Prévia do material em texto
See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/301794557 Fisiologia animal comparada: bioeletrogênese e a percepção do ambiente. Article · December 2015 CITATIONS 0 READS 3,727 7 authors, including: Some of the authors of this publication are also working on these related projects: RISK FACTORS, QUALITY OF LIFE AND GERIATRIC DEPRESSIVE SYMPTOMS IN POSTMENOPAUSAL WOMEN WITH FEMUR FRACTURES View project Telomere lenght and p53 pathway polymorphisms heritability assessment over four generations and their influence on longevity View project Charles Francisco Ferreira Hospital Moinhos de Vento 62 PUBLICATIONS 244 CITATIONS SEE PROFILE All content following this page was uploaded by Charles Francisco Ferreira on 03 May 2016. The user has requested enhancement of the downloaded file. https://www.researchgate.net/publication/301794557_Fisiologia_animal_comparada_bioeletrogenese_e_a_percepcao_do_ambiente?enrichId=rgreq-4ead5bdd49ac1aa994066c198ea009f3-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMwMTc5NDU1NztBUzozNTc2NTMzMTk1Njk0MTBAMTQ2MjI4MjYwNDI1NA%3D%3D&el=1_x_2&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/publication/301794557_Fisiologia_animal_comparada_bioeletrogenese_e_a_percepcao_do_ambiente?enrichId=rgreq-4ead5bdd49ac1aa994066c198ea009f3-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMwMTc5NDU1NztBUzozNTc2NTMzMTk1Njk0MTBAMTQ2MjI4MjYwNDI1NA%3D%3D&el=1_x_3&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/project/RISK-FACTORS-QUALITY-OF-LIFE-AND-GERIATRIC-DEPRESSIVE-SYMPTOMS-IN-POSTMENOPAUSAL-WOMEN-WITH-FEMUR-FRACTURES?enrichId=rgreq-4ead5bdd49ac1aa994066c198ea009f3-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMwMTc5NDU1NztBUzozNTc2NTMzMTk1Njk0MTBAMTQ2MjI4MjYwNDI1NA%3D%3D&el=1_x_9&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/project/Telomere-lenght-and-p53-pathway-polymorphisms-heritability-assessment-over-four-generations-and-their-influence-on-longevity?enrichId=rgreq-4ead5bdd49ac1aa994066c198ea009f3-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMwMTc5NDU1NztBUzozNTc2NTMzMTk1Njk0MTBAMTQ2MjI4MjYwNDI1NA%3D%3D&el=1_x_9&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/?enrichId=rgreq-4ead5bdd49ac1aa994066c198ea009f3-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMwMTc5NDU1NztBUzozNTc2NTMzMTk1Njk0MTBAMTQ2MjI4MjYwNDI1NA%3D%3D&el=1_x_1&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Charles-Ferreira-2?enrichId=rgreq-4ead5bdd49ac1aa994066c198ea009f3-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMwMTc5NDU1NztBUzozNTc2NTMzMTk1Njk0MTBAMTQ2MjI4MjYwNDI1NA%3D%3D&el=1_x_4&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Charles-Ferreira-2?enrichId=rgreq-4ead5bdd49ac1aa994066c198ea009f3-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMwMTc5NDU1NztBUzozNTc2NTMzMTk1Njk0MTBAMTQ2MjI4MjYwNDI1NA%3D%3D&el=1_x_5&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/institution/Hospital_Moinhos_de_Vento?enrichId=rgreq-4ead5bdd49ac1aa994066c198ea009f3-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMwMTc5NDU1NztBUzozNTc2NTMzMTk1Njk0MTBAMTQ2MjI4MjYwNDI1NA%3D%3D&el=1_x_6&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Charles-Ferreira-2?enrichId=rgreq-4ead5bdd49ac1aa994066c198ea009f3-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMwMTc5NDU1NztBUzozNTc2NTMzMTk1Njk0MTBAMTQ2MjI4MjYwNDI1NA%3D%3D&el=1_x_7&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Charles-Ferreira-2?enrichId=rgreq-4ead5bdd49ac1aa994066c198ea009f3-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMwMTc5NDU1NztBUzozNTc2NTMzMTk1Njk0MTBAMTQ2MjI4MjYwNDI1NA%3D%3D&el=1_x_10&_esc=publicationCoverPdf R e v i s t a M i r a n t e – F A C O S / C N E C O s ó r i o V o l . 4 – N º 1 – D E Z / 2 0 1 5 – I S S N 2 1 7 9 6 5 5 6 Página 30 Fisiologia Animal Comparada: Bioeletrogênese e a percepção do ambiente Gislaine Ribeiro de Oliveira1 Isabel Trisch1 Lucila Rocha1 Maria Lúcia Salazar1 Pâmela Aleteia Edinger da Silva1 Patrícia Borges1 Charles Francisco Ferreira2 Resumo Os sistemas sensoriais realizam uma série de funções comuns visando a transferência de informações sobre o mundo para o indivíduo. Cada sistema responde de maneira específica a um determinado estímulo e apresentam células especializadas para transduzirem este estímulo em um sinal comum utilizado pelas células neuronais. Graças às suas especializações químicas e físicas, os diversos subtipos de receptores podem transduzir a energia luminosa, mecânica ou térmica em mudanças no potencial elétrico de certos tipos celulares (neurônios e células musculares), envolvidos na codificação sensorial. Os sentidos clássicos, complementados pelas sensações adicionais de frio, calor, vibração e dor, apresentam receptores sensitivos que operam silenciosamente para manterem o nosso meio interno funcionando adequadamente. O esquema básico do sistema nervoso é destinado à codificação destas informações e de todos os mecanismos envolvidos nos processamentos destas informações, visando uma resposta ou a codificação adequada para aquele estímulo. Neste contexto, a presente revisão visou detalhar os fenômenos elétricos envolvidos nas principais tranduções sensitivas, enfocando a evolução da pluricelularidade e de níveis de organizações animais mais complexos, evidenciando primariamente a exigência de mecanismos cada vez mais elaborados na comunicação entre as distintas células e os diferentes órgãos envolvidos na sinalização e na codificação sensorial. Palavras-chave: sistemas sensoriais – bioeletrogênese - potencial elétrico - sinalização sensorial - codificação sensorial. Abstract Sensory systems perform a number of common functions aimed at transferring the world’s information to an individual. Each system responds specifically to a given stimulus and feature specialized cells to transduce this stimulus into a common sign used by neuronal cells. Thanks to their chemical and physical specializations, the various receptor subtypes can transduce light, thermal or mechanical energies changes into an electric potential in certain cell types (neurons and muscle cells), involved in sensory coding. The classic way, complemented by additional sensations of cold, heat, vibration and pain, have sensory receptors that operate silently to keep our internal environment working properly. The basic scheme of the nervous system is intended for encoding this information and all the mechanisms involved in the processing of this information, seeking and answer or the proper encoding for that stimulus. In this context, this review aimed to detail the electrical phenomena involved in major translations over sensitive information, focusing on the evolution of multicellular and more complex levels of animal organizations, primarily highlighting the need for ever more elaborated mechanisms for communication between the different cells and systems involved in signaling and sensory coding. 1 Acadêmicas do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas – FACOS/RS. 2 Doutor em Neurociências – UFRGS. Professor do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas – FACOS/RS. R e v i s t a M i r a n t e – F A C O S / C N E C O s ó r i o V o l . 4 – N º 1 – D E Z / 2 0 1 5 – I S S N 2 1 7 9 6 5 5 6 Página 31 Keywords: sensory systems – bioeletrogenesis - electric potential - sensory signaling - sensory coding. Introdução Desde o início do século XIX, a compreensão prévia da percepção sensorial tem se embasado na ideia de que cada modalidade sensorial possui o seu próprio tipo de receptor, sendo esta ideia substituída pelo conceito moderno embasado na biologia celular e molecular da transdução sensorial em cada subtipo de receptor, apresentando adaptações de mecanismos de sinalização encontradas em células por todo o organismo (MACLEISH et al., 1999). Desta maneira, a literatura científica demonstra uma gama de distintos mecanismos de sinalização e de sistemas de segundos mensageiros utilizados pelos sistemas sensoriais, sendo que cada modalidadesensorial apresenta sua própria série única de passos intermoleculares, deste a interação inicial do subtipo de receptor sensorial específico com a sua energia de estímulo até a geração final da resposta elétrica pelo receptor de membrana celular (para revisão, HAO et al., 2015; SANEMATSU et al., 2015; LUNCEFORD e KUBANEK, 2015; FETTIPLACE e KIM, 2014; WICHER, 2015; PERSUY et al., 2015). Além disso, uma linguagem comum dos mecanismos de sinalização se une ao estudo da transdução sensorial, a qual é uma parte de estudos mais aprofundados dos mecanismos de sinalização transmembranar em células distribuídas pelo organismo todo (MACLEISH et al. 1999). Embasados nestes estudos, a presente revisão da literatura visou contribuir para conhecimentos acerca dos mecanismos envolvidos em distintas sinalizações sensoriais através dos filos e entre algumas espécies animais de invertebrados e de vertebrados. Desta maneira, enfocaremos detalhar os fenômenos elétricos envolvidos nas principais transduções sensitivas que, aliadas à evolução da pluricelularidade e diferentes organizações mais complexas, exigiu o aprimoramento de mecanismos cada vez mais elaborados na comunicação entre as distintas células e os diferentes órgãos envolvidos na sinalização e na codificação sensorial dos animais. R e v i s t a M i r a n t e – F A C O S / C N E C O s ó r i o V o l . 4 – N º 1 – D E Z / 2 0 1 5 – I S S N 2 1 7 9 6 5 5 6 Página 32 O potencial de membrana e a bioeletrogênese A bioeletrogênese é a propriedade de certos tipos celulares, principalmente as células musculares e as neuronais, possuírem a capacidade de geração e de alteração dos diferentes potenciais elétricos através das membranas celulares, considerando que todas as membranas celulares vivas possuem algum nível de potencial de membrana ou são eletricamente polarizadas (SHERWOOD, 2011). A separação de cargas opostas ao longo da membrana celular ou a diferença de cátions e de ânions no fluido intracelular e no fluido extracelular é denominada potencial de membrana (também chamada de potencial de membrana em repouso por alguns autores), ou seja, a separação de cargas entre as membranas é designada potencial de membrana porque as cargas separadas nestes dois diferentes ambientes garantem à célula potencial elétrico para a realização de diferentes mecanismos e ocorrem em regiões finíssimas dos fluidos intracelulares e extracelulares que se localizam, respectivamente, próximas às porções internas e externas das membranas celulares (SHERWOOD, 2011). Este potencial de membrana é constante nas células de tecidos não excitáveis e nas células de tecidos excitáveis quando em repouso, ou seja, quando não estão produzindo sinais elétricos (GUYTON e HALL, 2011). Esta constância é designada potencial de membrana em repouso, resultante do equilíbrio químico entre as concentrações intracelulares e extracelulares dos íons sódio, potássio e cloreto (GUYTON e HALL, 2011; SHERWOOD, 2011). Os neurônios e as células musculares desenvolveram uso especializado para o potencial de membrana e são considerados tecidos excitáveis pois possuem a habilidade de produção de sinais elétricos (GUYTON e HALL, 2011; SHERWOOD, 2011). Os neurônios utilizam estes sinais elétricos para receberem, processarem, iniciarem e transmitirem as mensagens sensoriais aferentes ao Sistema Nervoso Central (GUYTON e HALL, 2011; SHERWOOD, 2011; BEAR, CONNORS e PARADISO, 2002), enquanto as células musculares utilizam os sinais elétricos para R e v i s t a M i r a n t e – F A C O S / C N E C O s ó r i o V o l . 4 – N º 1 – D E Z / 2 0 1 5 – I S S N 2 1 7 9 6 5 5 6 Página 33 codificarem e transportarem as eferências do Sistema Nervoso Central, iniciando as contrações musculares (GUYTON e HALL, 2011; SHERWOOD, 2011). Para uma melhor compreensão sobre os processos dos sistemas sensoriais, torna- se indispensável a conceituação das distintas fases da geração de um potencial de ação típico, sendo este mesmo conceito passível de extrapolação para o potencial gerado nos receptores sensoriais específicos de cada submodalidade sensitiva (potencial gerador). O potencial de ação e o potencial receptor Cada subtipo de receptor sensorial responde a uma modalidade particular de estímulo, gerando a produção de potenciais de ação em um neurônio sensorial aferente de primeira ordem, sendo estes impulsos conduzidos para o córtex cerebral, permitindo a interpretação e a codificação sensorial quando esta via neuronal específica é ativada (SILVERTHORHN, 2010). Tanto a geração de um potencial de ação neuronal e de um potencial de ação em uma célula muscular, bem como a geração de um potencial gerador em uma submodalidade de receptor sensorial específica, apresentam quatro fases diferentes (GUYTON e HALL, 2011; SHERWOOD, 2011; SILVERTHORN, 2010), conforme ilustrado abaixo. Fase de polarização ou potencial de membrana em repouso: o potencial de membrana em repouso se origina pela diferença nas cargas elétricas entre os dois lados das membranas celulares (fluidos intracelular e extracelular), devido a uma concentração levemente maior de íons positivos no fluido extracelular em relação a maior concentração de íons negativos no fluido intracelular. Estas diferenças podem ser resultantes tanto do bombeamento eletrogênico ativo quanto pela difusão passiva de determinados íons pelo gradiente bioeletroquímico de cada tipo celular (ALBERTS et al., 2010). R e v i s t a M i r a n t e – F A C O S / C N E C O s ó r i o V o l . 4 – N º 1 – D E Z / 2 0 1 5 – I S S N 2 1 7 9 6 5 5 6 Página 34 Fase de despolarização da membrana (início do potencial de ação): trata-se de uma dramática modificação na distribuição da carga elétrica através da membrana celular (BEAR, CONNORS e PARADISO, 2002). Tanto a submodalidade do receptor sensorial específico, quanto as células excitáveis possuem a capacidade de redistribuírem as cargas elétricas através de suas membranas celulares quando um determinado estímulo é capaz de atingir o limiar fisiológico daquele tipo celular. Conforme BEAR, CONNORS e PARADISO (2002) este limiar é o potencial de membrana do tipo “tudo ou nada”, sendo que quando atingido, resultará na deflagração do potencial de ação através da membrana celular. Durante a fase de despolarização, a membrana celular se torna menos polarizada, ou seja, a porção do fluido intracelular se torna menos negativa em relação ao seu estado durante o potencial de membrana em repouso (GUYTON e HALL, 2011; SHERWOOD, 2011; SILVERTHORN, 2010). Por se tratar de um evento rápido, alguns autores designam a fase de despolarização como uma fase ascendente do tipo em ponta, apresentando grande participação dos canais voltagem-dependentes do íon sódio, permitindo seu influxo para o meio intracelular, tornando este fluido mais positivo em relação ao fluido extracelular (BEAR, CONNORS e PARADISO, 2002). Fase de repolarização do potencial de ação (fase descendente): após atingida a fase ascendente, os canais voltagem-dependentes de sódio se inativam abruptamente, permitindo que os canais voltagem-dependentes de potássio propulsionem os íons potássio para fora da célula, fazendo que o potencial da membrana retorne a ser negativo no fluido intracelular em relação ao fluido extracelular (BEAR, CONNORS e PARADISO, 2002). Fase de hiperpolarização do potencial de ação: até o seu completo fechamento, os canais dependentes de voltagem do íon potássio tornam o fluido intracelular da célula mais negativo em relação ao fluido extracelular. Nesta etapa, a bomba de sódio e potássio reorganiza corretamente os gradientes bioeletroquímicos destes íons, mas o excedente de potássio e a ação de outras bombas (e.g. bomba do íon cloreto) faz com que o interior da célulase torne mais negativo que o potencial em membrana em repouso daquele tipo celular excitável, originando períodos refratários R e v i s t a M i r a n t e – F A C O S / C N E C O s ó r i o V o l . 4 – N º 1 – D E Z / 2 0 1 5 – I S S N 2 1 7 9 6 5 5 6 Página 35 para que um novo potencial de ação possa ser gerado pelo mesmo ou por outros estímulos. Histórico de estudos da bioeletrogênese animal comparada Muito do que se conhece sobre os potenciais de ação das células excitáveis é baseado nos experimentos realizados por A. L. Hodgkin e A. F. Huxley, nas décadas de 1940 e 1950 (HODGKIN e HUXLEY 1953, 1952, 1946, 1945). Este grupo de pesquisadores registraram os potenciais de membrana em axônios de uma espécie lula nectobentônia gigante (Loligo forbesi, (HODGKIN e HUXLEY 1953, 1952, 1946, 1945), filo Mollusca, classe Cephalopoda), sendo estes axônios suficientemente grandes para as aferências destes potenciais através da introdução de um fio de prata em seus axônios. A atividade elétrica de neurônios menores que o axônio gigante de lula foi estudado após estes estudos, utilizando a metodologia de introdução de microeletrodos de capilares de vidro (HODGKIN e HUXLEY, 1953, 1952, 1946, 1945; NEHER, 1944 e SCKMANN, 1942). Nestes tipos de experimentos, as células nas quais foram introduzidos os microeletrodos não foram lesadas porque a dupla camada de fosfolipídios das membranas fechou o espaço ao redor da pipeta após a sua penetração, sendo que a introdução da ponta deste eletrodo permitiu que o local ficasse em continuidade elétrica, onde o amplificador registrou a voltagem naquele momento específico (RANDALL, 2011). A partir destes conhecimentos e técnicas, inúmeros autores investigaram os mecanismos envolvidos na sinalização e na codificação dos sistemas sensoriais de diversas espécies animais. Neste contexto, a descoberta da existência de fenômenos elétricos em animais é atribuída a Luigi Galvani, pelo seu experimento com um preparado neuromuscular, que consistia da metade inferior de uma rã com os nervos e músculos expostos e um fio metálico inserido no canal vertebral (SHAWARZ, 2009). Após o preparo da rã, Galvani a colocou sobre uma mesa, a uma certa distância de uma máquina eletrostática e, quando um dos colaboradores de Galvani tocou com a ponta de seu escalpelo o nervo interno da coxa da rã, os músculos das pernas da rã contraíram-se violentamente. Luigi Galvani atribuiu o fenômeno à existência de “eletricidade animal” (SHAWARZ, 2009). R e v i s t a M i r a n t e – F A C O S / C N E C O s ó r i o V o l . 4 – N º 1 – D E Z / 2 0 1 5 – I S S N 2 1 7 9 6 5 5 6 Página 36 Órgãos dos sentidos: Visão Visão comparada dos Invertebrados A fotossensibilidade é uma característica extremamente difundida, presente até mesmo em muitos organismos unicelulares. Os olhos bem desenvolvidos são observados em cinco filos: celenterados, anelídeos, moluscos, artrópodes e vertebrados (SCHMIDT-NIELSEN, 2002). Considerando os receptores sensíveis à luminosidade (fotorreceptores multicelulares), os mesmos podem ser classificados em três subtipos gerais: ocelos (olhos simples), olhos compostos ou olhos complexos. Os olhos compostos são constituídos por poucas ou muitas unidades denominadas omatídeos (BRUSCA e BRUSCA, 2007). As cubomedusas (filo Cnidaria, classe Cubozoa) possuem 24 olhos bem desenvolvidos, localizados perto da margem da umbrela; possuindo uma verdadeira córnea epidérmica, uma lente celular esférica e uma retina. A retina é composta por várias camadas (camada sensorial, camada pigmentada, camada nuclear e uma região de fibras nervosas) (BRUSCA e BRUSCA, 2007; RUPPERT, FOX e BARNES, 2007). Outra característica especial dos cubuzoários é possuírem um conjunto de fossas capazes de detecção de luzes, além do desenvolvimento de olhos propriamente ditos – conforme mencionado anteriormente. Por não possuírem o desenvolvimento de um sistema nervoso completo, se justifica a evolução de um sistema visual muito elaborado repleto de nervos para o processamento da informação visual (LAWTON, 2003). Nos platelmintos (filo Platyhelminthes), são encontrados os ocelos do tipo taça de pigmento reflexivo e também células retinianas (BRUSCA e BRUSCA, 2007; RUPPERT, FOX e BARNES, 2007). Os rotíferos (filo Rotifera) possuem ocelos simples, encaixados no gânglio cerebral (BRUSCA e BRUSCA, 2007; RUPPERT, FOX e BARNES, 2007). E os gastrótricos R e v i s t a M i r a n t e – F A C O S / C N E C O s ó r i o V o l . 4 – N º 1 – D E Z / 2 0 1 5 – I S S N 2 1 7 9 6 5 5 6 Página 37 (filo Gastrotrichia), possuem ocelos pigmentados no gânglio cerebral (BRUSCA e BRUSCA, 2007; RUPPERT, FOX e BARNES, 2007). Os poliquetas (filo Annelida, classe Polychaeta) possuem uma enorme variedade de receptores sensoriais. Os olhos mais desenvolvidos dos poliquetas ocorrem aos pares, na superfície dorsal do prostômio (BRUSCA e BRUSCA, 2007; RUPPERT, FOX e BARNES, 2007). Já os oligoquetas (filo Annelida, classe Clitellata, subclasse Oligochaeta) não possuem olhos, com exceção de algumas formas aquáticas que possuem ocelos em taça pigmentar simples (BRUSCA e BRUSCA, 2007; RUPPERT, FOX e BARNES, 2007). Os Artropódes (filo Arthropoda), possuem a cabeça com um par de olhos laterais facetados (compostos) e com um a vários ocelos medianos simples, apenas olhos compostos ou os ocelos foram perdidos em vários grupos (BRUSCA e BRUSCA, 2007; RUPPERT, FOX e BARNES, 2007). Os artrópodes possuem três tipos básicos de fotorreceptores, incluindo ocelos simples, ocelos compostos ou facetados e ocelos complexos com lentes (BRUSCA e BRUSCA, 2007; RUPPERT, FOX e BARNES, 2007). Os olhos compostos, embora sejam encontrados em todos os quatro subfilos de artrópodes, foram perdidos ou modificados em vários grupos por todo o filo (BRUSCA e BRUSCA, 2007; RUPPERT, FOX e BARNES, 2007). Os olhos compostos compreendem de poucas a muitas unidades fotorreceptoras distintas, denominadas omatídeos. Entre os artrópodes, olhos compostos posicionados no ápice de pedúnculos ocorrem apenas em certos crustáceos (filo Arthropoda, subfilo Crustaceae) (BRUSCA e BRUSCA, 2007; RUPPERT, FOX e BARNES, 2007). Por outro lado, alguns insetos adultos hemimetabólicos e holometabólicos, bem como formas imaturas dos mesmos, podem apresentar olhos simples (ocelos) laterais ou dorsais (BRUSCA e BRUSCA, 2007; RUPPERT, FOX e BARNES, 2007). Os insetos (filo Arthropoda, subfilo Hexapoda, classe Insecta) apresentam olhos compostos com cones cristalinos, denominados olhos eucones. Os olhos compostos são encontrados em praticamente todos os insetos adultos e em algumas formas imaturas, sendo o número de omatídeos variável de algumas a milhares. Os olhos R e v i s t a M i r a n t e – F A C O S / C N E C O s ó r i o V o l . 4 – N º 1 – D E Z / 2 0 1 5 – I S S N 2 1 7 9 6 5 5 6 Página 38 compostos são bem desenvolvidos, podendo formar imagens, sendo grandes e encontrados em muitos insetos predadores ativos (olho multifacetado) (BRUSCA e BRUSCA, 2007; RUPPERT, FOX e BARNES, 2007). Os Cefalocordados (filo Chordata, subfilo Cephalochordata), em geral chamados de anfioxos (ordem Amphioxiformes), possuem uma única mancha ocelar próxima à extremidade anterior do tubo nervoso dorsal (BRUSCA e BRUSCA, 2007; RUPPERT, FOX e BARNES, 2007). Visão comparada dos Vertebrados O campo receptor do olho dos vertebrados (superfilo Deuterostomia, filo Chordata, subfilo Vertebrata) está disposto em uma camada hemisférica, a retina, que se origina como uma evaginação do encéfalo. A retina contém dois tipos de células sensíveis à luz, cones e bastonetes (POUGH, HEISER E JANIS, 2008). A acomodação visual ou a capacidade do olho se ajustar à visão de perto e delonge, é realizada, nos peixes (filo Chordata, subfilo Vertebrata, clado Craniata, superclasse Piscis) pelo movimento do cristalino para a frente e para trás, com a finalidade de alterar a distância da retina sensitiva. Nos teleósteos (filo Chordata, superclasse Piscis, subclasse Actinopterygii, infraclasse Teleostei), os olhos são ajustados à visão de perto, do modo que o cristalino precisa ser movido para trás em direção à retina (ORR, 2009). Os peixes utilizam os cones da retina para perceber cores, apresentando assim uma boa visão a cores, primitivamente para os amniotas (filo Chordata, subfilo Vertebrata, infrafilo Gnathostomata, superclasse Tetrapoda, Amniota) (POUGH, HEISER E JANIS, 2008). Os olhos dos anfíbios (filo Chordata, subfilo Vertebrata, infrafilo Gnathostomata, superclasse Tetrapoda, classe Amphibia) são cristalinos adaptados para uma visão relativamente distante, mas podem mover-se para frente, em direção à córnea, para identificarem objetos próximos, por intermédio de pequenos músculos de acomodação visual. As glândulas lacrimais são encontradas em muitos anfíbios, apesar de pouco desenvolvidas, sendo os olhos mantidos úmidos por uma secreção R e v i s t a M i r a n t e – F A C O S / C N E C O s ó r i o V o l . 4 – N º 1 – D E Z / 2 0 1 5 – I S S N 2 1 7 9 6 5 5 6 Página 39 oleosa, secretada pela glândula de Harder – uma das diversas glândulas lacrimais encontradas em diferentes espécies de anfíbios, répteis, aves e mamíferos, não encontrada em mamíferos terrestres e nos primatas não humanos (ORR, 2009; POUGH, HEISER E JANIS, 2008). A acomodação visual nos répteis (filo Chordata, Amniota, classe Reptilia) e na maioria de outros amniotas, contudo, é efetuada não pelo movimento do cristalino, mas sim pela mudança de sua forma. Pode ser achatado para a visão à distância ou arredondado para a visão de perto, através da ação dos músculos do corpo ciliar (ORR, 2009). As aves (filo Chordata, subfilo Vertebrata, superclasse Tetrapoda, classe Aves) possuem visão colorida, sendo que algumas espécies, tais como o pombo (filo Chordata, subfilo Vertebrata, superclasse Tetrapoda, classe Aves, ordem Columbiformes, família Columbidae, gênero Columba) e o beija flor (filo Chordata, classe Aves, ordem Apodiformes, família Trochilidae) são capazes de perceber o espectro de luz ultravioleta (SCHMIDT-NIELSEN, 2002). Os mamíferos (filo Chordata, subfilo Vertebrata, superclasse Tetrapoda, classe Mammalia) possuem retinas compostas, primariamente de células bastonetes, as quais apresentam uma grande sensibilidade à luz, mas são relativamente fracas para uma visão acurada. A maioria das espécies de mamíferos pode perceber somente algumas cores e possui visão monocromática (uma cor) ou dicromática (duas cores) (POUGH, HEISER E JANIS, 2008). Órgãos dos sentidos: Audição Audição comparada dos Invertebrados O sentindo da audição, bem como o sentido do equilíbrio, dependem diretamente da ação de mecanorreceptores, células especializadas capazes de detectar a movimentação de ondas mecânicas de compreensão audível, que podem ser transmitidas no ar, na água e em matérias sólidas, sendo a ação “ouvir” não estando R e v i s t a M i r a n t e – F A C O S / C N E C O s ó r i o V o l . 4 – N º 1 – D E Z / 2 0 1 5 – I S S N 2 1 7 9 6 5 5 6 Página 40 restrita somente à percepção de ondas mecânicas propagadas pelo ar. Para os seres humanos, o som é muito importante para a sua comunicação, porém para algumas espécies animais, outros tipos de perturbações mecânicas são os canais primordiais de informação sensorial (SCHMIDT-NIELSEN, 2002). Os insetos (filo Arthropoda, subfilo Hexapoda, classe Insecta) possuem cerdas muito sensíveis ou órgãos timpânicos que podem detectar sons carregados pelo ar. Nos órgãos timpânicos, uma série de células sensoriais estendem-se até uma membrana timpânica muito fina que engloba um espaço preenchido pelo ar, no qual as diferenças nas vibrações podem ser detectadas (HICKMAN, 2010). Os registros sonoros produzidos pelos insetos machos para atrair as fêmeas são irreconhecíveis aos ouvidos humanos, pelo fato da distorção de frequência das mesmas (SCHMIDT- NIELSEN, 2002). Audição comparada dos Vertebrados Pela perspectiva filogenética, uma provável explicação para a existência da orelha interna, o órgão do sentido especializado na transdução de ondas mecânicas, é que esta seja uma evolução da linha lateral dos peixes (filo Chordata, subfilo Vertebrata, clado Craniata, superclasse Piscis), órgão capaz de detectar as variações de vibrações e de pressões no ambiente aquático, garantindo equilíbrio aos organismos, proporcionando sua estabilidade (ORR, 2009; MASON, 2001; MANLEY, 2000; SOLNSEVA, 1995). É graças à linha lateral que, em um cardume, os movimentos individuais são bem coordenados, mantendo ritmos e distâncias de nados constantes entre os peixes (SCHMIDT-NIELSEN, 2002). O aparelho auditivo dos anfíbios (filo Chordata, subfilo Vertebrata, infrafilo Gnathostomata, superclasse Tetrapoda, classe Amphibia) possui distintas variações consideráveis. As salamandras (filo Chordata, classe Amphibia, ordem Caudata) e as espécies aparentadas não possuem orelha média, apesar de se acreditar que possam detectar vibrações. A maioria dos anuros (filo Chordata, classe Amphibia, ordem Anura) possuem orelha média e uma membrana timpânica externa contendo uma columela (similar ao estribo) (HICKMAN, 2010). R e v i s t a M i r a n t e – F A C O S / C N E C O s ó r i o V o l . 4 – N º 1 – D E Z / 2 0 1 5 – I S S N 2 1 7 9 6 5 5 6 Página 41 As cobras (filo Chordata, classe Reptilia, ordem Squamata, subordem Ophidia) possuem dois sistemas sensoriais que respondem ao som: um propagado pelo ar e outro pelas vibrações do próprio substrato. O sistema auditivo destes exemplares não é muito sensível ao som, porém, a sensibilidade à vibração da cabeça é surpreendente (SCHMIDT-NIELSEN, 2002). A maioria das aves (filo Chordata, subfilo Vertebrata, superclasse Tetrapoda, classe Aves) possuem membranas timpânicas grandes em relação ao tamanho da cabeça, sendo assim, estes organismos apresentam um significativo aumento de sensibilidade para informações auditivas. As corujas (filo Chordata, classe Aves, ordem Strigiformes) fazem uso de sons provenientes da presa para determinar a localização dessas, mas alguns vertebrados obtêm informações a partir de reflexões fracas ou ecos de sons produzidos por eles próprios (POUGH, HEISER E JANIS, 2008). Os mamíferos (filo Chordata, subfilo Vertebrata, superclasse Tetrapoda, classe Mammalia) apresentam vários avanços sobre a audição de outros vertebrados obtendo uma orelha média mais complexa (ORR, 2009). O morcego (filo Chordata, classe Mammalia, infraclasse Placentalia, ordem Chiroptera) obtém informações acerca do ambiente a partir da reflexão sonora, sendo capaz de evitar todos os tipos de obstáculos, similar a um sonar (SCHMIDT-NIELSEN, 2002). Órgãos dos sentidos: Sentidos Químicos O olfato e o paladar são sensações cujo estimulo inicial é disparado por uma molécula química, ou seja, seus receptores pertencem à submodalidade quimiorreceptores. Embora muitos tipos celulares respondam às moléculas em seu ambiente, os quimiorreceptores são as células receptoras especializadas em obter informações sobre o ambiente químico e transmiti-las aos neurônios. Os quimiorreceptores podem ser divididos em duas categorias: receptores da gustação, que respondem às moléculas dissolvidas, e receptoras da olfação, que respondem às moléculas voláteis do meio aéreo. Se a gustação e a olfação são sensações diferentes, uma distinção mais eficiente sobre estas moléculas químicas se torna R e v i s t a M i r a n t e – F A C O S / C N E C O s ó r i oV o l . 4 – N º 1 – D E Z / 2 0 1 5 – I S S N 2 1 7 9 6 5 5 6 Página 42 necessária. A nível celular, se torna possível a visualização das diferenças entres as moléculas e os receptores da gustação e da olfação. O olfato pode ser considerado como a quimiorrecepção de sinais de fontes distantes, enquanto o paladar se trata da quimiorrecepção de sinais de materiais que estão em contato direto com a estrutura receptora (ALBERTS et al., 2010; ORR, 2009; POUGH, HEISER E JANIS, 2008; SCHMIDT-NIELSEN, 2002; BEAR, CONNORS e PARADISO, 2002). Olfato comparado O olfato é o sentido capaz de perceber e distinguir os cheiros. As moléculas contendo o odor do ar são captadas pelas células receptoras que transmitem o impulso ao cérebro (BEAR, CONNORS e PARADISO, 2002). Muitos táxons inferiores apresentam uma sensitividade geral às substancias químicas, não sendo a sua percepção a função de nenhuma estrutura sensorial definida, sendo esta resposta devido a irritabilidade geral do próprio protoplasma (BRUSCA E BRUSCA, 2007). Por outro lado, a maioria dos animais possuem quimiorreceptores específicos. A quimiorrecepção é um sentido bastante direto, considerando que as moléculas estimulam os neurônios sensoriais por contato, normalmente após se difundirem em solução através de um revestimento epitelial fino (BRUSCA E BRUSCA, 2007). Os sentidos químicos não podem ser usados para explorar o meio, como são usados a luz (visão) e o som (audição), pois os compostos químicos devem primeiro atingir o órgão sensorial do animal, por difusão ou movimento de massa do meio (SCHMIDT-NIELSEN, 2002). As informações mais úteis obtidas com os sentidos químicos dizem respeito à procura de alimentos ou de parceiros e para a localização de inimigos. Os sentidos químicos são úteis principalmente como dispositivos de alerta ou advertência, possibilitando a concentração de esforços pelos outros sentidos (SCHMIDT- NIELSEN, 2002). R e v i s t a M i r a n t e – F A C O S / C N E C O s ó r i o V o l . 4 – N º 1 – D E Z / 2 0 1 5 – I S S N 2 1 7 9 6 5 5 6 Página 43 Em animais, o sistema olfativo pode ser mediado por distintos outros sistemas sensoriais. Os dois sistemas mais importantes são o sistema olfativo principal – localizado na cavidade nasal – e o sistema olfativo acessório – localizado próximo às porções externas das narinas (SCHMIDT-NIELSEN, 2002; BEAR, CONNORS e PARADISO, 2002). Os quimiorreceptores de muitos invertebrados aquáticos estão localizados em fossetas ou depressões, pelos quais a água pode ser circulada por ação ciliar. Em artrópodes (filo Arthropoda), os quimiorreceptores possuem normalmente a forma pelos ocos ou de outras projeções, dentro dos quais se encontram neurônios sensoriais primários (BRUSCA e BRUSCA, 2007). Dentre as espécies de vertebrados, existe uma variabilidade muito grande descrita na literatura científica em relação às dimensões das estruturas olfativas, bem como considerando a capacidade de detecção de odores entre as espécies. Nesta perspectiva, os animais podem ser subdivididos em dois grandes grupos: os animais macrosmáticos, sendo os componentes deste grupo aqueles animais muito sensíveis para detecção de diferentes odores, e os animais microsmáticos, que compreende a classe de animais pouco sensíveis para esta detecção. Além disso, alguns animais – como os mamíferos marinhos (e.g. golfinhos e baleias), não possuem um aparelho olfativo, sendo estas espécies impossibilitadas de sentir cheiros e são designados anósmicos (POUGH, HEISER E JANIS, 2008; SCHMIDT- NIELSEN, 2002; BEAR, CONNORS e PARADISO, 2002). Equilíbrio comparado O equilíbrio depende da ação de mecanorreceptores, células dotadas de pelos que detectam a movimentação de partículas sólidas ou de líquidos. A fim de interagir com seu ambiente, manter sua postura normal e andar, nadar ou voar, os animais necessitam de um fluxo constante de informações provenientes destes mecanorreceptores (HICKMAN, 2010). Mesmo enquanto parados ou em movimentação, os animais utilizam de maneiras diferentes os dados gerados pelos R e v i s t a M i r a n t e – F A C O S / C N E C O s ó r i o V o l . 4 – N º 1 – D E Z / 2 0 1 5 – I S S N 2 1 7 9 6 5 5 6 Página 44 georreceptores ou estatorreceptores, dependendo do seu habitat e do seu estilo de vida (BRUSCA e BRUSCA, 2007). Animais planctônicos enfrentam problemas de orientação em seu ambiente planctônico tridimensional, particularmente em águas profundas e durante a noite, sendo que muitos destes organismos apresentam estatocistos. A função deste tipo celular é a de percepção da força gravitacional agindo sobre o seu corpo, sendo o estatocisto uma cama de células estatorreceptoras com pelos sensoriais. Representantes com estes órgãos de equilíbrio estão entre os celenterados (clado Coelenterata, sub-reino Eumetazoa), os moluscos (filo Mollusca), os anelídeos (filo Annelida) e a maioria dos artrópodes (sub-reino Eumetazoa, superfilo Protostomia, filo Arthropoda). Muitos insetos aquáticos detectam variações de gravidade utilizando bolhas de ar aprisionadas em certos condutos (por exemplo, tubos traqueais). As bolhas movem- se em relação ao plano vertical, de modo muito semelhante a um nível de bolha e estimulam as cerdas sensoriais que revestem o tubo onde se localizam (BRUSCA e BRUSCA, 2007). Nos vertebrados, evolutivamente a orelha surgiu com um órgão do equilíbrio, o labirinto. Em todos os vertebrados mandibulados (filo Arthropoda, clado Mandibulata), dos peixes (filo Chordata, subfilo Vertebrata, clado Craniata, superclasse Piscis) aos mamíferos (filo Chordata, subfilo Vertebrata, superclasse Tetrapoda, classe Mammalia), o labirinto possui uma estrutura semelhante, consistindo em duas pequenas câmaras, denominadas sáculo e utrículo e contendo três canais semicirculares. Nos peixes (filo Chordata, subfilo Vertebrata, clado Craniata, superclasse Piscis), a base do sáculo estende-se numa diminuta vesícula – lagena – a qual, durante a evolução dos vertebrados, desenvolveu-se no receptor auditivo dos tetrápodes (filo Chordata, subfilo Vertebrata, infrafilo Gnathostomata, superclasse Tetrapoda). Após um contínuo aperfeiçoamento das aves (filo Chordata, subfilo Vertebrata, superclasse Tetrapoda, classe Aves) e mamíferos filo Chordata, subfilo Vertebrata, superclasse Tetrapoda, classe Mammalia), a lagena digitiforme foi modificada para formar a cóclea. O utrículo e o sáculo são os órgãos de equilíbrio R e v i s t a M i r a n t e – F A C O S / C N E C O s ó r i o V o l . 4 – N º 1 – D E Z / 2 0 1 5 – I S S N 2 1 7 9 6 5 5 6 Página 45 estático, os quais, à semelhança dos estatocistos dos invertebrados, fornecem informações sobre a posição da cabeça ou do corpo em relação à força da gravidade (SCHMIDT-NIELSEN, 2002; HICKMAN, 2010). Conforme a cabeça é inclinada em uma direção ou outra, concreções pétreas pressionam diferentes grupos de células ciliadas. Estas células enviam impulsos nervosos ao encéfalo, que interpreta a informação relativa à posição da cabeça (HICKMAN, 2010). Órgãos dos sentidos: Mecanorrecepção Tato Comparado Os diversos tipos de estímulos possuem características que os tornam distintos uns dos outros. Por exemplo, a estimulação mecânica que produz a sensação de tato que é diferente da luz que produz uma resposta visual. Todos os animais podem sentir o contato físico sobre a superfície de seus corpos, desde os mais simples – que consistem em terminações nervosas indiferenciadas morfologicamente encontradas no tecido conjuntivo da pele. Mecanorreceptores mais complexos possuem estruturas acessórias que transferem a energia mecânica à membrana receptiva (RANDALL, 2000). As estruturas acessórias mais elaboradas associadas com as célulasmecorreceptivas são encontradas na orelha média e interna e no sistema vestibular dos vertebrados (POUGH, HEISER E JANIS, 2008; SCHMIDT-NIELSEN, 2002; BEAR, CONNORS e PARADISO, 2002; RANDALL, 2000). Os cnidários (filo Cnidaria) são os primeiros animais a apresentarem células nervosas (neurônios). A epiderme contém a densidade mais alta de células sensoriais, mas nunca tecidos ou órgãos sensoriais (RUPPERT, 2005). Nas aranhas (filo Arthropoda, classe Arachnida, ordem Araneae) existem muitos pelos sensoriais denominadas cerdas táteis, espalhadas pelo corpo, principalmente nos apêndices articulados. Por não possuírem antenas, os principais órgãos dos sentidos das aranhas são as cerdas. Certas estruturas sensoriais em forma de fendas, localizadas nas patas, são responsáveis pela percepção de R e v i s t a M i r a n t e – F A C O S / C N E C O s ó r i o V o l . 4 – N º 1 – D E Z / 2 0 1 5 – I S S N 2 1 7 9 6 5 5 6 Página 46 vibrações. Em todos os aracnídeos (filo Arthropoda, classe Arachnida), o gânglio subesofágico envia nervos motores e sensoriais para os pedipalpos e para todos os apêndices do cefalotórax (RUPPERT, 2005). Alguns crustáceos (filo Arthropoda, subfilo Crustacea) desenvolveram vários graus de fusão medial e longitudinal dos gânglios. Possuem como estruturas sensoriais os estatocistos, olhos, receptores táteis e quimiorreceptores e possuem dois pares de antenas que auxiliam na função tátil e olfativa, além de cerdas sensoriais. Vários tipos de cerdas sensoriais estão localizados sobre a superfície do corpo, especialmente nos apêndices (RUPPERT, 2005). Nos peixes (filo Chordata, subfilo Vertebrata, clado Craniata, superclasse Piscis), as sensações táteis são percebidas pela linha lateral – conjunto de células especiais que percebem a movimentação da água. Condrictes (filo Chordata, subfilo Vertebrata, infrafilo Gnathostomata, superclasse Piscis, classe Chondrichthyes) e osteíctes (filo Chordata, subfilo Vertebrata, infrafilo Gnathostomata, superclasse Piscis, classe Osteichthyes) também possuem esta linha lateral. Tubarões (filo Chordata, classe Chondrichthyes, subclasse Elasmobranchii, superordem Selachimorpha) usam sua sensibilidade à eletricidade e calor para localizarem as suas presas. Muitas espécies de peixes (filo Chordata, subfilo Vertebrata, clado Craniata, superclasse Piscis) também apresentam detectores de gravidade na base dos canais semicirculares, os quais permitem que estes animais distingam os lados superior e inferior dos seus corpos (POUGH, HEISER E JANIS 2008). Anfíbios (filo Chordata, subfilo Vertebrata, infrafilo Gnathostomata, superclasse Tetrapoda, classe Amphibia) aquáticos possuem um agrupamento de células ciliadas associadas às células de suporte que formam os órgãos neuromastos, os quais estão espalhados sobre a superfície da cabeça e do corpo. Este sistema é chamado de sistema da linha lateral tanto em anfíbios (filo Chordata, subfilo Vertebrata, infrafilo Gnathostomata, superclasse Tetrapoda, classe Amphibia) aquáticos como em peixes (filo Chordata, subfilo Vertebrata, clado Craniata, superclasse Piscis) (POUGH, HEISER e JANIS, 2008). R e v i s t a M i r a n t e – F A C O S / C N E C O s ó r i o V o l . 4 – N º 1 – D E Z / 2 0 1 5 – I S S N 2 1 7 9 6 5 5 6 Página 47 Considerações Finais Após apresentarmos as principais características evolutivas relacionadas aos distintos sistemas sensoriais de organismos invertebrados e vertebrados, enfatizamos que as principais ações envolvidas em atividades comuns destas espécies dependem da recepção e da interpretação correta das informações sensoriais provenientes de seus ambientes externos e internos. De fato, os órgãos sensoriais fornecem os únicos canais de comunicação do mundo externo para o Sistema Nervoso. A partir dos estímulos químicos e físicos ambientais, a bioeletrogênese entra em ação como a principal propriedade de determinados tipos celulares (células neuronais e células musculares), garantindo a geração e a alteração de potenciais elétricos através das membranas de receptores especializados, resultando na transdução destes sinais de maneira específica ao tipo de energia original, garantindo as sensações, as percepções e as reações adequadas para cada tipo de estímulo. Referências ALBERTS, B., JOHNSON, A., LEWIS, J., RAFF, M., ROBERTS, K., WALTER, P. Biologia molecular da célula. 5ª edição. Porto Alegre, Editora Artmed. 2010. BEAR, M.F., CONNORS, B.W., PARADISO, M.A. Neurociências: desvendando o Sistema Nervoso. 2ª edição. Porto Alegre, Editora Artmed. 2002. BRUSCA, R.C. e BRUSCA, G.J. Invertebrados. 2ª edição. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan. 2007. FETTIPLACE, R. e KIM, K.X. The physiology of mechanoeletrical transduction channels in hearing. Physiol. Rev. 2014, 94(3):951-86. R e v i s t a M i r a n t e – F A C O S / C N E C O s ó r i o V o l . 4 – N º 1 – D E Z / 2 0 1 5 – I S S N 2 1 7 9 6 5 5 6 Página 48 GUYTON, A.C. e HALL, J.E. Tratado de Fisiologia Médica. 12ª edição. Rio de Janeiro, Editora Elsevier. 2011. HAO, J., BONNET, C., AMSALEM M., RUEL, J., DELMAS, P. Transduction and encoding sensory information by skin mechanoreceptors. Pflugers Arch – Eur J Physiol 2015; 467:109-119. HICKMAN, C.J., ROBERTS, L.S. e LARSON, A. Princípios integrados de zoologia. 11ª edição. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan. 2010. HODGKIN, A.L. e HUXLEY A.F. Movement of radioactive potassium and membrane current in a giant axon. J Physiol. 1953. 121(2):403-14. HODGKIN, A.L. e HUXLEY A.F. Propagation of electrical signals along giant nerve fibers. Proc R Soc Lond B Biol Sci. 1952. 16; 140(899):177-83. HODGKIN, A.L. e HUXLEY A.F. A quantitative description of membrane current and its application to conduction and excitation in nerve J Physiol. 1952. 117(4):500-44. HODGKIN, A.L. e HUXLEY A.F. The dual effect of membrane potential on sodium conductance in the giant axon of Loligo. J Physiol. 1952. 116(4):497-506. HODGKIN, A.L. e HUXLEY A.F. The components of membrane conductance in the giant axon of Loligo. J Physiol. 1952. 116(4):473-96. . HODGKIN, A.L. e HUXLEY A.F. Currents carried by sodium and potassium ions through the membrane of the giant axon of Loligo. J Physiol. 1952. 116(4):449- 72. HODGKIN, A.L. e HUXLEY A.F. Measurement of current-voltage relations in the membrane of the giant axon of Loligo. J Physiol. 1952. 116(4):424-48. R e v i s t a M i r a n t e – F A C O S / C N E C O s ó r i o V o l . 4 – N º 1 – D E Z / 2 0 1 5 – I S S N 2 1 7 9 6 5 5 6 Página 49 HODGKIN, A.L. e HUXLEY A.F. Movement of sodium and potassium ions during nervous activity. Cold Spring Harb Symp Quant Biol. 1952. 17:43-52 HODGKIN, A.L. e HUXLEY A.F. Potassium leakage from an active nerve fibre. J Physiol. 1946. 14:158-376. HODGKIN, A.L. e HUXLEY A.F. Resting and action potentials in single nerve fibres. J Physiol. 1945. 15; 104(2):176-95. LAWTON, G. Armed and dangerous. New Scientist. 2003; 180(2420):34. LUNCEFORD, B.E. e KUBANEK, J. Reception of aversive taste. Integr. Comp. Biol. 2015; 55(3)507-517. MACLEISH, P.R., SHEPERD, G.M., KINNAMON, S.C., SANTOS-SACHI, J. Sensory transduction. In: ZIGMOND, M.J., BLOOM, F.E., LANDIS, S.C., ROBERTS, J.L., SQUIRE, L.R. Fundamental Neuroscience. 1ª edição. Academic Press – San Diego, California. 1999, 671-717. MANLEY, G.A. Cochlear mechanisms from a phylogenetic viewpoint. Proc Natl Acad Sci. 2000, 97:11736-43. MASON, M.J. Middle ear structures in fossorial mammals: a comparison with non-fossorial species. J Zool. 2001, 255:467-86. ORR, R.T. Biologia dos Vertebrados. 5ª edição. São Francisco, Califórnia, Roca Editora. 2009. PERSUY, M.A., SANZ, G., TROMELIN,A., THOMAS-DANGUIN, T., GIBRAT, J.F., PAJOT-AUGY, E. Mammalian olfactory receptors: molecular mechanisms of odorant detection, 3D-modeling, and structure-activity relationships. Prog. Mol. Bio. Transl. Sci. 2015; 130:1-36. R e v i s t a M i r a n t e – F A C O S / C N E C O s ó r i o V o l . 4 – N º 1 – D E Z / 2 0 1 5 – I S S N 2 1 7 9 6 5 5 6 Página 50 POUGH, F.H., HEISER, J.B. e JANIS, C.M. A vida dos Vertebrados. 4º edição. São Paulo, Editora Atheneu. 2008. RANDALL, D.J., BURGGREN, W., FRENCH, K. Fisiologia animal: mecanismos e adaptações. 4a edição. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan. 2011. RUPPERT, E.E., FOX, R.S., BARNES, R.D. Zoologia dos Invertebrados: uma abordagem funcional evolutiva. 7ª edição. São Paulo, Editora Roca. 2005. SCHWARZ, L. Artigo de revisão: Eletrocardiograma. Revista Ilha Digital, ISSN 2177-2649. Florianopolis. Vol 1, pg.3-19.2009. SANEMATSU, K., YOSHIDA, R., SHIGEMURA, N., NINOMIYA, Y. Structure, Function, and Signaling of Taste G-Protein-Coupled Receptors. Current Pharmaceutical Biotechnology 2015, 15(10):951-961. SCHIMDT-NIELSEN, K. Fisiologia Animal: Adaptação e meio ambiente. 5ª edição. São Paulo, Editora Santos. 2002. SHERWOOD, L. Fisiologia Humana: das células aos sistemas. 7a edição. São Paulo, Editora Cengage Learning. 2011. View publication statsView publication stats https://www.researchgate.net/publication/301794557