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i INSTITUTO MACHADENSE DE ENSINO SUPERIOR FELIPE DE ABREU RIBEIRO CRIMES DIGITAIS SOB A ÓTICA DO DIREITO PENAL BRASILEIRO MACHADO – MG 2019 ii FELIPE DE ABREU RIBEIRO CRIMES DIGITAIS SOB A ÓTICA DO DIREITO PENAL BRASILEIRO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito do INSTITUTO MACHADENSE DE ENSINO SUPERIOR como parte dos requisitos para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Esp. JULIANO SILVA DO LAGO MACHADO – MG 2019 iii FELIPE DE ABREU RIBEIRO CRIMES DIGITAIS SOB A ÓTICA DO DIREITO PENAL BRASILEIRO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito do INSTITUTO MACHADENSE DE ENSINO SUPERIOR como parte dos requisitos para obtenção do Título de Bacharel em Direito. APROVADO: Machado-MG, de de 2019. Prof. Esp. JULIANO SILVA DO LAGO (Orientador) Prof. (Avaliador) Prof. (Avaliador) MACHADO – MG 2019 iv Dedico aos meus amados pais Joel e Eliana,assim como também para minha irmã Jéssica. Aos meus amigos que estão sempre do meu lado me dando forças. Amo cada um de vocês. v Agradeço primeiramente a Deus por sua graça e cuidado comigo nestes cinco anos de graduação. Agradeço aos meus pais por todo apoio e sacrifício envolvido para me verem formado, sou muito abençoado por ter vocês na minha vida. E agradeço ao meu orientador, pela paciência e compreensão ao longo deste projeto. “Mera mudança não é crescimento. Crescimento é a síntese de mudança e continuidade, e onde não há continuidade não há crescimento.” (C.S. LEWIS) 1 CRIMES DIGITAIS SOB A ÓTICA DO DIREITO PENAL BRASILEIRO Felipe de Abreu Ribeiro1 Juliano Silva do Lago2 INTRODUÇÃO. 1 SURGIMENTO DA CRIMINALIDADE VIRTUAL. 2 LEGISLAÇÃO NACIONAL SOBRE O TEMA. 3 DOS CRIMES DIGITAIS. 4 DIFICULDADES DO PRESENTE E PERSPECTIVAS FUTURAS. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS. RESUMO: O presente artigo visa propiciar um estudo sobre o contexto no qual a tecnologia como parte da sociedade atual tem sido usada para a prática criminosa, seja ela em delitos já conhecidos ou novos tipos exclusivamente virtuais. Em uma breve síntese, exporá a necessidade de fundamentação do Direito Penal não apenas em critérios formais, mas em uma efetiva proteção de bens jurídicos diretamente afetados pelos crimes cibernéticos. O estudo será focado nas recentes leis aprovadas sobre a matéria, e nas doutrinas que as analisaram, apontando questões que ainda geram incompletude sobre o tema, buscando alternativas na forma de legislar e no alcance da segurança no ambiente virtual. Palavras-chaves: Crimes digitais. Investigação cibernética. Regulação criminal. INTRODUÇÃO A humanidade está em constante evolução em todas as áreas da vida. Ao longo dos anos, até a as relações sociais se modificaram, principalmente pela tecnologia. A distância entre duas pessoas não faz mais diferença perante os meios digitais de comunicação que se têm atualmente, assim como realizar transações financeiras e fazer compras não dependem mais de um espaço físico, afinal através do uso de aplicativos em celular, computadores, entre outros meios, essas ações podem ser feitas em questão de segundos. Infelizmente, junto com a tecnologia, vieram novas formas de ataque ao bem jurídico, com diversos crimes digitais que estão inseridos atualmente na sociedade, e que não estavam presentes quando se firmaram as bases doutrinárias do Direito 1 felipedeabreuribeiro@gmail.com. Acadêmico da Faculdade de Direito do Instituto Machadense de Ensino Superior (IMES), mantido pela Fundação Machadense de Ensino Superior e Comunicação (FUMESC) – Machado/MG. 2 julianodolago@hotmail.com. Professor da Faculdade de Direito do IMES/ FUMESC – Machado/MG. 2 Penal, o que remete à necessidade de compreender os riscos e trabalhar para que a legislação acompanhe esse desenvolvimento na proteção eficaz do bem jurídico atacado. No direito penal brasileiro, as leis sobre crimes digitais ainda são limitadas e omissas, na medida em que a lentidão legislativa jamais conseguirá acompanhar a evolução tecnológica. Além desta questão, destaca-se também a falta de uma estrutura investigativa e de profissionais qualificados e especializados no combate ao crime digital, assim como a falta de conscientização da população acerca dos riscos no ambiente virtual. Nessa onda de transformação digital, as gerações mais velhas não têm se adaptado com a mesma facilidade dos millenials. Por esses motivos, se faz necessário o estudo das atuais doutrinas e leis para que se possa alcançar uma resposta rápida frente à evolução da criminalidade virtual, de maneira que proteja os cidadãos dos novos riscos sem conceber uma ordenação jurídica ultrapassada e ineficaz. Este trabalho tem como objetivo geral analisar o tema, buscando parear o Direito Penal brasileiro com a rápida evolução tecnológica das relações sociais, e especificamente produzir resultados satisfatórios no combate aos crimes digitais e na conscientização da população no uso e precaução dos meios de comunicação. Na era pós-moderna, onde se vive entre uma infinidade de dispositivos, atividades e recursos digitais, é essencial refletir sobre o uso dessas tecnologias e suas consequências. Através desta análise busca-se encontrar no direito penal a segurança para a esfera digital, seguindo uma diretriz humanitária que respeite a liberdade e privacidade dos cidadãos brasileiros. 1 SURGIMENTO DA CRIMINALIDADE VIRTUAL 1.1 Evolução digital A globalização proporcionou profundas modificações na sociedade contemporânea. Desde a Revolução Industrial, com as máquinas surgindo em grande escala, a produção e circulação de mercadorias se tornaram cada vez mais rápidas, além de transformar completamente a forma de trabalhar, afinal os 3 trabalhadores que antes desenvolviam o trabalho de forma artesanal, passaram a controlar as máquinas. Nessa busca pela informatização e facilitação das tarefas antes realizadas somente por humanos e em grandes espaços de tempo, surgiram os computadores que poderiam realizar essas mesmas tarefas de forma quase que instantânea. Fragomeni (1987, p. 125) define o computador como uma maquina que armazena e transforma informações, sob o controle de instruções predeterminadas. Crespo (2011, p. 30) destaca o surgimento do primeiro computador digital eletrônico, conhecido como ENIAC, sigla a qual significa Eletronic Numerical Integrator and Calculator, desenvolvido em 1946 pelo exército norte-americano. Diferente dos computadores conhecidos hoje, este equipamento media cerca de 140 metros quadrados, pesando aproximadamente 30 toneladas. Décadas depois, especificamente em 1982 como relata Peck (2014, p. 13), surge o primeiro computador pessoal produzido pela Intel, pioneiro dos modelos que foram se transformando até atingirem a forma prática e acessível usada atualmente, numa infinidade de opções que vão desde microcomputadores até os mais desenvolvidos tablets e smartphones indispensáveis na sociedade pós-moderna. Quanto ao que se conhece hoje como internet, Silva (2003, p. 22) relata que começou durante a guerra fria entre União Soviética e o Ocidente, em meados da década de 60, quando o Departamento de Defesa Americana se uniu à algumas universidades para desenvolvera ARPANET (Advanced Research Projects Administration – Administração de Projetos e Pesquisas Avançados), a primeira rede operacional de computadores à base de comutação de pacotes. Sendo assim, surgida por necessidade militar, é essa estrutura deixada pelas pesquisas e pelos militares que hoje é utilizada por cidadãos no mundo inteiro. No período de 1965 – 1975, aponta-se no Brasil como criações inovadoras trazidas pelo sistema da informática, o Centro de Informática e Processamento de Dados do Senado Federal (Prodasen), Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social (Dataprev) e Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo (Prodesp), conforme expõe Silva (2003, p. 43). Quanto à internet, o Brasil a conheceu em 1988 por iniciativa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC). Em 4 1990 era criada pelo Ministério de Ciências e Tecnologia em conjunto com o Ministério da Educação, a Rede Nacional de Pesquisas (RPN) que interligava 11 estados em suas capitais, conforme apontam os dados de Silva (2003, p. 23-24). Porém, historicamente, as tecnologias inicialmente criadas com o objetivo de facilitar a operação de determinas atividades, sempre ganharam um uso dúplice pelo homem como cita Crespo (2011, p. 17), se tornando instrumentos destrutivos. No passado, por exemplo, uma machadinha desenvolvida na facilitação do trabalho manual, logo se tornou uma arma. Com a internet não foi diferente, tendo o homem transformado o ambiente virtual numa nova seara de criminalidade. 1.2 Histórico da criminalidade virtual no mundo e no Brasil Segundo Jesus e Milagre (2016), a literatura internacional relata que na década de 1960 é que teve início os crimes informáticos, que em sua maioria eram delitos de alteração, cópias e sabotagem de sistemas computacionais. Estes mesmos autores expõem que há divergências na doutrina acerca do primeiro delito informático cometido. Para alguns, o primeiro teria ocorrido em 1964 no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) nos Estados Unidos, onde um aluno de 18 anos teria sido advertido pelos superiores após cometer um ato classificado como crime virtual. Outros referenciam como primeiro caso, um estudante que copiou uma prova de uma rede de computadores na Universidade de Oxford em 1978, também nos Estados Unidos. Nesta data, não havia ainda no ordenamento jurídico estadunidense leis sobre crimes informáticos. Jesus e Milagre (2016) datam que neste mesmo ano, o primeiro Estado americano a formular leis sobre o tema seria a Flórida. No Brasil, os primeiros crimes informáticos relatados são da década de 1990. Conforme relatam Jesus e Milagre (2016), em 1997 houve então o primeiro crime informático de ameaça noticiado. Uma jornalista estava recebendo e-mails de cunho sexual, além de ameaças à sua integridade física, sendo que neste caso a polícia descobriu a autoria das mensagens e obrigou o autor a ministrar cursos para a Academia de Polícia Civil. Ainda em 1997, especificamente em novembro, a Justiça de Belo Horizonte – MG retirou da internet diversas páginas que continham pornografia infantil, caso em 5 que o responsável pelas páginas tinha apenas 15 anos. Ainda entre estes relatos de Jesus e Milagre (2016) se destacam também, os primeiros crimes de “pescaria de senhas” datados no ano de 1999, o mesmo em que um empresário foi acusado de enviar de Londres para o mercado financeiro brasileiro e-mails com informações falsas que alardeavam o risco de quebra de um banco. Foi a partir dessa época que se começou a refletir no país sobre a necessidade de leis que tratassem de crimes informáticos, as quais se instituíram mais de uma década depois, tempo o suficiente para a criminalidade digital se expandir incontrolavelmente. Um relatório da Norton Cyber Security mostrou que em 2017 o Brasil passou a ser o segundo país no mundo com o maior número de crimes cibernéticos, ficando atrás apenas da China (UOL, 2018), sendo considerado um polo desse tipo de delito, conforme Propheta (2018). 2 LEGISLAÇÃO NACIONAL SOBRE O TEMA Mais de uma década após surgirem no Brasil os primeiros crimes cometidos através dos meios digitais é que se instituíram leis a respeito do tema. No ano de 2012, entram para o ordenamento jurídico brasileiro as Leis de Crimes Informáticos n. 12.735/2012 e n. 12.737/2012, seguidas pela Lei n. 12.965/2014, conhecida como Marco Civil da Internet, que embora não trate de crimes informáticos, vem de encontro no que diz respeito à repressão, estando focada no direito dos internautas. 2.1 Lei n. 12.735/ 2012 (Lei Azeredo) Segundo Jesus e Milagre (2016), esta lei adveio do Projeto de Lei n. 84/99 (89/2003), promovendo alterações no Código Penal, e no Código penal Militar. Embora tenha previsto no seu preâmbulo que tipifica condutas realizadas mediante uso de sistema eletrônico, digitais ou similares, contra sistemas informatizados e similares, não acrescentou nenhum tipo penal ao ordenamento jurídico. Na verdade, tal lei possui apenas duas disposições, uma em seu art. 4° estabelecendo a possibilidade de estruturação de órgãos especializados, por parte da polícia judiciária, no combate à ação delituosa em redes de computadores, dispositivos de comunicação ou sistemas informatizados, e outra no art. 5°, prevendo a possibilidade de cessar transmissões eletrônicas nos casos em que 6 houver prática, induzimento ou incitação à discriminação racial, religiosa ou contra nacionalidade. Além da previsão de estruturação no combate e investigação dos crimes cibernéticos, destaca-se a questão desta lei dispor sobre dispositivos informáticos e similares, levando em conta o elevado número de delitos cometidos não mais somente em computadores, mas dispositivos móveis como smartphones e tablets. 2.2 Lei n. 12.737/ 2012 (Lei Carolina Dieckmann) Esta lei, oriunda do Projeto de Lei n. 2.793/2011, como citam Jesus e Milagre (2016), ao contrário da Lei Azeredo, trouxe novos tipos penais, além de alterações legislativas relevantes. Foi apelidada de Lei Carolina Dieckmann pelo fato de que na época fotos íntimas da atriz teriam sido supostamente copiadas de seu computador e divulgadas na internet, o que foi associado a mais polêmica e principal disposição dessa legislação, a invasão de dispositivo informático. Além desta, houve ainda tipificado a interrupção ou perturbação de serviço telegráfico, telefônico, informático, telemático ou de informação de utilidade pública; e falsificação de documento particular. A seguir, uma breve síntese sobre tais crimes, que vieram como novidade na legislação penal. 2.2.1 Invasão de dispositivo informático Conforme Jesus e Milagre (2016), este seria o tipo mais polêmico trazido pela lei, afinal representa um crime de perigo abstrato, do qual não se espera a ocorrência de resultado, um problema legislativo que tem crescido em face do avanço da tecnologia e o temor do risco de seu uso indevido. Nas palavras destes autores: Na sociedade da informação, cada vez mais buscam-se proteger direitos supraindividuais, em um modelo preventivo do Estado contra os riscos e não contra ameaças concretas de lesão ao bem jurídico protegido. Em face do princípio constitucional da presunção de inocência, que não admite presunções contra o agente, entendemos que os delitos de perigo abstrato não encontram guarida em nossa legislação penal. Consignamos, entretanto, que, em face de vivermos em um mundo de riscos, o legislador, valendo-se de todos os meios para prevenir e reprimir a criminalidade, tem se valido, cada vez 7 mais, dos delitos de perigo abstrato, antecipando-se à produção doresultado. 2.2.2 Interrupção ou perturbação de serviço telegráfico, telefônico, informático, telemático ou de informação de utilidade pública Os ataques que atentam contra a intermitência de um serviço de tecnologia da informação, são um dos principais crimes puros cometidos no mundo cibernético, conforme citam Jesus e Milagre (2016). Neste tipo, o recurso afetado pode reiniciar, desligar, travar ou simplesmente não responder as requisições de clientes legítimos, causando grandes prejuízos, sobretudo se consideradas infraestruturas críticas de saúde, energia, telecomunicações, entre outras. Ainda segundo estes autores, se trata de um crime formal, de forma livre, comissivo ou omissivo, e para alguns doutrinadores também é considerado crime de perigo abstrato. 2.2.3 Falsificação de documento particular Esta previsão alterou o art. 298 do Código Penal, que já previa como crime a alteração de documento particular ou verdadeiro, incluindo um parágrafo que equipara ao documento particular o cartão de crédito ou débito. Segundo Jesus e Milagre (2016), “é crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa e também crime formal, diga-se não havendo necessidade do agente ter êxito na falsificação”. 2.3 Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) Sancionada pela Presidência da República em 23 de abril de 2014, o Marco Civil da Internet pode ser integrado às leis objeto de estudo neste trabalho pelo fato de complementar as atividades que envolvem repressão a crimes cibernéticos. Jesus e Milagre (2016) ressaltam que esta é uma vitória da sociedade brasileira. O grande destaque fica por conta da inviolabilidade do sigilo às comunicações na internet, direito de todos os usuários, com exceção por ordem judicial para fins de investigações criminal ou instrução processual penal. Conforme os mesmos autores, “o Marco Civil consigna em lei que somente 8 por ordem judicial os provedores serão obrigados a disponibilizar os registros e informações que permitam a identificação de algum usuário”. Sendo assim, embora seja polêmico, fica afastada a possibilidade de agentes do Ministério Público requererem diretamente aos provedores os registros desejados. 3 DOS CRIMES DIGITAIS 3.1 Definições de bem jurídico e crime no Direito Penal O Direito Penal tem como missão defender os bens jurídicos, estes definidos por Capez (2015, p. 17) como sendo “os valores fundamentais para a subsistência do corpo social, tais como a vida, a saúde, a liberdade, a propriedade etc”. Entendendo a definição do bem jurídico, pode-se entender então o conceito de crime, que na teoria segundo Capez (2015, p. 130) deve ser analisado sob os aspectos material e formal. Quanto ao aspecto material, ele conceitua crime como sendo “todo fato humano que, propositada ou descuidadamente, lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a existência da coletividade e da paz social”. Já quanto ao aspecto formal, Capez conceitua como sendo “tudo aquilo que o legislador descrever como tal, pouco importando o seu conteúdo”. Com toda proporção que a tecnologia tomou ao longo dos anos, é inegável a sua relevância econômica e jurídica, sendo assim, Jesus e Milagre (2016) citam que esta é a tutela que se apresenta quando à proteção do bem jurídico informático pelo Direito Penal. Em suas palavras “sistemas informáticos processam ou tratam dados eletrônicos, geram significados e informações, logo, são merecedores da tutela penal, pois informação é bem precioso”. Sendo assim, tem-se elevado os dados e dispositivos informáticos ao status de valores jurídicos fundamentais das relações sociais de uma sociedade que depende da tecnologia da informação. 3.2 Definições de crime digital no Direito Penal Uma das primeiras definições de crime digital data de 1986, nas recomendações da Organization for Economic Cooperation and Development (OECD), em que Schjolberg (apud Jesus e Milagre, 2016) conceitua como sendo: 9 Qualquer comportamento ilegal, aético ou não autorizado envolvendo processamento automático de dados e, transmissão de dados, podendo implicar a manipulação de dados ou informações, a falsificação de programas, o acesso e/ou o uso não autorizado de computadores e redes. Atualizando o conceito, Jesus e Milagre (2016) definem crime digital como sendo “ato típico e antijurídico cometido por meio da ou contra a tecnologia da informação”. Em tese, o crime digital era considerado um crime-meio, em que se utiliza um meio virtual. Peck (2014, p. 307) reforçava que “não é crime-fim por natureza, ou seja, o crime cuja modalidade só ocorra em ambiente virtual, à exceção dos crimes cometidos por hackers, que de algum modo podem ser enquadrados na categoria de estelionato, extorsão, falsidade ideológica, fraude”, porém Jesus e Milagre entendem diversamente, considerando que O crime virtual pode ser um crime-meio, mas vem se desenvolvendo como crime-fim, o que demandou, aliás, a tipificação de alguns crimes informáticos próprios, com a edição das leis n. 12.735/2012 e n. 12.737/2012. Ademais não só hackers podem praticar um crime- fim informático, mas qualquer pessoa. Assim sendo, é fato que os dados e segurança dos sistemas e redes informáticos clamavam por uma proteção específica, mesmo que o Direito Penal já protegesse certos bens jurídicos agredidos no ambiente virtual. 3.3 Classificações dos crimes digitais Levando em conta a aprovação das Leis de Crimes Informáticos (Leis n. 12.735/2012 e n. 12.737/2012) objetos de estudo deste trabalho, será dada relevância penal apenas a comportamentos relacionados a crimes próprios onde a informática é o bem jurídico afetado. Comportamentos como os delitos de pornografia infantil, contrafação, pirataria de software, ameaça, injúria, dentre outros, já estão claramente abrangidos pelo Código Penal. Para a autora francesa Mariane Briat (apud Jesus e Milagre, 2016) “os delitos informáticos são classificados em crimes onde a informática é o meio para a prática delituosa, e os demais delitos”, podendo citar então nesta categoria: 10 a) Manipulação de dados e/ou programas a fim de cometer uma infração já prevista pelas incriminações tradicionais; b) Falsificação de dados de programas; c) Deterioração de dados e programas e entrave à sua utilização; d) Divulgação, utilização ou reprodução ilícita de dados e de programas; e) Uso não autorizado de sistemas de informática; e f) Acesso não autorizado a sistemas de informática. É através desta proposta de Briat (1985) que Jesus e Milagre (2016) distinguem os crimes digitais entre crimes informáticos em que o ambiente virtual é meio usado para a prática de velhos crimes ou agressão a bem jurídico já protegido pelo Direito Penal, e crimes informáticos em que o ambiente virtual (inviolabilidade de dados) é o bem jurídico protegido, propriamente dito. Seguindo então a corrente de Jesus e Milagre, podem-se classificar atualmente os crimes informáticos em: a) Crimes informáticos próprios: nos quais o bem jurídico ofendido é a tecnologia da informação em si. Para estes, havia uma lacuna na legislação penal, onde muitas práticas não poderiam ser criminalmente enquadradas por conta do princípio da reserva penal; b) Crimes informáticos impróprios: nos quais a tecnologia da informação é o meio utilizado para agressão a bens jurídicos que já são protegidos pelo Código Penal brasileiro, ou seja, para estes a legislação criminal vigente já é suficiente; c) Crimes informáticos mistos: nos quais, em sua complexidade, além da proteção do bem jurídico informático, a legislação protege outro bem jurídico, ocorrendo a existência de dois tipos penais distintos; d) Crime informático mediato ou indireto: os quais são delitos informáticos praticados para a ocorrência de umdelito não informático consumado ao final, como por exemplo, um agente que captura dados bancários e usa para desfalcar a conta da vítima. Além desta classificação, salienta-se ainda o entendimento de Crespo (2011, p. 63) em relação à conceituação do crime informático: 11 A simples utilização do computador para a perpetuação de um delito como um estelionato não deveria ser – repita-se – com precisão técnica, considerada um crime informático. Ocorre, todavia, que não só autores, mas também as mídias em geral, convencionaram denominar crimes informáticos qualquer delito praticado com uso da tecnologia, seja ela o instrumento de conduta, seja o objeto do ilícito. Destarte apesar de não ser a técnica, a nosso ver, é impossível ignorá-la, dada sua particular popularidade acadêmica e, por que não, social, vez que mesmo que a mídia em geral passou a se valer dessa mesma classificação. Conhecendo tais conceitos, fica evidente a necessidade evolutiva do ordenamento jurídico frente à criminalidade digital, afinal na maior parte do estudo sobre o tema, se abrangiam os crimes digitais como crimes informáticos cometidos no uso de computador, não havendo expectativas de previsão que em um breve futuro, a informática invadiria os dispositivos móveis, crescendo então a seara de instrumentos que podem ser usados no cometimento dos delitos. 4 DIFICULDADES DO PRESENTE E PERSPECTIVAS FUTURAS 4.1 Forma de legislar sobre crimes digitais Como já visto anteriormente, há muito tempo se cobrava no Brasil a existência de uma legislação que tratasse dos crimes cometidos nos meios virtuais, ou contra estes. A legislação veio, porém está longe de resolver o problema. Jesus e Milagre (2016) atribuem a essa mora nas leis, o péssimo modo de se legislar sobre o tema no país, levando em conta que por muitas vezes tentou-se condenar técnicas informáticas, ao invés de condutas praticadas por meio destas técnicas, estas que estão em constante evolução, de acordo com o avanço dos sistemas e plataformas tecnológicas. Para tentar resolver esta questão, Jesus e Milagre desenvolveram a Teoria TCC, ou seja, Técnica, Comportamento e Crime. Tal teoria é sistematizada da seguinte maneira: a) Técnica: método, procedimento, software ou processo informático utilizado que pode caracterizar um comportamento. Pode ser manualmente executada ou por meio de subtécnicas, ferramentas ou métodos automatizados; 12 b) Comportamento: ação realizada por meio de uma ou mais técnicas, cometida por um ou mais agentes, por ação ou omissão, em face de redes de computadores, dispositivos informáticos ou sistemas informatizados; c) Crime: um ou vários comportamentos, que utiliza uma ou mais técnicas, que podem ofender mais bens ou objetos protegidos pelo Direito. Sendo assim, segundo estes autores: Ao se legislar sobre crimes informáticos, não se começa pela análise de uma técnica, tampouco definindo tipos penais, mas analisando condutas incrimináveis que podem ser realizadas por diversas formas (técnicas), e que mereçam a consideração do Direito Penal. Este pode ser um dos principais erros de grande parte dos doutrinadores e legisladores sobre o tema: confundirem técnica com conduta. A falta de apoio técnico – especialistas em tecnologia e segurança da informação, em setores legislativos – leva o legislador brasileiro á criação de tipos penais incoerentes. Desta questão percebe-se o quão fundamental é para o operador do Direito conhecer a diferença entre os elementos citados. Assim como também é fundamental a sensibilidade sobre o tema para que injustiças sejam evitadas, de maneira que o advogado criminal que atuar no Direito Digital lute para impedir que o Estado cometa arbitrariedades sendo desconhecedor da informática e ansioso pela penalização dos cidadãos no meio. 4.2 Investigação cibernética A falta de preparo profissional e estrutura qualificada na investigação cibernética é outro problema atual que necessita de solução para o futuro. Como já visto anteriormente, a Lei 12.735/2012 estabeleceu a possibilidade de a polícia judiciária estruturar órgãos especializados no combate à ação delituosa no meio digital. Sabe-se que o processo é lento, e o Estado ainda não possui capacidade financeira para abranger a ideia no país inteiro. Jesus e Milagre (2016) apontam que uma cooperação da iniciativa privada, muito utilizada nos Estados Unidos, poderia ajudar nessa estruturação. 13 4.3 O Processo Penal perante o direito digital Um dos problemas enfrentados frente à criminalidade virtual, além das tipificações e a falta de estrutura nas investigações, são na fase processual. No momento em que ocorre um determinado crime na internet, primeiramente deve ser observado em qual território se deu a ação. Peck (2014, p. 83) salienta que o direito deve intervir para proteger os litígios que eventualmente vierem acontecer, afinal, na internet é difícil estabelecer uma demarcação de território quando culturas e relações jurídicas de outros territórios e países se comunicam o tempo todo. No que diz respeito ao Brasil, Crespo (2011, p. 118) cita que os delitos praticados por brasileiros, tanto no país quanto fora, ainda que transnacionais, serão aplicados à lei brasileira, tendo em vista disposição do art. 7° do Código Penal, que sujeita a lei brasileira a alguns crimes praticados em território estrangeiro. Quanto à prisão, pela ótica de Jesus e Milagre (2016), esta não seria a medida mais adequada para lidar com criminosos desta natureza, e em caso de condenação, entendem que tais meliantes poderiam cumprir penas envolvendo prestação de serviços de segurança da informação e blindagem de sistemas. Na mesma linha de raciocínio, Peck (2014, p. 313) defende que colocar um criminoso virtual ou informático, junto a criminosos comuns seria uma irresponsabilidade pública, afinal poderia provocar a criação de supercriminosos. Roza (2007, p. 73) frisa que nenhum combate sério aos crimes digitais se esgota no processo tipificador. Segundo ele, “sem cooperação internacional, sem a melhoria do aparelhamento policial e sem o aperfeiçoamento profissional nesta área, a simples existência de uma adequada tipificação não tem o menor significado prático e não basta para tutelar a sociedade contra tão lesiva atividade criminosa”. CONCLUSÃO Este trabalho não teve como pretensão trazer respostas para as questões que envolvem os crimes digitais, mas sim propor reflexões, apresentando divergências e encontros de entendimentos na busca de melhorar os desafios futuros. A cada ano tem se visto a tecnologia evoluindo de maneiras inimagináveis, com vasta variedade de dispositivos eletrônicos, cada vez mais avançados em suas 14 funcionalidades. Como exposto na parte histórica do artigo, há cerca de duas décadas o ordenamento jurídico brasileiro não se encontrava preparado legalmente para lidar com a expansão tecnológica e o uso da internet nas mãos da sociedade. Porém mesmo que com grande morosidade, ao longo do tempo conseguiu estabelecer uma legislação que embora não solucione o problema, já é um grande passo na proteção do bem jurídico informático, algo que se tornou fundamental em meio às tecnologias que são usadas diariamente. As Leis de Crime Informático ora estudadas já estão em vigor, e embora se tenha tão pouco material a respeito delas, a tendência é que em breve haja diversos julgados a respeito, além de doutrinas e artigos destinados à sua interpretação e aplicabilidade. Não se pode deixar de destacar também a importância do Marco Civil da Internet que trouxe a obrigatoriedade da guarda de registros de conexão, além de regulamentar também o acesso, por autoridades administrativas, aos dados cadastrais de um indiciado ou investigado. Tal feito foi uma grande vitória paraos cidadãos brasileiros garantirem sua segurança no ambiente virtual. Diante do exposto, verifica-se também que o Estado ainda não possui meios suficientes para combater em massa a criminalidade virtual, principalmente no que diz respeito a uma estrutura específica para investigações de consistência na área. Por isso, se faz tão importante a discussão sobre o tema, causando notoriedade para que possa haver investimento e aperfeiçoamento dessas áreas. Concluindo, este artigo demonstrou que legislar sobre crimes digitais não é tarefa fácil, evidenciando que as interpretações cabíveis são diversas, motivo pelo qual também não será simples pacificar entendimentos sobre o tema. Aperfeiçoar o aspecto criminal tratando das novas realidades é o essencial para que o Direito Penal consiga se equiparar com a rápida evolução tecnológica, considerando a história e o que já se tem juridicamente a respeito quando da elaboração de novas leis de crimes virtuais. DIGITAL CRIMES FROM THE PERSPECTIVE OF BRAZILIAN CRIMINAL LAW ABSTRACT: This article seeks to provide a study of the context in which technology as part of today's society has been used for criminal practice, whether it is in known offenses or new exclusively virtual types. In brief overview, it will expose the need for 15 criminal law to be based not only on formal standards, but also on effective protection of legal assets directly affected by cyber crimes. The study will focus on recent laws adopted on the subject, and the doctrines that analyzed them, pointing out issues that still generate incompleteness on the subject, seeking alternatives in the form of legislating and achieving security in the web environment. Key words: Digital crimes. Cybernetic inquiry. Criminal regulation. 16 REFERÊNCIAS BRASIL. Lei 12.735, de 30 de novembro de 2012. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12735.htm. Acesso em 13 ago. 2019. BRASIL. 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CRIMES DIGITAIS SOB A ÓTICA DO DIREITO PENAL BRASILEIRO INTRODUÇÃO DIGITAL CRIMES FROM THE PERSPECTIVE OF BRAZILIAN CRIMINAL LAW REFERÊNCIAS
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