Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
ERRO DE FATO NO CRIME MILITAR Conrado José Neto de Queiroz Reis Prof. Ms Guilherme da Rocha Ramos Faculdades Integradas Barros Melo - AESO Pós-Graduação em Ciências Criminais Militares 26/04/13 RESUMO Esse artigo objetiva debater o instituto do erro de fato, previsto no Art. 36 do Código Penal Militar, comparando-o com a descriminante putativa prevista no §1º do Art. 20 do Código Penal Comum, pelo fato de ambos serem legalmente classificados como erro de tipo permissivo, com natureza jurídica de causa excludente de ilicitude. PALAVRAS-CHAVE: Erro; Permissivo; Ilicitude. 2 INTRODUÇÃO O Código Penal Militar, Decreto Lei 1.001, de 21 de outubro de 1969, recepcionado pela nova ordem constitucional com status de lei ordinária, prevê no Art. 36 o instituto do erro de fato, que isenta de pena quem pratica crime supondo, por erro plenamente escusável, a inexistência de circunstância de fato que o constitui ou a existência de situação de fato que tornaria a ação legítima. O Código Penal Comum traz dispositivo semelhante no §1º do Art. 20 com o título de descriminante putativa. Segundo Cléber Rogério Masson (2010:285), “descriminante putativa é a causa de exclusão da ilicitude que não existe concretamente, mas apenas na mente do autor de um fato típico. É também chamada de descriminante erroneamente suposta ou descriminante imaginária”. O objeto deste trabalho é cotejar o Art. 36 do Código Penal Militar, que trata do erro de fato com o Art. 20, parágrafo primeiro do Código Penal Comum, que aborda as descriminantes putativas, cujo agente, em ambos os casos, atua sem consciência da ilicitude, que exclui a culpabilidade, tratando-se de erro de proibição, no caso de ser adotada a Teoria Extremada da Culpabilidade. As Teorias Limitada e Extremada da Culpabilidade são derivações da Teoria Normativa Pura, segundo a qual os elementos subjetivos do tipo (dolo e culpa) são deslocados para a análise do fato típico. A diferença entre ambas refere-se ao tratamento atribuído às descriminantes putativas. Para a Teoria Extremada, toda espécie de descriminante putativa deve ser tratada como erro de proibição e, para a Teoria Limitada, pode ser tratado como erro de tipo permissivo, se recair sobre os pressupostos de fato de uma causa de exclusão de ilicitude, ou erro de proibição, se for relativo à existência ou aos limites de uma causa excludente de ilicitude. 3 1. ERRO DE FATO Dispõe o Art. 36 do Código Penal Militar: “É isento de pena quem, ao praticar o crime, supõe, por erro plenamente escusável, a inexistência de circunstância de fato que o constitui ou a existência de situação de fato que tornaria a ação legítima”; §1º “Se o erro deriva de culpa, a este título responde o agente, se o fato é punível como crime culposo”. É importante observar, portanto, como registrou Ricardo Henrique Alves Giuliani, em sua obra denominada Direito Penal Militar (2011:202), que: “o erro de fato ocorre quando o agente supõe inexistir uma situação de fato que torna a atitude criminosa (exemplo: levar para casa uma mochila de companheiro de farda, igual a sua, não tendo ciência de se tratar de coisa alheia móvel – não cometendo o crime de furto). Também é erro de fato quando o agente entende estar presente na ocasião uma causa que justificaria sua conduta, as chamadas descriminantes putativas (exemplo: supõe que vai ser alvejado por revólver empunhado por outra pessoa, vindo a agredi-la, quando na verdade o agressor porta arma de brinquedo)”. Não é difícil perceber que o citado dispositivo engloba o erro sobre os elementos do tipo e as descriminantes putativas, diferentemente do Código Penal Comum que contempla o primeiro no caput do Art. 20, e o segundo no seu parágrafo primeiro, respectivamente. Separando-se o erro de tipo, que exclui o dolo, das descriminantes putativas, tem- se uma celeuma doutrinária quanto à natureza jurídica das descriminantes putativas, tanto no direito penal militar, quanto no direito penal comum. A depender da teoria adotada para a culpabilidade, todas as descriminantes putativas poderão ser causa de exclusão de culpabilidade por caracterizarem erro de proibição, ou poderão as descriminantes putativas de fato caracterizarem erro de tipo permissivo, que exclui o dolo, e as descriminantes putativas de direito caracterizarem erro de proibição, que é causa excludente da culpabilidade. 4 2. TEORIA EXTREMADA E TEORIA LIMITADA DA CULPABILIDADE A Teoria Psicológico-Normativa da Culpabilidade, inerente ao sistema causalista da ação, que previa o dolo e a culpa como elementos integrantes da culpabilidade, foi combatida exatamente pela Teoria Extremada ou Teoria Normativa Pura da Culpabilidade, de base finalista, assim chamada pelo fato de transferir os elementos psicológicos (dolo e culpa) para o fato típico, deixando a culpabilidade composta apenas de imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa, razão pela qual o dolo passa a ser natural, despido da consciência da ilicitude. A Teoria Limitada da Culpabilidade também é de base finalista, diferenciando-se da Teoria Extremada da Culpabilidade apenas no tratamento dispensado às descriminantes putativas, nas quais o agente, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato ou situação jurídica que, se existissem, tornaria a ação legítima. Segundo Cléber Rogério Masson (2010:425), “De acordo com a teoria normativa pura, as descriminantes putativas sempre caracterizam erro de proibição. Por sua vez, para a teoria limitada as descriminantes putativas são divididas em dois blocos: (1) de fato, tratadas como erro de tipo (CP, art. 20, §1º); (2) de direito, disciplinadas como erro de proibição (CP, art. 21)”. Não obstante, o Código Penal Comum adotou a Teoria Limitada da Culpabilidade, uma vez que o item 19 da própria Exposição de Motivos da Nova Parte Geral assim sinaliza. Senão vejamos: “Repete o Projeto as normas do Código de 1940, pertinentes às denominadas descriminantes putativas. Ajusta-se, assim, o Projeto à teoria limitada da culpabilidade, que distingue o erro incidente sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação do que incide sobre a norma permissiva”. 5 3. DESCRIINANTES PUTATIVAS Por sua vez, o §1º do Art. 20 do Código Penal Comum assim dispõe: “É isento de pena quem, por erro plenamente justificado por circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo”. É importante observar, portanto, que as descriminantes putativas se relacionam com a figura do erro, que pode recair sobre os pressupostos de fato de uma causa de exclusão de ilicitude ou sobre a existência ou limites de uma causa de exclusão de ilicitude. Para o Código Penal Brasileiro, quando a descriminante putativa recair sobre os pressupostos de fato, é caso de erro de tipo permissivo, que exclui o próprio dolo da conduta, conforme o dispositivo citado. Porém, quando recair sobre a existência ou limites de causa excludente de ilicitude, é caso de erro de proibição, que exclui a culpabilidade, de acordo com o Art. 21 do Código Penal Comum. O erro sobre a ilicitude do fato, previsto no Art. 21 do Código Penal Comum, é chamado de erro de proibição indireto, incide sobre a ilicitude do fato, na medida em que o agente atua sem consciência da antijuridicidade, excluindo a sua culpabilidade, desde que escusável, ou seja, inevitável. O erro somente será escusável quando for impossível de ser evitado, pois, do contrário, o agente sofrerá a sanção penal atenuada de um sexto a um terço. Não obstantea posição legal, Guilherme de Souza Nucci (2006:206), doutrinador de vanguarda, defende a tese de que todas as descriminantes putativas representam erro de proibição, adotando em sua obra Código Penal Comentado a teoria extremada da culpabilidade, enfatizando que o agente, diante de uma suposta situação de fato, atua com dolo, cujo engano recai sobre a proibição. 6 CONCLUSÃO O Código Penal Comum adotou a Teoria Limitada da Culpabilidade, uma vez que a própria Exposição de Motivos da Nova Parte Geral assim sinalizou, ao estabelecer que o erro incidente sobre os pressupostos de fato de uma causa de exclusão de ilicitude trata-se de erro de tipo permissivo, enquanto que o erro que recai sobre existência ou limites de tais causas de justificação trata-se de erro de proibição, trazendo-os em dois dispositivos diferentes, quais sejam o §1º do Art. 20 e o Art. 21, respectivamente, sendo todos casos de descriminantes putativas. Por sua vez, o Código Penal Militar trouxe as descriminantes putativas em dois dispositivos, quais sejam o Art. 35 que trata do erro de direito, que é erro de proibição, vindo a excluir a culpabilidade, e o Art. 36, intitulado erro de fato, que caracteriza erro de tipo permissivo, mas que traz também no caput, de forma assistemática, o erro sobre elemento constitutivo do tipo, correspondente ao Art. 20 do Código Penal Comum. Destarte, tanto o erro de direito, previsto no Art. 35 do Código Penal Militar, quanto o erro sobre a ilicitude do fato, disposto no Art. 21 do Código Penal Comum, são erro de proibição, que incidem sobre a ilicitude do fato, na medida em que o agente atua sem consciência da antijuridicidade. Se escusável, o erro de direito do diploma castrense servirá apenas para atenuar ou substituir a pena por outra menos grave, enquanto que o erro sobre a ilicitude do fato incidirá como causa excludente da culpabilidade, deixando o agente isento de pena. Nesse diapasão, o erro de fato do Art. 36 do Código Penal Castrense, assim como o §1º do Art. 20 do Código Penal Comum, trazem consequências jurídicas idênticas, pois haverá isenção de pena, trata-se de descriminante putativa quanto aos pressupostos fáticos de causa de justificação, legalmente classificado como erro de tipo permissivo, com natureza jurídica de excludente de ilicitude. 7 REFERÊNCIAS GIULIANI, Ricardo Henrique Alves. Direito penal militar. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011. MASSON, Cleber Rogério. Direito penal esquematizado – Parte geral – vol. 1. São Paulo: Método, 2010. NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
Compartilhar