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Material de Autoria de Pollianna Galvão AULA 2 – Concepções de Desenvolvimento e Aprendizagem Objetivo desta aula: compreender os fundamentos filosóficos que definem a concepção de homem na perspectiva histórico-cultural, em comparação com outros pressupostos teóricos sobre o desenvolvimento humano (ambientalismo, inatismo, interacionismo). 2.1 Teorias ambientalistas, inatistas e interacionistas do desenvolvimento humano. Na literatura da psicologia do desenvolvimento humano, coexistem diferentes correntes teóricas que estão relacionadas diretamente à forma de se compreender o homem e a sociedade. Essas teorias dependem da visão de mundo existente em uma determinada situação histórica e evoluem na medida em que se mostram capazes oferecer explicações sobre a realidade. Contextualizar a Psicologia Histórico-Cultural no âmbito de sua filiação filosófica e epistemológica, portanto, é tarefa fundamental no início desta disciplina. Compreender as concepções sobre o homem é conhecer as teorias que versam sobre a natureza humana, ou seja, a forma como elas concebem o processo que orienta o desenvolvimento. No dia a dia, podemos observar que as nossas ações, atitudes e representações sociais expressam a forma como entendemos o ser humano. Por exemplo, você deve conhecer ditados populares, como “filho de peixe, peixinho é”; “pau que nasce torto, nunca se endireita”; “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. Esses ditos, assim como outros discursos que circulam nas relações, estão repletos de valores, crenças e princípios que dão forma a diferentes concepções sobre o desenvolvimento e aprendizagem, muitas delas de maneira equivocada, levando a formação de preconceitos e mitos, como se ilustra a figura a seguir: Fonte: www.humortadela.com.br Para se compreender o desenvolvimento humano e seus desdobramentos às relações entre os indivíduos no contexto da escola, é necessário levar em consideração os fatores e características que estão na sociedade. A visão de desenvolvimento humano como processo histórico-social é relativamente recente. Por muito tempo, o papel da interação de fatores internos e externos na formação humana não era destacado entre os estudiosos. A ênfase recaía ou sobre os aspectos internos ou externos. Os filósofos e cientistas elaboraram, dessa maneira, teorias ou abordagens denominadas inatistas – que ressalvam a importância dos fatores endógenos – e teorias ou abordagens chamadas ambientalistas – que salientam especialmente a ação do meio e da cultura sobre a formação humana. As perspectivas teóricas de desenvolvimento apresentadas a seguir apoiam-se em diferentes concepções de homem. A Concepção Inatista A concepção inatista compreende que o desenvolvimento do ser humano decorre predominantemente da carga genética específica da espécie. As teorias psicológicas fundamentadas no inatismo partem do pressuposto de que os eventos que ocorrem após o nascimento do indivíduo não são fundamentais para o desenvolvimento. O apriorimo é a base filosófica da qual as teorias inatistas foram desenvolvidas, devido à ênfase na biológica que explicariam as características tipicamente humanas. Nessa perspectiva, as habilidades e características próprias de cada ser humano já se encontrariam prontas biologicamente desde http://www.humortadela.com.br/ Material de Autoria de Pollianna Galvão o nascimento, sofrendo pouca diferenciação qualitativa no curso de seu desenvolvimento. Seus traços de personalidade, valores, hábitos, crenças condutas entre outros aspectos sofreriam pouca interferência do ambiente. Partindo desse entendimento, o papel da educação e do ensino interfere muito pouco no processo do desenvolvimento espontâneo da pessoa. Com o passar do tempo, a concepção inatista se enfraqueceu como proposição teórica para a Educação na medida em que não conseguia fornecer explicações sobre os problemas da escola, como as dificuldades de aprendizagem. Atualmente, não existem evidencias empíricas ou teóricas que fundamentem uma compreensão exclusivamente biológica no âmbito da Psicologia (Oliveira, 2002). No entanto, essa concepção fundamentou abordagens rígidas, autoritárias e pessimistas para a educação de crianças e adolescentes. Nas palavras de Davis e Oliveira (1994). “Como, na concepção inatista, o homem ‘já nasce pronto’, pode-se apenas aprimorar um pouco aquilo que ele é ou, inevitavelmente, virá a ser. Em consequência, não vale a pena considerar tudo o que pode ser feito em prol do desenvolvimento humano. O ditado popular “pau que nasce torno, morre torno” expressa bem a concepção inatista, que ainda hoje aparece na escola, camuflada sob o disfarce das aptidões, da prontidão e do coeficiente de inteligência. Tal concepção gera preconceitos prejudiciais ao trabalho em sala de aula” (p. 16). A Concepção Ambientalista O ambientalismo respalda perspectivas teóricas que atribuem valor ao ambiente sobre o desenvolvimento humano, isto é, o homem se desenvolve em função das condições presentes no meio em que se encontra inserido. O empirismo é a base filosófica da qual as teorias ambientalistas foram desenvolvidas, devido à ênfase na experiência sensorial como mote para as transformações das características tipicamente humanas. Essa concepção admite que a aprendizagem é o processo pelo qual o comportamento humano é moldado por fatores ambientais, como resultado da experiência. No âmbito da Educação, as teorias ambientalistas em sala de aula levaram à maior valorização do ensino e do papel do professor no desenvolvimento escolar dos alunos. Passou-se a entender que a organização das condições para que a aprendizagem ocorra exige clareza a respeito dos objetivos que se quer alcançar. Isso traz de volta à função e responsabilidade do docente para planejar o ensino com base em objetivos que se deseja alcançar. A concepção ambientalista da educação, portanto, valoriza o papel do professor, cuja importância havia sido minimizada na abordagem inatista. Por outro lado, as teorias ambientalistas levaram a desdobramentos negativos à prática pedagógica. Nesse sentido, Neves e Almeida (1996) afirmam que a educação passou a ser concebida como tecnologia, exigindo do professor um conhecimento sobre os fatores a serem considerados em uma programação de ensino, deixando de lado a reflexão filosófica sobre a prática pedagógica. Davis e Oliveira (1994) reiteram essa afirmação ao enfatizarem que programar o ensino deixou de ser uma atividade cognitiva, de se pesquisar, refletir e propor inovações na forma de ensinar, para ser uma atividade meramente formal de colocar os planos de aula em uma espécie de fórmula-padrão. A principal crítica que se faz à concepção ambientalista refere-se à visão passiva de homem em relação ao seu próprio desenvolvimento e à noção de que ele pode ser manipulado ou controlado pela combinação de fatores do ambiente onde se encontra. As teorias que se respaldaram nessa concepção não se preocupavam em fornecer explicações sobre os processos pelos quais a criança raciocina, quais aspectos cognitivos conduzem ao erro, a importância do erro do desenvolvimento cognitivo, a relação entre pensamento e desenvolvimento da fala, entre outros aspectos que só foram alvo de estudos entre as teorias interacionistas, conforme falaremos a seguir. A Concepção Interacionista Atualmente, as teorias psicológicas concebem, com certo grau de consenso, que o desenvolvimento humano decorre da influência conjunta dos fatores biológicos e ambientais (Aspesen, Dessen & Chagas, 2005). Ao considerar que os aspectos internos e externos se inter-relacionam continuamente, formando uma complexa combinação de influências, essas teorias discordam das teorias de compreensão inatista, por desprezarem o papel do ambiente, e das concepções ambientalistas, porque não consideram a importância dos fatores da maturação biológica. Material deAutoria de Pollianna Galvão Contexto e organismo exercem ação recíproca sobre o desenvolvimento, cuja trajetória vai gerando mudanças entre o homem- natureza de forma processual, dinâmica e bidirecional. Desta afirmação, podemos refletir sobre o porquê a sociedade sempre avança em tecnologia e ciência, culminado no desenvolvimento de habilidades intelectuais cada vez mais complexas. Uma criança que nasceu na década de 1980, certamente, possui habilidades computacionais diferenciadas daquelas que nasceram nos anos 2000, em uma geração cuja sociedade já dispõe de maior acesso a esse tipo de tecnologia. Davis e Oliveira (1994) definem bem a compreensão sobre o interacionismo, cujas teorias são consideradas menos deterministas por manterem uma visão integrada e complementar entre essas duas concepções. A concepção interacionista de desenvolvimento apoia-se, portanto, na ideia de interação entre organismo e meio e vê a aquisição de conhecimento como um processo construído pelo indivíduo durante toda sua vida, não estando pronto ao nascer nem sendo adquirido passivamente graças às pressões do meio. Experiências anteriores servem de base para novas construções que dependem, todavia, também da relação que o indivíduo estabelece com o ambiente numa situação determinada (Davis e Oliveira, 1994, p. 22). 2.2 Desenvolvimento humano em Vygotsky A perspectiva histórico-cultural da Psicologia instaurou-se no cenário contemporâneo a partir do reconhecimento das limitações da ciência psicológica do início do século XX, propondo a superação da visão dual e determinista de homem que traziam as teorias inatistas ou ambientalistas. Essa abordagem tinha como um dos seus principais expoentes Vygotsky (1998, 2000, 2004), o qual considerava que as correntes teóricas da psicologia na época eram insuficientes para gerar explicações sobre os processos psicológicos humanos. Ao corroborar uma concepção interacionista de desenvolvimento, Vygotsky (1998) afirma: Podem-se distinguir, dentro de um processo geral de desenvolvimento, duas linhas qualitativamente diferentes de desenvolvimento, diferindo quanto à sua origem: de um lado, os processos elementares, que são de origem biológica, de outro, as funções psicológicas superiores, de origem sociocultural. A história do comportamento da criança nasce do entrelaçamento dessas duas linhas. (p. 61). Cabe enfatizar que o escopo das teorias interacionistas, na atualidade, é vasto e tem trazido contribuições importantes para fornecer explicações sobre o comportamento humano nos diversos contextos sociais, dos quais os educativos são de especial importância a esta disciplina. Jean Piaget (1896-1980), e a sua epistemologia genética; Henri Wallon (1879-1962), e sua teoria dos campos funcionais, Urie Bronfenbrenner (1917-2005), e sua teoria ecológica dos sistemas, são estudiosos interacionistas que se destacam nessa perspectiva. Nas próximas aulas, enfatizaremos conceitos centrais e preceitos teóricos que marcam a forma que Lev Vygotsky compreende o desenvolvimento humano. ATIVIDADES: 1) Fórum sobre as concepções de desenvolvimento Como vimos nesta aula, as teorias interacionistas compreendem o desenvolvimento humano de maneira sociocultural, por considerar tanto os fatores do organismo como os aspectos do contexto. É através da interação entre as pessoas que o homem, desde seu nascimento, construindo suas características (seu modo de agir, de pensar, de sentir) e sua visão de mundo (seu conhecimento). No cotidiano, as concepções sobre o homem estão impregnadas no nosso discurso e prática, ajudando na formação de mitos e preconceitos que não correspondem ao que a ciência psicológica entende sobre o desenvolvimento e aprendizagem. Não podemos mais dar explicações sobre os problemas que ocorrem na escola de forma simples, com causa única. Vamos abrir um debate para colocarmos nossas experiências no âmbito da escola, e outros contextos educacionais, evidenciando as concepções inatistas, ambientalistas e interacionista. Por exemplo: “Os distúrbios que essas crianças trazem para a escola é de casa, da família”. Esta fala é de um diretor que participou de uma pesquisa feita por Ana Aparecida Collares (médica) e Cecília Moysés (pedagoga) Material de Autoria de Pollianna Galvão sobre preconceitos que se formam no cotidiano da escola. É uma fala que se respalda em uma concepção ambientalista de desenvolvimento. Quais outros discursos que, corriqueiramente, circulam nas instituições educativas que vocês trabalham, trabalharam ou tiveram alguma experiência? A que concepções esses discursos se filiam? REFERÊNCIAS Aspesi, C. C.; Dessen, M. A. & Chagas, J. F. (2005). A ciência do desenvolvimento humano: uma perspectiva interdisciplinar. Em: M. A. Dessen & A. L. Costa Júnior (Orgs.). A ciência do desenvolvimento humano: tendências atuais e perspectivas futuras (pp. 19- 36). Porto Alegre: Artmed Editora S. A. Collares, C. A. L. & Moysés, M. A. A. (1996). Preconceitos no Cotidiano Escolar: Ensino e medicalização. São Paulo: Cortez. Davis, C. & Oliveira, Z. M. R. (1994). Psicologia na educação (2ª Ed.). São Paulo: Cortez. Davis, C. & Oliveira, Z. M. R. (1994). Psicologia na educação (2ª Ed.). São Paulo: Cortez. Neves, M. M. B. J. ; Almeida, S. F. C. (1996). O fracasso escolar: Concepções sobre um fenômeno de múltiplas faces. Cadernos da Católica, 01 (Série Psicopedagogia), 09-25. Oliveira, M. K. de (1992). Vygotsky e o processo de formação de conceitos. Em Y. de La Taille, M. K. de Oliveira & H. Dantas. Piaget Vygotsky Wallon: Teorias psicogenéticas em discussão (pp. 23-34). São Paulo: Summus. Vygotsky, L. S. (1998). A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes. Vygotsky, L. S. (2000). A construção do pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes. Vygotsky, L. S. (2004). Teoria e método em psicologia. São Paulo: Martins Fontes.
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