemos uma transformação no modelo econômico, com o advento do capitalismo, do comércio e o ressurgimento das cidades. Observa-se, também, o surgimento de uma nova classe social, a burguesia, cuja força e importância se ampliarão, aos poucos, na Europa. Ao se afastar dos paradigmas defendidos pela Igreja Católica, os renascentistas acabaram por contribuir com a ascensão dos ideais burgueses. O Renascimento rompeu com a mentalidade medieval, onde predominava a visão de mundo da Igreja, que fazia uso da educação para reproduzir o seu modo de ver e pensar o mundo. Com a perda do controle que exercia sobre a sociedade, a igreja sofreu um abalo em seu poder político e, também, em seu prestígio, abrindo espaço para novas interpretações no campo religioso. 2.2 Os Jesuítas e a Educação: O Ratio Studiorum A Companhia de Jesus foi criada por Inácio de Loyola no ano de 1540 e apresentava como principal objetivo a propagação da fé cristã. A Companhia foi criada na esteira da Reforma 10 Protestante, em um momento de crise da Igreja Católica. Os Jesuítas, em razão do seu ideal itinerante, em pouco tempo estavam presentes em distintos territórios nos continentes africano, asiático e americano. Nos primeiros anos da colonização portuguesa no Brasil, os Jesuítas já se encontravam presentes, atuando no processo de catequização das sociedades indígenas que habitavam o território. Os Jesuítas se estruturaram ao longo do século XVI, consolidando-se assim como uma das maiores associações voltadas ao ensino que existiram na história. É importante frisar que a educação não se encontrava entre os propósitos da Companhia de Jesus, porém, acabou marcando a atuação da ordem fundada por Loyola. Logo no início de sua ação educativa, com a fundação de colégios, os membros da Companhia de Jesus se preocuparam em redigir um texto que orientasse pedagógica e administrativamente os seus colégios. Assim, surge o Ratio Studiorum, um código que orientava a ação pedagógica e a organização a ser seguida pelos colégios jesuíticos. O currículo do Ratio Studiorum apresentava três níveis de organização curricular: Currículo Teológico, Currículo Filosófico e Currículo Humanista. O Currículo Teológico possuía duração de 4 anos, com a presença de dois professores, cada um com 4 horas de aula semanais. A seguir, havia a Teologia Moral com duração de 2 anos, apresentando dois professores com aulas diárias ou um professor com duas horas de aula diárias. Por fim, os alunos estudavam a Sagrada Escritura, com aulas diárias durante dois anos e o Hebreu, por um ano, com duas horas de aula por semana. O Currículo Filosófico apresentava 3 anos de duração e, no primeiro ano, os alunos estudavam Lógica e Introdução às Ciências, com dois professores com duas horas de aula por dia. No segundo ano, estudava-se Física, Psicologia e Cosmologia, com duas horas de aula por dia e Matemática, com uma hora de aula por dia. Finalmente, no terceiro ano, o currículo era formado por Filosofia Moral, Metafísica e Psicologia, com dois professores, com duas horas de aula por dia. O Currículo Humanista, com duração de 3 anos, pode ser considerado o embrião do moderno curso secundário e abrangia o estudo da Retórica, das Humanidades, da Gramática Superior, Gramática Média e Gramática Inferior. Ao analisarmos o Ratio Studiorum, um dos pontos que mais chama atenção é a sua proposta metodológica. O seu método é ativo, com o professor e o aluno atuando em conjunto, cabendo aos últimos o protagonismo de sua aprendizagem, não sendo aceitos a passividade, o desinteresse e a indiferença. Segundo o Ratio Studiorum, os alunos deverão criar grupos de estudo, realizar a correção de suas lições e realizar o controle da disciplina, sendo que para 11 esta tarefa eram designados alunos com o melhor desempenho e mérito pessoal, os quais eram chamados de decuriões. A formação do professor pela Companhia de Jesus era motivo de atenção. Neste processo, atenção especial era dedicada à formação moral do professor, preocupação principal dos Jesuítas. Após esta etapa, o membro da Companhia de Jesus iniciava sua formação intelectual, estudando as letras clássicas: latim, grego e hebreu. De acordo com o Ratio Studiorum, era preciso ainda concluir o curso de Filosofia e Teologia. Por fim, era preciso ainda realizar um estágio com um professor experiente antes de vivenciar o magistério. 2.3 Locke e Comênio: o pensamento moderno Jan Amos Comenius (ou João Amos Comênio) nasceu na cidade de Nivnitz, na Morávia, no ano de 1592. Oriundo de uma família protestante, aos vinte anos iniciou seus estudos na Universidade de Herborn e, posteriormente, transfere-se para a Universidade de Heidelberg, onde entrou em contato com as ideias de Francis Bacon e Ratke. Podemos destacar, entre as principais contribuições de Comenius, a ideia da Pansofia, que consistia na proposta de ensinar tudo a todos. Em razão da influencia que a religião exerceu sobre o autor, ele acreditava na ideia da perfeição e da bondade divina e, consequentemente, a educação deveria cultivar no homem a bondade original, aproximando-o do divino. Neste sentido, é possível compreendermos que o ideal pansófico de Comenius, que se refletia em uma educação que possuía como objetivo ensinar tudo a todos, restaurando assim as potencialidades oferecidas por Deus aos homens. Comenius, em seu texto “Didática Magna”, afirma que “ensinar tudo a todos” não significa conhecer, de forma aprofundada, as artes e as ciências. O conhecimento a que se referia Comenius seria aquele ligado à estrutura e funcionamento das manifestações naturais e artificiais. O professor advoga Comenius, deve ensinar à criança um pouco de tudo e, aos poucos, aprofundar estas descobertas. Comenius contrastava com os autores da época por não defender a ideia de uma escola dual, ou seja, uma voltada para as classes populares e outra para as camadas superiores. O processo educacional, segundoComenius, deveria ser organizado desde a infância, com quatro graus sucessivos: a escola maternal, a escola vernácula, a escola de latim e a academia (universidade). As atividades escolares seriam organizadas de maneira ordenada, com a definição de uma data para o início das aulas, a organização de um plano de trabalho pelo professor, a existência de uma sala para a oferta das aulas, a definição de um tempo máximo de permanência na escola segundo a idade das crianças (para as crianças pequenas, quatro 12 horas e, para as grandes, 6 horas), descanso no intervalo de cada aula, férias. Haveria também uma divisão nas tarefas executadas ao longo do dia, sendo que no período da manhã haveria atividades voltadas para o desenvolvimento do intelecto e da memória e, à tarde, atividades práticas e música. Ao longo da obra Didática Magna, Comenius apresenta sua percepção sobre o ensinar e o aprender. Para o autor, não deveriam ser aplicados castigos físicos e o conteúdo deveria ser apresentado de maneira clara. Uma importante percepção de Comenius foi a de que a idade influenciava no processo de ensino e aprendizagem. John Locke (1632-1704) não produziu textos teóricos sobre a educação. Entretanto, este importante pensador registrou, em uma série de cartas enviadas a amigos, reflexões sobre a educação que mantinham uma relação com suas premissas teóricas, amparadas no empirismo e nos ideais liberais. O contexto histórico de Locke foi marcado por mudanças políticas e sociais importantes, dentre elas, o embate entre o parlamento e a monarquia na Inglaterra, que deu origem à Revolução Inglesa no século XVI. John Locke, de família burguesa, posicionou-se favoravelmente ao parlamento neste conflito, sendo o autor identificado como o primeiro pensador liberal, em razão de suas críticas ao absolutismo monárquico e à falta de liberdade religiosa. Em seus textos, Locke defendeu a separação entre Estado e Igreja que, em conjunto com a crítica ao absolutismo monárquico e a defesa da liberdade religiosa e a de expressão, caracterizam, em linhas gerais, o pensamento liberal. A educação, no pensamento de John Locke, mantém profunda relação com as suas ideias voltadas ao espectro político e apresenta uma contraposição frente à posição de Descartes, que considerava as ideias inatas. Em suas correspondências destinadas a orientar seus conhecidos acerca da educação dos seus filhos, Locke apresenta reflexões sobre a educação, que não formam propriamente uma teoria pedagógica, mas sim relatam suas experiências como tutor, indicando seus parâmetros sobre o que considera uma boa educação. Ao analisarmos as ideias de Locke sobre o processo educativo, é preciso entender que seus conselhos são voltados à formação do homem burguês. Neste sentido, a educação deveria preparar o homem segundo os ideais do pensamento liberal, que propagavam a importância da disciplina individual para o sucesso do indivíduo. Para o autor, o homem moldado segundo os desígnios do pensamento liberal seria o único capaz de conduzir a sociedade. É importante frisar que, em suas correspondências, Locke destaca que a formação do homem virtuoso somente pode ser realizada se conectada ao divino, demonstrando assim a importância da formação moral em suas reflexões. Assim, podemos afirmar que a proposta educacional de 13 Locke não possui como objetivo a formação intelectual, pois a dimensão moral ocupa lugar de destaque, em conjunto com a dimensão física. O empirismo ocupa papel de destaque nas reflexões sobre a educação no pensamento de Locke. Segundo o empirismo, o conhecimento é adquirido através da experiência e sistematizado a partir da razão. Nesta concepção, a criança poderia ser moldada ao serem oferecidas a ela experiências adequadas à sua formação moral e intelectual. Assim, podemos concluir que as propostas educacionais do autor resultam da sua concepção teórica ligada ao pensamento liberal, sua visão empirista de mundo, conectada à sua visão do divino. 2.4 Rousseau: O Homem Nasce Bom e a Sociedade o Perverte Jean-Jacques Rousseau nasceu em 28/07/1712, na cidade de Genebra, Suíça, em uma família de origem francesa e protestante. Sua família paterna chegou a fazer fortuna, porém, nunca pertenceu à aristocracia. Em 1728, deixa Genebra e converte-se ao catolicismo. Em seus escritos, Rousseau apresentou características que marcaram o pensamento iluminista e, também, as raízes do romantismo. O autor fascina pela riqueza e detalhamento com que criticou o racionalismo exasperado. Para Rousseau, afastada dos instintos e das paixões a razão é estéril. Entretanto, sem a disciplina oferecida pela razão, as paixões e os instintos geram o caos individual e a anarquia social. Rousseau defendeu a liberdade do indivíduo, enfatizando a atividade criadora, criticando o formalismo, muito antes de Dewey, Montessori e Decroly. Em sua filosofia, defendeu uma educação natural, vinculada a uma visão otimista do homem e da sua natureza. Em seu pensamento político, identificamos a concepção da bondade natural do homem, a defesa da liberdade e da igualdade e a crítica à injustiça e à opressão. Podemos observar que os temas mais recorrentes em suas obras são as relações entre a natureza e a sociedade, a moral alicerçada na liberdade, a defesa do sentimento sobre a razão e a teoria da bondade natural do homem. Por fim, não podemos nos esquecer da doutrina do contrato social. Na obra “Emílio ou da Educação”, um dos textos mais conhecidos de Rousseau, é possível identificar importantes contribuições para a educação contemporânea. Esta obra está dividida em cinco livros: Livro I “Unidade da natureza” – o bebê (infans), Livro II “A idade de natureza” – de 2 a 12 anos (puer), Livro III “A idade da força” – de 12 aos 15 anos, Livro IV “A idade de razão e das paixões” – de 15 a 20 anos, Livro V “A idade de sabedoria e do casamento” de 20 a 25 anos. Rousseau apresentou esta obra no formato de romance. 14 Para Rousseau, o homem é bom por natureza, entretanto, a sociedade o corrompe. Rousseau, em sua obra, delineia formas de se educar uma criança de forma a impedir sua corrupção. Em sua obra, “Emílio ou da Educação”, escrita em forma de romance pedagógico, o autor apresenta o personagem Emílio, um aluno fictício, que recebe os conselhos de uma educação pura e natural. Segundo Rousseau (1995), “nascemos capazes de aprender (...)” (p.45) e que “a educação do homem começa com o nascimento; antes de falar, antes de ouvir, ele já se instrui. A experiência antecipa as lições (...)” (p. 45). O autor reforça a ideia de que o homem é bom por natureza ao afirmar que “quanto mais o homem tiver permanecido próximo a sua condição natural, mais a diferença entre as suas faculdades e os seus desejos será ́pequena e, consequentemente, menos distante estará de ser feliz.” (p. 71) Rousseau assevera que permanecer na condição natural proporciona ao homem felicidade. Assim, a infância seria o período em que a felicidade estaria presente na vida do sujeito, na medida em que a ação do mundo social ainda é pequena. Porém, na medida em que ocorre a passagem da infância para a adolescência, Rousseau destaca o aumento da ação da sociedade sobre o sujeito e, desta forma, a bondade passa a ser corrompida pelas paixões do mundo social. Para Rousseau (1995, p. 272), nesta passagem observa-se uma mudança no comportamento, em que a criança “torna-se surda à voz que a fazia ficar dócil; é um leão em sua febre; desconhece o seu guia, já não quer ser governada” (p.272). A adolescência é um dos temas centrais na obra. Para Rousseau, na medida em que as paixões aumentam, as forças dele diminuem. Para o autor (1995) “(...) nossas paixões tornam-nos fracos, pois para satisfazê-las precisaríamos de mais forças do que as que a natureza nos deu. Diminuí, pois, os desejos, e será ́ como se aumentásseis asforças; quem pode mais do que deseja tem forças de sobra e certamente é um ser muito forte (...)”. A última parte da obra dedica-se aos fatores sociais e emocionais. Destaca a importância do jovem Emílio ter uma companheira. Nesta etapa da obra, emerge o contexto social em que Rousseau produziu o seu estudo, pois destaca os diferentes papéis que devem desempenhar, colocando o homem em posição superior ao da mulher. Para Rousseau (1995), “(...) primeira coisa que elas devem aprender é amá-los pela consideração de suas vantagens; é o único meio de torná-los fáceis para elas (...)” (p. 539). A família, na visão de Rousseau, possui papel essencial no processo educativo, com o pai atuando como personagem principal, construindo os valores e sentimentos que impedissem o individualismo ou o racionalismo exacerbado. Assim, Rousseau destaca que Emilio deveria se incumbir de desempenhar o papel de pai e educar seu filho. 15 Conclusão Terminada a leitura, concluímos que novos, e importantes atores, passam a exercer competir no campo educativo. Destacamos a presença dos protestantes, que exerceram forte influência no processo educacional no período analisado neste bloco, cuja presença se manterá nos séculos seguintes, como poderá ser observado ao longo de toda a disciplina. Enfatizamos, também, a movimentação da Igreja Católica para recuperar o território perdido, através da atuação dos Jesuítas. Por fim, não podemos nos esquecer da contribuição de três importantes autores: Rousseau, Locke e Comênio. REFERÊNCIAS FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Pensadores Sociais e História da Educação. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011. GHIRALDELLI JÚNIOR, Paulo. Filosofia e História da Educação Brasileira: da Colônia ao Governo Lula. Barueri: Manole, 2009. HILSDORF, Maria Lucia Spedo. História da Educação Brasileira: Leituras. São Paulo: Cengage Learning, 2003. ROUSSEAU, JEAN-JACQUES. Emílio ou Da educação. 2. ed. Tradução Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 1995. 16 3. A EDUCAÇÃO NA IDADE CONTEMPORÂNEA Neste bloco, conheceremos dois autores que renovaram a nossa percepção sobre a escola: Johann Heinrich Pestalozzi e Johann Friedrich Herbart. Estes autores lançaram luz sobre questões importantes, tais como a educação das camadas mais pobres e a necessidade de um método para organizar o processo formativo. Agora, gostaria de convidá-los a realizar a leitura do texto, que com certeza os auxiliará na compreensão do conteúdo do terceiro bloco. 3.1 Pestalozzi e a Educação Popular Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827) nasceu em Zurique, na Suíça, em um período marcado por profundas transformações na sociedade europeia, principalmente no campo da economia, com a Revolução Industrial. Neste contexto, as jornadas de trabalho eram exaustivas (entre 10 e 12 horas) e realizadas em condições insalubres, sendo frequente o uso de crianças como mão de obra, fato que chamou a atenção de Pestalozzi. Pestalozzi, ao ingressar no ensino superior, entrou em contato com os textos de Rousseau, sendo a leitura das obras “Emílio” e “O Contrato Social” aquelas que exerceram maior influência. A proposta de Pestalozzi para a educação apresentava inovações pedagógicas importantes. O autor concordava que a educação deveria ser um processo natural fundado no desenvolvimento da criança, com vistas a estimular a sua bondade, tendo como princípio a promoção da liberdade. Pestalozzi acreditava em uma educação não repressiva, que favorecesse o desenvolvimento da autonomia e promovesse as capacidades humanas. O autor concebia a criança como um organismo que se desenvolve conforme a capacidade da natureza humana, em que a organização exterior repercute na interna, demonstrando assim a influência de Rousseau, que afirmava o poder exercido pela sociedade sobre o sujeito. Pestalozzi acreditava que a educação seria o motor das transformações sociais. Em sua concepção pedagógica, o autor dedica grande esforço para o atendimento dos aspectos sociais, que buscavam despertar a sua bondade natural e suas virtudes. Para que tal intento se concretize, é necessário que as crianças se desenvolvam em um ambiente em que mente, coração e corpo permaneçam em equilíbrio. Neste sentido, o desenvolvimento moral do homem se destacava realizada através da oferta de experiências que reforçassem prática e modos de agir coerentes com o ideal humano defendido pelo autor. Johann Heinrich Pestalozzi utilizava o ensino mútuo como prática de ensino, através do qual o aluno, ao mesmo tempo em que aprendia, ensinaria os seus colegas. A característica principal 17 deste método é a cooperação geral na relação aluno-aluno, inexistindo castigos físicos e notas, abolindo assim a disputa entre os alunos. 3.2 Herbart e a Reflexão Metódica Johann Friedrich Herbart nasceu no ano de 1776 em Oldenburg, na Alemanha, e faleceu em 1841. Herbart foi psicólogo, filósofo e teórico da educação, tendo realizado seus estudos na Universidade de Iena, sendo um de seus principais professores o filósofo Johann Fichte. É importante destacarmos que Herbart não foi apenas contemporâneo de Pestalozzi, ele o conheceu pessoalmente e visitou uma das escolas criadas pelo pedagogo suíço. A obra de Herbart se concentrou nos estudos da Filosofia da Mente, tendo a psicologia como ponto central de sua teoria educacional. Herbart sofreu a influência de Pestalozzi e, assim, considerava importante a formação moral. Entretanto, distanciava-se de Pestalozzi ao destacar a importância que a instrução teria na execução desta tarefa. Para conseguir alcançar este objetivo, Herbart apresentou uma proposta em que reposicionou a pedagogia, pois para ele esta deveria ser uma ciência dedicada a elaborar instrumentos para resolver problemas sociais e promover o desenvolvimento cultural do ser humano. Segundo as ideias de Herbart, a mente funciona baseada em representações como, por exemplo, ideias e imagens. Desta forma, a mente trabalha a partir das relações estabelecidas entre estas representações, sejam elas conscientes ou não. Para Herbart, não existem faculdades inatas e, sendo assim, o aprendizado ocorre através da instrução. Os estudos realizados por Herbart consideram que a instrução se refere a três procedimentos: disciplina, instrução e governo, que juntos formam a ação pedagógica. A disciplina possui a finalidade de conservar a vontade. Através dela observamos o desenvolvimento da autodeterminação, que colabora com a formação do caráter. Este é um processo interno ao aluno. Na instrução educativa considera-se que a força condutora é dirigida pelo interesse. Por fim, no governo, encontramos as regras externas e objetivas o controle do comportamento do aluno. Podemos considerar que uma das mais importantes contribuições de Herbart à Pedagogia se encontra relacionada à instrução. Segundo o autor, “instrução educativa” apresenta como principal pressuposto a ideia de que cada lição ensinada precisa seguir rigorosamente os passos a seguir: Preparação, apresentação, associação, generalização e aplicação. Durante a Preparação, o processo de ensino e aprendizagem consiste na retomada pelo professor do assunto trabalhado na aula anterior ou de um tema que se encontra dominado pelo aluno. Na apresentação, o professor apresenta os conteúdos, sendo que os conhecimentos centrais desta etapa são os históricos, morais e científicos. Herbart informa 18 que, em um primeiro momento, o aluno apresentará avanços lentos, pois precisa direcionar a sua atenção para cada conceito ensinado, para que assim compreenda aquilo que é particular. O professor, para facilitar este processo, precisa dividir o conteúdo em etapas menores, prestando muita atenção no vocabulário utilizado, fazendo uso de frases claras e breves, repetindo-as quando necessário. Na associação, Herbartconsiderava que, ao apresentar um novo assunto, eles serão compreendidos pelos alunos assim que estes conteúdos introduzidos pelos professores forem sendo associados a ideias e conceitos já ensinados e dominados pelos estudantes. Durante a generalização, o autor considera que, assim que o aluno concluiu a associação do conteúdo novo com o velho, é preciso que o aluno consiga estabelecer generalizações, ou seja, ampliar a abrangência do que aprendeu, saindo do particular e conseguindo deduzir leis, tanto no aspecto moral quanto no científico. Por fim, durante a aplicação, Herbart afirma que o aluno deve ter alcançado a capacidade de aplicar os conhecimentos apreendidos, realizando abstrações e generalizações. Podemos observar em Herbart a proposta defendida por Comênio, que era baseada em uma sequência didática para o ensino do conteúdo. Sua proposta apresenta uma organização lógica, amparada na razão e que correspondia às ideias vigentes na época. Precisamos destacar que esta proposta é centrada na formação de um adulto capaz de realizar julgamentos amparados pela razão. Em sua teoria pedagógica, não aparece a criança e seus interesses e necessidades como na obra de Rousseau e Pestalozzi. Conclusão Pestalozzi e Herbart são pensadores que precisam ser valorizados pelo fato de terem colocado em evidência questões importantes: Pestalozzi dedicou especial atenção a questões sociais, sem deixar de pensar em um método educativo, sob forte influência de Rousseau e, por seu turno, Herbart organizou uma proposta metodológica minuciosa, apresentando instruções sobre como o professor deve se organizar em cada etapa do processo educativo. REFERÊNCIAS FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Pensadores Sociais e História da Educação. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011. GHIRALDELLI JÚNIOR, Paulo. Filosofia e História da Educação Brasileira: da Colônia ao Governo Lula. Barueri: Manole, 2009. HILSDORF, Maria Lucia Spedo. História da Educação Brasileira: leituras. São Paulo: Cengage Learning, 2003. 19 4. O PENSAMENTO PEDAGÓGICO POSITIVISTA E SOCIALISTA Neste bloco, analisaremos as contribuições de pensadores ligados às escolas positivista e marxista. Para realizamos nosso intento, definimos o estudo das obras de Émille Durkheim, Karl Marx e Antonio Gramsci. Estes três autores nos brindam com importantes reflexões sobre o papel exercido pela educação. É importante frisarmos que temos como objetivo leva-los a compreender como, a partir da teoria de cada um destes autores, eles moldaram o papel a ser exercito pela escola na sociedade. 4.1 Émile Durkheim O pensamento de Émile Durkheim (1858-1917) marcou profundamente a teoria sociológica na contemporaneidade. Em seus estudos, o autor destacou como tarefa da sociologia empreender o estudo aprofundado da realidade social dos indivíduos, enveredando esforços para prever e controlar os fenômenos sociais. O Fato Social, para Durkheim, se materializa nas formas de agir, sentir e pensar, que exercem influência sobre o indivíduo. O Fato Social possuía três características segundo o autor: generalidade, exterioridade e coercitividade. Por generalidade, entendemos um fenômeno que seja compartilhado por todos os sujeitos que compõe a sociedade; por exterioridade, devemos entender aquilo que é externo ao sujeito, ou seja, é transmitido pela sociedade e, por fim, a coercitividade seria algo que somos obrigados a aceitar. Um exemplo simples para ilustrar as qualidades que caracterizam o Fato Social seria a língua: é algo compartilhado por todos em uma mesma sociedade (generalidade); a língua nos é transmitida pela sociedade, não é inato (exterioridade) e, por fim, não é possível realizarmos a escolha se queremos utilizá-la ou não, é algo imposto pela sociedade (coercitividade). A atividade educativa escolar também é um fato social. A educação, para Durkheim, é considerada como um poderoso instrumento de transmissão dos valores de uma determinada sociedade, operando a favor de sua manutenção. Neste contexto, o ato de educar colabora firmemente no processo de socialização dos indivíduos, tornado viável a inculcação de condutas, normas, valores, ajustando o indivíduo segundo os preceitos defendidos pela sociedade. A escola atua no sentido de prevenir determinados comportamentos considerados nocivos pela sociedade, contribuindo para a manutenção da coesão social. A educação, na medida em que opera em favor da coesão social, atua segundo Durkheim para prevenir atitudes consideradas inadequadas, que possam causar desequilíbrio ao corpo social. Assim, a educação possui um caráter conservador, de reforço do status quo e não preconiza a formação de um sujeito crítico. 20 É importante frisarmos que temos que compreender este autor, assim como todos os demais, a partir do contexto social, político, econômico e histórico em que produzem suas obras. 4.2 Marx e a crítica à educação burguesa Karl Marx (1818-1883), em seus textos, não tratou a educação como objeto central de sua análise. O tema é tratado na obra do autor ao longo da sua obra, que concentrou esforços na elaboração de uma teoria crítica acerca da economia e da sociedade capitalista. Entretanto, a partir desta teoria e considerando as passagens do texto de Marx em que ele analisa a educação, é possível identificarmos a percepção que o autor possui sobre o tema. Em sua obra, Marx analisou que a educação reafirma a ordem burguesa, legitimando os seus propósitos econômicos, políticos e culturais. Ao ascender ao poder, a burguesia utilizou a educação para legitimar a sua ideologia e, assim, consolidar-se no poder. Marx, ao analisar o contexto histórico da sociedade capitalista do século XIX, afirmou que o reduzido acesso da classe trabalhadora a educação foi um produto das condições históricas determinadas pelo trabalho industrial, que ofereciam apenas uma educação rudimentar com vistas a formatar apenas o trabalhador segundo as necessidades da indústria. A educação, na percepção de Marx, promove a reprodução do conhecimento, entretanto, pode colaborar para transformação da sociedade. Para tanto, o autor assevera que a escola teria de romper com a educação que promova a divisão no interior da sociedade, o conformismo e a obediência. Marx defendia a existência da escola pública e gratuita para todos, porém, destacava que ela deveria, ao contrário daquela defendida pela burguesia, promover uma educação que humanizasse a classe operária ao associar formação intelectual e profissional. Esta educação, ainda, promoveria a educação corporal e tecnológica e teria como papel a superação da alienação. Segundo Marx, a educação na sociedade capitalista apresenta-se como um instrumento de dominação das classes exploradas, onde o pensar e o decidir são tarefas atribuídas á elite. Desta forma, o conhecimento tornou-se um segredo, controlado apenas pelas classes dominantes que, ao dissimularem esta estratégia, naturalizam as desigualdades no seio da sociedade. 4.3 Gramsci: a organização da escola e da cultura Antonio Gramsci nasceu em Ales, Itália, em 22 de janeiro de 1891. Descendente de uma família de camponeses pobres oriundos da Ilha da Sardenha, sofreu na pele todas as 21 dificuldades enfrentadas pelos camponeses italianos e, neste ambiente hostil, após concluída sua formação, desenvolveu uma proposta para uma educação socialmente igualitária, em uma escola unitária, ou seja, idêntica para todos, mantida pelo Estado e cujo processo pedagógico tivesse como pressupostos a cultura, o conhecimento científico e a autogestão política. Gramsci estudou no Ginásio de Santo Lussúrgiu e, a seguir, no Liceu de Cagliari. Em 1911, com uma bolsa de estudos, ingressou na Universidade de Turim, onde cursou História, Filosofia e Filologia. Participou ativamente do movimento da classe operária italianae, graças a esta experiência, filia-se ao Partido Socialista Italiano. Sob a influência do pensamento de Karl Marx, começa a escrever em jornais socialistas defendendo a união entre a classe operária e camponesa para derrubar o capitalismo na Itália. Gramsci é considerado um dos grandes intérpretes do pensamento Marxista. Neste sentido, a concepção deste autor do fenômeno educacional é elaborada a partir da sua interpretação da obra de Marx. Desta forma, para Gramsci, a educação é determinada a partir das condições materiais concretas da sociedade, ou seja, a partir da maneira como os homens organizam a produção dos bens materiais necessários para a sua sobrevivência. Para o pensador, a educação integra a cultura e, através dela, os intelectuais organizam as crenças e as relações sociais institucionais na sociedade. A educação, segundo Gramsci, deveria preparar os sujeitos para a vida, fornecendo a eles uma formação ética, política e prática, de forma que todos pudessem, por um lado, assumir o papel de liderança dentro da sociedade e, por outro lado, se oporem às concepções autoritárias e conservadoras. O processo educativo deveria ser permanente, permitindo à classe trabalhadora o desenvolvimento de atividades científicas e tecnológicas complexas conectadas ao mundo do trabalho. Gramsci criticava a educação italiana, fortemente influenciada pelo modelo tradicional jesuítico, em que existia uma escola dual: a primeira, votada para as elites e, a segunda, voltada para a classe trabalhadora. É importante destacarmos que Gramsci escreve seus textos em um período conturbado da História italiana, em que o governo fascista de Benito Mussolini se encontrava no poder. Gramsci foi preso pelo regime fascista italiano e, mesmo na prisão, continuou a escrever seus textos. Para Gramsci, a superação da escola dual, que preparava de forma diferente a burguesia e o proletariado, somente seria possível através da criação de uma Escola Unitária, dedicada ao desenvolvimento de uma cultura geral socialista humanizante, em que o trabalho seria o princípio científico e educativo. Esta educação seria abrangente, ao mesmo tempo crítica e criativa, fundamentada na politização dos valores da cultura. 22 Conclusão O estudo da obra de Durkheim, Marx e Gramsci, fornece ao licenciando uma grande oportunidade de ampliar a habilidade analítica. Durkheim analisou a escola enquanto fenômeno sociológico, demonstrando que o papel dela seria o de transmitir para as novas gerações os princípios referendados pela sociedade. Por seu turno, Marx questionou o papel exercido pela escola, demonstrando que ela reforça o poder das camadas dominantes. Considerando as análises realizadas pelos dois autores, temos condições de realizar um debate interessante, na medida em que há uma divergência no papel a ser exercido pelo escola segundo cada um deles. Por fim, em Gramsci, temos a oportunidade de conhecer um autor que, a partir das ideias de Marx, apresentou uma proposta da escola unitária, que teria como fim promover uma profunda transformação na sociedade. REFERÊNCIAS FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Pensadores Sociais e História da Educação. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011. GHIRALDELLI JÚNIOR, Paulo. Filosofia e História da Educação Brasileira: da Colônia ao Governo Lula. Barueri: Manole, 2009. HILSDORF, Maria Lucia Spedo. História da Educação Brasileira: Leituras. São Paulo: Cengage Learning, 2003. 23 5. A ESCOLA NOVA O protagonismo em sala de aula, historicamente, foi ocupado pelo professor, restando ao aluno a condição de mero espectador, que deveria memorizar toda a informação transmitida durante as aulas. Entretanto, como poderemos observar neste bloco, na passagem do século XIX para o XX, surgem propostas que procuram subverter esta ordem, colocando o aluno em um papel ativo em sala de aula. Assim, convido-os a ler o texto e, assim, identificar as transformações no processo educativo apresentadas pelos autores que apresentaremos a seguir. 5.1 Dewey: da Educação Tradicional à Educação Nova John Dewey (1859-1952) nasceu na cidade de Burlington, Estado Unido. Foi professor das Universidades de Michigan, Chicago e Columbia. Pensador com forte engajamento político, apoiou a criação de diferentes organizações como, por exemplo, a Associação Americana de Professores Universitários e da Universidade no Exílio, destinada ao atendimento de estudantes exilados, além de ter atuado na defesa dos direitos dos professores, do voto feminino, dos negros e, principalmente, na defesa da escola pública. Em sua atuação na Escola Elementar Universitária, também conhecida como Escola Laboratório, possibilitou a Dewey a realização de uma série de experimentos pedagógicos, que redefiniam a atuação da escola ao colocar a experiência como centro de toda a atividade pedagógica. Segundo a proposta defendida por John Dewey, a metodologia empreendida no trabalho pedagógico deveria estabelecer o aluno como o centro do processo educativo, que deveria ocupar papel ativo neste processo, cujos princípios básicos seriam desenvolver a solidariedade, promover a integração dos alunos à sociedade, estimular a cooperação e formar o cidadão. Dewey defendia em sua proposta educacional que a escola deveria ser um ambiente estimulador, acolhendo as diferenças individuais e integrada ao desenvolvimento da sociedade. É importante destacar que, para entendermos a proposta de Dewey, é preciso considerar os desafios da sociedade na passagem do século XIX para o século XX, que enfrentava sucessivas crises econômicas que acirravam os conflitos sociais. O movimento denominado Escola Nova tinha em John Dewey um de seus principais expoentes. Este movimento reformista da educação defendia o uso de um novo método na educação, assim como também que os conteúdos ministrados estivessem alinhados às necessidades da sociedade capitalista. Outro ponto crucial desta proposta era a articulação entre escola, sociedade, democracia e mundo do trabalho, permitindo que todos os alunos, 24 independente da sua classe social, participassem ativamente da vida política e social. Dewey acreditava que a educação poderia se transformar em um instrumento de superação das desigualdades sociais, com o poder de contribuir para a superação dos privilégios e privações. O autor entendia que a escola, ao formar indivíduos diferentes, auxiliaria no processo de transformação da sociedade, desde que a sua estrutura interna e os seus conteúdos fossem orientados para um modelo democrático de sociedade. 5.2 Montessori e os Métodos Ativos Maria Montessori (1870-1952) nasceu na Itália, onde foi a primeira mulher a formar-se em medicina pela Universidade de Roma. Em suas primeiras investigações, o foco de Montessori esteve voltado à educação de crianças com deficiência e, a partir desta experiência, a autora desenvolveu um método destinado à educação do pré-escolar. A proposta de Montessori buscou fundamentos científicos na psicologia, a partir dos quais organizou sua proposta didática e organizou os seus instrumentos de trabalho. Segundo a autora, a ciência, enquanto utilizou a escola como campo experimental, não apresentou contribuições consistentes, porém, com os avanços da ciência, foi possível definir qual era o ambiente mais propício ao desenvolvimento psíquico do sujeito e, por consequência, estas descobertas alteraram a rotina do trabalho escolar, reduzindo a pressão sobre alunos e professores. A proposta educacional criada por Maria Montessori amparava-se na educação dos sentidos, pois segundo a autora, eles tinham grande importância pedagógica para o desenvolvimento biológico do indivíduo. Face ao exposto, é possível identificarmos que a preocupação da autora repousa no desenvolvimento do indivíduo e não a transmissão de conhecimentos.Para concretizar este objetivo, Montessori defende que o ambiente escolar seja adaptado às necessidades dos alunos, com a presença de móveis e objetos simples, práticos e atraentes, que atendam às necessidades das atividades infantis. A atividade educativa, segundo Montessori, deveria ser dividida entre o professor e o ambiente. Neste contexto, se encontram à disposição dos educandos uma série de objetos, os chamados meios de desenvolvimento, que colaboram com a educação dela. A criança realiza a escolha dos objetos, que são os agentes estimulantes da atividade, apresentando-se assim como atores centrais do processo, com a criança como ente ativo. Assim, podemos afirmar que na metodologia desenvolvida por Montessori os materiais adquirem papel central, cabendo o professor explicar o seu uso. 25 A autora reconhece a dificuldade enfrentada pelos professores em aplicar esta metodologia, pois eles precisam renunciar ao papel central que ocupavam segundo os modelos de ensino tradicionais. Na proposta de Montessori, os professores deveriam oferecer apenas apoio para que os alunos pudessem explorar livremente os objetos, segundo as suas necessidades e interesses. Os objetos deveriam ser apresentados aos alunos de forma cuidadosa no recinto, cabendo a eles realizar a escolha daqueles que seriam manipulados. Assim que concluído o uso de cada objeto, caberia à criança limpá-lo e, a seguir, devolve-lo no mesmo lugar em que haviam retirado para ficar disponível para uso de outra criança. Caso alguma criança queira algum objeto que estiver sendo utilizado, ela deverá aguardar o uso por seu colega. Esta situação, no entendimento de Montessori, exercita na criança a disciplina e a paciência, reduzindo assim a competição entre elas. Montessori, com seu método, acreditou ter conseguido resolver o problema da educação individual sem exigir grande esforço do professor e da escola. Em sua proposta, afirmava ser possível atender ao menos quarenta alunos, preservando a sua individualidade. 5.3 Claparède e Piaget Édouard Claparède (1873-1940) foi um psicólogo suíço responsável por uma grande transformação no campo educacional, pois suas ideias foram responsáveis por redirecionar a atenção, no processo educativo que, até então, tinham como centro o processo de ensino e aprendizagem e o professor, para o aluno, considerando os seus interesses e necessidades. Claparède interessou-se pela educação quando, ao ser indagado por professores que lecionavam para crianças com necessidades especiais, informaram que não haviam recebido preparação adequada para trabalhar com elas. A partir desta situação, iniciou uma investigação sobre os problemas do sistema escolar, que o levarão a pensar na necessidade de uma escola sob medida para todas as crianças. A Psicologia exerceu forte influência nos estudos realizados por Claparède sobre a educação. O autor acreditava que a necessidade era a responsável por desencadear na criança a atividade a partir da qual ela se desenvolvia física, intelectual, estética e moralmente. O autor defendia que o interesse deveria ser o responsável pelo impulso da educação e não o castigo, o medo ou recompensa, pois segundo ele a criança precisa desejar fazer ao invés de ser obrigada a fazer. Claparède criticava a escola que privilegiava a transmissão de informações para os alunos. Entendia que a educação deveria se dedicar ao desenvolvimento das funções intelectuais e 26 morais. Nesta escola nova, a criança passa a ser o centro de todo o processo, impactando assim na percepção até então vigente que colocava o professor no centro do processo educativo. O ponto de partida para o processo educativo na visão de Claparède era o meio natural e social em que a criança se encontrava inserida. Para o autor, a criança não era um adulto em miniatura, mas sim um ser possui vida própria e possui os seus interesses, e a escola deve considerar estes pressupostos ao organizar a atividade pedagógica. Jean Piaget (1896-1980) foi um dos mais importantes pesquisadores na área da educação no século XX. Piaget dedicou-se ao estudo do processo de aquisição do conhecimento, em particular, da criança. Piaget e Claparède possuíam uma relação muito próxima. Entre 1921 e 1932, Jean Piaget, por convite de Claparède, foi diretor do Instituto Jean-Jacques Rousseau, onde, além da relação administrativa, mantinham uma relação de mestre e discípulo. Da mesma forma que Claparède, Piaget foi influenciado pela Biologia. Assim, podemos compreender melhor a visão que Piaget tinha sobre o sujeito: para o autor, o organismo vai, aos poucos, se tornando sujeito, ou seja, é a partir das interações entre o organismo e o meio que o sujeito é formado. Desta forma, conforme o organismo vai se constituindo como sujeito, o meio vai sendo colocado por ele como objeto. Por fim, podemos vislumbrar que a ação do organismo sobre o meio ou sobre si mesmo constituem, segundo Piaget, respectivamente, assimilação e acomodação e, quando combinadas, a interação. Para Jean Piaget, a inteligência resulta da solução de um problema que se apresenta ao indivíduo. O pensamento é interiorização da inteligência, ligada não mais à ação direta, mas sim uma evocação simbólica através da linguagem, através de imagens mentais. O sujeito, ao interagir com o ambiente, permite que ele reorganize os significados em estruturas cognitivas. Assim, o amadurecimento do organismo colabora para que surjam novas estruturas mentais que permitem uma adaptação cada vez maior ao ambiente. Dentre as diversas contribuições dos estudos de Piaget, podemos considerar a compreensão dos estágios do desenvolvimento cognitivo uma das mais importantes. O autor, em sua teoria, apresenta as estruturas que caracterizam cada estágio, que corresponde a uma determinada estrutura cognitiva, que possibilitam diversas formas de interação com o meio, demonstrando que o sujeito apreende o mundo de uma maneira diferente segundo cada momento do seu desenvolvimento. Segundo Jean Piaget, o sujeito, ao entrar em contato com um novo conhecimento, ocorre neste momento um desequilíbrio que, imediatamente, surge a demanda para retornar ao equilíbrio. Este processo se inicia com a assimilação do novo elemento, através da incorporação das estruturas organizadas por meio da interação. A partir deste momento 27 ocorrem mudanças no sujeito e se inicia o processo de acomodação, que aos poucos atinge a organização interna, que dá inicio à adaptação externa do sujeito e a internalização já acontece. 5.4 Vygotsky Lev Semionovich Vygotsky (1896-1934) nasceu na Bielo-Rússia. De família judia, durante sua formação no ensino secundário e universitário, obteve excelente formação na área das ciências humanas: em língua e linguística, estética, literatura, filosofia e história. Iniciou, aos 21 anos, a sua carreira, em um período de profundas transformações na Rússia, que acabara de passar por uma Revolução no ano de 1917. Analisando a trajetória de Jean Piaget e Lev S. Vygotsky, é possível traçarmos um paralelo: os autores nasceram no mesmo ano e, mesmo sem terem recebido formação no campo da psicologia, ambos contribuíram com uma notável produção teórica no desenvolvimento da mente. Por um lado, Piaget, desenvolveu a sua obra sob a influência das ciências biológicas e, por seu turno, Vygotsky analisou o desenvolvimento da mente amparado na cultura, na interação social e na dimensão histórica. A Teoria Histórico-Cultural ou Sociocultural de Vygotsky (também chamada de Sociointeracionista), estabelece como ponto de partida para a compreensão do desenvolvimento do sujeito as suas funções psicológicas. Ela concebe que todo organismo é ativo e mantém uma interação permanente entre as condições sociais e a estrutura biológica do comportamento humano. Em seus estudos, o autor concluiu que o ponto de partidapara o desenvolvimento são as estruturas orgânicas elementares, determinadas pela maturação e, a partir delas, de acordo com as experiências das crianças, são formadas novas funções mentais, cada vez mais complexas. Para Vygotsky, o desenvolvimento mental é pautado pela interiorização das funções psicológicas. Porém, a interiorização não deve ser entendida apenas como a incorporação de uma atividade externa para o plano interno: neste processo, a própria estrutura interna é formada, cujo processo sofre interferências das estruturas culturais, pois elas são moldadas histórica-culturalmente. Lev S. Vygotsky afirmava que a aquisição da linguagem se apresenta como o momento mais importante do desenvolvimento cognitivo. A linguagem desenvolve importantes funções, pois ela serve como instrumento psicológico para a organização e regulação do comportamento. Assim, novas memórias são criadas e novos processos de pensamento são formados. 28 Um importante conceito apresentado por Vygotsky é o da Zona de Desenvolvimento Proximal. Este conceito se refere à região (ou distância) entre aquilo que o aluno sabe (foi assimilado), ou seja, aquilo que ele consegue realizar sozinho e o que precisa da ajuda de outras pessoas, chamado por Vygotsky de desenvolvimento potencial. Para o autor, a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) da criança é a distancia existente entre aquilo que consegue realizar sozinha, ou seja, o desenvolvimento real, e o nível do seu desenvolvimento potencial, aquilo que consegue realizar com a orientação de um adulto. É neste ponto que o professor deve realizar a sua intervenção pedagógica. Conclusão Com a análise dos autores supracitados, podemos identificar uma transformação em curso na educação. Com a valorização de novas metodologias que procuram conduzir o aluno à condição de protagonista da sua formação, podemos concluir que está sendo operada na educação uma mudança. Cabe destacarmos, também, o fortalecimento da presença da psicologia no campo educacional, através das obras de Claparède, Piaget e Vygotsky. REFERÊNCIAS FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Pensadores Sociais e História da Educação. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011. GHIRALDELLI JÚNIOR, Paulo. Filosofia e História da Educação Brasileira: da Colônia ao Governo Lula. Barueri: Manole, 2009. HILSDORF, Maria Lucia Spedo. História da Educação Brasileira: Leituras. São Paulo: Cengage Learning, 2003. 29 6. O PENSAMENTO ANTIAUTORITÁRIO E CRÍTICO Em nosso sexto, e último bloco, vamos analisar autores que criticaram o modelo educacional tradicional. Estes autores colocaram em evidência problemas como o autoritarismo em sala de aula, a escola voltada apenas ao atendimento das elites e os métodos de ensino que não privilegiavam a reflexão. Assim, convido-os a analisar estas propostas, que permitiram uma análise dos processos até então praticados nas escolas, estimulando assim uma escola e uma educação reflexiva. 6.1 Freinet, Rogers e Lobrot Célestin Freinet (1896-1966) nasceu em Gars, na França. Desenvolveu suas pesquisas pedagógicas em um contexto histórico conturbado, em que a Europa sofria os reflexos de duas Guerras Mundiais (1914-1918 e 1939-1945) que acirraram as desigualdades socioeconômicas. Neste cenário, Freinet desenvolveu uma teoria pedagógica popular, que possuía como objetivo superar a desigualdade social proporcionada pela sociedade capitalista e, por esta razão, o autor foi alvo de grande pressão por parte de diferentes grupos que discordavam de suas ideias. A proposta pedagógica de Freinet é calcada na experimentação, com a criança ocupando a centralidade neste processo, desenvolvendo uma série de atividades manuais com vistas a formar crianças ativas, que serão responsáveis por uma profunda transformação na sociedade no futuro. O autor considerava que, por meio das experiências, as crianças alcançarão o conhecimento quando a escola adaptar o seu processo pedagógico ao meio social em que elas vivem, com a oferta de atividades ativas e dinâmicas. Freinet entendia que a criança não deveria ser submetida a uma série de disciplinas curriculares, pois caberia à escola proporcionar a elas situações que estimulariam a sua ação, buscando despertar o seu interesse pelo conhecimento. Freinet defendia que a escola deveria ser um espaço agradável, pois o acreditava que o aprendizado decorreria do fato da criança estar inserida em um ambiente acolhedor, agradável, preocupado em satisfazer as necessidades dos alunos. É importante destacarmos que Freinet considerava que as condições exteriores desempenhavam forte papel no aprendizado das crianças e, por essa razão, a escola deveria apostar em atividades que mantivessem contato com o mundo externo. Para tanto, Freinet defendia a realização de aulas passeio, onde os alunos aprenderiam na prática, de 30 forma colaborativa. A escola, assim, colaboraria para a formação de homem livres, autônomos e responsáveis, em condições de atuar para a transformação da sociedade. Michel Lobrot, pedagogo francês, discípulo de Freinet, realiza em seus estudos uma análise da instituição escolar, que, segundo o autor, tem origem no momento em que a sociedade precisou criar um lugar próprio para a formação das novas gerações. Para Lobrot, o processo educacional se desenvolve no interior da instituição escolar e, sendo assim, qualquer alteração passa pelo interior desta. O autor destacou em seus estudos o fato da instituição escolar sofrer uma forte intervenção externa, que se materializa através da imposição de processos, normas e programas fechados. Ao criticar estas ações, Lobrot propunha a autogestão, em que o próprio grupo pertencente à escola determina as suas normas, programas e metas, com o auxilio de um especialista, com permanente autoavaliação. Neste processo, Lobrot acreditava que haveria uma mudança na postura do aluno, que teria maior responsabilidade em seu processo de aprendizagem, com a alteração das relações entre professor e aluno. O professor, para Lobrot, desempenha papel importante no processo pedagógico. Entretanto, o autor criticava a forma como o professor atuava, pois ele reforçava o poder institucional externo no interior da escola. O autor defendia que o poder do professor deveria se limitar à didática. Cabe frisar que Lobrot escreveu grande parte de suas reflexões em um momento de profundas transformações na Europa, sobretudo na França que, durante a década de 1960, enfrentou rebeliões estudantis, que defendiam a autonomia da escola. Carl Rogers (1902-1987) nasceu em Chicago, Estados Unidos, iniciando seus estudos na Psicologia em 1928. Suas ideias, assim que foram apresentadas, geraram forte impacto no campo da Psicologia e, posteriormente, influenciaram educadores em todo o mundo. Rogers desenvolveu uma terapia “não diretiva”, centrada na pessoa. Nesta relação, o cliente confia em seu terapeuta e este aceita e confiam em seu cliente, procurando compreende-lo em seu contexto real, com seus temores, sofrimentos e defesas. As ideias desenvolvidas por Rogers no campo da educacional podem ser consideradas uma extensão daquelas desenvolvidas por ele no campo da psicologia. Segundo o 31 autor, as crianças aprender melhor, tornam-se mais assíduas, participativas capazes de resolver problemas quando os professores proporcionam a eles um ambiente humanizado, de plena confiança e afetivo. Neste contexto acolhedor, o professor precisa assumir o papel de facilitador da aprendizagem dos alunos, afastando-se da proposta tradicional baseada na transmissão dos conhecimentos, passando a exercer o papel de orientador dos alunos. Neste novo cenário, o próprio conhecimento a ser trabalhado pela escola precisa ser questionado, pois não há como o professor determinar o que o aluno deve aprender ou não. Esta assertivase ampara na percepção de que o importante é aprender a aprender, pois o processo de aprendizagem não se encerra no interior da escola, tonando-se imprescindível à escola preparar o aluno para que ele possa continuar a adquirir conhecimentos ao longo de toda a sua vida. 6.2 Bourdieu, Baudelot e Establet Pierre Bourdieu (1930-2002) nasceu na França. Seus estudos no ensino fundamental foram realizados em uma escola que atendia aos filhos de camponeses, operários e pequenos comerciantes. Ingressou, posteriormente, após se destacar no ensino médio, na École Normale Supérieure, onde cursou Filosofia. Em suas pesquisas sobre o campo educacional, Bourdieu discute a importância da bagagem cultural que incorporamos ao longo de nossa vida, demonstrando o quanto ela é decisiva na relação com a aquisição e produção do conhecimento científico apresentado pela instituição escolar. Segundo o autor, algumas pessoas possuem maior preparação para a vida escolar. Por outro lado, outras pessoas tendem a não dar tanto destaque à educação escolar na medida em que sua família e pessoas ao seu redor também não dão, demonstrando assim que as condições de sucesso ou insucesso escolar não dependem apenas de fatores econômicos, mas principalmente, culturais. Ao estudar o sistema de ensino francês no final da década de 1960, Bourdieu destaca, sistematiza e descreve os mecanismos através dos quais a violência simbólica é exercida pela instituição escolar e por seus agentes. O autor apresenta em seus estudos, também, a teoria que demonstra que as elites exercem a dominação sobre o campo pedagógico, impondo a sua cultura como a cultura legítima, impondo a todas as demais classes esta cultura, estabelecida como a única, desclassificando a cultura das classes dominadas. 32 Bourdieu desenvolve uma teoria que destaca o fato de que cada ser humano possui uma trajetória sociológica diversa, que forma o seu ser social e, ao longo do tempo, constitui o seu Habitus, que constitui nossa maneira de perceber e julgar o mundo, assim como configura a nossa maneira de agir corporal e materialmente. É o princípio gerador de práticas objetivamente classificáveis e, ao mesmo tempo, sistema de classificação (principium divisionis) de tais práticas. Cristian Baudelot nasceu em 1938 em Paris, França. Professor Emérito de Sociologia da École Normale Supérieure. Em conjunto com o sociólogo Roger Establet (1938), Professor Emérito de Sociologia da Universidade de Provence, apresentou importantes reflexões sobre o processo educativo, conhecida como “Teoria da Escola Dualista”. Baudelot e Establet, ao analisarem a escola francesa, demonstraram o caráter dual da escola, pois ela, mesmo que em sua aparência se apresente como unitária e unificadora, se encontra dividida em duas, correspondendo à divisão existente no interior da sociedade capitalista. Os autores, ao afirmarem que a escola se encontra dividida em duas, sendo que uma atende à elite e, outra, atende as camadas populares, retomam um importante conceito criado por Louis Althusser, conhecido como “Aparelho Ideológico do Estado”. Althusser considerava que a escola atuava como Aparelho Ideológico do Estado na medida em que ela cumpria duas funções primordiais: contribuía, de um lado, para a formação da força de trabalho e, de outro, para a inculcação dos valores da sociedade capitalista. Baudelot e Establet dedicaram seu esforço para compreender a escola no contexto da luta de classes. Para os autores, a escola atuaria em defesa das elites ao estabelecer um controle sobre a classe operária. Assim, os autores entendiam que a escola não atuaria em prol das camadas populares, favorecendo assim a manutenção do status quo. Essa teoria exerceu forte influência na América Latina, estimulando uma série de pesquisas que criticavam o sistema de ensino. É interesse destacarmos o impacto gerado por estes estudos sobre os educadores pois, se por um lado, demonstrou como a escola agia na defesa dos interesses das elites, por outro criou um profundo mal-estar entre os professores. 6.3 Paulo Freire e a Pedagogia do Oprimido Paulo Freire (1921-1997) nasceu em Recife, Pernambuco, e é considerado no Brasil e no mundo por sua práxis educativa, que colaborou no combate ao analfabetismo em diferentes países. Freire desenvolveu uma proposta pedagógica que afirmava ser a educação um ato libertador, por meio do qual as pessoas transformariam o mundo. O autor considerava que a origem do analfabetismo residia no processo de exploração e 33 opressão à qual os grupos eram submetidos historicamente, e não na propalada incapacidade destes sujeitos em aprender. A educação seria, então, um processo de busca permanente pela transformação da realidade concreto dos sujeitos, que somente seria possível mediante o despertar da consciência deles. Ao longo de seus estudos, Paulo Freire afirmava estar a educação dividida em duas grandes correntes: a concepção bancária e a concepção problematizadora e/ou libertadora. A chamada educação bancária é entendida por Paulo Freire como aquela os alunos são considerados como recipientes a serem preenchidos pelos professores através da transmissão dos saberes. Por seu turno, a educação problematizadora e/ou libertadora seria a contraposição do primeiro modelo, na medida em que estava amparada na realizada concreta dos sujeitos, apresentando como objetivo final a transformação da realidade, com a formação de sujeitos conscientes dela. Para concretizar este objetivo, a relação entre educador e educando deveria ser horizontal, e os conteúdos trabalhados em sala de aula deveriam partir da realidade concreta destes mesmos sujeitos. Todo o processo formativo proposto por Freire possuía um caráter libertador e deveria ser realizado através do diálogo. Neste contexto, busca-se a aproximação entre educador e educando, superando o caráter opressivo da educação bancária, que se encontrava amparada em uma relação monocrática em que prevalecia a figura do educador sobre o educando. Na proposta de Freire, a partir da relação dialógica entre educador e educando eram identificados os temas geradores, vinculados à realidade dos educandos, que seriam tratados em sala aula. O método desenvolvido por Paulo Freire objetiva uma educação libertadora, e os conteúdos trabalhados possuíam caráter qualitativo e não quantitativo. A escola, segundo a percepção do autor, deveria ser democrática, promovendo o respeito ao aluno e deveria construir práticas pedagógicas capazes de despertar a consciência crítica dos alunos. 6.4 Agentes da Educação e o Debate Atual Nesta etapa de encerramento do curso, convidamos o Professor Doutor Fernando Roberto Campos para uma entrevista, em que ele realizaria uma análise da escola na atualidade. Fernando Roberto Campos é graduado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo 34 (SUP), com Mestrado e Doutorado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Apresentaremos uma síntese do que foi discutido pelo professor em sua entrevista 1. Assistimos, após a redemocratização, a ampliação do acesso e da permanência dos jovens na escola. Entretanto, observamos resultados insatisfatórios na aprendizagem apresentada pelos alunos. Quais seriam as razões para estes resultados? Fernando Roberto Campos Infelizmente, no Brasil, observamos que os resultados educacionais não são adequados. Existem problemas em nossa política educacional (um problema histórico), há, também, em nossa sociedade, uma imensa desigualdade que contribui para a existência destes problemas. É um problema que possui muitas faces, dentre elas podemos elencar as dificuldades em se realizar um trabalho pedagógico adequado nas escolas, que possuem uma estrutura, quase sempre, inadequada. 2. Existem diferentes teóricos que analisaram a escola e o seu papel
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