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Espondiloartrites – Dra. Joara Martins 1 Espondiloartrites As espondiloartrites (EpA) são caracterizadas como um grupo de doenças que apresentam entre si algumas peculiaridades clínicas, epidemiológicas, radiográficas, anátomo- patológicas e imunogenéticas. De modo geral, apresentam envolvimento axial inflamatório e/ou artrite periférica, tendo acometimento preferencial das articulações sacroilíacas e da coluna vertebral, especialmente a lombar. O acometimento periférico é, geralmente, assimétrico e com predomínio de oligoartrite de grandes articulações, em especial nos membros inferiores. São doenças com tendência à sobreposição clínica entre as enfermidades do grupo, podendo variar as manifestações com o passar dos anos. Apresentam marcante agregação familiar, inclusive entre subtipos diferentes de EpA, sendo que até 20% dos parentes de pacientes com espondiloartrites positivos para HLA B27 desenvolverão a doença – sendo que a prevalência é de cerca de 1% na população geral e 5% nos pacientes positivos sem histórico familiar. Em estudos com gêmeos nota-se que a presença do HLA B27 é responsável pela metade do risco. Fisiopatologia: existem hipóteses que tentam explicar o papel patogênico do HLA B27 na patogênese das EpA. Primeiramente, como é uma molécula do MHC de classe 1, sua principal função é apresentar antígenos para o linfócito CD8+, de modo que a apresentação de peptídeos bacterianos específicos poderiam ativar os linfócitos a reagirem contra antígenos próprios. Além disso, as células mesenquimais aparentam ter papel importante na fisiopatologia dessas doenças, em que ocorre alteração dos miofibroblastos. Outra teoria aponta a capacidade das moléculas de HLA B27 formarem homodímeros na membrana celular, esses que podem ser reconhecidos por células NK e linfócitos T, gerando inflamação. Além disso, poderia ocorrer uma unfolding protein response, gerando uma reação celular em resposta ao estresse causado pelo acúmulo de proteínas inadequadamente dobradas e disfuncionais, já que as cadeias pesadas do HLA B27 teriam tendência a esse dobramento falho – que produziria IL-23 com posterior diferenciação de linfócitos Th17 e inflamação. Frequentemente tem-se processo inflamatório a nível de êntese, estrutura composta por fibrocartilagem ou tecido conjuntivo fibroso onde tendões, ligamentos, cápsulas articulares e fáscias se ligam as ossos. Sabe- se que a êntese não é vascularizada e não possui células apresentadoras de antígenos, sendo que pode ser lesada mecanicamente, mas a alteração articular seria decorrente da proximidade com a sinóvia, que é suscetível à inflamação. Assim, incluído na patologia das espondiloartrites tem-se reabsorção óssea, tenossinovite, periostite, dactilite, sacroileíte, anquilose, entre outros. 1) Espondilite anquilosante A espondilite anquilosante é uma doença de predomínio no sexo masculino (3:1) e em caucasianos, de modo que se manifesta geralmente por volta da segunda a quarta década. Nota-se que a presença do HLA B27 positivo pode ser observada em cerca de 90% dos pacientes caucasoides, tendo prevalência aumentada se presença dessa molécula e associação com parentes de primeiro grau. De modo geral, na fisiopatologia da espondilite anquilosante tem-se estímulo de TNF e outras vias que estimulam a neoformação óssea, calcificando a êntese e perdendo mobilidade. Uma susceptibilidade Espondiloartrites – Dra. Joara Martins 2 genética com a presença de HLA B27 e quebra da barreira auxilia na inflamação do local, quadro que pode ser agravado pelo estresse na região – como atrito das juntas, culminando em migração de células T, neoformação óssea, anquilose e perda de mobilidade. Quadro clínico: tem-se a posição do esquiador pela calcificação das ênteses da coluna, que inicia com inflamação na região lombar e sacroilíaca com dor inflamatória e rigidez matinal que melhora ao longo dos dias. Cursa com dor em nádegas alternante, coluna em bambu, perda de mobilidade da coluna lombar, irradiação para membros inferiores, sintomas bilaterais e sem, habitualmente, sintomas de parestesias. Os sintomas melhoram com calor e mobilização articular, piorando com o repouso prolongado. Como complicações maus comuns pode-se ter deformidades vertebrais e fraturas secundárias à osteoporose. O acometimento periférico é mais frequente em grandes articulações como joelhos, tornozelo e coxofemorais, mas pode ocorrer em qualquer uma. Como alterações clínicas extrarticulares tem-se uveíte anterior aguda recorrente, aortite, bloqueio cardíaco, disfunção miocárdica, fibrose apical pulmonar, distúrbio ventilatório restritivo, nefropatia por IgA, amiloidose, síndrome da cauda equina, subluxação C1-C2, entre outros. A uveíte anterior aguda geralmente é unilateral, de remissão espontânea e relacionada ao HLA B27, exigindo acompanhamento oftalmológico frequente pelo risco de perda da visão. Diagnóstico: a avaliação da mobilidade é feita pelo teste de Schober modificado com o paciente de costas para o médico, sem camiseta e em posição ereta, devendo fazer uma marcação na altura das espinhas ilíacas superiores posteriores (EISP), realizando outra marca 10 cm acima. Depois, pede-se para o paciente curvar o máximo para frente, medindo a diferença entre as duas marcas. O normal é variar cerca de 5 cm ou mais, considerando uma alteração de a diferença for menor que isso, de modo que a melhor das duas tentativas deve ser registrada. Também pode-se realizar o teste de mobilidade axial-occipício-parede e trago-parede, em que o paciente deve permanecer com o calcanhar e o dorso apoiado na parede e com o queixo na posição habitual. Pede- se para que faça o máximo esforço para posicionar a cabeça (occipício) contra a parede, registrando a melhor de duas tentativas em cm para a distância occipício-parede e a média das distâncias trago-parede direita e esquerda. Além disso, são observados movimentos como rotação cervical, capacidade de abertura das pernas, variação do perímetro torácico após inspiração, entre outros. Deve-se definir a lombalgia inflamatória pela presença de 4 dos critérios: idade de início < 40 anos, início insidioso, melhora com exercício, sem melhora com repouso e dor noturna que melhora ao levantar. De acordo com os critérios de Nova York deveria a presença de sacroileíte grau > ou igual a 2 bilateral ou 3-4 unilateral, associado com um dos critérios clínicos apresentados 1) lombalgia e rigidez muscular por mais de três meses, que melhoram com exercício, mas não com repouso, 2) limitação da mobilidade da coluna lombar nos planos sagital e frontal e 3) limitação da expansibilidade torácica comparado ao normal, em relação à idade e sexo. Espondiloartrites – Dra. Joara Martins 3 Os critérios radiológicos pelo raio X definem de 0 a 4 o avanço da sacroileíte. Com o advento da ressonância tem-se mais facilidade na identificação de inflamação óssea e sinais precoces da patologia. Assim, atualmente existe a espondiloartrite não radiológica (dor lombar e sacroileíte na RNM) e radiológica com dor lombar associada a alterações visualizadas no raio X. Na radiografia geralmente nota-se aumento da reabsorção óssea evidenciada por erosões, associada a uma elevação da neoformação óssea identificada pela presença de sindesmófitos e de anquilose articular – com inflamação das êntese e acometimento axial ou de grandes articulações. Aos exames laboratoriais pode-se ter alteração de provas inflamatórias como VHS e PCR, mas geralmente são inespecíficos e comuns às doenças inflamatórias crônicas – com boa resposta a AINEs. Além disso, para diagnóstico pode-se analisar HLA B27 positivo, histórico familiar, psoríase, doença de Crohn, infecções, entre outros. Como diagnóstico diferencial pode-se ter a osteíte condensante do ilíaco. A tabela abaixo apresenta os critérios classificatóriosdo ASAS para definição das espondiloartrites axiais e periféricas. Assim, para abordagem do paciente com dor lombar crônica (> 3 meses) e antes dos 45 anos de idade avalia-se a presença de dor lombar de ritmo inflamatório, realizando também observação de sacroileíte no exame de imagem e verificação da presença do HLA B27, encaminhando para o reumatologista na presença de qualquer um desses fatores. Tratamento: como não medicamentoso tem-se exercício físico que trabalha mobilidade de coluna, fisioterapia, reabilitação do movimento e grupos de autoajuda para auxiliar no enfrentamento da doença. O primeiro tratamento farmacológico pode ser com uso de AINEs para pacientes sintomáticos, podendo associar os anti-TNF caso não tenha resposta entre 1 a 3 meses – Etanercept, Adalimumab, Golimumab, tanto para doença axial quanto periférica. Apenas a sulfassalazina pode ser utilizada no acometimento periférico, utilizando corticoesteroides locais por infiltração em casos pontuais. Pode-se realizar reposição de cálcio e vitamina D para prevenção da osteoporose. Como contraindicação absoluta ao uso de agentes Espondiloartrites – Dra. Joara Martins 4 anti-TNF tem-se infecção ativa – especialmente tuberculose, história de neoplasia há menos de 5 anos, doença desmielinizante, insuficiência cardíaca com classe funcional 3 ou 4, gravidez e amamentação. Para avaliação do prognóstico do paciente pode-se utilizar os critérios ASDAS, sendo que o resultado pode ser calculado pelo site. Assim, pode-se ter doença inativa (<1,3), atividade de doença moderada (1,3 a 2,1), atividade de doença elevada (2,1 a 3,5) e atividade de doença muito elevada (> 3,5). 2) Artrite psoriásica A artrite psoriásica é uma enfermidade sistêmica de natureza inflamatória que ocorre em cerca de 6 a 42% das pessoas com psoríase, geralmente entre 20 e 45 anos e caucasianos. Não há predomínio em relação ao sexo, embora a forma poliarticular simétrica seja mais comum no sexo feminino, ao passo que a axial é mais presente nos homens. Cerca de 20 a 60% dos pacientes possuem associação com o HLA B27 positivo. Geralmente se apresenta como uma oligoartrite assimétrica, mas o acometimento pode ser axial, poliartrite, dactilite e entesite, além de poder ser mutilante em casos mais graves. Na psoríase é comum ter alterações ungueais e cutâneas, além de alterações radiológicas em cálice invertido e ponta de lápis conforme o tipo de erosão que a articulação sofre. O diagnóstico é feito pelos critérios classificatórios de artrite psoriásica CASPAR evolvendo psoríase cutânea anual, história familiar de psoríase, dactilite, neoformação óssea justarticular, FR negativo e distrofia ungueal. Não há alterações laboratoriais específicas da artrite psoriásica, podendo ter leucocitose e anemia de doença crônica nas fases de maior atividade da enfermidade, bem como aumento de VHS e PCR. Os anticorpos antinucleares podem ser observados em até 50% dos pacientes, geralmente em baixos títulos. O tratamento pode ser realizado conforme manifestação da artrite psoriásica, estando disposto no esquema ao lado. Cálice invertido (seta superior) e ponta de lápis (seta inferior) Dactilite e presença de lesões psoriásicas Alterações ungueais moderadas a graves Espondiloartrites – Dra. Joara Martins 5 3) Artrite reativa O termo artrite reativa refere-se a uma artrite inflamatória secundária a uma infecção, na qual não se consegue cultivar o microrganismo causal a partir do líquido sinovial. Tem-se associação com presença de HLA B27 e infecções por Chlamydia, Salmonella, Shigella, Yersinia, Campylobacter e Clostridium, sendo que as manifestações articulares iniciam após 2 a 4 semanas do contato inicial com o microrganismo. É uma artrite assimétrica predominantemente em membros inferiores, exigindo evidência de infecção precedente para o diagnóstico. A síndrome de Reiter é caracterizada pela presença de oligoartrite assimétrica, uretrite pouco sintomática e conjuntivite autolimitada, geralmente por etiologia geniturinária ou gastrointestinal. Como manifestações mucocutâneas tem-se ulceração oral, ceratodermia e balanite circinada, que podem ser superficiais e recidivantes. A inflamação aguda é tratada com AINEs e eventualmente corticoides, a infecção com antibióticos e a doença crônica com DMARDs como metotrexato e azatioprina. 4) Artrites enteropáticas associadas à doença inflamatória intestinal A doença inflamatória intestinal (DII) corresponde a qualquer processo inflamatório envolvendo o trato gastrointestinal, seja ele agudo ou crônico – principalmente como doença de Crohn e retocolite ulcerativa. Os sintomas articulares são as manifestações extraintestinais mais comuns nesses pacientes (5 a 20%), sendo mais prevalentes em mulheres (2:1) e caucasianos, iniciando entre a 2º e a 3º década de vida com relação com o HLA B27. Geralmente o curso clínico é autolimitado, não evoluindo com destruição articular, mas tende a ser recorrente de acordo com os períodos de exacerbação da DII. As articulações mais afetadas são joelhos e tornozelos. Como formas clínicas mais predominantes tem-se: > Oligoarticular periférica assimétrica: afeta menos de 5 articulações, caráter agudo e autolimitado, dura menos que 10 semanas e está associada à atividade da doença, podendo até preceder o diagnóstico > Poliarticular periférica simétrica: acomete 5 ou mais articulações, sintomas que duram meses a anos, não associada à atividade da doença e raramente precede o diagnóstico > Espondilítica: inclui espondilite e sacroileíte, não associada à atividade da doença e geralmente HLA B27 positivo. É mais encontrada em pacientes com doença de Crohn do que em retocolite ulcerativa. Os AINEs devem ser usados com cautela pela possibilidade de precipitação da DII. Assim, o tratamento pode ser feito com AINEs mais seletivos e corticoides, esses que podem ser substituídos, em caso de falência ou intolerância, por sulfassalazina, metotrexato ou azatioprina. Nos casos mais graves pode-se usar agentes anti-TNF alfa. Além disso, deve-se associar exercícios físicos e mudanças de hábitos. 5) Espondiloartrite indiferenciada A espondiloartrite indiferenciada faz referência ao quadro clínico apresentado por pacientes com alterações clínicas, laboratoriais e radiográficas sugestivas de espondiloartrites, mas que não se classificam dentro de uma das enfermidades do grupo.
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