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Cefaleias – prof Elisson Antônio 1 Cefaleias A cefaleia é um dos sintomas médicos mais frequentes, em que pode atingir cerca de 90% da população em determinada fase da vida, sendo que 25% são crises incapacitantes e 4% cefaleias crônicas diárias – sempre com impacto para o indivíduo e para os sistemas de saúde. As cefaleias podem ser classificadas em primárias e secundárias. Na anamnese deve-se contar com informações como sexo, idade de início e idade do paciente, distribuição temporal (como foi o primeiro episódio e como evoluiu), pródromos (sintomas inespecíficos a instalação da dor), sintomas iniciais que precedem o quadro doloroso, modo de instalação da dor, caráter e duração da dor, localização e irradiação/projeção da dor, horário e frequência das crises, periodicidade, sintomas acompanhantes, fatores de melhora e piora, fatores desencadeantes, influência hormonal, antecedentes pessoais e familiares. As cefaleias primárias são doenças em que o sintoma principal, porém não único, são episódios recorrentes de dor de cabeça. Dentre elas cita-se migrânea, cefaleia em salvas e cefaleias autonômicas trigeminais. 1) Migrânea ou enxaqueca A migrânea ou enxaqueca é a causa mais comum de cefaleia incapacitante, acometendo cerca de 22% das mulheres e 9% dos homens, com pico de prevalência entre 30 e 50 anos – cerca de 80% dos pacientes têm um familiar direto acometido. Fisiopatologia: se manifesta por uma sensibilização de terminações nervosas perivasculares com liberação de neuropeptídeos (CGRP, orexina A e B, neuropeptídeo Y), esses que geram uma inflamação neurogênica e, consequentemente, ativam as fibras sensitivas trigeminais, causando dor. Quadro clínico: pode se manifestar por cinco fases, essas que nem sempre estão presentes. Os sintomas premonitórios precedem a cefaleia por horas ou até dias, expressando irritabilidade, raciocínio lento, desânimo e avidez por certos alimentos. A fase de aura é um complexo de sintomas neurológicos que dura até 60 minutos, geralmente com distúrbios visuais associados a parestesia e/ou disfasia. A cefaleia é de forte intensidade, latejante e dura cerca de 4 a 72 horas – se a crise for mais duradoura tem-se um quadro de estado migranoso. Como sintomas associados pode-se ter náuseas, vômitos, fonofobia e fotofobia. Por fim, na fase de recuperação os pacientes apresentam exaustão e podem precisar de um período para repouso e restabelecimento das atividades. Critérios diagnósticos: A) pelo menos 5 crises, B) duração de 4 a 72 horas, C) localização unilateral, caráter pulsátil, intensidade moderada a grave e agravada pela atividade física (dois desses critérios), D) náuseas e/ou vômitos, fonofobia e fotofobia (um desses critérios), não atribuída a outro transtorno. Nesse caso, exames complementares, como tomografia ou ressonância de crânio, não apresentam alterações, mas podem ser aliados na exclusão de outras causas que podem ser visualizadas. A migrânea ou enxaqueca com aura (25% dos casos) apresenta sintomas visuais positivos (escotomas), negativos (perda da visão) ou ambos, além de sintomas sensitivos positivos (hiperestesia), negativos (hipoestesia ou dormência), afasias e duração entre 5 e 60 minutos. É importante evitar uso de anticoncepcional hormonal combinado para contracepção em mulheres portadoras de enxaqueca com aura. Cefaleias – prof Elisson Antônio 2 Tratamento: nas crises agudas na emergência deve-se manter o paciente em repouso, sob penumbra e em ambiente tranquilo e silencioso. Se a dor tem duração inferior a 72 horas deve-se administrar dipirona (1g IV), cetoprofeno (100mg IV ou IM) e jejum com reposição de fluidos se indícios de desidratação. Deve-se administrar antiemético parenteral (dimenidrato 30mg IV) se náuseas ou vômitos. O paciente deve ser reavaliado em 1 hora, se não melhorar, prescrever sumatriptano (6mg SC), repetindo em 2h, se necessário. Em pacientes com dor de duração superior a 72 horas deve-se utilizar o tratamento anterior associado a dexametasona (10mg IV lento). Se não apresentar melhora pode-se prescrever clorpromazina (0,1-0,25 mg/kg IM), podendo repetir até três vezes, no máximo – se atentar para hipotensão arterial, sintomas extrapiramidais e demais efeitos colaterais causados pela medicação. Os opioides são contraindicados na enxaqueca, já que as terminações trigeminais não apresentam receptores opioides, além do risco de abuso e dependência. No tratamento domiciliar orienta-se repouso associado a analgésicos comuns ou AINES – paracetamol, AAS, naproxeno, ibuprofeno, diclofenaco, dipirona. Se houver náuseas ou vômitos associados, pode-se utilizar metoclopramida ou domperidona. Na crise moderada são recomendados os agonistas 5-HT1 seletivos ou triptanos, como o sumatriptano, esse que promove ação agonista sobre os receptores de serotonina 5HT1B e 5HT1D, o que leva à constrição dos vasos cranianos e à inibição da inflamação neurogênica que ocorre na enxaqueca O tratamento medicamentoso profilático deve ser feito quando se tem mais de 3 episódios por mês, dores incapacitantes, falência da medicação abortiva. Os antidepressivos tricíclicos (amitriptilina, nortriptilina) têm eficácia comprovada por inibirem a recaptação da serotonina e da noradrenalina. Os betabloqueadores (propranolol, atenolol, nadolol e metoprolol podem ser usados, mas não em conjunto com os tricíclicos. Alguns anticonvulsivantes (topiramato, ácido valproico, gabapentina) podem ser utilizados por agirem a nível de canais iônicos estabilizando a membrana neuronal e deixando os nociceptores menos sensíveis. O bloqueador de canais de cálcio (flunarizina) também pode ser usado como tratamento profilático da enxaqueca. Todavia, é fundamental entender o estilo de vida do paciente e identificar alguns gatilhos para a dor, como alteração do sono, jejum prolongado, alguns alimentos específicos como cafeína, chocolate, queijos amarelos, suco de uva, vinho tinto, entre outros. 2) Cefaleia do tipo tensional A cefaleia do tipo tensional (CTT) é a forma mais comum de cefaleia, tendo prevalência de 35 a 78% nos adultos e pico na quarta década, raramente em quadros graves com procura de atendimento médico. Quadro clínico: pode ser frontal, occipital ou holocraniana, podendo melhorar com atividade física, dura cerca de 30 minutos a 7 dias. Surge no final da tarde e relaciona-se com estresse físico, muscular ou emocional. Pode-se ter hiperestesia e hipertonia da musculatura pericraniana percebida à palpação. Critérios diagnósticos: A) pelo menos 10 crises, B) duração de 30 minutos a 7 dias, C) localização bilateral, caráter em pressão/aperto, intensidade leve a moderada, não é agravada pela atividade física (dois desses critérios), D) fonofobia ou fotofobia ou náusea leve, E) não atribuída a outro transtorno. Tratamento: o tratamento das crises agudas é feito com orientações a respeito de sono e controle de estresse, além de poder prescrever analgésico comuns (paracetamol 750-1000mg 6/6h ou dipirona 1g 6/6h) Cefaleias – prof Elisson Antônio 3 e/ou antinflamatório (ibuprofeno 400-800mg 6/6h ou diclofenaco 50mg 8/8h). O tratamento profilático pode ser feito com antidepressivos tricíclicos, principalmente quando tem uma tendência a cronificação (dor por mais de 15 dias/mês ou 180 dias/ano). 3) Cefaleia em salvas A cefaleia em salvas é uma cefaleia autonômica trigeminal, sendo a mais dolorosa e mais frequente cefaleia primária. Apresenta prevalência ao longo da vida de 0,1% e cerca de 15 casos por 100.000 pessoas, predominando em homens (4:1) entre a terceira e a quinta década. O aumento do risco é de cerca de 14 a 39 vezes em familiares de primeiro grau, tendo o tabaco como fator de risco. Fisiopatologia: ocorre por ativação da porção posterior do hipotálamo, seguida por ativação dos neurônios sensitivos trigeminais. Quadro clínico: a doençaevolui em surtos de um a três meses de duração, tendo cerca de uma a oito crises por dia, frequentemente sendo despertado à noite pela crise. Em geral apresentam duração limitada, dor excruciante sempre do mesmo lado, alterações autonômicas, inquietude e agitação. Após episódio de salvas pode ter período de meses ou anos sem crise. Critérios diagnósticos: A) pelo menos 5 crises, B) dor forte e muito forte unilateral, orbitária, supraorbitária e/ou temporal, durando de 15 a 180 minutos, se não tratada, C) acompanha pelo menos um dos seguintes sintomas: hiperemia conjuntival e/ou lacrimejamento ipsilateral, congestão nasal e/ou rinorreia ipsilateral, edema palpebral ipsilateral, sudorese frontal e facial ipsilateral, miose e/ou ptose ipsilateral (pensar em hemorragia subaracnoide e alteração nos pares cranianos), sensação de inquietude ou agitação. O diagnóstico da cefaleia em salvas deve ser feito após exames de imagem para excluir um sangramento ou uma cefaleia secundária. Tratamento: administrar oxigênio a 100%, em máscara sem recirculação, corpo inclinado para frente e com fluxo de 10-12 l/min durante 20 minutos, ou sumatriptano 6mg por via subcutânea se disponível. Caso o paciente tenha utilizado algum medicamento vasoconstrictor, o sumatriptano deve ser evitado. Analgésicos comuns e opioides são ineficazes e não devem ser utilizados. O tratamento profilático pode ser feito com Verapamil, mas pode ter hipotensão e arritmia como efeito colateral. Além disso, deve-se orientar o paciente sobre hábitos que desencadeiam as crises. Quando a cefaleia em salvas é muito frequente, ou pode ser definida como crônica, o uso de corticoide, equivalente a prednisona 40 mg, oferece alívio e pode ser mantido nesta dose, iniciando-se a retirada após três dias de tratamento, seguindo o ritmo de 5 mg/dia. Outra opção terapêutica é a descompressão cirúrgica do 5º par craniano (trigêmeo). 4) Hemicrânia paroxística A hemicrânia paroxística é uma cefaleia autonômica trigeminal rara, de início geralmente na idade adulta e extremamente sensível à indometacina, um agente antinflamatório muito utilizado nesses quadros. Critérios diagnósticos: A) pelo menos 20 crises, B) dor forte e muito forte unilateral, orbitária, supraorbitária e/ou temporal, durando de 2 a 30 minutos, se não tratada, C) acompanha-se de pelo menos um dos Cefaleias – prof Elisson Antônio 4 seguintes sintomas: hiperemia conjuntival e/ou lacrimejamento ipsilaterais, congestão nasal e/ou rinorreia ipsilaterais, edema palpebral ipsilateral, sudorese frontal e facial ipsilateral, miose e/ou ptose ipsilateral, D) superior a 5 crises por dia em mais da metade do tempo, E) as crises são completamente evitadas por doses terapêuticas de indometacina, F) não atribuída a outro transtorno. 5) Hemicrânia contínua A hemicrânia contínua é uma cefaleia autonômica trigeminal com duração prolongada e algumas características de migrânea, como fonofobia e fotofobia. Critérios diagnósticos: A) cefaleia por mais de 3 meses, B) todas as características seguintes: dor unilateral sem mudança de lado, diária e contínua sem intervalos livres de dor, intensidade moderada com exacerbações para dor intensa, C) acompanha pelo menos um dos seguintes sintomas autonômicos: hiperemia conjuntival e/ou lacrimejamento ipsilaterais, congestão nasal e/ou rinorreia ipsilaterais, miose e/ou ptose ipsilaterais, D) as crises são completamente evitadas por doses de indometacina, E) não atribuída a outro transtorno. 6) Síndrome SUNCT A síndrome SUNCT é uma cefaleia trigeminal autonômica que predomina no sexo masculino (2:1) e pode ser desencadeada por atividades comuns, como mastigação e escovação de dentes – geralmente desencadeada sem período refratário, ao contrário da neuralgia trigeminal. Quadro clínico: se manifesta com dores de cabeça mais fugazes, que acometem território do nervo trigêmeo, ataques neuralgiformes associados a injeção conjuntival e lacrimejamento. Critérios diagnósticos: A) pelo menos 20 crises, B) crises de dor unilateral, orbitária, supraorbitária e/ou temporal, em pontada ou pulsátil, durando de 5 segundos a 4 minutos, se não tratada, C) acompanha hiperemia conjuntival e lacrimejamento ipsilateral, D) crises ocorrem em frequência de 3 a 200 por dia, E) não atribuída a outro transtorno. Tratamento: é uma dor associada a tumores de hipófise e fossa posterior, tendo relatos de bons resultados de profilaxia após tratamento com lamotrigina – também pode-se utilizar gabapentina, pregabalina e topiramato. Os bloqueios na face não aliviam a dor e em casos de dores refratárias a medicações, pode-se optar por técnicas cirúrgicas como estimulação do hipotálamo, microcompressão transcutânea do gânglio trigeminal, rizotomia por radiofrequência e radiocirurgia. A síndrome SUNA é semelhante, mas ao invés de conter injeção conjuntival e lacrimejamento, pode apresentar apenas um desses critérios. 7) Neuralgia do trigêmeo A neuralgia do trigêmeo é uma síndrome de dor crônica por paroxismos de dor excruciante nas áreas inervadas pelo NC V, principalmente em seus domínios maxilar (V2) e mandibular (V3). A incidência é de três a cinco casos por ano por 100.000 pessoas, aumentando com a idade, sendo mais alta acima dos 80 anos e atingindo, principalmente, mulheres (3:2). Fisiopatologia: ainda não é definida, mas pode ser causada pela compressão do nervo trigêmeo por vasos (principalmente por artérias, mas ocasionalmente por veias) ou tumores. Como resultado da pressão sobre o nervo neste ponto, a mielina é perdida e isto leva à despolarização anormal e à reverberação, resultando em impulsos ectópicos, os quais se manifestam sob a forma de dor. Quadro clínico: dor em disparo ou choque, intensa, desencadeada por estímulos inócuos e com inúmeros episódios durante o dia. Critérios diagnósticos: A) crises paroxísticas de dor que duram de segundos a 2 minutos, afetando uma ou mais divisões do nervo trigêmeo, B) a dor tem pelo menos uma das seguintes características: Cefaleias – prof Elisson Antônio 5 intensa, aguda, superficial ou em pontadas, desencadeada por fatores ou áreas de gatilho, C) crises estereotipadas para cada paciente, D) sem evidência clínica de déficit neurológico, E) não atribuída a outro transtorno. Pode ser desencadeada pelo toque, ao escovar o dente, ao comer, pentear o cabelo, entre outros, com sintoma de raio ou choque que afeta mais as porções V2 e V3 do trigêmeo. Tratamento: o tratamento farmacológico é feito por anticonvulsivantes como carbamazepina associada a outros medicamentos como pregabalina, topiramato, duloxetina, gabapentina, lamotrigina e antidepressivos tricíclicos. Em casos refratários faz-se tratamentos neurocirúrgicos, como a ablação por radiofrequência, descompressão do nervo se compressão por uma alça vascular, entre outros. As cefaleias secundárias funcionam como um sintoma que se correlaciona diretamente com doenças pré- existentes, tendo etiologia infecciosa, inflamatória, parasitária, traumática, vascular, tumoral e metabólica. Desse modo, os exames complementares são imprescindíveis para diagnóstico, além de ser necessário reconhecer os sinais de alerta pela história clínica. Como sinais de alarme deve-se atentar a fatores como aumento da frequência e intensidade da dor, associação com vertigem ou incoordenação, pioram com manobra de Valsalva (relata aumento de pressão intracraniana), acordam o paciente, início recente em maiores que 50 anos, pacientes com câncer ou AIDS (imunocomprometidos), entre outros. A cefaleia por abuso de analgésicos tem como critérios diagnósticos: A) cefaleia presente em tempo maior ou igual a 15 dias por mês, preenchendo uma das seguintes características: bilateral, em pressão/aperto/não pulsátil, intensidade de fraca a moderada, B) ingestão de analgésicos simples em tempo maior ou igual a 15 dias por mês por maisque 3 meses, C) a cefaleia apareceu ou piorou acentuadamente durante o uso excessivo de analgésicos, D) a cefaleia desaparece ou reassume o seu padrão prévio dentro de dois meses após a interrupção dos analgésicos. O tratamento é feito pela retirada de analgésicos, podendo usar corticoides em altas doses durante o desmame. Um caso que merece atenção especial é a ocorrência de meningite, devendo ter como alerta sinais como febre, vômitos, sinais meníngeos e rebaixamento do nível de consciência. Para diagnóstico faz-se exame de imagem e punção lombar para estudo do líquor. Em casos de hemorragia subaracnoide tem-se uma cefaleia súbita e de forte intensidade, sinais meníngeos por irritação pelo sangue, associado a alteração do nível de consciência, crises convulsivas e acometimento de pares cranianos (geralmente III ou VII). Em casos de hipertensão intracraniana idiopática tem-se cefaleias diárias ou quase diárias, às vezes com náuseas, visão turva ou dupla, e ruídos dentro da cabeça (acúfeno). Deve-se realizar tratamento com acetazolamida ou derivação ventricular ou lomboperitoneal. Cefaleias – prof Elisson Antônio 6 Um quadro de hipotensão intracraniana pode acontecer após raquianestesia ou punção lombar, gerando sintomas como cefaleia, náuseas, vômitos, vertigem e rigidez cervical. O tratamento é feito com antinflamatório ou analgésicos. Se não houver melhora após 7 dias faz-se PET com injeção de sangue no espaço epidural, para normalizar a pressão intracraniana. A arterite de células gigantes geralmente acontece em maiores de 55 anos, sendo associada a polimialgia reumática, fadiga, disforia, febre baixa, perda de peso, claudicação da mandíbula e imediata melhora após resposta aos corticoesteroides. Uma dissecção arterial associada ou trauma ou idiopática, pode ter cefaleia como sua manifestação, além de ser associada a episódios de AVC e com acometimento de pares cranianos (III). Além disso, pode-se ter cefaleia associada ao esforço, induzida pela atividade sexual ou cefaleia cardíaca.
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