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1 Disciplina: Psicopedagogia institucional: conceitos e práticas Autora: M.e Paula Maria Ferreira de Faria Revisão de Conteúdos: Esp. Murillo Hochuli Castex Designer Instrucional: Esp. Murillo Hochuli Castex Revisão Ortográfica: Esp. Alexandre Kramer Morgenterm Ano: 2019 Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade São Braz (FSB). O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais. 2 Paula Maria Ferreira de Faria Psicopedagogia institucional: conceitos e práticas 1ª Edição 2019 Curitiba, PR Editora São Braz 3 Editora São Braz Rua Cláudio Chatagnier, 112 Curitiba – Paraná – 82520-590 Fone: (41) 3123-9000 Coordenador Técnico Editorial Marcelo Alvino da Silva Conselho Editorial D.r Alex de Britto Rodrigues / D.ra Diana Cristina de Abreu / D.r Eduardo Soncini Miranda / D.ra Gilian Cristina Barros / D.r Jefferson Zeferino / D.r João Paulo de Souza da Silva / D.ra Marli Pereira de Barros Dias / D.ra Rosi Terezinha Ferrarini Gevaerd / D.ra Wilma de Lara Bueno / D.ra Yara Rodrigues de La Iglesia Revisão de Conteúdos Murillo Hochuli Castex Parecerista Técnico Marcelo Alvino da Silva / Murillo Hochuli Castex Designer Instrucional Murillo Hochuli Castex Revisão Ortográfica Alexandre Kramer Morgenterm Desenvolvimento Iconográfico Juliana Emy Akiyoshi Eleutério FICHA CATALOGRÁFICA FARIA, Paula Maria Ferreira de. Psicopedagogia institucional: conceitos e práticas / Paula Maria Ferreira de Faria. – Curitiba: Editora São Braz, 2019. 61 p. ISBN: 978-85-5475-482-2 1.Aprendizagens. 2. Práticas. 3. Psicopedagogia. Material didático da disciplina de Psicopedagogia institucional: conceitos e práticas – Faculdade São Braz (FSB), 2019. Natália Figueiredo Martins – CRB 9/1870 4 PALAVRA DA INSTITUIÇÃO Caro(a) aluno(a), Seja bem-vindo(a) à Faculdade São Braz! Nossa faculdade está localizada em Curitiba, na Rua Cláudio Chatagnier, nº 112, no Bairro Bacacheri, criada e credenciada pela Portaria nº 299 de 27 de dezembro 2012, oferece cursos de Graduação, Pós-Graduação e Extensão Universitária. A Faculdade assume o compromisso com seus alunos, professores e comunidade de estar sempre sintonizada no objetivo de participar do desenvolvimento do País e de formar não somente bons profissionais, mas também brasileiros conscientes de sua cidadania. Nossos cursos são desenvolvidos por uma equipe multidisciplinar comprometida com a qualidade do conteúdo oferecido, assim como com as ferramentas de aprendizagem: interatividades pedagógicas, avaliações, plantão de dúvidas via telefone, atendimento via internet, emprego de redes sociais e grupos de estudos, o que proporciona excelente integração entre professores e estudantes. Bons estudos e conte sempre conosco! Faculdade São Braz 5 Sumário Prefácio ................................................................................................................. 06 Aula 1 – Contexto da psicopedagogia institucional ................................................ 07 Apresentação da aula 1 ......................................................................................... 07 1.1 Definindo a psicopedagogia institucional .................................................. 07 1.2 Os enfoques terapêutico e preventivo nas instituições .............................. 11 1.3 A importância dos contextos para a aprendizagem ................................... 13 1.4 Obstáculos à aprendizagem ..................................................................... 14 Conclusão da aula 1 .............................................................................................. 17 Aula 2 – Diagnóstico psicopedagógico institucional: passos iniciais ...................... 18 Apresentação da aula 2 ......................................................................................... 18 2.1 Psicopedagogia institucional e a epistemologia convergente ................... 19 2.2 Elementos iniciais: queixa, contrato e enquadramento ............................. 20 2.3 Entrevista operativa centrada na modalidade de ensino-aprendizagem (EOCMEA) ............................................................................................................ 24 2.4 Aplicação da EOCMEA: os grupos operativos .......................................... 26 Conclusão da aula 2 .............................................................................................. 30 Aula 3 – Diagnóstico psicopedagógico institucional: sistemas de hipóteses e seleção de instrumentos ........................................................................................ 31 Apresentação da aula 3 ......................................................................................... 31 3.1 Os sistemas de hipóteses no processo de avaliação diagnóstica ............. 32 3.2 Seleção e planejamento dos instrumentos ............................................... 34 3.3 Análise dos dados: o cone invertido .......................................................... 37 3.4 Diagnóstico psicopedagógico institucional: revisando o processo ............ 40 Conclusão da aula 3 .............................................................................................. 45 Aula 4 – Diagnóstico psicopedagógico institucional: entrevista devolutiva e informe psicopedagógico ....................................................................................... 45 Apresentação da aula 4 ......................................................................................... 45 4.1 Etapas finais do diagnóstico psicopedagógico: entrevista devolutiva e informe psicopedagógico ....................................................................................... 46 4.2 Reflexões sobre o contexto institucional escolar ....................................... 52 Conclusão da aula 4 .............................................................................................. 56 Conclusão da disciplina ......................................................................................... 58 Índice Remissivo ................................................................................................... 59 Referências ........................................................................................................... 61 6 Prefácio A disciplina Psicopedagogia Institucional: conceitos e práticas visa apresentar o conceito e definir a atuação do psicopedagogo, refletindo sobre suas possibilidades de ação nas mais diversas organizações, como empresas, hospitais, clínicas, associações, organizações não governamentais e instituições de ensino. A proposta é a de que o(a) aluno(a), ao contemplar as múltiplas potencialidades da Psicopedagogia Institucional, possa ter subsídios teóricos que norteiem sua inserção nesse campo. A compreensão é fundamentada sobretudo a partir do referencial da Epistemologia Convergente, do psicopedagogo argentino Jorge Visca. Especial atenção é dada ao desenvolvimento da avaliação psicopedagógica institucional, o qual é detalhado e exemplificado para melhor compreensão. Dentro desse processo, é também apresentada a proposta conceitual e prática da aplicação da Entrevista Operativa Centrada na Modalidade de Ensino Aprendizagem (EOCMEA), instrumento metodológico desenvolvido especificamente para os contextosinstitucionais. Em todo o percurso da disciplina, são sugeridas atividades complementares que visam o enriquecimento do conteúdo e o aprofundamento dos estudos. Neste material são apresentadas as bases a partir das quais o(a) estudante poderá compreender os fundamentos principais da Psicopedagogia Institucional e iniciar sua própria rota de aprendizagem, buscando sempre aperfeiçoar-se por meio do aprofundamento teórico, da prática responsável e da reflexão crítica. 7 Aula 1 – Contexto da psicopedagogia institucional Apresentação da aula 1 Em tempos em que as tecnologias de informação e comunicação avançam cada vez mais, a questão da aprendizagem merece ser discutida: como aprendemos? Como lidar com as dificuldades de aprendizagem? Frente a essas questões, cabe à Psicopedagogia uma importante contribuição, não somente no contexto individual, mas também, e especialmente, nas relações entre os grupos nas mais variadas instituições. Nesta aula serão discutidos o conceito e a contextualização da Psicopedagogia Institucional, definindo-a enquanto campo com saberes próprios que contribui à aprendizagem e ao desenvolvimento humano. Para isso, refletiremos sobre o papel da Psicopedagogia Institucional, suas funções e âmbitos de atuação; discutiremos também a questão dos obstáculos e das dificuldades de aprendizagem, assim como objetos da ação do psicopedagogo. 1.1 Definindo a psicopedagogia institucional Segundo o código de ética do psicopedagogo, a Psicopedagogia é definida como [...] um campo de atuação em Educação e Saúde que se ocupa do processo de aprendizagem considerando o sujeito, a família, a escola, a sociedade e o contexto sócio-histórico, utilizando procedimentos próprios, fundamentados em diferentes referenciais teóricos (ABPP, s/d). Considerando que o psicopedagogo é o profissional que atua na identificação e na resolução de problemas relacionados ao processo de aprendizagem, a Psicopedagogia Institucional foca na aprendizagem localizada nas mais diversas instituições, seu foco, portanto, não está no desenvolvimento individual, mas nos processos de aprendizagem dos grupos que compõem a instituição. 8 Pesquise A Revista Psicopedagogia, órgão de comunicação da Associação Brasileira de Psicopedagogia, tem por objetivo publicar artigos inéditos na área de psicopedagogia. Acesse e atualize seus conhecimentos: http://www.revistapsicopedagogia.com.br. O objeto de estudo da Psicopedagogia Institucional é, portanto, o indivíduo, não como um ser isolado, mas no contexto das relações que estabelece dentro dos diferentes grupos com os quais interage. Tem como finalidade compreender o processo de aprendizagem, contribuindo para o seu desenvolvimento nos diversos âmbitos sociais em que ocorre. Psicopedagogia Institucional Fonte: http://professorreflexivo.com.br/wp-content/uploads/clinica.jpg É importante destacar que a Psicopedagogia Institucional não está relacionada somente à instituição escolar, pode atuar em hospitais, empresas, indústrias, ONGs, entre outros. http://professorreflexivo.com.br/wp-content/uploads/clinica.jpg http://professorreflexivo.com.br/wp-content/uploads/clinica.jpg 9 Para Refletir Muitas vezes, a atuação do psicopedagogo é relacionada somente ao contexto da clínica ou da escola. Mas é preciso refletir um pouco mais: se a Psicopedagogia se dedica a estudar a aprendizagem, é preciso considerar que o ser humano está constantemente aprendendo. Assim, o lócus da Psicopedagogia é todo espaço onde há aprendizagem, ou seja, em qualquer contexto de interação humana. Em todos esses contextos, o psicopedagogo pode atuar como colaborador (fazendo parte da equipe de colaboradores da instituição) ou como assessor (prestando o serviço de assessoria por determinado tempo, sem vínculo empregatício com a instituição). Enquanto colaborador, o profissional possui maior proximidade com a instituição, o que poderá facilitar sua inserção e seu acesso às diferentes instâncias organizacionais. Já enquanto assessor, o psicopedagogo possui maior flexibilidade, pois está distante o suficiente da instituição para poder analisá-la como um todo (enxergando-a “de fora”, pode assumir um olhar mais acurado sobre os processos, relações latentes e manifestas). É importante definir que os principais objetivos da atuação psicopedagógica são: a) promover a aprendizagem, contribuindo para os processos de inclusão escolar e social; b) compreender e propor ações frente às dificuldades de aprendizagem; c) realizar pesquisas científicas no campo da Psicopedagogia; d) mediar conflitos relacionados aos processos de aprendizagem. (ABPP, s/d). Cabe, especificamente ao psicopedagogo institucional, principalmente as funções de diagnóstico, orientação e intervenção. Em sua atuação, ele pode administrar conflitos e ansiedades, realizar encaminhamentos, indicar e implementar projetos de prevenção, trabalhando em conjunto com a equipe técnica da instituição. Nas instituições empresariais, o psicopedagogo pode atuar na criação, execução e coordenação de projetos, inclusive desenvolvendo e implementando 10 novas estratégias de ação e avaliação. Pode, também, direcionar-se às relações sociais dentro dos grupos, facilitando a comunicação e fomentando o desenvolvimento de habilidades interacionais que visem à melhoria da integração da equipe, com vistas ao objetivo de cada instituição e considerando o aprimoramento das relações entre o grupo e deste com a própria organização. Nas instituições de saúde, como clínicas, postos de saúde e hospitais, o psicopedagogo deve ter em mente que sua atuação visa minimizar as dificuldades de aprendizagem ocasionadas pela situação de tratamento – como é o caso, por exemplo, de crianças hospitalizadas ou de grupos de terceira idade com doenças crônicas. Nesses casos, a Psicopedagogia pode contribuir tanto facilitando o desenvolvimento de novas aprendizagens (por exemplo, o controle de uma doença crônica por meio da aquisição de novos hábitos de saúde) como também minimizando as situações que entravem ou impeçam o sujeito de aprender (por exemplo, desenvolvendo atividades lúdicas que estimulem a alfabetização de crianças em internamento prolongado). Nessa inter-relação, o psicopedagogo pode proporcionar um contexto novo e enriquecedor que oferece novos sentidos ao paciente, estimulando sua aprendizagem. Importante Visando contribuir para a apropriação do conhecimento pelo ser humano, em seu contexto cultural e histórico, a ação psicopedagógica envolve a compreensão crítica e aprofundada do processo de aprendizagem que ocorre em cada instituição, utilizando-se de um aporte teórico que subsidie sua intervenção. Dessa forma, o profissional favorece a “releitura” dos contextos institucionais, permitindo que novos sentidos sejam atribuídos à realidade da organização, favorecendo a aprendizagem do grupo como um todo. Nas instituições escolares, o psicopedagogo pode contribuir em diversas áreas, diretamente ligadas à aprendizagem. Seja auxiliando a equipe pedagógica no desenvolvimento de estratégias de ensino-aprendizagem, contribuindo para a construção de ambientes efetivamente inclusivos ou acompanhando o processo escolar de determinados grupos intitulados “problemáticos”, a contribuição do psicopedagogo é fundamental para evitar a 11 instalação e para promover a superação dos obstáculos à aprendizagem de estudantes de todas as idades e modalidades de ensino (da Educação Infantil à Educação de Jovens e Adultos). Há, ainda, a possibilidade de atuação do psicopedagogo institucional no âmbito acadêmico e científico, desenvolvendo estudos e pesquisas que contribuam à compreensão do processo de aprendizagem e também desenvolvendo materiais e instrumentos voltados àintervenção psicopedagógica sobre as dificuldades de aprendizagem, além da atuação enquanto formador de psicopedagogos como docente da área. Curiosidade O símbolo da Psicopedagogia é a fita de Möbius. É uma fita simples que tem duas superfícies distintas (uma interna e outra externa) limitadas por duas margens. Trata-se de uma superfície de duas dimensões com um lado apenas. A fita representa o olhar do psicopedagogo. As voltas estão dispostas de forma a representar a aprendizagem do indivíduo, e o círculo central representa o indivíduo em processo para a aquisição de conhecimento, chegando ao fim com mudanças perceptíveis (círculo vermelho). Em todos os contextos possíveis de atuação, é importante que o profissional psicopedagogo assuma um compromisso com sua formação e práticas, buscando manter-se sempre atualizado e primando por uma postura ética séria e embasada em fundamentação teórica consistente. Além disso, é preciso considerar as implicações emocionais do trabalho junto a grupos, que exige do psicopedagogo equilíbrio para lidar e administrar potenciais conflitos e resistências ao longo do processo. 1.2 Os enfoques terapêuticos e preventivos nas instituições Com vistas a fomentar o desenvolvimento da aprendizagem nos diversos âmbitos da atividade humana, a atuação do psicopedagogo institucional pode tanto assumir caráter preventivo como terapêutico. 12 Enquanto a prevenção visa evitar que as dificuldades de aprendizagem se instaurem, a atuação terapêutica visa a restauração dos processos de aprendizagem, auxiliando na superação dos obstáculos que dificultam ou impedem o processo de aprender. A Psicopedagogia Institucional pode atuar de forma terapêutica, agindo diretamente sobre as dificuldades de aprendizagem, com fins de superá-la. Nesse sentido, cabe ao psicopedagogo desenvolver estratégias de intervenção que levem à mobilização do grupo como um todo, considerando que a dificuldade sempre tem uma história e um contexto. Ou seja, não se pode ter uma visão reducionista que isola determinados elementos de todo o seu histórico. É preciso considerar o trajeto completo: ➢ Como essa dificuldade começou? ➢ Quais os elementos envolvidos? ➢ De que forma ela se manifesta? ➢ Quais outros elementos a compõem, mas não estão explícitos (seu conteúdo latente)? ➢ Qual o sentido dessa dificuldade para aqueles que a apresentam? Somente a partir de uma investigação contextualizada é que será possível traçar um panorama completo, a partir do qual o psicopedagogo atua não somente sobre uma dificuldade detectada, mas sobre todo o contexto de relações no qual ela se produziu, o que, certamente, promoverá uma transformação muito mais efetiva. O enfoque preventivo pode ser compreendido em três níveis: ➢ Prevenção primária: a ação visa evitar a instalação de dificuldades de aprendizagem; ➢ Prevenção secundária: embora já exista uma dificuldade de aprendizagem, suas consequências ainda não afetam globalmente o grupo, a ação visa evitar que ela se agrave; 13 ➢ Prevenção terciária: ação sobre uma dificuldade de aprendizagem que obstaculariza de forma grave ou impede a aprendizagem. Tanto no enfoque preventivo como no terapêutico, o psicopedagogo precisa realizar uma avaliação diagnóstica psicopedagógica que considere o contexto atual e histórico da situação, elaborando e implementando uma intervenção psicopedagógica de acordo com os objetivos estabelecidos, conforme as dificuldades percebidas. 1.3 A importância dos contextos para a aprendizagem Para promover transformações efetivas nos contextos de aprendizagem, é preciso compreender o ser humano como um todo. Contextos relacionais de aprendizagem Fonte: elaborado pelo autor (2019). O psicopedagogo precisa dirigir seu olhar para o sujeito/grupo que aprende, considerando que as aprendizagens são constituídas a partir das experiências singulares de cada sujeito: suas vivências emocionais, as formas 14 como aprendeu a se relacionar, as experiências pelas quais passou no decorrer de sua vida, as pessoas com quem interagiu, entre outras possibilidades. Dessa forma, o olhar psicopedagógico não pode ser reducionista, mas precisa considerar o indivíduo em todo o contexto relacional. É preciso considerar que a aprendizagem é possível para toda e qualquer pessoa, nesse sentido, sempre é possível desenvolver novas estratégias que possibilitem essa aproximação dos sujeitos e grupos ao processo de aprender. É fundamental considerar, para além dos contextos imediatos de relação (por exemplo, a comunidade na qual determinada instituição se localiza), a influência que a cultura exerce sobre as formas como compreendemos e nos apropriamos de nossa realidade. Esse aspecto é especialmente importante nos casos de instituições cujos membros provêm de contextos extremamente diversos (por exemplo, empresas com colaboradores estrangeiros ou hospitais nos quais são atendidas pessoas de diversos estados), pois o conflito de vivências e estilos diversos de aprendizagem pode acarretar situações que só podem ser compreendidas e intermediadas quando se leva em consideração seu contexto histórico e cultural. Amplie Seus Estudos SUGESTÃO DE LEITURA Leia a obra A instituição que aprende sob o olhar da Psicopedagogia, de autoria de Laura Monte Serrat Barbosa, Simone Carlberg, Isabel Parolin e Evelise Maria Labatut Portilho. Neste livro, as renomadas profissionais da Psicopedagogia brasileira discutem importantes questões acerca do papel e das contribuições do psicopedagogo no contexto das instituições. 1.4 Obstáculos à aprendizagem Na atuação no contexto institucional, o psicopedagogo precisa estar atento a possíveis obstáculos que dificultem e/ou impeçam o desenvolvimento do processo de aprendizagem. 15 Jorge Visca indica três tipos de obstáculos. O obstáculo epistêmico se refere à estrutura cognitiva; o obstáculo epistemofílico se refere a impedimentos de ordem afetiva (vínculo negativo com a aprendizagem); e o obstáculo funcional diz respeito ao funcionamento como um todo. Saiba Mais Jorge Visca (1935-2000) foi um psicólogo argentino, graduado também em Ciências da Educação. Fundou o Centro de Estudos Psicopedagógicos de Buenos Aires, no Brasil, nas cidades do Rio de Janeiro, Curitiba e Salvador. Grande nome da Psicopedagogia, é o criador da Epistemologia Convergente, abordagem psicopedagógica que, como o próprio nome revela, converge abordagens de três campos distintos: a Psicogenética de Jean Piaget, a Psicanálise de Sigmund Freud e a Psicologia Social de Enrique Pichon-Rivière. Considerando que o foco da Psicopedagogia Institucional são os grupos (e não os indivíduos isoladamente), cabe ao profissional estar atento a diversos fatores que podem obstacularizar a aprendizagem. Desse modo, considerando especificamente o contexto das instituições, podemos identificar os seguintes obstáculos institucionais: ➢ Obstáculo epistêmico: refere-se ao conhecimento, ou, em outras palavras, ao desconhecimento ou falta de aprofundamento em determinado tema, que compromete a aprendizagem; ➢ Obstáculo interacional: relaciona-se à vinculação afetiva e à interação entre os diferentes agentes da instituição; ➢ Obstáculo funcional: refere-se ao funcionamento geral da instituição, incluindo a comunicação entre os diversos setores e a participação da comunidade; ➢ Obstáculo estrutural: relaciona-se à organização da instituição, como um todo (organograma, estrutura hierárquica, entre outros). 16 Na atuação institucional, o psicopedagogo precisa considerar as relações que se estabelecem dentro dos grupos e entre eles (como cada grupo se relaciona com a instituição como um todo). Nesse sentido, deve estar atento tanto às relações dinâmicas (ações)como às temáticas (discursos), evidenciadas em cada grupo. A identificação dos obstáculos é fundamental para que o psicopedagogo possa traçar uma estratégia de intervenção com vistas a superar as dificuldades de aprendizagem institucionais. Para isso, ele deve analisar as formas como cada grupo aprende dentro da instituição, considerando em que contexto emergem as principais dificuldades. Converse Com Seus Colegas Reflita sobre o contexto da instituição escolar como campo de atuação para o psicopedagogo. Considerando suas experiências e a de seus colegas, discutam quais obstáculos à aprendizagem costumam ser mais evidenciados na prática educacional e como a Psicopedagogia pode contribuir à sua superação. Como vimos, há muitas possibilidades para a atuação do psicopedagogo institucional. Embora a mais comum seja dentro de escolas, as necessidades de aprendizagem também se manifestam nos mais diversos locais onde ocorre o desenvolvimento humano, tais como em hospitais, empresas, órgãos governamentais e ONGs. Em cada um desses âmbitos, cabe ao psicopedagogo estar sempre atualizado e atuar de forma ética e crítica, visando o bem-estar dos sujeitos e a promoção de contextos de aprendizagem saudáveis e significativos. O processo de diagnóstico e intervenção psicopedagógica sempre deve considerar o contexto em que se dão as relações, sendo pautado em uma compreensão histórica e cultural da instituição enquanto grupo que aprende. 17 Ví deo O filme indiano Como estrelas na Terra – toda criança é especial (2007) conta a história do menino Ishaan Awasthi, que sofre preconceito e discriminação por ser disléxico. O destino do menino começa a mudar quando o professor de artes Nikumbh descobre a razão de sua dificuldade de aprendizagem e começa a motivá- lo em um processo que mudará a sua vida. O filme permite refletir acerca da compreensão do sujeito que aprende como um ser integral, em todos os seus aspectos, muito além da escola. Além disso, revela a importância do estabelecimento de vínculos afetivos como elementos promotores do desenvolvimento e da superação das dificuldades em todos os contextos de aprendizagem. Por fim, cabe ressaltar que a práxis psicopedagógica é um processo em permanente construção. Para além da formação acadêmica, o profissional que pretende atuar na área da Psicopedagogia deve comprometer-se com um processo de formação contínua, que envolve não somente seus aspectos cognitivos (busca por constante atualização por meio de leituras e formações, troca de saberes com outros profissionais da área, entre outros), mas também emocionais. Nesse sentido, deve estar disposto a envolver-se com o processo constante de aprender e reaprender, estando aberto para compreender novas formas de interação e de apreensão que os diversos grupos podem apresentar. Assim, mais do que o detentor de um saber de uma área específica, o psicopedagogo deve ser um profissional que reflete criticamente e se relaciona aberta e profundamente com o ser humano, naquilo que lhe é mais específico, a capacidade de aprender, tornar-se consciente e, constantemente, transformar a si mesmo e à sua própria realidade. Conclusão da aula 1 Nesta aula abordamos as principais características da Psicopedagogia Institucional, descrevendo suas atribuições e considerando suas diversas possibilidades de atuação nos enfoques terapêutico e preventivo. 18 Destacamos a importância de compreender os processos de aprendizagem do grupo institucional em seu contexto, bem como refletimos sobre a importância de detectar os obstáculos à aprendizagem manifestados na instituição, para que o processo de intervenção e mudança seja possível. Atividade de Aprendizagem É muito comum atribuir a ação do psicopedagogo somente à intervenção individual ou à escola, mas essas não são suas únicas possibilidades de atuação. Cite outros dois contextos nos quais a Psicopedagogia Institucional pode se inserir e explique qual a sua função nesses ambientes. Aula 2 – Diagnóstico psicopedagógico institucional: passos iniciais Apresentação da aula 2 A atuação do psicopedagogo institucional difere da atuação clínica em muitos aspectos, não somente relacionados ao destinatário e aos seus objetivos, mas também em relação a instrumentos e técnicas de avaliação e intervenção. Por isso, é fundamental conhecer as particularidades da atuação do profissional da Psicopedagogia no campo das mais diversas instituições. Nesta aula, apresentaremos o modelo de avaliação e intervenção diagnóstica institucional conforme os referenciais da Epistemologia Convergente, destacando o uso da Entrevista Operativa Centrada na Modalidade de Ensino Aprendizagem (EOCMEA) como estratégia essencial para a ação do psicopedagogo institucional. Para compreender a utilização da EOCMEA, discutiremos também o conceito e a aplicação dos Grupos Operativos, tal como delineados por Pichon-Rivière. 19 2.1 Psicopedagogia institucional e a epistemologia convergente Diferentemente da Clínica, a Psicopedagogia Institucional dirige seu olhar para o grupo que aprende (seu foco), portanto, reside sobre a aprendizagem de determinados grupos dentro de uma instituição. Para esse fim, o psicopedagogo pode utilizar diversos instrumentos já existentes e inclusive criados por ele, se assim for necessário, no intuito de contribuir à prevenção ou à superação dos obstáculos de aprendizagem, conforme os objetivos de sua atuação. O diagnóstico psicopedagógico se diferencia dos demais (p. ex., diagnóstico pedagógico ou psicológico) pois seu objeto é especificamente a dificuldade de aprendizagem. Nesse sentido, estrutura-se na matriz do pensamento e do processo diagnóstico em três distintas partes: o diagnóstico, o prognóstico e as indicações. Sob o modelo psicopedagógico da Epistemologia Convergente, de Jorge Visca, compreende-se que a avaliação diagnóstica psicopedagógica é um processo que exige a atuação comprometida e sensível do profissional, cuja observação permitirá perceber aspectos explícitos (manifestos) e implícitos (latentes) das relações do grupo, por meio da investigação de sua interação dinâmica e temática. Saiba Mais A Epistemologia Convergente fundamenta-se na intersecção dos saberes de três áreas: a Psicologia Genética, a Psicanálise e a Psicologia Social. Segundo seu criador, Jorge Visca, os passos básicos de um diagnóstico psicopedagógico baseado nesse modelo incluem o enquadramento (definição dos elementos de atuação), o contrato (efetivação do enquadramento), o diagnóstico (investigação das causas históricas e a-históricas que obstacularizam a aprendizagem), a nosologia (investigação das rotas de aprendizagem e dificuldades inerentes ao sujeito) e o processo corretor (intervenção sobre a dificuldade de aprendizagem). A partir da definição das principais etapas do diagnóstico psicopedagógico na Epistemologia Convergente, pode-se definir um modelo para atuação no âmbito institucional: 20 1. Queixa, enquadramento, contrato; 2. EOCMEA; 3. Primeiro sistema de hipóteses; 4. Seleção dos instrumentos de pesquisa; 5. Segundo sistema de hipóteses; 6. Seleção dos instrumentos de pesquisa complementares (se necessário); 7. Linha de pesquisa para a anamnese; 8. Informações complementares; 9. Terceiro sistema de hipóteses ou hipótese diagnóstica com indicações e prognóstico; 10. Devolutiva; 11. Informe psicopedagógico. Cada uma dessas etapas será detalhada na sequência. 2.2 Elementos iniciais: queixa, contrato e enquadramento O trabalho psicopedagógico nas instituições inicia-se a partir de uma queixa, expressa por um representante da instituição. Geralmente essa queixa se refere a um subgrupo específico, identificado como o depositário da problemática da instituição naquele momento.É a partir desse subgrupo, portanto, que o psicopedagogo pode iniciar seu trabalho, considerando-o como o atual portador dos sintomas da instituição. A queixa é a expressão de uma dificuldade da instituição e deve nortear a ação inicial do psicopedagogo. Por isso, é fundamental conhecer primeiramente a queixa e só depois iniciar o planejamento de instrumentos e técnicas, com o fim de explorá- la. É preciso destacar, no entanto, que nem sempre a queixa é única (se refere a uma única dificuldade ou grupo). Nesses casos, caberá ao psicopedagogo ser sensível para analisar o contexto institucional em suas 21 particularidades e compreender seu contexto atual, escolhendo o melhor caminho para iniciar o processo diagnóstico. O enquadramento (ou enquadre) tem a função de encerrar um marco, ou seja, delimitar o perímetro de ação. Ele estabelece, portanto, os limites do trabalho a ser desenvolvido, por meio da delimitação de alguns elementos, como: ➢ Local, frequência e duração dos encontros; ➢ Proposta de intervenção; ➢ Honorários; ➢ Combinados quanto a pausas e interrupções (férias, feriados, entre outros). O enquadre delimita as formas como o psicopedagogo irá atuar naquele contexto específico, ou seja, define o esquema conceitual e referencial com o qual vai operar (o ECRO), conforme delimitado por Pichón-Rivière. Saiba Mais Enrique Pichón-Rivière (1907-1977) foi um psiquiatra e psicanalista que nasceu na Suíça mas viveu na Argentina desde os três anos de idade. Sua contribuição é fundamental para a compreensão dos grupos sob os referenciais da Psicanálise e da Psicologia Social. Desenvolveu a teoria e técnica dos Grupos Operativos e o importante conceito de ECRO (Esquema Conceitual Referencial e Operativo), amplamente utilizado no campo da Psicopedagogia. É importante destacar que, quando as variáveis do enquadre são apropriadas pelo psicopedagogo (compreendidas e internalizadas) passam a constituir seu “eu profissional”, que configura a base do vínculo cognitivo-afetivo de seu ofício, ou seja, constitui a sua identidade profissional. O contrato é o documento que registra as variáveis delimitadas no enquadre inicial. Garante, assim, o acordo estabelecido tanto para o psicopedagogo quanto para seu cliente (a instituição), assegurando o cumprimento do enquadramento. 22 De acordo com Visca, os contratos podem ser classificados sob diversas categorias, como: ➢ De diagnóstico ou de tratamento; ➢ Individuais ou grupais; ➢ Conforme sua duração (de tempo não delimitado, de tempo limitado propriamente dito ou de tempo limitado em função de uma necessidade ou limitação específica do sujeito/grupo). O cumprimento do contrato vai além de uma mera formalidade burocrática: é um elemento que pode revelar as resistências do grupo/instituição, tanto direcionadas ao processo psicopedagógico como ao próprio profissional. Dentre as resistências mais comumente encontradas, pode-se citar: ➢ A exigência de que o psicopedagogo seja um professor ou um psicólogo; ➢ A exigência que o trabalho seja realizado em um tempo menor (menos encontros devido às “demandas de trabalho” do grupo ou ao custo financeiro) ou mesmo maior (para “dar conta de todos os problemas” da instituição); ➢ O descumprimento do acordo devido a motivos diversos (solicitação da mudança do dia dos encontros, faltas ou atrasos sucessivos dos participantes, interrupções não programadas do processo, entre outros). O psicopedagogo precisa estar preparado para lidar com essas situações e identificar as possíveis resistências (que muitas vezes não são verbalizadas explicitamente pelo grupo), agindo de forma segura e clara para garantir o desenvolvimento do processo. Deve também, obviamente, ser profissional e ético para não descumprir, as regras do contrato inicial, comprometendo o vínculo estabelecido com o grupo e o desenvolvimento da atividade. 23 Importante Segundo Pichon-Rivière, os grupos estabelecem uma dinâmica própria, que ultrapassa a simples soma das características individuais de seus membros. Dentro de um grupo pode-se perceber a presença de distintos papéis, cujas funções variam conforme as demandas grupais e seu contexto de ação. Dentre os papéis mais comumente encontrados Pichon-Riviêre destaca: ➢ O porta-voz: assume um papel de destaque, expressando as ansiedades do grupo. Essa expressão pode ocorrer de diferentes formas, tanto por meio do relato verbal como também de ações, de grandes pausas e do silêncio; ➢ O bode expiatório: também é o depositário das ansiedades do grupo, mas em um outro extremo, sendo culpado pelos fracassos do grupo; ➢ O sabotador: é o depositário das forças de resistência do grupo, conspirando contra a realização da tarefa e podendo promover a segregação do grupo; ➢ O bobo: também revela as ansiedades do grupo e certa resistência à tarefa, infantilizando as situações e dispersando o foco principal do trabalho grupal. No trabalho institucional, o psicopedagogo deve estar atento às dinâmicas funcionais desde seus primeiros contatos na instituição, identificando a existência dos diferentes papéis nos grupos e sua função nos diversos momentos da intervenção. Visca (2000) apresenta, como exemplo, os elementos que utilizou para estabelecer o contrato em instituições hospitalares infantis (trabalho com crianças em internamento hospitalar). Obviamente, não se trata de um modelo fixo, mas o exemplo pode esclarecer a necessidade da definição dos elementos principais de um contrato psicopedagógico: 1. Objetivo da intervenção psicopedagógica; 2. Data de início; 3. Data de término; 24 4. Interrupções combinadas (férias, feriados etc.); 5. Tempo de espera do profissional em cada sessão (período de tolerância para atrasos); 6. Número mínimo de membros para que o grupo comece a funcionar; 7. Número de faltas permitidas sem aviso; 8. Número de faltas totais; 9. Datas de reunião com os pais; 10. Condições para um posterior recontrato, no caso de ser necessária a continuidade do trabalho após o período pré-estabelecido. Obviamente, não se trata de um modelo rígido, mas o exemplo pode esclarecer a necessidade da definição dos elementos principais de um contrato psicopedagógico. É importante destacar que, independentemente do valor cobrado (seja ofertado gratuitamente aos participantes, financiado pela instituição ou com a cobrança de um valor social, por exemplo), o fundamental não é o valor, mas o respeito às normas e combinados estabelecidos entre o grupo. 2.3 Entrevista operativa centrada na modalidade de ensino-aprendizagem (EOCMEA) Fundamentada no modelo da EOCA (Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem), utilizado no contexto clínico, a psicopedagoga Simone Carlberg propõe a utilização da EOCMEA no âmbito institucional. Importante A EOCMEA tem como objetivo identificar como um grupo de pessoas de uma instituição aprende e entende a aprendizagem. As estratégias são específicas para avaliação coletiva, sugerindo participação direta de três componentes com funções específicas: o coordenador, o observador da temática e o observador da dinâmica, que integram seus registros para auxiliar na composição da avaliação diagnóstica (MACHADO; GHILARDI, 2019, p. 79). 25 A ideia principal na EOCMEA é compreender como o grupo aprende, identificando seus estilos de interação e de aprendizagem enquanto grupo, ou seja, no coletivo da instituição. Enquanto na clínica a EOCA é tradicionalmente aplicada por um profissional, a EOCMEA é aplicada por um grupo de três profissionais na instituição, devido à quantidade maior de participantes (por se tratar, ao invés de um único indivíduo ou de um grupo). A ideia da atuação em trio coaduna-se com o modelo de aplicação dos Grupos Operativos, conforme idealizadopor Pichon-Rivière. A aplicação da EOCMEA consiste na proposição da realização de uma tarefa, que deve ser realizada por todo o grupo. A consigna deve deixar claro ao grupo que o objetivo da tarefa é conhecê-los, conhecer o que sabem e o que aprenderam (foco na aprendizagem). Para isso, o psicopedagogo precisa selecionar uma determinada tarefa e preparar previamente os materiais necessários à sua realização, considerando a quantidade de participantes do grupo. O cuidado do profissional deverá abranger, portanto, desde a consigna (o enunciado, a forma como apresenta a tarefa ao grupo) até o preparo do material de trabalho. Isso exige uma escolha intencional e cuidadosa, pois esses elementos auxiliam a perceber os estilos de aprendizagem do grupo e também suas resistências. Por exemplo, a separação de determinados materiais em quantidade inferior ao número de participantes pode evidenciar formas como o grupo compartilha ou lida com a situação da falta. Saiba Mais Na EOCMEA, a tarefa é realizada coletivamente e parte de uma consigna, que também pode ser oral, mas que funciona melhor se for escrita, pois, como se trata de um grupo, este pode consultá-la quantas vezes necessitar sem gerar um grau de dependência muito alto em relação à equipe de coordenação (BARBOSA; CARLBERG, 2014, p. 59). Todas as informações levantadas durante a aplicação da EOCMEA, bem como o resultado da produção do grupo, são analisadas pela equipe de coordenação (o trio de profissionais), para que seja possível levantar o primeiro sistema de hipóteses, a partir do qual selecionam-se os instrumentos de pesquisa para a sequência do processo diagnóstico psicopedagógico. 26 É importante frisar que os três profissionais envolvidos na aplicação da EOCMEA, embora possuam papéis diferentes, devem atuar como uma equipe coesa, sem hierarquia. Para compreender melhor esse trabalho, sistematizado a partir dos referenciais da Epistemologia Convergente, precisamos conhecer como a EOCMEA utiliza os Grupos Operativos. 2.4 Aplicação da EOCMEA: os grupos operativos A aplicação da EOCMEA, conforme a proposta da Epistemologia Convergente, vincula-se ao desenvolvimento dos grupos operativos. O grupo operativo tem sua função direcionada à execução de uma tarefa. Essa técnica evidencia as formas como os indivíduos se relacionam dentro do grupo e como esse grupo aprende e atua sobre a realidade. Em outras palavras, podemos dizer que o grupo operativo permite conhecer seu ECRO (esquema conceitual referencial operativo). Devido a essa característica, de permitir a compreensão da dinâmica de funcionamento dos grupos, sua aplicação é indicada para a avaliação diagnóstica psicopedagógica em contextos institucionais. Pesquise Aprofunde seus conhecimentos sobre o conceito de ECRO. Leia o artigo O Esquema conceitual, referencial e operativo (ECRO), de Enrique Pichon-Rivière, de Isabel Cristina Carniel e Marco Antonio de Castro Figueiredo. Acesse o link: http://estacioribeirao.com.br/revistacientifica/arquivos/revist a11/13.pdf Os elementos principais, no grupo operativo, são o vínculo (a forma como o grupo relaciona-se entre si, com a tarefa e com os profissionais) e a tarefa (a proposta apresentada, cuja execução deve ser realizada pelo conjunto do grupo). O Grupo Operativo busca revelar os elementos implícitos na relação de aprendizagem, ou seja, tornar manifesto o que está latente. Essa tomada de consciência é que permitirá ao grupo vencer as resistências e superar os 27 obstáculos, acarretando um processo de mudança que resulta em aprendizagem e desenvolvimento. O Grupo Operativo envolve três etapas distintas: ➢ Pré-tarefa: são as atividades que precedem a tarefa. Envolve a organização do grupo para a realização da tarefa proposta; ➢ Tarefa: é a realização da atividade propriamente dita. Inclui a tarefa explícita (aquela que está sendo desenvolvida concretamente, de modo consciente) e a implícita (que envolve os processos que não estão conscientes ao grupo no momento do trabalho); ➢ Projeto: é o objetivo da tarefa, a construção de um planejamento para o futuro do grupo. Surge após a conclusão da tarefa, após a reflexão sobre o trabalho realizado. Trata-se, portanto, do levantamento de estratégias de ação que propiciem ao grupo superar os obstáculos identificados, o que só é possível quando o grupo reflete e toma consciência de seus processos relacionais de aprendizagem, ou seja, quando atinge a operatividade. Saiba Mais Na concepção de Pichon-Rivière, o grupo apresenta-se como o principal instrumento de transformação da realidade. A mudança, que é o objetivo primordial de todo grupo em tarefa, envolve um processo gradativo, no qual os integrantes do grupo passam a assumir diferentes papéis e posições frente à tarefa grupal. O momento da pré-tarefa é caracterizado pelas resistências dos integrantes do grupo ao contato com os outros e consigo mesmo, na medida em que o novo e o grupo geram ansiedade e medo, medo de perder o próprio referencial, de se deparar com algo que possa surpreender e por sua vez suspender suas velhas e cômodas certezas acerca de si e do mundo. A partir do momento em que é possível elaborar as ansiedades básicas, romper com as estereotipias, abrir-se para o novo e o desconhecido, pode-se dizer que o grupo está em tarefa. A tarefa é a trajetória que o grupo percorre para atingir seus objetivos; relaciona-se ao modo como cada integrante interage a partir de suas próprias necessidades e fantasias. Compartilhar essas necessidades e fantasias em torno dos 28 objetivos comuns do grupo pressupõe flexibilidade, descentramento e perspectiva de abertura para o novo. Quando o grupo aprende a problematizar as dificuldades que emergem no momento da realização de seus objetivos, pode-se dizer que ele entrou em tarefa, pois a elaboração de um projeto comum já é possível e esse grupo pode passar a operar um projeto de mudanças. Fonte: https://www.revistaeducacao.com.br/pichon-riviere- aprender-em-grupo/. Durante a realização da tarefa, o psicopedagogo deve estar atento à forma como o grupo se organiza para realizar a tarefa, percebendo também os diferentes papéis que alguns membros assumem dentro do grupo. Como a ação ocorre de forma constante e entre várias pessoas, a proposta do ECRO deve ser realizada não por um profissional, mas por uma equipe de três pessoas: ➢ O coordenador, que é o porta-voz da equipe (apresenta a consigna e faz as intervenções junto ao grupo); ➢ O observador de temática (atento aos discursos verbais); ➢ O observador de dinâmica (atento às informações não-verbais que circulam no grupo durante a tarefa). Pode haver ainda um quarto papel, do observador do coordenador (cuja função é analisar as pontuações e interações do coordenador com o grupo). Cada um dos observadores deve realizar registros por escrito durante a realização da tarefa. Forma-se, assim, uma equipe de coordenação com papéis definidos entre si, mas sem hierarquia interna. A equipe de coordenação deve ser coesa e desenvolver a habilidade de trabalhar juntos, em prol da operatividade do grupo. Durante o grupo operativo, o psicopedagogo deve estar atento sempre ao desenvolvimento da atividade como um todo, o que inclui tanto as temáticas abordadas (o que é falado pelo grupo) como também sua dinâmica (todas as informações não-verbais: gestual, proximidade ou distância física entre os membros, modo de utilização dos materiais, entre outros). 29 Pela profundidade e riqueza de conteúdos que permitem revelar é que o grupo operativo é indicado para ser utilizado como instrumento para a realização da entrevista Centrada na Modalidade de Ensino-Aprendizagem do grupo (a EOCMEA). De forma resumida, podemos então apontar que o trio de profissionais selecionará uma tarefa pertinente aogrupo, de acordo com a queixa inicial. A tarefa deve ser realizada conjuntamente pelo grupo e, após sua finalização, todos sentam em círculo para refletir sobre o processo. Os observadores apenas registram suas observações, para um momento posterior de análise do trio de coordenação. Nesse momento, cabe ao coordenador interagir com o grupo, estimulando a participação e fazendo pontuações que visem explorar a queixa. Deve, no entanto, ser sensível para manter o bom funcionamento do grupo (evitar o excesso de participação de alguns em detrimento da ausência de espaço para outros, conduzir os comentários para que não haja ofensas pessoais, entre outros). Importante Após as observações iniciais da instituição e da realização da EOCMEA, o trio psicopedagógico pode então refletir acerca dos achados, nesse momento, as pontuações dos observadores de temática e dinâmica são fundamentais para ampliar o contexto de compreensão do grupo. É a partir dessa análise que será possível aventar as primeiras possibilidades interventivas, configurando, assim, o primeiro sistema de hipóteses. A utilização do grupo operativo como instrumento da EOCMEA é uma possibilidade bastante utilizada, segundo o modelo da Epistemologia Convergente. Entretanto, o psicopedagogo pode se valer de outros recursos e técnicas para iniciar o diagnóstico psicopedagógico, mas é fundamental que a seleção das estratégias esteja relacionada à queixa inicial da instituição e também fundamentada em referenciais teóricos que permitam sua análise. A estruturação do primeiro sistema de hipóteses norteará as próximas ações do psicopedagogo. É justamente com vistas a investigar essas hipóteses que devem ser selecionados os instrumentos de pesquisa, o próximo passo do diagnóstico. 30 Ví deo Assista ao curta-metragem Cuerdas, de Pedro Solís García. A animação narra a amizade entre Maria e Nicolás, seu novo colega de escola com paralisia cerebral. A história mostra que as dificuldades podem ser superadas com criatividade e vontade. Sob o ângulo da Psicopedagogia, podemos refletir sobre a importância do desenvolvimento dos vínculos afetivos dentro da instituição escolar, revelando o quanto esses vínculos atuam sobre os processos de aprendizagem e sobre o desenvolvimento de cada criança. A avaliação psicopedagógica institucional distancia-se do modelo tradicionalmente pensado para a intervenção clínica, cujo foco reside em um único sujeito. Dentro das escolas, empresas, hospitais e em qualquer tipo de organização, a ação do psicopedagogo visa compreender o modo como o grupo aprende, auxiliando-o a evitar ou superar as dificuldades existentes. Para esse fim, a Psicopedagogia Institucional pode se valer da adaptação de alguns instrumentos habitualmente utilizados no contexto clínico, como é o caso da EOCMEA, cuja aplicação permite, por meio da realização de uma tarefa, analisar as relações dos membros do grupo entre si, com a instituição e com o processo de aprendizagem de forma geral. Conclusão da aula 2 Nesta aula, abordamos o diagnóstico psicopedagógico institucional sob o referencial teórico-metodológico da Epistemologia Convergente. Com base nesse modelo, apresentamos a Entrevista Operativa Centrada no Modelo de Ensino-Aprendizagem (EOCMEA) como estratégia de investigação diagnóstica inicial nos grupos institucionais, a partir da qual o psicopedagogo pode aventar as primeiras hipóteses acerca das dificuldades da instituição. Conhecemos também a proposta dos Grupos Operativos de Pichon- Rivière, cuja aplicação integra-se ao diagnóstico realizado por meio da EOCMEA. 31 Por fim, dirigimos nosso olhar ao contexto escolar, lócus frequente de atuação do psicopedagogo institucional, abordando algumas características específicas a esse contexto. Atividade de Aprendizagem No contexto institucional, se faz necessária a adaptação de alguns instrumentos utilizados no âmbito clínico. Considerando essa diferenciação entre os locais de atuação, explique com suas palavras quais as principais características do processo psicodiagnóstico institucional. A aplicação da EOCMEA utiliza-se do modelo do Grupo Operativo, desenvolvido por Pichon-Rivière. Como o conceito dos grupos operativos pode contribuir no processo de diagnóstico do psicopedagogo institucional? Aula 3 – Diagnóstico psicopedagógico institucional: sistemas de hipóteses e seleção de instrumentos Apresentação da aula 3 Na aula anterior abordamos o início do processo de diagnóstico psicopedagógico dentro das instituições. Dando continuidade a esse tema, é preciso compreender como são elaborados os sistemas de hipóteses e de que forma eles norteiam o processo de seleção de instrumentos, que culminará no diagnóstico institucional. Nesta aula será abordada a formulação dos sistemas de hipóteses, dentro do diagnóstico psicopedagógico institucional. Acompanharemos como esse processo se desenvolve e, por meio da aplicação de diferentes instrumentos e técnicas, conduz o profissional à elaboração da hipótese diagnóstica sobre a dificuldade apresentada pela instituição. 32 3.1 Os sistemas de hipóteses no processo de avaliação diagnóstica A elaboração dos sistemas de hipóteses, conforme o próprio termo revela, indica hipóteses que o psicopedagogo vai aventando a respeito das dificuldades de aprendizagem manifestas pelo grupo. Em função dessas hipóteses, ele vai escolhendo instrumentos que possam comprová-las ou não. Ou seja, o primeiro sistema de hipóteses constitui uma primeira aproximação, que deve ser aperfeiçoada mediante sua confirmação, ou não. Por isso, em função dos resultados alcançados no decorrer da intervenção, essas hipóteses podem ser comprovadas ou refutadas, redirecionando o processo interventivo, por isso todo o processo de diagnóstico psicopedagógico, segundo o modelo da Epistemologia Convergente, envolve 3 sistemas de hipóteses. Conforme já apresentado anteriormente, esses sistemas localizam-se ao longo do processo de avaliação diagnóstica: Sistemas de hipóteses na avaliação psicopedagógica Fonte: elaborado pelo autor (2019). 33 A partir da queixa inicial relatada pelo representante da instituição (em geral o contratante), o psicopedagogo aplica a EOCMEA (atividade na qual propõe a realização de uma tarefa pelo grupo). Após sua aplicação e com base na análise dos registros (realizados pelos coordenadores de temática e dinâmica) e do produto (o resultado da tarefa grupal), a equipe de coordenação pode, então, aventar o primeiro sistema de hipóteses e, para comprová-lo, seleciona alguns instrumentos de pesquisa. É importante destacar que os instrumentos de pesquisa utilizados na clínica psicopedagógica, em sua maioria, não se aplicam no contexto institucional, pois enquanto a clínica visa o funcionamento do sujeito, o diagnóstico nas instituições volta-se para as rotas e dificuldades de aprendizagem do grupo. Importante A verificação do primeiro sistema de hipóteses obtido como resultado da aplicação da EOCMEA evita o uso desnecessário ou excessivo de técnicas e materiais que acabem não atendendo aos objetivos da intervenção, contribuindo para que o processo seja de fato efetivo. Dessa forma, segundo o modelo proposto por Visca, não há um roteiro fixo preestabelecido de instrumentos; ao contrário, muitas vezes são necessários instrumentos diferentes e até mesmo a criação de novas estratégias que permitam investigar as hipóteses aventadas durante a investigação. Após a aplicação dos instrumentos de pesquisa, novamente a equipe de profissionais se reúne, revisa os achados que obteve até então e discute os resultados, tendo sempre como referencial a queixa inicial expressa pela instituição. Nesse momento, elabora-se o segundo sistema de hipóteses (que pode, inclusive, ser a confirmação do primeirosistema ou sua ampliação, a partir dos novos dados levantados por meio da intervenção). Uma nova coleta de dados pode ser realizada, com o intuito de complementar as informações obtidas durante o processo diagnóstico. Esse processo é importante para assegurar que as hipóteses aventadas pelo psicopedagogo sejam fundamentadas em diversas fontes de informações, 34 coletadas em diferentes momentos dentro da instituição, respaldando, assim, sua avaliação. Dessa forma, obtém-se o terceiro sistema de hipóteses, que apresenta a hipótese diagnóstica à qual o psicopedagogo chegou após realizar diversas interações com o grupo institucional. A partir desses dados, que expressam o resultado final do diagnóstico da instituição, cabe então proceder a entrevista devolutiva (comunicação dos achados do processo de avaliação) e realizar o informe psicopedagógico (documento escrito e detalhando a avaliação diagnóstica). No contexto psicopedagógico, o grupo é compreendido como unidade de funcionamento que expressa os conflitos e ansiedades de toda a instituição. Nesse sentido, ele é qualitativamente diferente da mera união de diversos indivíduos, pois a ação no interior do grupo não se refere ao sujeito isolado, mas à forma como ele interage e se relaciona com os demais em determinado tempo e espaço. 3.2 Seleção e planejamento dos instrumentos Outros recursos e instrumentos podem ser necessários para complementar as informações obtidas na EOCMEA. A escolha desses instrumentos varia, conforme os objetivos da avaliação e as especificidades do grupo. Lembrando sempre que o processo é norteado pela queixa inicial e guiado pelos sistemas de hipóteses aventados pelo profissional psicopedagogo: nesse sentido, a utilização de qualquer instrumento visa sempre a confirmação ou refutação dessas hipóteses, com vistas a traçar o perfil de aprendizagem e identificar as dificuldades do grupo institucional. Sendo assim, para além da utilização das mais diversas dinâmicas e, inclusive, da criação de atividades conforme o perfil de cada grupo cuja execução consiste na realização de uma tarefa em grupo (EOCMEA), discutida e avaliada na sequência pelo próprio coletivo (o grupo operativo). O psicopedagogo institucional pode se valer também de outras formas para obter mais informações acerca dos subgrupos da instituição e das relações que ocorrem naquele contexto. Alguns exemplos desses instrumentos são: 35 ➢ Pesquisa documental: consulta a documentos diversos da instituição que permitam compreender seu histórico, estrutura e funcionamento, em detrimento da queixa atual. Pode incluir a análise de diversos tipos de documentos, desde os que delimitam a estrutura funcional da instituição (por exemplo, o Projeto Político Pedagógico de uma escola) até mesmo materiais destinados ao marketing institucional, como panfletos e consulta ao site da empresa/organização; ➢ Observação: possibilitam ampliar o olhar do psicopedagogo acerca dos fenômenos que ocorrem dentro da instituição. Com fins de complementar o processo diagnóstico, deve ser adequadamente sistematizada e registrada. É importante que o profissional procure realizar as observações de forma ampla, abrangendo todo o desenvolvimento das atividades da instituição conforme o objeto de investigação (exemplo: observar diferentes grupos e o mesmo grupo em diferentes momentos e tarefas); ➢ Questionário: pode auxiliar a esclarecer questões às quais o psicopedagogo não tem acesso diretamente, bem como auxiliar no processo diagnóstico quando se trata de instituições muito grandes ou com grande número de colaboradores. Os cuidados com o sigilo (não identificar os participantes para garantir o anonimato), com a abrangência (possibilitar a participação do maior número de colaboradores possível) e com a não contaminação do instrumento (realizar os questionários na mesma data, para que as respostas dos colaboradores não interfiram sobre as respostas de outros) são muito importantes nesse processo. Cabe lembrar que só devem ser investigados os dados que serão utilizados no processo diagnóstico e que sua interpretação demanda um processo de análise sério e bem desenvolvido; ➢ Sociograma: é um instrumento que evidencia as relações internas e os papéis ocupados naquele momento em um grupo. De forma 36 sigilosa, o psicopedagogo propõe a cada participante que nomeie outros membros do grupo segundo determinadas características: com quem gostaria de se relacionar para além do ambiente profissional, com quem não gostaria de trabalhar, entre outros. Por isso, é importante que sua aplicação seja realizada em grupos que já possuem vínculo anterior, nos quais as pessoas já se conhecem e estão acostumadas a trabalhar juntas. Amplie Seus Estudos SUGESTÃO DE LEITURA Complemente seus conhecimentos acerca dos instrumentos de avaliação do psicopedagogo institucional e outras práticas realizadas nesse contexto de ação. Leia a obra Prática psicopedagógica institucional, organizada por Janira Siqueira Camargo e Leila Pessôa da Costa. Cada instrumento indica possibilidades de interpretação, às quais o psicopedagogo deve estar sensível, bem como capacitado tecnicamente para compreender no contexto da instituição. Cabe frisar novamente que a escolha dos instrumentos deve estar sempre atrelada ao objetivo da investigação, ou seja, vinculada à queixa inicial, que é o motivo da busca da instituição. Assim, o uso de uma ou mais estratégias visa complementar as informações do psicopedagogo acerca do funcionamento da instituição como um todo, corroborando ou refutando suas hipóteses, para que assim possa traçar, de forma segura e coerente, o diagnóstico psicopedagógico institucional. Como podemos observar, a avaliação na Psicopedagogia Institucional não se faz em geral a partir de instrumentos pré-estabelecidos, mas instrumentos que vão sendo construídos a partir da queixa e, posteriormente, na confirmação ou resolução das hipóteses levantadas, são complementados, conforme as necessidades identificadas pelo psicopedagogo. 37 3.3 Análise dos dados: o cone invertido É importante, na análise dos dados obtidos por meio do processo de avaliação psicopedagógica, que o psicopedagogo siga uma linha coerente de interpretação, respaldado por referenciais teóricos e metodológicos reconhecidamente utilizados em sua área. Considerando essa premissa essencial, propomos, como instrumento de análise de dados no âmbito psicopedagógico, a utilização do modelo do cone invertido, proposto por Pichon- Rivière. O cone invertido foi elaborado por Pichon-Rivière e é apontado por Jorge Visca como instrumento conceitual que permite avaliar a conduta tanto do cliente (indivíduo ou grupo) como do psicopedagogo. Sua utilização, portanto, pode se dar em ambos os contextos, tanto na Psicopedagogia Clínica como na Institucional. Esse instrumento apresenta seis vetores de análise, os quais se referem a aspectos específicos, cuja análise é dinâmica. O modelo do cone invertido Fonte: adaptado de Visca (2000), elaborado pelo autor (2019). Cada um dos vetores pode ser definido da seguinte forma: ➢ Pertença: sentimento de fazer parte do grupo; ➢ Cooperação: realização de tarefas com o outro e com os demais; ➢ Pertinência: refere-se à eficácia das relações com o outro, no sentido da realização da tarefa; 38 ➢ Comunicação: processo de interação e troca de informações; ➢ Aprendizagem: apreensão instrumental da realidade; ➢ Tele (ou telê): vínculo afetivo (positivo ou negativo), relacionado à disposição para a realização da tarefa. Vocabula rio Tele: fator de atração social que age entre indivíduos ou entre grupos. O conceito de tele ou telê tem sido empregado na Psicopedagogia a partir do termo cunhado por Moreno no Psicodrama.Refere-se à distância afetiva positiva ou negativa (sentimentos de atração ou rejeição) estabelecida em relação aos demais ou a uma tarefa. Dessa forma, evidencia os medos do sujeito frente àquela tarefa. Os principais medos apontados por Pichon-Rivière são os medos à confusão (não compreensão), ao ataque (insegurança, medo do desconhecido) e à perda (desvinculação do grupo). Saiba Mais De acordo com Pichon-Rivière, o grupo se estabelece quando um conjunto de pessoas motivadas por necessidades semelhantes se une em torno de uma atividade específica, em tempo e espaço determinados, estabelecidos entre elas. Esses indivíduos, inicialmente amontoados e dispostos em série (sem ligação entre si), passam a se unir e iniciar um processo de comunicação e cooperação para a realização de tarefas. A tarefa em grupo vai ocasionar o surgimento de uma série de outros elementos que não poderiam ser previstos inicialmente, aspectos inconscientes e/ou não ditos se farão presentes, ora contribuindo ora dificultando para o desenvolvimento do grupo. Fonte: https://www.revistaeducacao.com.br/pichon- riviere-aprender-em-grupo/. 39 Os vetores qualitativos (pertença, cooperação e pertinência) podem ser positivos ou negativos, e sua contínua transformação conduz ao processo de mudança do sujeito. Assim, a transformação qualitativa da pertença em cooperação e da cooperação em pertinência ocorre em um continuum de movimento. Enquanto os vetores da esquerda são o resultado de uma transformação qualitativa, os da direita são quantitativos e servem como indicadores dos da esquerda. Assim, enquanto os três primeiros (da esquerda) são interdependentes, os da direita servem para avaliar o alcance e o desenvolvimento de cada um dos níveis da esquerda (pertença, cooperação e pertinência). Dessa forma, por exemplo, o grau de cooperação pode ser estimado em função da comunicação, da aprendizagem e da telê. A proposta é que a análise seja realizada em cada sessão (ou para cada instrumento de pesquisa utilizado), relacionando os vetores da esquerda (qualitativos: pertença, cooperação e pertinência) com os vetores da direita (quantitativos: comunicação, aprendizagem e telê). O resultado dessa análise evidencia a forma como o grupo realiza a tarefa proposta e permite traçar a modalidade de funcionamento do grupo e, por conseguinte, da instituição. Trata-se de um movimento em espiral, que traz à tona elementos que não eram percebidos até então, ou seja, que evidencia a transformação de conteúdos latentes em manifestos. Movimento em espiral rumo à mudança Fonte: adaptado de Visca (2000). 40 A análise dos diversos vetores em relação às tarefas vai permitir que o psicopedagogo identifique as formas como o grupo interage entre si e com a tarefa, desvelando suas modalidades de aprendizagem. Esse processo também permite a identificação dos temores do grupo, facilitando sua inserção no processo de mudança, que contribui à efetiva aprendizagem. Curiosidade Devido ao seu formato, o cone invertido também é chamado por Pichon-Rivière de “funil”, pois representa um processo por meio do qual se parte de uma situação inicial difusa (com a presença das dificuldades de aprendizagem) rumo a uma nova configuração, ou seja, o processo de mudança. É importante frisar que o modelo do cone invertido pode ser utilizado em diversas unidades de análise (por exemplo, para analisar um indivíduo, um grupo e até a relação entre o psicopedagogo e o cliente, por exemplo). No contexto da Psicopedagogia Institucional, a utilização do cone invertido permite investigar como se estabelecem as relações em determinado grupo, contribuindo para a tomada de consciência dos padrões que ali se estabelecem e para sua posterior transformação. 3.4 Diagnóstico psicopedagógico institucional: revisando o processo Até aqui, acompanhamos as diretrizes teóricas que fundamentam a elaboração e a implementação de um diagnóstico psicopedagógico, no contexto das instituições. Com o intuito de favorecer a apreensão desse processo, apresentamos a seguir um exemplo prático, de aplicação no contexto de uma instituição escolar. Frisamos que se trata tão somente de um modelo para fins didáticos, a seleção dos instrumentos e a elaboração de hipóteses precisa sempre considerar a queixa relatada, inserida no contexto histórico e cultural de cada instituição. 41 O diagnóstico psicopedagógico foi solicitado à psicopedagoga assessorada pela pedagoga de uma escola particular de Ensino Fundamental, de uma capital do sul do país. A queixa relatada era de que a turma indicada (uma turma do 5º ano do Ensino Fundamental) era indisciplinada, apresentando frequentemente episódios de agressividade verbal contra os professores e demais colaboradores da escola. Segundo a pedagoga, era “impossível dar aulas” para essa turma, e até mesmo os professores já estavam em vias de se recusar a ministrar aulas naquela sala. Primeiramente, a psicopedagoga explica à pedagoga sua forma de trabalho, acordando a quantidade de sessões que serão necessárias e também os honorários. A psicopedagoga esclarece que será necessário ter acesso a alguns dados da escola, e que seu trabalho será realizado em equipe (um trio de psicopedagogas). O grupo destacado pela queixa (depositário do sintoma) era uma turma do período da tarde com 28 estudantes, composta por 18 meninos e 10 meninas, com faixa etária variando entre 10 e 11 anos. Na primeira sessão, o trio de profissionais comparece à sala de aula no horário marcado. As carteiras são dispostas em círculo, deixando um espaço no centro, no qual encontram-se quatro carteiras reunidas. Sobre elas, são dispostos os materiais a ser utilizados na EOCMEA: ➢ 12 canetinhas hidrocor coloridas; ➢ 6 lápis de escrever; ➢ 6 borrachas; ➢ 3 tesouras; ➢ 3 réguas; ➢ 3 tubos de cola branca; ➢ 2 rolos de fita crepe; ➢ 1 pedaço de papel bobina de 60cm x 100 cm; ➢ 28 quadrados de papel lustro de 20cm x 20cm, divididos igualmente em quatro cores: vermelho, amarelo, azul e verde. 42 Após os alunos entrarem na sala, a psicopedagoga, no papel de coordenadora do grupo, recepciona os alunos, apresentando-os às profissionais e estabelecendo a consigna da tarefa: “Boa tarde! Eu sou a Rosa, essas são Margarida e Violeta. Como a pedagoga avisou vocês, estamos aqui para conhecer vocês. Queremos conhecer o que vocês sabem e o que vocês aprenderam. Para isso, trouxemos esses materiais que estão nas mesas no centro do círculo. Cada um de vocês deve fazer uma dobradura, com os quadrados coloridos que estão sobre o papel bobina. Depois que vocês terminarem, o grupo deverá montar um grande cartaz, usando todas as dobraduras. Para isso, vocês têm disponíveis esses materiais. Vocês têm uma hora para realizar a tarefa”. No dia da tarefa, estavam presentes 26 alunos (faltaram 2 meninos). Dessa forma, sobraram 2 quadrados de papel que foram utilizados por um dos alunos que, após tentar consecutivas vezes sem êxito realizar uma dobradura, amassou o quadrado e jogou no lixo por duas vezes. Dessa forma, ao final da atividade, não restou nenhum quadrado colorido disponível. Como nosso objetivo aqui é tão somente demonstrar o desenvolvimento do processo psicodiagnóstico em uma instituição escolar, não detalharemos o processo de tarefa. De forma resumida, podemos comentar que o grupo apresentou certa resistência para executar a tarefa, levando quase 20 minutos discutindo o que deveriam fazer, antes de iniciarem as dobraduras individuais. O processo foi acompanhado por muitas discussões verbais, nas quais foi possível perceber alguns alunos que se destacavam como líderes, enquanto outros executavam a atividade em silêncio. A forma como fizeram uso dos materiais também revelou a forte presença de elementos de comando no grupo, que dominavamas decisões e acabavam por impor suas opiniões para o restante da turma. A discussão acerca do produto realizado pelo grupo, no entanto, foi bastante sucinta. Poucos estudantes participaram verbalmente, e os relatos foram curtos e bastante objetivos acerca da realização da tarefa. A partir desse quadro inicial, já é possível aventar algumas hipóteses acerca do funcionamento desse grupo. Com base nessas hipóteses, o trio optou pela utilização do sociograma. 43 Para Refletir No processo de diagnóstico psicopedagógico institucional fictício acima, pode-se acompanhar o desenvolvimento da EOCMEA e a seleção de um instrumento de pesquisa. Considerando que as hipóteses sempre se relacionam à queixa e norteiam a escolha dos instrumentos que serão utilizados, qual pode ter sido o primeiro sistema de hipóteses aventado pelas psicopedagogas? No segundo encontro, na semana seguinte, foi aplicada a técnica do sociograma. As perguntas foram realizadas e cada estudante registrou sua resposta em uma espécie de “urna”, levada pelas psicopedagogas para garantir o sigilo das respostas. É importante frisar que a equipe de coordenação do diagnóstico assegurou, aos estudantes, o anonimato de cada resposta. As perguntas respondidas foram: ➢ Se você pudesse escolher um dos colegas para realizar todas as atividades da escola com você, quem seria? ➢ Se você pudesse escolher um dos colegas para ir a uma viagem de férias com você, quem seria? ➢ Se você pudesse escolher um dos colegas para mudar de escola, quem seria? Como destaque, a análise das respostas do grupo apontou, principalmente, o nome de três meninos e uma menina, identificados pela maioria dos estudantes como líderes populares (com quem gostariam de passar as férias), mas esses nomes não aparecem com a mesma frequência na realização das tarefas escolares (quando questionados sobre com quem fariam as atividades da escola). O nome de outro menino foi apontado, por mais da metade da turma, como o colega que mudariam de escola, se pudessem. A partir dessas informações, as psicopedagogas revisaram suas hipóteses, formulando o segundo sistema. Na realidade, as primeiras hipóteses foram mantidas, porém, a partir dos achados do sociograma, puderam ser ampliadas. 44 Para complementar esses achados, a equipe psicopedagógica realizou observações da turma durante as aulas de Língua Portuguesa, Matemática, Artes e Educação Física, em três dias distintos, além de observações durante o período do recreio, de entrada e de saída. Também foram realizadas entrevistas com os professores dessas disciplinas. Todo o material foi registrado e analisado, juntamente com as atividades realizadas anteriormente, tendo como norteadora a queixa relatada. As psicopedagogas analisaram como o grupo realizou as tarefas e como interagia entre si, avaliando a forma como se comunicavam, como se engajavam na realização das atividades e como se vinculavam tanto à tarefa, entre si e com os professores das diferentes disciplinas (aplicação do modelo do cone invertido). Após todo o período de coleta e análise de dados, que durou cerca de três semanas, as psicopedagogas elaboraram então sua hipótese diagnóstica em relação ao grupo. Foi então agendado um horário com a contratante da instituição (a pedagoga), no qual foi explicado todo o processo realizado e os achados do processo psicodiagnóstico (entrevista devolutiva), bem como foi entregue o registro por escrito contendo esses resultados, assim como as indicações realizadas pelas psicopedagogas (o informe psicopedagógico). Como relatamos anteriormente, tomamos o cuidado de elaborar esse caso fictício apenas para demonstrar o processo. A elaboração de hipóteses é um processo que exige sensibilidade e responsabilidade do profissional e deve ser fundamentado também na construção das experiências e na troca de saberes com a equipe psicopedagógica, que também deve estar em sintonia para trabalhar como uma equipe coesa e colaborativa. Por isso, deixamos esse espaço para que você, aluno(a) do Curso de Psicopedagogia, possa já ir desenvolvendo essa sensibilidade de identificar elementos importantes presentes no contexto institucional e relacioná-los com a queixa em uma visão que supere o determinismo (que procura uma única causa para cada dificuldade), mas compreendendo o sintoma como a emergência de uma dificuldade do grupo como um todo. Na próxima aula, será visto novamente esse exemplo, discutindo em detalhes como podem ser realizadas a entrevista devolutiva e o informe psicopedagógico. 45 Conclusão da aula 3 Nesta aula estudamos em profundidade dois elementos que fazem parte do processo de avalição psicodiagnóstica no contexto institucional: a elaboração dos sistemas de hipóteses e a seleção dos instrumentos de pesquisa. Compreendemos como esse processo se vincula diretamente à queixa institucional e percebemos a importância de considerar não os indivíduos isoladamente, mas o desenvolvimento e os impedimentos da aprendizagem do grupo como um todo. Nesse sentido, vimos que o depositário do sintoma revela uma dificuldade que não é só sua, mas representa o processo relacional de aprendizagem de toda a instituição. Atividade de Aprendizagem Durante esta aula vimos a aplicação do modelo do cone invertido, desenvolvido por Pichon-Rivière, como instrumento para a análise de dados em uma avaliação psicopedagógica. Como os elementos desse cone podem contribuir para a compreensão da instituição pelo psicopedagogo? Quais elementos devem ser considerados pelo psicopedagogo institucional, ao selecionar os instrumentos para o diagnóstico psicopedagógico? Aula 4 – Diagnóstico psicopedagógico institucional: entrevista devolutiva e informe psicopedagógico Apresentação da aula 4 A inserção do psicopedagogo institucional, em geral, se inicia a partir da avaliação psicopedagógica. Esse processo precisa ser encarado com muita seriedade por parte do profissional, compreendendo que o grupo depositário do sintoma expressa uma dificuldade que não diz respeito somente a ele, mas revela um sintoma de toda a instituição. 46 Nesta aula discutiremos a realização da entrevista devolutiva, bem como a elaboração do informe psicopedagógico. Finalizaremos nossas reflexões acerca da atuação do psicopedagogo institucional, destacando alguns importantes aspectos de sua inserção nesse contexto e enfatizando o papel do psicopedagogo escolar. 4.1 Etapas finais do diagnóstico psicopedagógico: entrevista devolutiva e informe psicopedagógico A entrevista devolutiva visa apresentar ao contratante os resultados obtidos por meio do processo de avaliação realizado pelo psicopedagogo. A ideia não é meramente informar (tampouco, obviamente, acusar ou procurar culpados), mas sim promover uma reflexão acerca do processo que promova uma mudança institucional. Todo o trabalho do psicopedagogo institucional precisa ser respaldado em referencial teórico e metodológico consistente, embasado em autores reconhecidos da área. Além disso, a postura crítica e reflexiva do profissional, buscando constantemente a atualização e a troca de informações com seus pares, também são essenciais. Alguns aspectos importantes devem ser considerados no planejamento da entrevista devolutiva. Um desses elementos se refere ao destinatário da entrevista. A utilização de uma linguagem clara e de termos adequados ao entendimento do contratante e respeitando sempre as normas cultas da língua portuguesa, lembrando que se trata de um documento. Em relação ao conteúdo, é importante atentar para a divulgação somente das informações necessárias para o entendimento, preservando a identidade dos participantes. Deve conter, ainda, a descrição de todos os instrumentos utilizados, bem como o prognóstico traçado e as indicações da equipe
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