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1 Disciplina: Fundamentos Teóricos e Metodológicos das Ciências Naturais Autora: M.e Pricila de Lara Revisão de Conteúdos: Esp. Juliano de Paula Neitzik / Marcos Vinicius Tavares Revisão Ortográfica: Esp. Juliano de Paula Neitzki Ano: 2019 Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade São Braz (FSB). O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais. 2 Pricila de Lara Fundamentos Teóricos e Metodológicos das Ciências Naturais 1ª Edição 2019 Curitiba, PR Editora São Braz 3 Editora São Braz Rua Cláudio Chatagnier, 112 Curitiba – Paraná – 82520-590 Fone: (41) 3123-9000 Coordenador Técnico Editorial Marcelo Alvino da Silva Revisão de Conteúdos Juliano de Paula Neitzki / Marcos Vinicius Tavares Revisão Ortográfica Juliano de Paula Neitzki Desenvolvimento Iconográfico Juliana Emy Akiyoshi Eleutério FICHA CATALOGRÁFICA LARA, Pricila de. Fundamentos Teóricos e Metodológicos das Ciências Naturais / Pricila de Lara. – Curitiba: Editora São Braz, 2019. 108 p. ISBN: 978-85-5475-368-9 1. Educação. 2. Ensino de Ciências. 3. Planejamento docente. Material didático da disciplina de Fundamentos Teóricos e Metodológicos das Ciências Naturais – Faculdade São Braz (FSB), 2019. Natália Figueiredo Martins – CRB 9/1870 4 PALAVRA DA INSTITUIÇÃO Caro(a) aluno(a), Seja bem-vindo(a) à Faculdade São Braz! Nossa faculdade está localizada em Curitiba, na Rua Cláudio Chatagnier, nº 112, no Bairro Bacacheri, criada e credenciada pela Portaria nº 299 de 27 de dezembro 2012, oferece cursos de Graduação, Pós-Graduação e Extensão Universitária. A Faculdade assume o compromisso com seus alunos, professores e comunidade de estar sempre sintonizada no objetivo de participar do desenvolvimento do País e de formar não somente bons profissionais, mas também brasileiros conscientes de sua cidadania. Nossos cursos são desenvolvidos por uma equipe multidisciplinar comprometida com a qualidade do conteúdo oferecido, assim como com as ferramentas de aprendizagem: interatividades pedagógicas, avaliações, plantão de dúvidas via telefone, atendimento via internet, emprego de redes sociais e grupos de estudos, o que proporciona excelente integração entre professores e estudantes. Bons estudos e conte sempre conosco! Faculdade São Braz 5 Sumário Prefácio .................................................................................................... 8 Aula 1 – História da ciência e concepções científicas ............................... 9 Apresentação da aula 1 ............................................................................ 9 1.1 – Uma breve história da ciência ................................................... 10 1.2 – As concepções de ciência ......................................................... 13 1.3 – As certezas primárias: senso comum e a construção dos conhecimentos científicos ................................................................. 14 Conclusão da aula 1 ................................................................................ 19 Aula 2 – Saber acadêmico, saber escolar e a transposição didática no ensino de Ciências ................................................................................... 20 Apresentação da aula 2 ........................................................................... 20 2.1 – Os diferentes saberes ............................................................... 21 2.2 – O surgimento das disciplinas e a formação disciplinar do professor .................................................................................................. 22 2.3 – Conhecimento escolar e transposição didática ......................... 25 Conclusão da aula 2 ................................................................................ 28 Aula 3 – Histórico do ensino de Ciências Naturais no Brasil ..................... 29 Apresentação da aula 3 ........................................................................... 29 3.1 – A produção científica e tecnológica brasileira e suas relações com a sociedade ............................................................................... 29 3.2 – As influências do desenvolvimento científico e tecnológico e do ideário educacional sobre o ensino de Ciências ........................... 33 Conclusão da aula 3 ................................................................................ 42 Aula 4 – Fundamentos teórico-metodológicos da educação científica na Educação Básica ..................................................................................... 43 Apresentação da aula 4 ........................................................................... 43 4.1 – Metodologias de ensino ............................................................ 44 4.2 – Metodologia tradicional ............................................................. 45 4.3 – Metodologia construtivista ........................................................ 47 4.4 – Metodologia investigativa ......................................................... 48 4.4.1 – Investigação científica na sala de aula .................................. 50 4.4.2 – A utilização da experimentação para a construção de conhecimentos científicos ................................................................. 51 4.4.3 – Utilizando a investigação científica em sala de aula: um exemplo ............................................................................................ 52 Conclusão da aula 4 ................................................................................ 53 Aula 5 – Documentos orientadores para o ensino de Ciências nas séries iniciais do Ensino Fundamental ................................................................ 54 Apresentação da aula 5 ........................................................................... 54 6 5.1 – Lei de Diretrizes e Bases e Diretrizes Curriculares para a Educação Nacional ........................................................................... 54 5.2 – Os Parâmetros Curriculares Nacionais: a base para o ensino de Ciências Naturais o Ensino Fundamental ..................................... 55 5.2.1 – Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino de Ciências Naturais .............................................................................. 56 5.2.2 – Conteúdos de Ciências Naturais para o Ensino Fundamental 58 5.3 – O ensino de Ciências no primeiro e segundo ciclos: orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais ......................... 59 5.3.1 – Ambiente ............................................................................... 62 5.3.1 – Ser humano e saúde .............................................................. 62 5.3.1 – Recursos tecnológicos .......................................................... 63 Conclusão da aula 5 ................................................................................ 64 Aula 6 – Análise e avaliação de livros didáticos de Ciências e o Plano Nacional do Livro Didático ........................................................................ 65 Apresentação da aula 6 ........................................................................... 65 6.1 – História do livro didático no Brasil ............................................. 66 6.2 – A relaçãoentre o professor e o livro didático ............................. 68 6.3 – Plano Nacional do Livro Didático para o Ensino de Ciências ... 70 6.4 – A avaliação do livro didático pelo professor .............................. 71 6.5 – Orientações ao professor .......................................................... 73 6.5.1 – Conteúdos ............................................................................. 73 6.5.2 – Recursos visuais (imagens, gráficos e tabelas) ..................... 74 6.5.3 – Atividades .............................................................................. 75 6.5.4 – Recursos complementares .................................................... 76 Conclusão da aula 6 ................................................................................ 76 Aula 7 – O ensino de Ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental 77 Apresentação da aula 7 ........................................................................... 77 7.1 – Interdisciplinaridade ................................................................. 79 7.2 – Temas geradores ..................................................................... 82 7.3 – As aulas de Ciências ................................................................. 84 7.3.1 – Plano de aula utilizando a problematização ........................... 84 Conclusão da aula 7 ................................................................................ 86 Aula 8 – Estratégias metodológicas para o ensino de Ciências ................ 87 Apresentação da aula 8 ........................................................................... 87 8.1 – Propostas pedagógicas para o ensino de Ciências .................. 89 8.1.1 – As sequências didáticas ........................................................ 89 8.1.2 – Espaços não formais de aprendizagem ................................. 89 8.1.3 – A utilização de jogos no ensino de Ciências ........................... 92 8.2 – Plano de aula para o Ensino de Ciências ................................. 93 8.3 – Avaliação dos conteúdos de Ciências para as séries iniciais ... 96 7 Conclusão da aula 8 ................................................................................ 97 Índice Remissivo ...................................................................................... 99 Referências .............................................................................................. 102 8 Prefácio Caro e cara estudante, é com prazer e satisfação que preparei este material voltado ao ensino de Ciências para os anos iniciais. Espero que você desfrute das aulas e tenha um excelente aprendizado, visto que a introdução do ensino de Ciências nas séries iniciais do Ensino Fundamental é imprescindível para a formação do cidadão pleno e crítico, capaz de interferir de forma positiva em sua realidade, pois conhece os fenômenos que o cerca. Você, como professor ou professora, fará parte desse processo. Por isso, a importância de tornar o ensino de Ciências agradável, motivador e estimulador. Participe de todas as atividades, assista aos vídeos sugeridos e realize as leituras indicadas, pois isso irá aprimorar os seus conhecimentos. Desejo a você uma ótima leitura e um excelente aprendizado! 9 Aula 1 – História da ciência e concepções científicas Apresentação da aula 1 Olá! Seja bem-vindo(a) à nossa primeira aula de Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Ensino de Ciências Naturais. Na aula de hoje, você irá conhecer um pouco sobre a história da ciência, suas principais concepções e alguns importantes filósofos da ciência, que direcionam o trabalho científico e o trabalho do professor em sala de aula. Pretende-se, ao final desta aula, que você: conheça a história da ciência e alguns importantes filósofos que investigaram como ocorre a apropriação dos conhecimentos científicos; conheça as principais concepções científicas e sua importância para a mudança ao longo do tempo dos conhecimentos científicos; compreenda o que é conhecimento científico, como ele é construído e como se diferencia de outros tipos de conhecimento. Desde a antiguidade, o ser humano se preocupa em buscar explicações para os fenômenos que o cercam. A curiosidade e a necessidade de respostas moveram a busca pelo conhecimento. Inicialmente, a Ciência se baseava nas observações dos fenômenos e possíveis explicações. Com o passar dos anos, os estudos foram se aprofundando, assim como os avanços tecnológicos, que facilitaram a produção científica. Durante muitos anos, a ciência foi vista como algo acabado, ou seja, a partir da aceitação de hipótese, teoria ou modelo, estudos posteriores se faziam desnecessários; o trabalho científico hoje não privilegia essa característica e é fundamental que esse fator seja levado em consideração ao se ensinar ciências. É necessário, pois, mostrar aos estudantes que a ciência passou por várias fases, visto que o trabalho científico é constante. Outra ideia vinculada à ciência é a de que ela seria neutra. Hoje sabe-se que existem vários fatores que influenciam a produção científica e, portanto, ela não pode ser neutra. Ao se ensinar ciências em sala de aula, o professor deve levar em conta alguns fatores. É importante que os estudantes conheçam os aspectos históricos da Ciências, assim como sua forma de produção. O docente precisa levar em consideração que os estudantes trazem para a sala de aula seus conhecimentos 10 provenientes de suas vivências e experiências cotidianas. Desejo a você uma ótima leitura e um proveitoso aprendizado! 1.1 Uma breve história da ciência A ciência não é um conhecimento acabado, mas, sim, um conhecimento construído ao longo do tempo. Ela passou por inúmeras rupturas e todos os dias se vê algo novo relacionado ao campo científico. Afinal, o que é ciência? Pode- se definir ciência como conhecimento sistematizado, obtido por intermédio do método científico, o qual está baseado em observações, pesquisas e experimentação. A ciência passou por inúmeras fases e rupturas, desde a ciência antiga até a contemporânea. Alguns filósofos e cientistas, como Gaston Bachelard e Thomas Kuhn, tiveram contribuições importantes na ciência como produção de conhecimento, ao compartilharem a ideia de que existem interações não neutras entre o sujeito e o objeto de estudo, em oposição ao positivismo. Além disso, propuseram que existem processos descontínuos na apropriação do conhecimento e na produção científica, reforçando que a ciência não é linear (DELIZOICOV et al., 2009). Thomas Kuhn (1922-1996), físico americano e estudioso da filosofia da ciência, teve sua mais importante obra, A estrutura das revoluções científicas, publicada em 1962. Estabeleceu o uso do termo paradigma, que diz respeito ao desenvolvimento do conhecimento científico por meio de rupturas, as quais denominou de revoluções científicas. Segundo esse importante pesquisador, durante um período chamado de ciência normal, o paradigma vigente é compartilhado por toda a comunidade científica e consegue responder e solucionar todos os problemas de pesquisa. Quando esse paradigma não é mais suficiente, a comunidade científica busca outras respostas, outros paradigmas e, neste momento, ocorrem as rupturas. Assim, Kuhn definiu paradigma como “realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma Ciência” (KUHN, 2013, p.13). 11 Thomas Kuhn (1922-1996) Fonte: http://www.consciencia.org/thomas-kuhn-ciencia Um exemplo de rupturas de paradigmas são os modelos geocêntrico e heliocêntrico,que buscavam explicar os movimentos dos planetas. O modelo geocêntrico, postulado pelos gregos e defendido por Aristóteles, pressupôs que a Terra permanecia imóvel no Universo, enquanto os outros planetas e astros, inclusive o Sol, giravam ao redor dela. Difícil era quem discordasse desse modelo, aceito durante muitos anos. O geocentrismo surgiu a partir das observações realizadas pelo homem no seu dia a dia e sem o uso de instrumentos tecnológicos que pudessem o auxiliar. Contudo, depois de algum tempo, esse modelo não era suficiente para responder e explicar alguns fenômenos. Surge então um novo modelo, o heliocentrismo, defendido por Nicolau Copérnico e posteriormente por Galileu Galilei, pressupondo que os astros giravam ao redor do Sol. Esses estudiosos deram sustentação científica para o heliocentrismo, e Galileu Galilei utilizou, pela primeira vez, um equipamento para observar o Universo, a luneta. 12 Modelos geocêntrico (acima) e heliocêntrico (abaixo) Fonte: https://www.thinglink.com/scene/667508362807607298 Gaston Bachelard (1884-1962), filósofo francês, deu sua contribuição no campo da filosofia da ciência. Seu pensamento é dividido em duas fases: diurno (epistemológica) e noturno (poética). Em sua obra intitulada A formação do espírito científico (1996 [1938]), ressalta que a apropriação do conhecimento científico se dá por meio da superação dos “obstáculos epistemológicos”. Segundo o autor, o primeiro obstáculo ao conhecimento é a opinião: não se pode ter uma opinião sobre um fenômeno que não conhecemos. Nessa mesma obra, Bachelard traz o conceito de “obstáculo pedagógico”. Para o autor, é inadmissível pensar que professores não compreendam que seu aluno não compreenda, principalmente os professores de ciências. Reforça que, geralmente, os professores acreditam que o espírito científico começa a partir de uma aula, da repetição de atividades e de demonstrações. Porém, desconsideram que os estudantes entram em sala de aula com seus conhecimentos prévios. Portanto, não se trata de inserir uma nova cultura, mas, sim, de modificá-la, derrubando um obstáculo construído a partir de suas interações cotidianas. Para o autor, o conhecimento só ocorre em resposta a uma pergunta. Sem uma pergunta, não há conhecimento científico. 13 Gaston Bachelard (1884-1962) Fonte: https://www.centrofic.org/a-filosofia-do-no-gaston-bachelard/ 1.2 As concepções de ciência Como já vimos anteriormente, a ciência é o conhecimento sistematizado obtido a partir da investigação científica, por meio da observação, experimentação e pesquisas. Ao longo da história, surgiram várias maneiras de se fazer ciência, ou seja, de encontrar respostas para os fenômenos a partir do método científico. Três são as principais concepções de ciência: racionalista, empirista e construtivista. Essas concepções estão baseadas na forma como os cientistas faziam ou fazem Ciência. Concepção racionalista: data dos gregos até o século XVII. Esta concepção está baseada na definição da ciência como um conhecimento racional, dedutivo e demonstrativo, como é o caso da matemática. A concepção racionalista era hipotético-dedutiva, isto é, “definia o objeto e suas leis e disso deduzia propriedades, efeitos posteriores, previsões” (CHAUÍ, 2000, p. 321); Concepção empirista: data de Aristóteles até o final do século XIX. Segundo esta concepção, a ciência é uma interpretação de fatos baseada em observações e experimentos. Nesta concepção, a ciência não tem apenas a função de verificar e confirmar conceitos, mas também de produzi-los (CHAUI, 2000). “A concepção empirista 14 era hipotético-indutiva, isto é, apresentava suposições sobre o objeto, realizava observações e experimentos e chegava à definição dos fatos, às suas leis, suas propriedades, seus efeitos posteriores e previsões.” (CHAUÍ, 2000, p. 321). As duas concepções, racionalista e empirista possuíam o mesmo pressuposto, embora se realizassem de maneiras distintas. Ambas consideravam que a teoria científica era uma explicação e uma representação da realidade. Delizoicov et al. (2009) destacam que as concepções racionalista e empirista, enquanto bases para uma compreensão do conhecimento, não se sustentam. A visão positivista do conhecimento passou a ser questionada a partir da década de 30. O Positivismo tem como pressuposto a neutralidade do sujeito; Concepção construtivista: iniciada no século XX, considera a ciência como um modelo de explicação para os fenômenos reais. O cientista construtivista se fundamenta em um método e na experimentação para produzir o conhecimento. Seu trabalho se baseia na explicação dos fenômenos, por isso, não se preocupa em representar com exatidão a realidade, mas, sim, em propor modelos e explicações. A Ciência contemporânea é construtivista, fundada por Albert Einstein, a partir de sua publicação sobre a Teoria da Relatividade (1905), quebrando o mito de que a Ciência era neutra e isenta das concepções e percepções dos pesquisadores. 1.3 As certezas primárias: senso comum e a construção dos conhecimentos científicos O conhecimento em sala de aula não se constrói com base somente na transmissão de informações do professor para seus alunos. Sabemos que todos trazem consigo conhecimentos adquiridos a partir de suas relações com a natureza e com o meio no qual estão inseridos. Esse tipo de conhecimento é baseado em tradições, opiniões e crenças, que são obtidos por meio das 15 observações cotidianas e transmitidos de geração a geração, denominamos de senso comum. É comum ver algumas afirmações e explicações, a partir de observações no dia a dia, por exemplo: Todos os dias, o Sol nasce no Leste e se põe no Oeste. Logo, o Sol gira ao redor da Terra, o que explica a sucessão de dias e noites. A Terra fica imóvel no Universo; Mulheres entram em trabalho de parto com maior frequência na Lua cheia do que nas demais Luas; Se o macaco é nosso ancestral, por que todos os seres humanos não se transformam em macacos? Todos os seres vivos nasceram assim como são e não houve transformações. Essas afirmações e explicações direcionam e fazem parte da vida dos estudantes durante muito tempo. Muitos não abandonam essas crenças no decorrer de suas vidas. Quando chegam à escola, ouvem do professor que o Sol não gira ao redor da Terra, que a Lua não influencia no trabalho de parto das mulheres e que o macaco não é nosso ancestral linear, porém temos um ancestral em comum e os seres vivos passaram por inúmeras transformações ao longo de sua existência, o que originou a quantidade de espécies que conhecemos hoje. Portanto, para que haja produção de conhecimento, o professor deve estar atento à bagagem de experiências cotidianas. É necessário que ocorram rupturas entre o senso comum e as explicações científicas dos fenômenos para que o estudante se aproprie do conhecimento científico. Chauí (2000), em sua obra Convite à Filosofia, ressalta algumas características dos saberes cotidianos ou do senso comum: São subjetivos, pois exprimem sentimentos e opiniões de indivíduos e grupos. Podem variar de uma pessoa para outra ou ainda de um grupo para o outro; São qualitativos, isto é, as coisas são julgadas a partir das características que atribuímos a elas. Por exemplo: pesadas ou leves, novas ou velhas, úteis ou inúteis. Essas características podem variar de um indivíduo para outro, de acordo com sua percepção; 16 São generalizadores, pois tendem a reunir em uma só ideia coisas ou fatos julgados semelhantes; Estabelecem relações de causa e efeito entre coisas e fatos. Exemplo: “onde há fumaça, há fogo”; Não se admiram com a regularidade, mas, sim, com o diferente, o novo e o único; Compreendem a investigação científicacomo magia, considerando que esta trabalha com o oculto e o incompreensível; Costumam projetar nas coisas ou o mundo angústias e medos diante do desconhecido; O senso comum é carregado de preconceitos, os quais são utilizados par interpretar a realidade que nos cerca e todos os acontecimentos. Essas características diferem o senso comum do conhecimento científico e sistematizado. O primeiro deve ser superado por meio da prática do professor. O primeiro tipo de conhecimento deve ser superado para que se produza o conhecimento científico e para que este possa ser utilizado pelos estudantes de forma crítica. A primeira superação que deve ocorrer é a que está relacionada ao senso comum pedagógico, que está associado ao pressuposto de que a apropriação dos conhecimentos ocorre por meio da transmissão acrítica de saberes do professor para o aluno (DELIZOICOV et al. 2009). Esse tipo de transmissão mecânica de informações reforça os preconceitos com relação à ciência, como se esta fosse algo acabado e não como um conhecimento em processo contínuo de construção e reforçando, assim, que a ciência estaria ao alcance de poucos; apenas aqueles dotados de grande inteligência e poder aquisitivo seriam capazes de produzir conhecimento científico. Deve-se destacar que o objetivo do estudo da ciência na escola não é formar cientistas, mas formar o cidadão crítico, capaz de usar seus conhecimentos científicos adquiridos no decorrer de sua escolarização em seu cotidiano. Portanto, além da superação do senso comum pedagógico, deve haver a superação do conhecimento do senso comum dos estudantes, por meio das rupturas. Delizoicov et al. (2009) sugerem que a prática educativa necessita ser 17 desenvolvida a partir de um modelo didático-pedagógico que estabeleça a seguinte relação: Fonte: elaborado pelo autor (2017), adaptado pelo DI (2019). Para Bachelard (1977), o conhecimento científico se constrói a partir de rupturas e é também por intermédio destas rupturas que se passará do que o autor chama de “conhecimento vulgar” para o científico. O autor ainda acrescenta que a apropriação do conhecimento científico pelo aluno implica a superação dos “obstáculos epistemológicos”, os quais serão abordados mais adiante. Delizoicov et al. (2009) ressaltam que a apropriação do conhecimento científico ocorre por meio da desestabilização das afirmações dos alunos, que se dá por conta da desestruturação das explicações contidas no senso comum, para depois formular problemas que possam levá-los à compreensão de outro conhecimento. O conhecimento científico difere do senso comum, pois utiliza a investigação científica como a base do seu trabalho e da construção do conhecimento; ele baseia-se no resultado de pesquisas e experimentos para atingir seus resultados. Tem como características a curiosidade e a crítica. Além disso, baseia-se em pesquisas e investigações científicas, utilizando métodos. Por isso, é chamada de racional. Processo-produto (conhecimento do estudante) Rupturas Processo-produto (conhecimento científico) 18 Chauí (2000) destaca algumas das principais características deste tipo de conhecimento: Quando busca-se aprofundar em determinado assunto, principalmente em pesquisas, o pesquisador tem de seguir determinadas etapas e critérios nos quais o permitirá chegar ao resultado esperado ou próximo do planejado e poderá optar por uma pesquisa que será: Quantitativa, quando o pesquisador buscar resultados numéricos, ou seja, apresentará gráficos, perguntas diretas, com respostas fechadas, dados, sem ser subjetivo, como, por exemplo, expressar a sua opinião; Homogênea, quando o pesquisador apresentar o conhecimento sem ser específico, usando a generalidade como explicação; Generalizadora, quando o pesquisador especificar algo único, porém com essência oposta, tomadas como iguais, nos aspectos semelhantes, com respostas fechadas, dados, sem ser subjetivo, como, por exemplo, expressar a sua opinião. Há situações em que os opostos ou distintos podem ter resultados esperados e desejados, já em outras o seu oposto. Ou o resultado sobrepõe-se ao que se espera ou se idealiza. No entanto, a pesquisa busca chegar a um dado específico, comprovado ou aproximado ao real, e não ao subjetivo, sugestionável ou imaginável; Com isso, por intermédio da pesquisa, busca-se minimizar o desconhecimento e até mesmo dirimir certos preconceitos tidos como verdadeiros e inquestionáveis, podendo, desta forma, tornar crenças em descrenças; a ignorância sobre o assunto determinado tornar-se também questionável e, por que não, chegando também ao seu fim; Com a pesquisa, aprimora-se o que já pode ser comprovado e o conhecimento adquirido provoca, questiona e tem credibilidade, pois constata-se a partir do palpável e vislumbra o mutável. As teorias sem base se perdem com o passar do tempo. 19 Conclusão da aula 1 Chegamos ao final de nossa primeira aula. Pudemos perceber que a ciência e o senso comum diferem em diversos aspectos. O senso comum é um conhecimento que deve ser superado em sala aula por meio da prática do professor. É importante ressaltar que a própria produção de conhecimento científico passou por inúmeras mudanças e rupturas. Portanto, a ciência não deve ser vista como um conhecimento acabado, pois está sempre em processo de construção. Atividades de Aprendizagem 1 - Thomas Kuhn definiu paradigmas como “realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência” (KUHN, 2013, p.13). O autor ressalta que na história da Ciência ocorreram inúmeras rupturas entre o conhecimento antigo e o novo, dando origem a novos paradigmas, mostrando que a Ciência não é linear. Pesquise algumas rupturas que marcaram a história da Ciência e que deram origem a novos paradigmas. 2 - Ao fazer ciência, um cientista ou pesquisador, ao final de seu trabalho, pode levantar uma hipótese, propor uma teoria ou um modelo para explicar o objeto de pesquisa. Pesquise, em fontes seguras, qual é a diferença entre hipótese, teoria e modelo. 20 Aula 2 – Saber acadêmico, saber escolar e a transposição didática no ensino de Ciências Apresentação da aula 2 Olá, aluno(a)! Bem-vindos a mais uma aula. Os objetivos desta aula são conhecer as principais características dos saberes científico, acadêmico e escolar e identificar como deve ocorrer a transposição didática destes conhecimentos para que os estudantes se apropriem deles. As discussões sobre as relações entre o saber científico, o saber acadêmico e o saber escolar são recentes. Esses saberes diferem em diversos fatores, mas compartilham uma característica, pois estão presentes na vida de cada um, mesmo que de forma indireta. Um bom exemplo são os saberes científicos utilizados na medicina, que fazem parte do cotidiano de todo ser humano, afinal, quem nunca ficou doente pelo menos uma vez na vida? Ou ainda, na tecnologia, presente no dia a dia de cada um. As perguntas que permeiam o trabalho do professor são: como utilizar esses saberes em sala de aula? Como os professores devem transpor os conhecimentos científicos e acadêmicos adquiridos para o ambiente escolar? Sabe-se que nem todo o saber (acadêmico ou científico) apreendido durante a vida deve ser ensinado aos estudantes. Mas, o que ensinar e como ensinar? Todo professor se depara, durante seu trabalho, com conhecimentos complexos, mas que devem ser ensinados aos estudantes, pois, de alguma forma irão interferir em suas vidas. Ao elaborar suas aulas, além dos conteúdos e da metodologia a ser utilizada, o docente deve pensar em como transformar os conhecimentos, para que os estudantes se apropriem do saber. Essa transformaçãoé o que se denomina transposição didática. Boa aula! 21 O docente deve pensar em como transformar os conhecimentos para que os estudantes se apropriem do saber Fonte: Deposit Photos (2019). 2.1 Os diferentes saberes As discussões neste capítulo iniciam-se com a frase do filósofo grego Aristóteles: “Todo o homem tem, por natureza, o desejo de conhecer” (ARISTÓTELES, 1984, p.11). O desejo de conhecer, desde a antiguidade, move a ciência. O docente deve utilizar em suas aulas esse mesmo desejo, a fim de despertar no estudante o interesse em aprender. O saber pode ser definido como o conhecimento que o indivíduo tem sobre determinado assunto, tema ou ciência. Geralmente é tido como sinônimo do próprio conhecimento. Há três principais tipos de saberes, que são adquiridos durante a vida: o saber científico ou sábio, o saber acadêmico e o saber escolar. Na aula 1, foi abordado o saber científico. Vamos relembrá-lo? Os conhecimentos científicos são aqueles obtidos a partir das observações, pesquisas e experimentações. São análises dos fatos comprovados cientificamente, por meio do método científico. Este saber é produzido por cientistas e compartilhados pela comunidade científica e são apresentados com uma linguagem própria que geralmente é considerada de difícil acessibilidade devido aos termos característicos deste saber. 22 O conhecimento ou saber acadêmico são obtidos por meio da formação nos cursos superiores. Durante o processo de formação acadêmica são obtidos os saberes científicos que foram desenvolvidos durante a história. É função do professor fazer com que o estudante se aproprie desses conhecimentos durante sua vida escolar. A educação é um meio de transformação social, política e econômica. É a partir da educação, dos conhecimentos adquiridos durante a vida escolar e da participação na vida social deste ambiente diverso que o ser humano tem a possibilidade de conhecer e transformar sua realidade de forma crítica. O saber escolar é aquele obtido durante a educação básica, os quais são responsabilidade do docente, que deve primar pela apropriação dos conhecimentos de forma crítica. O saber acadêmico e o saber científico são transpostos em disciplinas. São selecionados os conteúdos que, de acordo com um grupo de pessoas, aqueles que formulam os currículos, são elencados como mais importantes e relevantes ao processo de ensino-aprendizagem. Estes saberes selecionados para compor o currículo são os saberes a ensinar. É importante que o professor dialogue com estes conteúdos selecionados para construir o saber a ensinar. 2.2 O surgimento das disciplinas e a formação disciplinar do professor As disciplinas escolares têm como função permear o processo de ensino- aprendizagem. Segundo Pinto (2014): Tendo como horizonte a cultura escolar, cultura que molda um tipo de saber, o saber escolar, a história das disciplinas escolares tem se apresentado no cenário científico como um novo ramo da história da educação que vem dando visibilidade à trajetória escolar de saberes, sua constituição e as finalidades educativas que cumpriu em diferentes períodos históricos (PINTO, 2014, p. 127). O historiador francês André Chervel é um dos principais representantes do estudo das disciplinas. Para o autor, os desvios que ocorrem entre as disciplinas escolares e a ciência são atribuídos à necessidade de simplificar ou vulgarizar para o público jovem os conhecimentos que não podem ser apresentados na íntegra ou na sua totalidade. O autor reforça que cabe aos pedagogos a tarefa de arranjar métodos que permitam aos estudantes assimilar 23 o mais rápido e o melhor possível a maior porção da ciência de referência (CHERVEL, 1990). Como já visto, no processo de ensino-aprendizagem escolar, o docente acaba por simplificar e moldar os conhecimentos científicos e acadêmicos para que os estudantes se apropriem desses saberes. Cabe aos professores e equipe pedagógica pensar e repensar o currículo, a proposta pedagógica curricular e o plano de trabalho docente, a fim de proporcionar a aprendizagem. O sistema atual de ensino, tanto acadêmico quanto escolar, divide o conhecimento científico produzido historicamente em disciplinas. Mas nem sempre foi assim. Segundo Minayo (2010), na Grécia Antiga, os sábios gregos diziam que a Filosofia, a Matemática, as Letras e as Artes deveriam compor a formação de um intelectual. Desde essa época, a complexidade dos fenômenos e sua visão a partir de vários ângulos acompanham a humanidade. A partir do século XIX, com a chegada da ciência moderna e o pensamento de Descartes, passou a se valorizar a fragmentação dos conhecimentos. Argumentava-se que “é impossível estudar um tema da realidade em sua totalidade e não existe nenhuma ciência capaz de dar conta do todo” (MINAYO, 2010, p.438). Nesse aspecto, as discussões sobre a formação de professores e pedagogos são essenciais, pois estes profissionais são fundamentais no processo de ensino-aprendizagem e para a educação transformadora. Pontuschka (2010) ressalta que os professores têm contato com uma parcela importante da sociedade, tendo assim uma marcante influência sobre crianças e jovens. Para a autora, os conteúdos e metodologias selecionados durante a formação de professores pode levá-los a trabalhar a favor ou contra a sociedade. Lara (2016) ressalta que o observado hoje nas salas de aula é uma reprodução de metodologias e conteúdos, que são reflexos dos exemplos vivenciados pelo docente durante a vida escolar e acadêmica, sem que haja uma reflexão sobre a prática. Maciel (2004, p.97) coloca que “o ensino sem pesquisa é o que está morrendo, por si só, pois não há produção de conhecimento novo, mas apenas reprodução do que já foi produzido e produzido por outro”. Seguindo o mesmo raciocínio de Maciel (2004), Gimenes (2011) ressalta que: Tem-se assim, uma estrutura que tende à manutenção do modelo vigente de formação e prática docente, pois o exemplo, nesse caso, não é acompanhado de reflexão teoricamente fundamentada e da 24 possibilidade de construção de modelos alternativos (GIMENES, 2011, p.147). A simples reprodução de metodologias e conteúdos aprendidos durante a vida escolar e acadêmica é um modelo de ensino que precisa ser superado. Para tanto, é necessário que a prática docente passe por uma constante reflexão. Para Maciel (2004), a pesquisa e a reflexão são fundamentais na construção do professor reflexivo. Pimenta (2010) afirma que a atividade teórica possibilita o conhecimento da realidade, o que permite transformá-lo. A teoria, por si só, porém, não é suficiente para que ocorra transformação: é preciso praticá-la. O docente precisa de uma formação teórica e prática, sendo necessário que reflita constantemente sobre sua atividade profissional, pois o professor pode se deparar em seu ambiente de trabalho com situações diversas, para as quais ainda não esteja preparado (LARA, 2016). Pimenta (2006), ao explicitar as contribuições de Schon (1995) na formação de professores, ressalta que frente às novas situações com as quais o professor se depara no cotidiano escolar, estes profissionais criam novas soluções, o que ocorre por meio da reflexão na ação, o que, por sua vez, cria um repertório de experiências. Contudo, estas não dão conta de todas as situações vivenciadas no dia a dia, o que exige do docente uma busca constante de respostas e soluções para os problemas enfrentados em sala de aula. Schon (1995 apud Pimenta, 2006) denomina este processo de “reflexão sobre a reflexão na ação”. Portanto, o trabalho do professor consiste em refletir constantemente sua prática, a fim de aprimorá-la. Além disso, ensinar não é apenas reproduzir o que foi aprendido durante a vida escolar e acadêmica. É necessário que se faça a transposição didática dos conhecimentos.Mas, qual é a necessidade de transposição didática? Entender a transposição didática nos leva a meditar sobre as mais refinadas técnicas de transformação do ensino científico em ensino escolar. Na educação básica, ela é bem mais utilizada por ser o começo da vida escolar e haver imaturidade dos alunos própria do seu estágio de desenvolvimento para compreensão de diversos conteúdos ensinados na escola. (VIANA; RIBEIRO, 2014) 25 Saiba mais Para responder essa pergunta, faz-se necessária a leitura do texto de Márcia Regina Terra: “O desenvolvimento humano na teoria de Piaget”, disponível na Rota de Aprendizagem da disciplina. Um exemplo simples pode auxiliar durante a reflexão sobre o tema. O saber científico tem uma linguagem tida como de difícil acesso devido aos seus termos excêntricos. Quando o professor vai ensinar, por exemplo sobre fotossíntese, nas séries iniciais do Ensino Fundamental, deve levar em consideração a fase do desenvolvimento de seus estudantes, que nesta idade aprendem os conteúdos de forma concreta. Pouco irá adiantar se o docente falar e explicar apenas sobre fotossíntese, sem fazer demonstrações e contextualizar sobre o assunto. 2.3 Conhecimento escolar e transposição didática O conceito de transposição didática foi criado pelo sociólogo Michel Verret, em 1975. Segundo Lopes (1997), Ela [a transposição didática] tem por base a compreensão de que a educação escolar não se limita a fazer uma seleção entre o que há disponível da cultura num dado momento histórico, mas igualmente tem por função tornar os saberes selecionados efetivamente transmissíveis e assimiláveis. Para isso, exige-se um exaustivo trabalho de reorganização, de reestruturação ou de transposição didática (LOPES, 1997, p.593). Para Chevallard e Joshua (1991 apud ALMOULOUD, 2011) a transposição didática designa a transformação de um saber sábio (científico) para ser ensinado, ou seja, o saber escolar. A transposição didática deve ser pensada em um sentido mais amplo para que a ciência não seja vista como algo acabado e definitivo pelos estudantes, ou para que as teorias, modelos e conceitos não sejam transformados em conteúdos acríticos. 26 Por isso, é fundamental que seja levado em conta todo o processo histórico de construção do conhecimento. São necessários critérios para que os conhecimentos historicamente construídos se tornem conteúdos escolares. Existe um longo caminho entre o saber científico e o saber escolar. Na transposição didática ocorre uma transformação do saber para que ele possa ser ensinado e compreendido, mas, principalmente, para que ele possa ser utilizado de forma crítica. O papel do professor e do seu material de apoio são fundamentais neste processo, além do planejamento das aulas. Considera-se, assim (...) que a transformação do conhecimento científico com fins de ensino e divulgação não constitui simples adaptação ou uma simplificação do conhecimento, podendo ser analisada, então, na perspectiva de compreender a produção de novos saberes nesses processos (POLIDORO; STIGAR, 2010, p.2) Ao tratar da transposição didática, Delizoicov et al. (2009, p. 188) ressaltam que “devem haver critérios para que se estabeleçam os objetos e para que se selecionem os consequentes conhecimentos sobre eles produzidos, de tal modo que se tornem conteúdos escolares”. A história da ciência e o método científico têm papéis importantes no processo de transposição didática, pois é fundamental que o professor acrescente em suas aulas como o cientista ou pesquisador constroem o conhecimento e como chegam a uma hipótese, a uma teoria ou a um modelo. O saber científico e o saber escolar têm características diferentes, mas, principalmente, eles não têm a mesma função. Esses fatores interferem na seleção dos conhecimentos. O saber científico tem a função de responder, buscar explicações para um fenômeno, ele não tem como objetivo ser ensinado e por isso deve passar por uma transformação antes de chegar nas salas de aula. O saber escolar se origina do saber científico. Ao transpor esses saberes, porém, existem “perdas” que se devem às diferentes características que existem entre eles, principalmente no que se refere à linguagem, à forma como o conhecimento é apresentado e quem produz o conhecimento. A linguagem utilizada pelo professor em sala de aula não é a mesma utilizada pela comunidade científica. Deve-se adequar a linguagem ao nível de escolarização dos estudantes. Por exemplo, em um conteúdo de ciências no 27 primeiro ano do Ensino Fundamental I, a linguagem deve ser simples, sem muitos conceitos científicos, dada a idade dos estudantes e a pouca bagagem de conhecimento que eles apresentam. Porém, não se pode deixar de ensinar porque são pequenos ou imaturos. A forma de apresentação do saber científico também difere do conhecimento escolar. Porém, neste aspecto deve haver certos cuidados para que não haja descaracterização do conhecimento científico. O professor deve valorizar a forma, a época e o local onde o conhecimento foi produzido, assim como evidenciar quem o produziu. Um exemplo é quando se abordam os conteúdos de astronomia. É importante deixar claro para o estudante que os filósofos gregos que fizeram as primeiras observações científicas no espaço não utilizavam nenhum equipamento tecnológico. Astolfi e Develay (2010) notam que há uma despersonalização e descontemporalização dos conceitos quanto estes se tornam objeto de ensino. Por fim, é imprescindível deixar evidente quem são os produtores dos conhecimentos transmitidos em sala de aula. Não é o livro didático e nem é o professor. Existe um contexto histórico, um cientista, um filósofo, um pesquisador, que o produziu. É comum o estudante considerar o livro didático como uma verdade absoluta, acreditar que quem escreveu o livro é o produtor do saber. Ou que o professor é o detentor da verdade. No momento da aprendizagem, professor e material didático são apenas instrumentos para a construção do conhecimento. Chevallard (apud POLIDORO e STIGAR, 2010, p.2) “parte do pressuposto de que o ensino de um determinado elemento do saber só será possível se esse elemento sofrer certas ‘deformações’ para que esteja apto a ser ensinado”. Segundo Verret (1975 apud JARDIM et al., 2015), a didática pode ser dividida em prática do saber e prática do transmitir. As duas práticas não podem ser separadas, pois quem tem o conhecimento talvez não saiba transmitir e quem sabe transmitir pode não ter o conhecimento. Não basta que o indivíduo seja detentor do conhecimento, é preciso também que ele saiba transmiti-lo. Daí a importância da formação do professor e das discussões sobre o assunto. Portanto, como já vimos no item sobre formação de professores, o professor deve sempre refletir sobre sua prática para que o estudante se aproprie 28 do conhecimento de forma crítica e que possam utilizá-los em seu dia a dia, além de compreender os fenômenos naturais que o cercam. Mídias Convido você a assistir ao vídeo de Mario Sérgio Cortella sobre Conteúdo e conhecimento. O pesquisador fala sobre a diferença entre conhecimento e conteúdo. Ressaltando que o conhecimento, a partir do momento que é obtido, torna-se inesquecível. Reforçando, também, que a ciência é uma construção coletiva e que é importante fazer com que o estudante pense, raciocine e não decore informações. Disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=SargvlQPWNk Conclusão da aula 2 Neste capítulo foi feito um panorama dos diferentes tipos de saberes, científico, acadêmico e escolar, do papel do professor no processo de ensino- aprendizagem e da importância da sua formação para que os estudantes se apropriem do conhecimento. A partir dos tópicos apresentados, foi visto que a transposição didática é fundamental noambiente escolar. A transposição didática é a transformação dos conhecimentos científicos e acadêmicos em escolar. O professor deve estar atento que cada um dos saberes tem um objetivo e linguagem diferentes. Por isso a importância de sua transformação em disciplinas e posteriormente em conteúdo. Fez-se também um panorama histórico sobre o surgimento das disciplinas e sua importância para a construção do conhecimento escolar. O papel do professor é fundamental no processo de ensino- aprendizagem, não apenas como transmissor do conhecimento, mas como um orientador para sua construção. É função do professor mediar e transformar os conhecimentos científicos e acadêmicos para que os estudantes possam se apropriar desses saberes. https://www.youtube.com/watch?v=SargvlQPWNk 29 Atividades de aprendizagem 1 - Disserte sobre a importância da transposição didática do conhecimento científico e acadêmico baseado nas fases do desenvolvimento humano proposto por Piaget. 2 - O professor tem papel fundamental no processo de transposição didática dos conhecimentos científicos e acadêmicos em conhecimento escolar. Disserte sobre o papel do professor na transposição didática dos conteúdos. Aula 3 – Histórico do ensino de Ciências Naturais no Brasil Apresentação da aula 3 Olá, estudante, seja bem-vindo(a) a mais uma aula. Hoje, você irá conhecer um pouco da história do ensino de Ciências no Brasil. O objetivo da aula é que você identifique os principais acontecimentos relacionados à introdução do ensino de Ciências. Em nosso país, o ensino de Ciências passou por várias etapas, assim como a própria educação. Um longo caminho foi percorrido até para que a ciência chegasse ao alcance de “todos” e que tivesse as funções e objetivos desejados. A Segunda Guerra Mundial, apesar de todos os prejuízos que trouxe ao mundo, foi importante para o avanço científico e tecnológico. Boa aula! 3.1 A produção científica e tecnológica brasileira e suas relações com a sociedade A produção de ciência e de tecnologia no Brasil seguia o formato acadêmico e internacional. Fatores estes que a influenciaram negativamente foram a instabilidade política e o autoritarismo. No ano de 1950, no entanto, as políticas de ciências e de tecnologia passaram por um intenso processo de institucionalização devido ao crescimento e o progresso do país. Algo relevante 30 neste período foi a maneira mais mecânica de analisar as influências da ciência e da tecnologia na sociedade, que desconsiderava os interesses e costumes de distintos fatores da sociedade em suas diversas relações, causando assim uma fragilidade relevante das ideias daquele momento (VACCAREZZA, 1999). Assim, no final da década de 1950 e durante as décadas de 1960 e 1970, a produção científica e tecnológica brasileira esteve quase que exclusivamente sob o domínio do Estado. Inclui-se, neste domínio, a produção científica e tecnológica produzida nas universidades, em que predominava, em muitos setores, a distinção entre a pesquisa científica e produção tecnológica. Com critérios de qualidade e excelência, a ciência brasileira passou a contar com legitimidade e novas formas de organização. A tecnologia sustentou-se em órgãos setoriais e foi legitimada por um modelo do plano do estado com a finalidade resolver problemas de ordem prática e ao repasse das tecnologias aos setores produtivo e de defesa. Assim, naquele momento, a atividade científica tinha seu principal foco nos interesses da comunidade internacional e estava alheia à realidade brasileira, caracterizando- a como uma ciência endogerada (produzida pelo país), mas exodirigida (direcionada para fora do país) (VARSAVSKY, 1979). Esperava-se que a ciência produzisse essencialmente conhecimentos objetivos acerca das realidades natural e social mediante a aplicação de um método científico baseado na razão instrumental, na observação cuidadosa de fenômenos e na neutralidade do pesquisador. Segundo essa clássica concepção, a ciência somente poderia contribuir para o bem-estar dos sujeitos se deixasse de lado as questões sociais para buscar exclusivamente as verdades científicas. As melhorias sociais somente seriam alcançadas se fosse respeitada a autonomia da ciência, ou seja, se deixassem os interesses sociais para atender exclusivamente a critérios internos de eficácia técnica. Ciência e tecnologia, portanto, eram vistas como formas autônomas da cultura e como possibilidades de compreensão e conquista da natureza (ECHEVERRÍA, 1995; GONZÁLEZ et al., 1996). 31 Torna-se necessário refletir e propor ações sobre as consequências e problemáticas de natureza social e ambiental geradas pelo desenvolvimento científico e tecnológico. Fonte: https://st4.depositphotos.com/4431055/20748/i/450/depositphotos_207488754- stock-photo-man-researcher-carrying-out-scientific.jpg Nessa época, de intenso otimismo desenvolvimentista, preconizava-se que a gestão da ciência e da tecnologia deveria ficar a cargo dos próprios cientistas e especialistas. No entanto, essas atividades não se desenvolveram de acordo com um promissor modelo ocidental linear e unidirecional, principalmente devido a uma sucessão de problemas ambientais e sociais derivados do próprio desenvolvimento científico e tecnológico, tais como acúmulos de resíduos tóxicos, acidentes nucleares, envenenamentos farmacêuticos, derramamentos de petróleo, entre outros. A partir de então, houve a necessidade de uma revisão das políticas científicas e tecnológicas, considerando suas relações com a sociedade (MEDINA; SANMARTÍN, 1992; GONZÁLEZ et al., 1996). Os anos 1970 foram marcados por privilegiar a ciência “pura”, praticamente não havendo menção às tecnologias produzidas com base em conhecimentos científicos. O silêncio sobre a imposição de padrões tecnológicos estrangeiros ao Brasil nesse período deveu-se à defesa de certos programas de transferência tecnológica (MACEDO, 2004). Durante os anos 1980 e 1990, o Estado passou a diminuir suas funções reguladoras e produtivas e abriu a economia ao comércio e à competitividade internacionais. Nesse período, a globalização da economia e a homogeneização 32 dos critérios de competitividade passaram a influenciar fortemente a produção científica e tecnológica brasileira, segundo princípios neoliberais. Devido à influência crescente da racionalidade utilitária e da corrente de inovação imposta pelo capital internacional, a escolha de temas e métodos de pesquisa e as oportunidades para sua realização passaram a ser definidos principalmente por grupos que detinham interesses variados, afetando não apenas a pesquisa aplicada, mas fundamentalmente a pesquisa básica. A atividade científica realizada no âmbito das universidades reencontrou seu discurso legitimador principalmente devido à importância crescente da pesquisa básica para o desenvolvimento de novas tecnologias e aos avanços nos processos de inovação industrial. A partir dos anos 1990, tornou-se explícita a necessidade analisar a articulação existente entre ciência, tecnologia e sociedade, o que possibilitou o surgimento de um panorama muito mais complexo e de incertezas a respeito da produção científica e tecnológica, mas deixando evidente a falta de relação dessa produção com as necessidades da maioria da população brasileira. Atualmente entende-se que a ciência se materializa em tecnologia e que esta última traz consigo a ideia de desenvolvimento do país. No entanto, o conceito de desenvolvimento que acompanhou e vem acompanhando o progresso da ciência e da tecnologia no Brasil tem sido pautado pela ideia de crescimento econômico associado a uma maior produtividade e ao aumento do consumo pelos cidadãos (MACEDO, 2004). A ciência e a tecnologia brasileiras atuais são atividades extremamente eficazes; entretanto, énecessário questionar se seus objetivos são socialmente válidos, pois os maiores esforços em pesquisa vêm se concentrando em campos demasiadamente desvinculados dos problemas sociais cotidianos (DYSON, 1997). Muitos campos científicos e tecnológicos, além de não ajudarem a amenizar ou resolver parte significativa dos problemas sociais, estão criando mais e novos problemas, principalmente pelo fato das comissões nas quais são tomadas as decisões a respeito das políticas científicas e tecnológicas estarem geralmente constituídas por cientistas que agem essencialmente como homens de negócios (MEDINA; SANMARTÍN, 1992). Ao mesmo tempo, muitos recursos financeiros têm sido mobilizados de 33 forma retórica para a divulgação científica com a finalidade de reforçar na sociedade uma imagem essencialista e benemérita da ciência. Considerando os problemas sociais e ambientais causados pelo progresso científico e tecnológico, torna-se necessário abrir a ciência ao conhecimento público, desmistificar sua tradicional imagem essencialista e filantrópica e questionar sua aplicação como atividade inevitável e benfeitora em última instância (VEIGA, 2002). Um novo contrato social faz-se necessário, tendo em vista a construção de uma ciência socialmente comprometida com as reais necessidades da maioria da população brasileira e não limitada a acumular conhecimentos e avançar sem importar a direção. Nessa perspectiva, a ciência e a tecnologia deixariam de ser vistas como atividades autônomas que seguem apenas uma lógica interna de desenvolvimento e passariam a ser entendidas como processos e produtos nos quais aspectos não técnicos, como valores, interesses pessoais e profissionais, pressões econômicas, entre outros, desempenham um papel decisivo em sua produção e utilização. Torna-se necessário refletir e propor ações sobre as consequências e problemáticas de natureza social e ambiental geradas pelo desenvolvimento científico e tecnológico, principalmente no que se refere à equidade na distribuição dos custos ambientais provocados pelas inovações tecnológicas; ao uso inapropriado de determinadas descobertas científicas; às implicações éticas e à aceitação dos riscos de determinadas tecnologias; às mudanças provocadas no meio ambiente pelo exercício do poder e pela força do capital; entre outras (MEDINA; SANMARTÍN, 1992; LÓPEZ CEREZO, 1999). 3.2 As influências do desenvolvimento científico e tecnológico e do ideário educacional sobre o ensino de Ciências O desenvolvimento científico e tecnológico mundial e brasileiro exerceu e vem exercendo forte influência sobre o ensino de Ciências. A partir da Segunda Guerra Mundial, a ciência e a tecnologia transformaram-se em um enorme empreendimento socioeconômico, trazendo uma maior preocupação com o estudo das ciências nos diversos níveis de ensino (KRASILCHIK, 1987; CANAVARRO, 1999). A partir dos anos 1950, as propostas educativas do ensino de Ciências 34 procuraram possibilitar aos estudantes o acesso às verdades científicas e o desenvolvimento de uma maneira científica de pensar e agir (FROTA-PESSOA et al., 1987). Até o início dos anos 1960, havia, no Brasil, um programa oficial para o ensino de Ciências, estabelecido pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC). Em 1961, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN (lei n. 4024/61) descentralizou as decisões curriculares que estavam sob a responsabilidade do MEC. Nesse período, a mais significativa busca por melhorias no ensino de Ciências em âmbito nacional foi a iniciativa de um grupo de docentes da Universidade de São Paulo, sediados no Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (IBECC), que se dedicou à elaboração de materiais didáticos e experimentais para professores e cidadãos interessados em assuntos científicos. Um aspecto marcante da década de 1960 foi a chegada ao Brasil das teorias cognitivistas, que consideravam o conhecimento como sendo um produto da interação do ser humano com seu mundo e enfatizavam os processos mentais dos estudantes durante a aprendizagem. No entanto, somente no início dos anos 1980 é que essas teorias passaram a influenciar significativamente o ensino de Ciências. As teorias de Bruner e o construtivismo-interacionista de Piaget valorizavam a aprendizagem pela descoberta e o desenvolvimento de habilidades cognitivas; sugeriam que os estudantes deveriam lidar diretamente com materiais e realizar experiências para aprender de modo significativo e que o professor não deveria ser um transmissor de informações, mas orientador do ensino e da aprendizagem. O golpe militar de 1964 possibilitou o surgimento de um modelo econômico que gerou uma maior demanda social pela educação. A crise do sistema educacional brasileiro foi agravada pelo fato da expansão da rede de ensino não ter sido acompanhada de investimentos em educação na mesma proporção por parte do governo. Essa crise serviu de justificativa para a assinatura de diversos convênios entre determinados órgãos governamentais brasileiros e a United States Agency for International Development (USAID) (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional), alguns destes permanecendo vigentes até 1971. A USAID preconizava que o governo brasileiro atuasse sobre escolas, conteúdos e métodos de ensino, no sentido de 35 oferecer aos estudantes uma formação científica mais eficaz, tendo em vista o desenvolvimento do país segundo os interesses do governo estadunidense. A partir de 1964, as propostas educativas para o ensino de Ciências sofreram grande influência de projetos de renovação curricular desenvolvidos nos Estados Unidos e na Inglaterra. Esses projetos foram liderados por renomados cientistas que estiveram preocupados com a formação dos jovens que ingressavam nas universidades, ou seja, dos futuros cientistas. Naquela época considerava-se urgente oferecer-lhes um ensino de ciências mais atualizado e mais eficiente (KRASILCHIK, 1998). O IBECC adaptou alguns desses projetos para as escolas brasileiras. O pequeno impacto de suas propostas educativas, entretanto, deveu-se principalmente à resistência dos professores, que não receberam treinamento adequado, e ao descuido com algumas traduções. Um dos manuais sugeria que os estudantes levassem “um pouco de neve” para a sala de aula para a realização de determinadas atividades experimentais (CHASSOT, 2004). Com a crescente industrialização brasileira e um relativo desenvolvimento científico e tecnológico, a partir de meados dos anos 1960, importantes temas relacionados às descobertas científicas passaram a fazer parte do ensino de Ciências. Esse ensino passou a ter como objetivos essenciais levar os estudantes à aquisição de conhecimentos científicos atualizados e representativos do desenvolvimento científico e tecnológico e vivenciar os processos de investigação científica. As equipes técnico-pedagógicas ligadas às Secretarias de Educação, e as instituições responsáveis pela formação de docentes passaram a atualizar os conteúdos para o ensino de Ciências, a elaborar subsídios didáticos e a oferecer cursos de capacitação aos professores. Nesse período, as mudanças curriculares preconizavam a substituição de métodos expositivos de ensino por métodos ativos e enfatizavam a importância da utilização do laboratório no oferecimento de uma formação científica de qualidade aos estudantes. As atividades educativas tinham por finalidade motivá- los e auxiliá-los na compreensão de fatos e conceitos científicos, facilitando-lhes a apropriação dos produtos da ciência. Fundamentadas no pressuposto do aprender-fazendo, tais atividades deveriam ser desenvolvidas segundo uma racionalidade derivada da atividade científica e tinham a finalidade de contribuir com a formação de futuros cientistas 36 (KRASILCHIK, 1987). Em 1965,o MEC criou Centros de Ciências nos Estados da Bahia, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo, tendo em vista divulgar a ciência na sociedade e contribuir com a melhoria do ensino de Ciências que vinha sendo oferecido nas escolas. Criada em 1967, a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino de Ciências (FUNBEC), sediada na Universidade de São Paulo, produzia guias didáticos e de laboratório, kits para a realização de experimentos com o uso de materiais de baixo custo e oferecia atividades de treinamento aos professores. Desenvolvidas paralelamente às propostas oficiais do MEC, as atividades educativas promovidas por esta instituição procuravam levar os estudantes a descobrirem como funcionava a ciência e a desenvolverem o pensamento científico. Apesar dos esforços para que ocorressem mudanças, durante a década de 1960 o ensino de Ciências continuou focalizando essencialmente os produtos da atividade científica, possibilitando aos estudantes a aquisição de uma visão “neutra” e objetiva da ciência. Na década de 1970, o projeto nacional do governo militar preconizava modernizar e desenvolver o país em um curto período de tempo. O ensino de Ciências era considerado um importante componente na preparação de trabalhadores qualificados, conforme estabelecido na LDBEN de 1971 (lei n. 5692/71). No entanto, ao mesmo tempo em que a legislação valorizava as disciplinas científicas, na prática elas foram bastante prejudicadas pela criação de disciplinas que pretendiam possibilitar aos estudantes o ingresso no mundo do trabalho. Prejudicou-se a formação básica sem que houvesse benefício para a profissionalização (KRASILCHIK, 1998). Nesse período, as propostas de melhoria do ensino de Ciências estiveram fundamentadas nas teorias comportamentalistas de ensino-aprendizagem, que tiveram grande impacto na educação brasileira. O conhecimento científico assumia um caráter universalista, pois, em seu processo de hegemonizar-se como a única referência para a explicação do real, a ciência procurava levar os sujeitos a substituir crenças religiosas, determinadas práticas cotidianas e as ideias de senso comum por uma nova 37 crença, a crença na objetividade (MACEDO, 2004). Ao longo dos anos 1970, o ensino de Ciências esteve fortemente influenciado por uma concepção empirista de ciência, segundo a qual as teorias são originadas a partir da experimentação, de observações seguras e da objetividade e neutralidade dos cientistas. Preconizava-se que os estudantes vivenciassem o método científico. O estabelecimento de vínculos entre os procedimentos de investigação científica e os processos de aprendizagem dos conhecimentos científicos pressupunham a realização de atividades didáticas que oportunizassem o estabelecimento de problemas de pesquisa, a elaboração de hipóteses, o planejamento e a realização de experimentos, a análise de variáveis e a aplicação dos resultados obtidos a situações práticas. As atividades didáticas pressupunham a resolução de problemas por meio de etapas bem demarcadas, que deveriam possibilitar aos estudantes pensar e agir cientificamente. Suas finalidades educativas consistiam na valorização de sua participação ativa, no desenvolvimento de uma postura de investigação, na observação criteriosa, na descrição de fenômenos científicos e, consequentemente, na aquisição da capacidade de explicação científica do mundo. O direcionamento conferido ao ensino de ciências previa a iniciação científica em um primeiro momento, a compreensão da ciência como extensão e a educação científica como um objetivo terminal (HENNIG, 1994). Na perspectiva da redescoberta científica, as aulas práticas eram entendidas como o principal meio para garantir a transformação do ensino de Ciências, visto que estas possibilitariam aos estudantes a realização de pesquisas e a compreensão do mundo científico-tecnológico em que viviam. Apesar de serem desenvolvidos a partir de uma sequência de passos rígidos e mecânicos, os experimentos deveriam garantir aos estudantes o desenvolvimento de habilidades como a capacidade de tomar decisões, de resolver problemas e de pensar de maneira lógica, racional e cientificamente (FROTA PESSOA et al., 1987). Considerava-se que, vivenciando e memorizando os diferentes passos de uma pesquisa científica, os estudantes seriam capazes de realizar suas próprias investigações. Ainda que o método científico fosse um pressuposto educativo 38 amplamente aceito no cenário educacional, foram grandes as dificuldades de formação e treinamento de professores, principalmente no sentido de levá-los a implementar determinadas propostas educativas, mesmo considerando a elaboração de subsídios importantes como a didática de ciências por meio de módulos instrucionais, fundamentada nas teorias comportamentalistas de ensino-aprendizagem (JOULLIÉ; MAFRA, 1980). O final dos anos 1970 foi marcado por uma severa crise econômica e por diversos movimentos populares que passaram a exigir a redemocratização do país. Nesse período, houve grande preocupação em relação ao ensino e à aprendizagem dos conteúdos científicos, bem como ao desenvolvimento de habilidades científicas pelos estudantes, visto que o país necessitava enfrentar a “guerra tecnológica” travada pelas grandes potências econômicas. Preconizava-se uma urgente reformulação do sistema educacional brasileiro, de modo a garantir que as escolas oferecessem conhecimentos básicos aos cidadãos e colaborassem com a formação de uma elite intelectual que pudesse enfrentar, com maior possibilidade de êxito, os desafios impostos pelo desenvolvimento. Nesse período, as propostas de melhoria do ensino de Ciências apareciam com títulos impactantes como, por exemplo, “Educação em Ciência para a Cidadania” e “Tecnologia e Sociedade”, tendo em vista contribuir com o desenvolvimento do país (KRASILCHIK, 1998). Pesquisas realizadas posteriormente demonstraram que não foram alcançados os resultados esperados, principalmente por não ter havido uma articulação entre essas propostas educativas e os processos de formação de professores. Importante Apesar da preocupação em possibilitar aos estudantes a compreensão dos processos de produção do conhecimento científico, o ensino de Ciências continuou sendo desenvolvido de modo informativo, principalmente devido às precárias condições objetivas de trabalho que os professores encontravam nas escolas e às carências de formação específica que presentavam. 39 No início dos anos 1980, a educação passou a ser entendida como uma prática social em íntima conexão com os sistemas político-econômicos. Desse modo, em uma perspectiva crítica, o ensino de Ciências poderia contribuir para a manutenção da situação vigente no país ou para a transformação da sociedade brasileira. Em meados dos anos 1980, a redemocratização do país, a busca pela paz mundial, as lutas pela defesa do meio ambiente e pelos direitos humanos, entre outros aspectos, passaram a exigir a formação de cidadãos preparados para viver em uma sociedade que exigia cada vez mais igualdade e equidade (KRASILCHIK, 1996). Nesse período, as propostas para o ensino de Ciências passaram a questionar os valores inerentes ao racionalismo subjacentes à atividade científica e a reconhecer que esta não era uma atividade essencialmente objetiva e socialmente neutra. Passou-se a reconhecer que as explicações científicas se apresentavam perpassadas por ideologias, valores e crenças, pois eram construídas a partir do pensamento e da ação dos cientistas durante os processos de investigação. A atividade científica seria, portanto, determinada ideologicamente, pois o dinamismo anterior ao próprio ato de compreensão do real mostrava-se subjacente ao produto da atividade cognoscente (CHAUÍ, 1997). Desse modo, oensino de Ciências também deveria possibilitar aos estudantes uma interpretação crítica do mundo em que viviam a partir do desenvolvimento de uma maneira científica de pensar e de agir sobre distintas situações e realidades. Ao longo da década de 1980, as preocupações com o desinteresse dos estudantes pelas ciências, a baixa procura por profissões de base científica e a emergência de questões científicas e tecnológicas de importância social possibilitaram mudanças curriculares no ensino de ciências, tendo em vista colaborar com a construção de uma sociedade cientificamente alfabetizada (KRASILCHIK, 1987; VEIGA, 2002). Fundamentadas pelas teorias cognitivistas, as pesquisas sobre o ensino de Ciências passaram a evidenciar as aprendizagens individuais que ocorriam em situações educativas, como também as aprendizagens que ocorriam em contextos específicos e que poderiam permitir aos estudantes compreender e agir sobre as distintas realidades em que viviam. 40 No entanto, apesar de ter sido acentuada a necessidade de possibilitar- lhes o desenvolvimento de habilidades como autonomia, participação, responsabilidade individual e social, foram enaltecidas principalmente as dimensões comportamentais e cognitivas relacionadas à aprendizagem das ciências, em detrimento da relevância social desse ensino (AIKENHEAD, 1994). Os resultados de muitas dessas pesquisas passaram a orientar a elaboração de novas propostas curriculares e a determinar novos rumos para a investigação sobre o ensino e a aprendizagem das ciências. As propostas educativas fundamentadas pelas teorias cognitivistas reiteravam a necessidade de os estudantes não serem receptores passivos de informações ou meros aprendizes, pois deveriam saber usar, questionar, confrontar e reconstruir os conhecimentos científicos. Ainda naquela década, parte significativa das propostas educativas fundamentava-se no pressuposto da didática da resolução de problemas, tendo em vista possibilitar aos estudantes a vivência de processos de investigação científica e a formação de habilidades cognitivas e sociais. A problematização do conhecimento científico sistematizado e de situações científicas cotidianas, a realização de atividades desafiadoras para o pensamento, a utilização de jogos educativos e o uso de computadores eram vistas como possibilidades educativas que poderiam levá-los a se apropriar de conhecimentos relevantes, a compreender o mundo científico e tecnológico e a desenvolver habilidades necessárias à interpretação e possível modificação das realidades em que viviam, principalmente no sentido de melhoria da própria qualidade de vida (KRASILCHIK, 1987). A partir de meados dos anos 1980 e durante a década de 1990, o ensino de Ciências passou a contestar as metodologias ativas e a incorporar o discurso da formação do cidadão crítico, consciente e participativo. As propostas educativas enfatizavam a necessidade de levar os estudantes a desenvolverem o pensamento reflexivo e crítico, a questionarem as relações existentes entre a ciência, a tecnologia, a sociedade e o meio ambiente e a se apropriarem de conhecimentos relevantes científica, social e culturalmente (DELIZOICOV; ANGOTTI, 1990). Um aspecto bastante significativo desse período foi a incorporação das ideias de Vygotsky na orientação dos processos educativos, especialmente em 41 relação à construção do pensamento pelos sujeitos a partir de suas interações com o contexto sociocultural. Desse modo, no ensino de ciências seria importante possibilitar não apenas o contato dos estudantes com os materiais de ensino-aprendizagem, mas também com os esquemas conceituais apresentados pelo professor (KRASILCHIK, 1998). Importante Os professores de ciências deveriam desenvolver suas ações educativas considerando a valorização do trabalho coletivo e a mediação dos sistemas simbólicos na relação entre o sujeito cognoscente e a realidade a ser conhecida, bem como planejar atividades didáticas que permitissem aos estudantes alcançar níveis mais elevados de conhecimentos e de desenvolvimento de habilidades cognitivas e sociais, oferecendo-lhes tarefas cada vez mais complexas e apoio didático para que as conseguissem realizar, inclusive com o auxílio dos colegas. De modo a superar as estratégias de ensino baseadas essencialmente na apropriação dos produtos da ciência, as atividades educativas preconizavam possibilitar aos estudantes a construção de conhecimentos científicos segundo os pressupostos educativos da abordagem construtivista do ensino e da aprendizagem. As atividades didáticas pressupunham que, com o auxílio do professor e a partir das hipóteses e conhecimentos anteriores, os estudantes poderiam construir conhecimentos sobre os fenômenos naturais e relacioná-los com suas próprias maneiras de interpretar o mundo (CARVALHO; GIL PÉREZ, 1992). Ao longo dos anos 90, tornaram-se mais evidentes as relações existentes entre a ciência, a tecnologia e os fatores socioeconômicos. Desse modo, o ensino de Ciências deveria criar condições para que os estudantes desenvolvessem uma postura crítica em relação aos conhecimentos científicos e tecnológicos, relacionando-os aos comportamentos do ser humano diante da natureza (MACEDO, 2004). 42 Conclusão da aula 3 Chegamos ao final da nossa terceira aula. O ensino de Ciências acompanhou os movimentos científicos e sociais nacionais e internacionais. Na década de 1950, uma maneira científica de pensar e agir era possibilitada pelo ensino de ciências. A partir dos anos 1960, as decisões curriculares foram descentralizadas do MEC. Com a ditadura instaurada, muitos problemas nos investimentos em educação acabaram permitindo maior influência dos EUA e da Inglaterra, principalmente quanto à renovação curricular. Os professores, infelizmente, não receberam treinamentos adequados e as propostas educativas tiveram pequeno impacto. Em 1967, a FUNBEC ajudou a proporcionar melhores condições de ensino, como guias de laboratório e treinamentos aos professores. Ainda assim, nessa década um ensino "neutro" da ciência era objetivado. Na década 1970, a LDBEN, alterada pelo governo militar, enredava o ensino de Ciências à preparação de trabalhadores qualificados. A formação científica básica acabou sendo prejudicada. Ao longo dessa década, a concepção empirista foi marcante, sendo que o método científico era esperado que fosse vivenciado pelos estudantes. As aulas práticas eram entendidas como o principal meio para garantir a transformação do ensino de Ciências, em uma perspectiva de redescoberta científica. Os passos dessas práticas eram sequenciados rígida e mecanicamente. A crise econômica do final dessa década e os movimentos sociais pela redemocratização do país influenciaram na preocupação com relação do ensino de Ciências. Uma urgente reformulação do sistema educacional brasileiro era preconizada. Nos anos 80, as lutas pela defesa do meio ambiente e pelos direitos humanos passaram a exigir a formação de cidadãos preparados para viver em uma sociedade que exigia cada vez mais igualdade e equidade. As propostas para o ensino de Ciências reconheceram que esta não era uma atividade essencialmente objetiva e socialmente neutra. Uma sociedade cientificamente alfabetizada era objetivada nas reconstruções dos currículos. Nos anos 90, as relações entre ciência, sociedade, economia e tecnologia se estreitaram. O ensino de Ciências precisava criar condições para formar estudantes críticos em relação aos conhecimentos científicos, atrelando estes ao ser humano e à natureza. Até nossa próxima aula! 43 Atividade de Aprendizagem O ensino de Ciências passou por significativas mudanças no Brasil. Faça um breve relato sobre o ensino de Ciências no país. Aula 4 – Fundamentos teórico-metodológicos da educação
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