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UNIDADE II HISTÓRICO DAS LEIS BÁSICAS DA EDUCAÇÃO NACIONAL Prof.Ms. Daniel Bocchini As Constituições brasileiras foram incorporando, ao longo do tempo, conquistas importantes dentro de um ritmo historicamente lento, como todo o processo brasileiro de aproximação entre direitos políticos e direitos sociais. No fundo, o Brasil esteve sempre distanciado da cidadania como uma categoria estratégica da construção de uma sociedade mais justa. Somente a partir de 1948, com a Carta de Direitos da Organização das Nações Unidas (ONU), é que grande parte dos países como o Brasil se deu conta que todos devem ser tratados como iguais perante a lei, de fato, à medida que todos tiverem direito ao trabalho, à moradia, à saúde, à educação, à livre expressão, enfim, a uma vida digna (CARNEIRO, 1998). No caso da Educação, essas conquistas foram desiguais em diferentes países. Na divulgação da Declaração Mundial sobre Educação para todos em 1990 mostrou a realidade educacional do Brasil, pois o nosso país ajudou a compor o cenário das nações com os mais elevados índices de desescolarização do mundo (CARNEIRO, 1998). A primeira Constituição do país foi publicada em 1824. Desse momento até os dias atuais, o Brasil teve oito Constituições, a saber: a de 1824, a de 1891, a de 1934, a de 1937, a de 1946, a de 1967, a de 1969 e a de 1988. Destas, apenas as de 1891, 1934, 1946e 1988, foram votadas por representantes populares com delegação constituinte. A últimas dessas Constituições, a de 1988, contou com uma grande participação da comunidade nacional, mediante a mobilização de amplos segmentos da sociedade civil. Esse movimento cívico culminou nos atos públicos que reforçaram a criação do Plenário Nacional Pró-Participação Nacional Popular na Constituinte. Nesse cenário, a defesa da escola pública e de uma educação de qualidade ganhou relevância ímpar no conjunto da sociedade brasileira como veremos nos próximos parágrafos (CARNEIRO, 1988). A Constituição Imperial de 1824 incorporou a iniciativa de implantação de colégios e universidades ao conjunto de direitos civis e políticos, além de fixar a gratuidade do ensino primário. O processo gerencial do ensino ficou resguardado no âmbito da Coroa e, quatro anos mais tarde, com a instalação das Câmaras Municipais, coube a eles a tarefa de inspeção das escolas primárias. Em 1834, a declaração do Ato Adicional criou as Assembleias Legislativas Provinciais cabendo-lhes a atribuição de legislar sobre a instrução pública. No entanto, o formato assumido pelo ensino superior, de conteúdo generalizante e humanístico, terminou por repercutir no próprio ensino secundário. De fato, ao excluir, da competência das Assembleias Legislativas Provinciais , as Faculdades de Medicina, de Direito e as Academias, abria-se uma brecha para a coexistência de uma dualidade de sistemas, advinda de uma concomitância de poderes (provincial e central), no tocante do ensino primário e secundário, até porque estabeleceu-se um mecanismo natural de direcionamento do currículo pré-universitário. De um lado porque o ensino secundário visava a preparação dos alunos para o ensino superior, portanto, tinha uma orientação curricular elaborada apenas para essa finalidade e, de outro, porque os candidatos às Faculdades Superiores eram examinados nos próprios cursos em que faziam o secundário. Ainda com maior gravidade, a maioria das escolas secundárias estava nas mãos de particulares, o que por si só representava uma elitização da escola, fazendo com que somente famílias de posse poderiam bancar os estudos dos seus filhos (CARNEIRO, 1998). A Constituição Republicana de 1891 trouxe mudanças significativas na educação. Ao Congresso Nacional foi atribuída a prerrogativa legal exclusiva de legislar sobre o ensino superior. Ainda poderia criar escolas secundárias e superiores nos Estados, além de responder pela instrução secundária do Distrito Federal. Quanto aos Estados, havia a responsabilidade de legislar sobre o ensino primário e secundário, implantar e manter escolas primárias, secundárias e superiores. Nesses dois últimos casos, o Governo Federal poderia, igualmente, atuar (CARNEIRO, 1998). A Constituição Federal de 1934 inovou ao atribuir, à União Federal, a tarefa absoluta de fixar as diretrizes e bases da educação nacional. Criou, também, o Conselho Nacional de Educação e os Estados e o Distrito Federal ganharam autonomia para organizar seus sistemas de ensino e, ainda, instalar Conselhos Estaduais de Educação com idênticas funções das do Conselho Nacional, evidentemente, no âmbito de suas respectivas jurisdições. A União recebeu a tarefa institucional de elaborar o Plano Nacional de Educação, com dois eixos fundamentais: a organização do ensino nos diferentes níveis e áreas especializadas e a realização de ação supletiva junto aos Estados, seja subsidiando com estudos e avaliações técnicas, seja aportando recursos financeiros complementares. Três outras conquistas foram incorporadas ao texto constitucional: ensino primário e gratuito para todos, desde que oferecido em escola pública, inclusive para alunos adultos, percentual de 10%, por parte da União e dos Municípios, e de 20% por parte dos Estados e do Distrito Federal, da renda resultante de impostos, objetivando ações de manutenção e desenvolvimento do ensino. Dos recursos federais, 20% deveriam ser destinados ao ensino na zona rural. Por fim, estabelecia-se, pela primeira vez, a obrigatoriedade de auxiliar alunos carentes, pelo mecanismo da concessão de bolsas de estudos (CARNEIRO, 1998). Essas diferentes conquistas trazidas pela Constituição de 1934 devem ser percebidas na moldura das metamorfoses pelo que o país passava. Todo o período da 1ª República exibiu um índice de urbanização e industrialização bastante baixo. Portanto, podemos dizer que até o final da década de 1920, a economia não fazia, praticamente, nenhuma exigência à escola. Após a Primeira Guerra Mundial que os setores médios e proletários urbanos e rurais começam a contar mais abertamente como categoria política. De fato, na estrutura oligárquica de predominância rural, os requerimentos de instrução não eram sentidos. Somente a partir de 1930, com a intensificação do capitalismo industrial, que se inaugura um quadro de novas exigências educacionais por parte de camadas da população cada vez mais amplas (CARNEIRO, 1998). Segundo Carneiro (1998) a Constituição de 1946, traduzindo o clima de afirmação democrática que invadiu o mundo após a 2ª Guerra Mundial, era representada por um conjunto de valores transcendentais que tinham, na liberdade, na defesa e na dignidade humana e na solidariedade internacional, sua base de sustentação. Proclama a educação como um direito de todos e possuía princípios interligados, tais como: - Compulsoriedade do ensino primário para todos e sua gratuidade nas escolas públicas; - Gratuidade do ensino oficial para alunos carentes; - Obrigatoriedade de oferta de ensino primário gratuito por parte de empresas com mais de cem empregados e, ainda, exigência às empresas industriais e comerciais de assegurarem aprendizagem aos trabalhadores menores; - Ingresso no magistério através de concurso de provas e títulos; - Fornecimento de recursos por parte do Estado para que o direito universal de acesso á escola primária fosse assegurado, buscando-se, dessa forma, a equidade social; - Responsabilidade educativa compartilhada pela família e pela escola, podendo haver oferta pública e privada em todos os níveis de ensino; - Oferta obrigatória de ensino religioso, embora fosse de matrícula facultativa para os alunos. Podemos afirmar que a Carta de 1946 pregou uma organização equilibrada do sistema educacional brasileiro, mediante um formato administrativo e pedagógico descentralizado, sem que a união abdicasse da responsabilidadede apresentar as linhas-mestras de organização da educação nacional. Nela, a muito das ideias e do espírito do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932. Foi a partir dessa percepção que o Ministro da Educação de então, Francisco Mariani, oficializou uma comissão de educadores para propor uma reforma geral da educação nacional. Aqui, a origem da lei 4024/61, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nossa primeira LDB, somente aprovada pelo Congresso Nacional depois de uma longa gestação de onze anos. Com a Constituição de 1946, o Ministério da Educação e Cultura passava a exercer as atribuições do Poder Público Federal em matéria de Educação (CARNEIRO, 1998). A Constituição de 1967, pautada sob a inspiração da ideologia da segurança nacional, abriu amplos espaços de apoio ao fortalecimento do ensino particular. Para ele, eram direcionados recursos públicos sem qualquer critério especifico. A ampliação da obrigatoriedade do ensino fundamental de sete a quatorze anos, aparentemente uma grande conquista, conflitava com outro preceito que permitia o trabalho de crianças com doze anos. Nisto, contrastava com a Carta de 1946 que estabelecia os quatorze anos como idade mínima para o trabalho de menores. Também a ideia de gratuidade do ensino esbarrava na prescrição constitucional da criação de um sistema de bolsas de estudo reembolsáveis. Por fim, retirava-se a obrigatoriedade de percentuais do orçamento destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino (CARNEIRO, 1998). A Constituição de 1969 preservou, basicamente, todos os ângulos restritivos da Carta anterior. Recursos orçamentários vinculados ao ensino ficaram restritos aos municípios que se obrigavam a aplicar, pelo menos, 20% da receita tributária no ensino primário (CARNEIRO, 1998). O lado mais obscuro do texto constitucional de 1969 foi o relativo às atividades docentes. A escola passou a ser palco de vigilância permanente dos agentes políticos do Estado. Neste período, editaram-se vários Atos Institucionais que eram acionados, com muita frequência, contra liberdade docente (CARNEIRO, 1998). Para Carneiro (1998) a Constituição de 1988 significou a reconquista da cidadania sem medo. Nela, a Educação ganhou lugar de altíssima relevância. O país inteiro despertou para esta causa comum. As emendas populares manifestaram a ideia da educação como direito de todos (direito social) e, portanto, deveria ser universal, gratuita, democrática, comunitária e de elevado padrão de qualidade. Em síntese, transformadora da realidade. Para tanto, deveria pautar-se pelos seguintes princípios fundamentais: I. igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II. liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III. pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV. gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V. valorização dos profissionais de ensino, garantindo, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, assegurando regime jurídico único para todas as instituições mantidas pela União; VI. gestão democrática do ensino público, na forma de lei; VII. garantia e padrão de qualidade; Por outro lado, as universidades passaram a gozar de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e a obedecer ao principio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Enfim, o dever do Estado com a educação, segundo Carneiro (1998), passou a ser efetivado mediante a garantia de: I. ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiverem acesso na idade própria; II. progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade do ensino médio; III. atendimento educacional especializado as pessoas com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino; IV. atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; V. acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI. oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; VII. atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. A seguir, mostraremos algumas ideias do que foi descrito nessa lei de acordo com Carneiro (1998). TÍTULO I DA EDUCAÇÃO Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. 1º Esta lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias. 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e a prática social. O termo educação possui um sentido abrangente. Fala-se em educação formal, educação não formal, educação continuada, educação a distância, educação ambiental, educação sexual, etc. Na legislação anterior, por exemplo, era sinônimo de ensino. Seja de ensino regular, seja de ensino supletivo. Portanto, referia-se, sempre, à educação formal. Embora a lei estatuísse que pudesse ser dada no lar e na escola, de fato, a ação educativa verdadeiramente “certificada” pelos cânones legais era aquela encorpada na modalidade ensino (CARNEIRO, 1998). A lei 9.394 enquadra uma tipologia especifica de educação, a chamada educação escolar, desenvolvida, predominantemente, porém não exclusivamente, em instituições especificas, denominadas de instituições educativas (Creches, Escolas, Colégios, Institutos, Faculdades, Centros Universitários, Universidades, etc) (CARNEIRO, 1998). A educação referida nessa lei atrai quatro conceitos estruturantes do novo mapa de referência da escola, enquanto palco principal do processo educativo: - Prática Social: atividade socialmente produzida e, ao mesmo tempo, produtora de existência social. Significa, também, soma de processos históricos determinados pelas ações humanas; - Mundo do Trabalho: ambiente de construção de sobrevivência, mas também de transformação social; - Movimentos Sociais: esforços organizados de construção de espaços alternativos de construção coletiva; - Manifestações Culturais: Trata-se de expressões de cultura enquanto conceito antropológico e se reporta ao mundo que o homem cria através de sua intervenção sobre a natureza, ou seja, através do seu trabalho. Neste sentido, não há cultura superior a outra, existem culturas diferentes (CARNEIRO, 1998). TÍTULO II DOS PRINCÍPIOS E FINS DA EDUCAÇÃO NACIONAL Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. A responsabilidade da família e do Estado com educação tem origem em vários dispositivos da Constituição. Em decorrência, outras fontes legais ratificam e explicitam esta obrigatoriedade. Assim, o Código Penal estabelece pena de detenção de 15 dias a um mês ou multa a quem “deixar, sem justa causa, de prover a instrução primária de filhos em idade escolar”. O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, no Art. 53, declara que “a criança e o adolescente tem direito à escola pública e gratuita próxima de casa”. Portanto, não se trata de uma mera concessão, mas de um principio de coercibilidade (CARNEIRO,1998). Ao atribuir a responsabilidade da educação à família e ao Estado, o dispositivo legal retrata o Art. 205 da Constituição Federal e, igualmente o faz, ao abordar a dimensão tecnológica da educação (qualificação para o trabalho) (CARNEIRO, 1998). As fontes de inspiração da Educação são conquistas da humanidade consagradas em estatutos universais como a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (março de 1948), a Declaração Universal dos Direitos Humanos (dezembro de 1948), as várias Constituições nacionais e a atual Constituição Brasileira em seu Artigo 5º (CARNEIRO, 1998). A finalidade da Educação é de tríplice natureza: O plano de desenvolvimento do educando: significa que a educação, como processo internacional, deve contribuir para que o organismo psicológico do aprendiz de desenvolva numa trajetória harmoniosa e progressiva. É o nível cognitivo em evolução, voltando-se para a assimilação de certos conhecimentos e de certas opções mentais. A primeira etapa da trajetória corresponde às aprendizagens desenvolvidas na fase inicial da evolução da criança. Aqui, as aprendizagens estimulam a formação de hábitos sensoriomotores. A segunda etapa corresponde à formação consciente de estruturas, ao entendimento de propriedade e de relações fundamentais do mundo real. Aqui, adquirem-se formas de fazer e de aplicar conhecimentos adquiridos. No nível cognitivo, as pessoas desenvolvem a aprendizagem na relação direta com o seu mundo e, também, no uso do vocabulário, à medida que as palavras são portadoras de sentido. São elas condição essencial de aprendizagem, uma vez que constituem a base dos conceitos com os quais nós pensamos (CARNEIRO, 1998). Preparo para o exercício da cidadania: O conceito de cidadania centra-se na condição básica de ser cidadão, isto é, titular de direitos e de deveres a partir de uma condição universal – porque assegurada na Carta de Direitos da Organização das Nações Unidas – e de uma condição particular – porque vazada em cláusula pétrea da Constituição federal (todos são iguais perante a lei). Mas tal entendimento vai além, sob o resguardo do próprio texto constitucional, ao discriminar os chamados direitos sociais, a saber, (educação, saúde, trabalho, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados). Esses direitos são ditos, na atualidade e universalmente, como indicadores de competência social. A educação escolar é parte deles e, ao mesmo tempo, essencial para o seu exercício (CARNEIRO, 1998). A cidadania, hoje, não se reduz ao âmbito da ação do Estado, mas se dilata nas diferentes formas de pressão da sociedade civil para responder às particularidades de grupos e pessoas (CARNEIRO, 1998). Qualificação para o trabalho: a relação educação e trabalho devem ser entendidos como a necessidade de fazer do trabalho socialmente produtivo um elemento gerador da dinâmica escolar. O estudante é estimulado, pelo conjunto dos agentes em sala de aula (professor, disciplina, materiais instrucionais e processos de acompanhamento e avaliação), a inserir o aprendizado nas formas de produtividade (CARNEIRO, 1998). Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I. igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II. liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III. pluralismo de ideias e concepções pedagógicas; IV. respeito à liberdade e apreço à tolerância; V. coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI. gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII. valorização do profissional da educação escolar; VIII. gestão democrática do ensino público, na forma desta lei e da legislação dos sistemas de ensino; IX. garantia de padrão de qualidade; X. valorização da experiência extra escolar; XI. vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais. Esses princípios constituem matéria constitucional (Art. 206) e, como tal, assumem a forma de ordenamentos jurídicos universais quanto à sua aplicação ao ensino ministrado nas escolas brasileiras (CARNEIRO, 1998). Considerando que a educação é direito de todos e dever do Estado nos termos do Art. 205 da Constituição Federal, é impositivo que, quando oferecida sob a forma de ensino sistematizado, esteja norteada por princípios básicos que sustentam o mundo dos valores e o chão das significações da organização escolar e dos rituais educativos. Ademais, são todos são iguais perante a lei, o ensino oferecido deve ser igual na intenção específica de cada disciplina e na investigação problematizadora da sala de aula. Os princípios, portanto, devem ser entendidos como elementos recorrentes do diálogo pedagógico e da prática de ensino, de tal maneira que o ser, o valer e o refletir sejam vividos como elementos integradores das diferentes situações que ocorrem dentro da sala de aula, de cada curso, de cada escola, de cada sistema de ensino, enfim, de cada projeto educativo (CARNEIRO, 1998). Segundo Carneiro (1998) a igualdade de condições de acesso e permanência na escola vai além de se proclamar que a educação é direito de todos. É importante relevar como esse direito pode ser exercido a partir da oferta escolar. Esta preocupação implica em se definirem, participativamente, parâmetros de qualidade para a educação à luz de três princípios: - Princípio da Inclusão: trabalhar com uma organização escolar aberta a uma educação para a integração na diversidade. A realidade plural dos alunos deve encontrar, na sala de aula, o espaço adequado da aprendizagem da convivência entre diferentes. Este é o melhor entendimento do conceito de equidade contido na Constituição Federal (todos são iguais perante a lei). Uma escola com qualidade funcional deve ser permeável às especificidades das populações. A criança de classe social favorecida economicamente não possui problema de permanecer na escola. O problema existe com as crianças de periferias urbanas, de ambientes rurais, populações submetidas a condições de extrema pobreza, populações negras e indígenas, além dos evadidos e excluídas do sistema escolar. Como garantir a permanência de todos esses desfavorecidos socialmente, de modo que lhes seja assegurado um desenvolvimento pessoal à luz do critério da satisfação das necessidades básicas de aprendizagem? O princípio da inclusão é o alicerce da ideia de uma só escola para todos, inclusive para aqueles alunos com algum tipo de deficiência. - Princípio da Pertinência dos Conteúdos e das Metodologias: contextualizar os programas escolares a fim de que sejam instrumentos para a formação geral de uma cidadania moderna e participativa. - Princípio da Avaliação Formativa: diversificar a avaliação para que ela seja um processo impulsionador da aprendizagem e potencializador das capacidades dos alunos. A liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber é, além de norma constitucional inviolável, princípio dos mais relevantes do processo de aprendizagem com autonomia. A verdadeira escola ou a escola não autoritária tem com função principal formar para a autonomia. Neste sentido, o diálogo é a sua linguagem própria, método, aliás, muito utilizado nos primórdios da filosofia grega (CARNEIRO, 1998). O pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas significa que o espaço escolar e o ensino nele ministrado devem ser dinamizados a partir do conceito de heterogeneidade cultural. Mais do que isso, a partir do eixo igualdade/alteridade. O ponto essencial do trabalho do professor, ao preparar as suas aulas, reside em como articular o itinerário educativo da sala de aula com a pluralidade cultural e ideológica dos alunos. Ao professor e à escola cabe contribuir para desatar ascapacidades intelectuais dos alunos, porém, jamais para induzir este aluno a pensar como ele (professor) pensa. Se a escola não caminhar nesse horizonte, o ensino será, apenas, um processo de imposição cultural (CARNEIRO, 1998). O respeito à liberdade e o apreço à tolerância são manifestações avançadas da evolução democrática. O multiculturalismo vai sendo reconhecido à medida que se fortalecem o reconhecimento e o respeito aos direitos civis das minorias. O ensino torna-se, assim, um veículo privilegiado de aprofundamento de uma pedagogia dos direitos humanos e de uma convivência democrática tranquila entre as pessoas (CARNEIRO, 1998). A coexistência de instituições públicas e privadas de ensino responde não apenas as exigências de uma sociedade pluralista, um dos fundamentos da República, mas também a dispositivos constitucionais que possibilitam, ao Estado e à iniciativa privada, a responsabilidade compartilhada de realizar o ensino (CARNEIRO, 1998). A gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais é uma questão de grande alcance social. O contribuinte paga a escola, quando paga seus impostos. O princípio da gratuidade do ensino decorre, assim, das responsabilidades públicas do Estado. Cada vez que ele cobra por um serviço que é essencial e universal, como é o caso da educação básica, está praticando a bitributação, o que é constitucionalmente vedado (CARNEIRO, 1998). A valorização do profissional da educação escolar é tema recorrente em todas as discussões sobre educação, porém, de limitado alcance sobre o ponto de vista de sua operacionalização. Como se trata de questões políticas cabe à sociedade brasileira exigir que os representantes políticos criem os marcos normativos e os mecanismos para concretização deste princípio. Questões como carreira do magistério, piso profissional, formação, política de capacitação, concurso para ingresso na carreira e mecanismos de atualização permanente, são essenciais no âmbito da valorização do profissional da educação (CARNEIRO, 1998). Nada disto, porém, ganhará expressão enquanto a sociedade não disser o que deseja de sua escola e, em decorrência, que tipo de professor deseja formar para trabalhar nessa escola. A área de educação, apesar de grande detentora de mão de obra, concentra os mais baixos salários do setor público. Na área municipal da região Nordeste, ainda, permanece salários aviltantes, embora a implantação do Fundo de Manutenção e o Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF) inicie a modificação dessa situação. Na verdade, quanto mais vigilante for a sociedade no sentido da fiscalização e do controle dos recursos advindos do FUNDEF, mais rapidamente tal situação se reverterá. Enfim, sem bons salários, não existe boa escola e bom ensino e, com certeza, haverá subeducação, conceito que pertence ao mundo de faz de conta, da pedagogia da ilusão (CARNEIRO, 1998). A gestão democrática do ensino público tem sido um dos desafios da década de 1990. O horizonte desse conceito de gestão é o da construção da cidadania que inclui: autonomia, participação, construção compartilhada dos níveis de decisão e posicionamento crítico em contraponto a ideia de subalternidade. Este é o visor que nos faz construir e enxergar a escola cidadã, que nada tem a ver com um modelo burocrático tradicional, tecnicista e excludente. Na gestão democrática, a ideologia da burocracia, que possui como eixo a hierarquia autoritária, é substituída pela “construção da hegemonia da vontade comum”, pela construção de um projeto político pedagógico que a caracteriza e singulariza, na sua execução, acompanhamento e avaliação, por todos os participantes. Neste caso, a eleição de diretores representa, apenas, um dos aspectos deste tipo de gestão, sem esgotar o processo de democratização e de participação. A formulação coletiva deste modelo de gestão parte da definição de uma filosofia pedagógica referenciada à realidade social ampla, passando pelo entorno da escola, até adentrar o contexto imediato. São cenários articulados para esta tarefa de definição do projeto político pedagógico. Os atores/profissionais de educação precisam ter competência técnica, política e humana, condição que vai assegurar uma adequada percepção da realidade concreta (CARNEIRO, 1998). A gestão democrática do ensino público é fundamental para a ultrapassagem de práticas sociais alicerçadas na exclusão, na discriminação, na apartação social, que inviabilizam a construção histórico-social dos sujeitos. Neste sentido, a ingerência político-partidária na gestão escolar é antidemocrática e deformadora dos interesses educacionais (CARNEIRO, 1998). A garantia do padrão de qualidade está fundamentada no princípio da equidade/diversidade que não pode ser visto como critério abstrato da oferta de ensino. O começo desse princípio é a visualização dos fundamentos éticos desse ensino. Fundamentos que vão além dos conceitos de eficácia e eficiência administrativas. Professores bem qualificados e bem pagos, escolas adequadamente equipadas, salas de aula bem organizadas são precondições importantes para a garantia de um padrão de qualidade institucional. Porém, é no currículo, na eleição das disciplinas, na integração dos conteúdos, na formulação dos objetivos de cada programa e na forma da construção da aprendizagem no cotidiano da sala de aula que se reflete, de fato, o chamado padrão de qualidade. Mas, o currículo somente motiva, criativamente, quando existem materiais pedagógicos à disposição dos professores e de alunos e, ainda, quando o uso desse material é feito mediante uma prática pedagógica avaliada permanentemente. E essa prática deve ser fonte de uma formação permanente em serviço. O currículo foca os conteúdos e essa prática pedagógica avaliada foca o aluno nas suas diferenças individuais e, portanto, nas suas apropriações diferenciadas de trabalhar e de assimilar cada disciplina (CARNEIRO, 1998). O conteúdo legal desses dois últimos incisos (Gestão Democrática do Ensino Público e Padrão de Qualidade) deve ser agregado ao Art. 4º, Inc. IX, que trata do “padrão mínimo de qualidade de ensino”, como um dos deveres do Estado com a educação escolar pública. Esses três dispositivos formam o amálgama garantidor de sistemas de ensino e de redes de escolas comprometidos com uma educação para a sociedade do conhecimento. Importa dizer que os próprios gestores dos sistemas precisam estar adequadamente preparados para o exercício de uma gestão educativa em uma sociedade que está trocando ordenamentos patrimonialistas por conhecimento, competência e capacidade de gerir com parcerias (CARNEIRO, 1998). Na avaliação da experiência extraescolar é uma das mais desafiadoras questões do ensino brasileiro. A nossa tradição escolar, radicalmente formal e formalizante, tem impedido o desenvolvimento de uma cultura pedagógica que valorize o patrimônio de conhecimentos que o aluno construiu e constrói fora do espaço da sala de aula. No fundo, esta dificuldade traduz a relevância absoluta que se dá à qualidade formal do conhecimento. O saber sistematizado encorpa um tipo de hegemonia que beneficia estratos restritos da sociedade, em detrimento da coletividade ampla. Os próprios professores recebem uma formação que lhes dificulta o desenvolvimento da capacidade para construir interseções de saberes no bojo das disciplinas que ministram. O extraescolar representa um canal importante para abrir espaços de articulação escola/comunidade, pela possibilidade de construir um conteúdo de ensino capaz de “satisfazer necessidades básicas de aprendizagem” (CARNEIRO, 1998). Para Heller (1972) citado por Carneiro (1998) o extraescolar não pode ser considerado a subeducação. Pelo contrário, o extraescolar é o trabalho, a convivência, o lazer, a família, o amor, a festa, aigreja, o esporte em suas diferentes modalidades, etc. Portanto, valorizar o extraescolar é atribuir valor educativo ao cotidiano das pessoas. A vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais tem, no currículo escolar, sua própria forma de concretização. Essa relação significa o próprio desenho da formação básica na linha da pedagogia contemporânea do “aprender a aprender”. Sem isto, não se pode falar em qualidade educativa nem em ensino de qualidade. Nessa perspectiva, há de se alentar uma urgente transformação da pedagogia pouco afeita a ideia de atribuir, ao ensino, uma dimensão produtiva. A própria expressão ensino/aprendizagem transmite a ideia de ensino como processo passivo, marcado por uma formulação extremamente burocrática. Longe desta visão, o texto legal preconiza um ensino ativo enriquecido pelo dinamismo interno do trabalhar e fecundado pelas vibrações transformadoras das práticas sociais. O uso dos métodos pedagógicos precisa, igualmente, ser reorientado, uma vez que eles não existem para “aprisionar” os conhecimentos, as disciplinas, senão para realçar os processos das articulações do que se esta aprendendo (CARNEIRO, 1998). TÍTULO III DO DIREITO À EDUCAÇÃO E DO DEVER DE EDUCAR I. ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiverem acesso a idade própria; II. progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade do ensino médio; III. atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino; IV. atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade; V. acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa, e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI. oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; VII. oferta de educação regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola; VIII. atendimento ao educando, no ensino fundamental público, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde; IX. padrões mínimos de qualidade do ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem. O Poder público, nos seus vários desdobramentos formais (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), tem o dever de oferecer ensino fundamental gratuito a todas as crianças na faixa etária de sete a quatorze e, ainda, àquelas pessoas que não puderam frequentar este nível de ensino na idade própria (CARNEIRO, 1998). O ensino médio é a etapa final da educação básica, mas, ainda temos uma grande parcela da população brasileira que não terminam esse nível de ensino ou estão matriculados fora da idade correta. Além disso, embora gratuito nas escolas públicas, o ensino médio, equivocadamente, não é obrigatório. A lei fala em sua progressiva obrigatoriedade e gratuidade (CARNEIRO, 1998). Educandos com necessidades especiais são aqueles que possuem necessidades pessoais específicas e, portanto, diferentes dos outros alunos no que se refere às aprendizagens curriculares compatíveis com suas idades. Em razão desta particularidade, estes alunos necessitam de recursos pedagógicos e metodológicos próprios. A lei determina que todas essas crianças têm o direito a um atendimento educacional especializado. Preferencialmente, devem ter o seu espaço de aprendizagem em turmas comuns, ao lado das demais crianças, evitando-se, desta forma, qualquer modalidade de segregação (CARNEIRO, 1998). As creches e pré-escolas são estruturas de organização da 1ª etapa da educação básica. Historicamente, o Poder Público tem sido arredio no sentido de assumir a chamada educação infantil. Para ela, se destinam todas as crianças de zero a seis anos. O atendimento gratuito em creches e pré-escolas fica grandemente comprometido pela inexistência de recursos vinculados a este nível de educação, o que contribui para a indefinição de responsabilidade. Este fato põe a educação brasileira na contramão da tendência mundial que é, precisamente, a de uma responsabilidade crescente do Estado pela educação infantil (CARNEIRO, 1998). No âmbito do direito à educação, o acesso aos níveis mais elevados de ensino seria uma coisa natural, não fosse a restrição que a própria lei cria ao delimitar essa possibilidade “à capacidade de cada um”. A capacidade não pode ser considerada algo estanque, senão potencialidade em processo e para que exista o seu desenvolvimento seria necessário estimulação, ambiente externo adequado e entorno estimulador de criatividade. Por esse ângulo, crianças pobres, submetidas a circunstâncias de absoluta privação cultural, estão impossibilitadas de realizar esse trânsito pelos diferentes níveis de ensino. Em um país em que a estrutura econômica é um impiedoso filtro seletivo para o acesso à educação em suas diferentes fases, esta prescrição restritiva (acesso segundo a capacidade de cada um) conflita com o princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei (CARNEIRO, 1998). A oferta de ensino regular noturno constitui um dos grandes desafios da educação brasileira, De fato, o que ocorre é que as escolas brasileiras apresentam dois níveis distintos de condição de funcionamento: um para o dia com facilidades maiores e outro para a noite, sob condições de funcionamento bem mais precárias. Este fato, aliás, reflete a visão elitista de uma educação que primeiro prepara os que não trabalham e, depois, os outros! São dois clientes: o estudante que, mais tarde, será trabalhador, e o trabalhador, eventual estudante. Esta visão vai ao encontro das exigências da sociedade do conhecimento que tem, no trabalho, uma forma também relevante de aprendizagem (CARNEIRO, 1998). A oferta de educação regular para jovens e adultos pelo texto legal deverá ser realizada mediante uma pluralidade de formas apropriadas a este tipo de aluno, não apenas no sentido de suas características biopsíquicas, mas também no sentido das necessidades objetivas do trabalhador. Deve-se, portanto, oferecer uma educação acessível ao seu perfil em duplo sentido: no sentido de chegar à escola e no sentido de permanecer na escola (CARNEIRO, 1998). Há fatores que atuam fora do palco da sala de aula e que repercutem diretamente sob as condições de aprendizagem do aluno. Esses fatores têm a sua etiologia em um modelo de desenvolvimento socioeconômico que favorece, historicamente, a concentração de renda e, em consequência, nutre, multiplicadamente, bolsões de pobreza. Em decorrência desses fatores exógenos à escola, o direito de educar e o dever da educação implicam, no âmbito do ensino fundamental de responsabilidade pública, na oferta de apoio escolar, tais como: material didático, alimentação, transporte e programas de saúde (CARNEIRO, 1998). A questão dos padrões mínimos de qualidade de ensino deve ser interpretada como a coexistência das precondições para que a escola possa desempenhar, plenamente, a função de ensinar. Tais precondições dizem respeito aos aspectos da organização escolar e pedagógica. Ou seja, envolve o núcleo da gestão e o núcleo pedagógico. Os insumos são de base material (estrutura física e acervo de medicamentos), de base gerencial (tipo de gestão e modalidades de flexibilização do planejamento), de base instrumental (material instrucional e metodologias), de base mutacional (qualidade de recursos humanos e cultura de inovação) e de base finalística (missão da escola, perspectiva de cursos, função das disciplinas e cultura de avaliação). Todos esses indicadores de qualidade mínimadeverão estar referidos ao tamanho da escola, à sua matricula, aos turnos de funcionamento e às condições de otimização de uso dos espaços e do tempo escolares (CARNEIRO, 1998). CARNEIRO, M. LDB Fácil: leitura crítico-compreensiva: artigo a artigo. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.
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