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Uma das disciplinas relacionadas com o tema da violência e da segurança pública é a sociologia jurídica, a qual “examina a influência dos fatores sociais sobre o direito e as incidências deste último na sociedade, ou seja, os elementos de interdependência entre o social e o jurídico” (SABADELL, 2017, p. 50). Duas abordagens diferentes são possíveis para o sociólogo. A primeira perspectiva a surgir foi a positivista, segundo a qual a sociologia do direito integra as ciências sociais, especificamente, como uma parte da sociologia. Portanto, o método do direito deve permanecer o mesmo tradicionalmente formulado. A Constituição impõe o dever de o Estado promover a segurança pública, portanto é necessária uma perspectiva interdisciplinar, até mesmo para compreender o significado dos seus textos normativos. Surgiu, com base em críticas nesse sentido, uma nova perspectiva: a sociologia no direito, que propõe uma leitura interna ao constatar que “não existe a neutralidade [...] e o direito é uma forma de política” (SABADELL, 2017, p. 47). O conhecimento sociológico, assim, deve persuadir, a aplicar um direito justo no ponto ótimo, inclusive, adequado às necessidades sociais e à realidade social. Também a antropologia pode ter duas perspectivas, conforme ilustra Norbert Rouland (2003): [...] a antropologia tem duas caras. Uma voltada para o alto-mar das sociedades longínquas, a outra para uma praia mais familiar. Uma antropologia dos fugitivos não é a minha: se me indago sobre as outras sociedades, elas me remetem constantemente para aquela que venho (ROULAND, 2003, p. 403). As análises antropológicas mais relevantes sobre a segurança pública, sem dúvidas, são aquelas destinadas a verificar o funcionamento das sociedades tradicionais em relação à prática de condutas consideradas criminosas, desde que se atenha a essa observação, qual seja, remeter, constantemente, à sociedade do pesquisador posteriormente. Nesse sentido, uma das conclusões de Rouland (2003), em seus estudos antropológicos, foi justamente que: A pós-modernidade não consiste em virar a página da modernidade como se fecha um livro, mas em harmonizar suas aquisições com as da pré- modernidade e com os novos desafios de poder e de civilização (ROULAND, 2003, p. 407). Alguns mecanismos da justiça criminal utilizados por esses povos tradicionais com muita frequência, até mesmo mais que as sociedades modernas ou pós- modernas, correspondem às ideias atualmente em voga, a exemplo de consensualismo, negócios jurídicos em ramos de direito público, conciliação, mediação, descentralização ou "pluralismo jurídico comunitário-participativo" (WOLKMER, 2001, p. 335). Inclusive, há muitos estudos em antropologia jurídica realizados que demonstram o quanto certas práticas atuais são condizentes com o direito das sociedades tradicionais, a exemplo do modelo adotado pela justiça juvenil. Os nueres são um povo tradicional localizado no sul do Sudão e no oeste da Etiópia apontados na obra de Rouland (2003) por possuírem um sistema de punição para a prática de atos criminosos ou violentos não propriamente jurídico, mas baseado na mediação e na arbitragem. Nesse sentido, o autor o descreve como: No estrito sentido do termo, os nueres não têm direito. Ninguém é investido de funções legislativas ou judiciárias. Existem pagamentos convencionais aceitos em proveito de pessoas que sofreram certos danos - adultério cometido com a esposa, fornicação com a filha, roubo, membro quebrado etc. -, mas tais pagamentos não constituem um sistema legal, pois não existe nenhuma autoridade constituída e imparcial que possa decidir sobre direitos ou erros (ROULAND, 2003, p. 129). Diante dessa constatação, a pergunta realizada foi: se os nueres, ainda que uma sociedade tradicional, antecipariam as justiças alternativas pós-modernas em expansão atualmente nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil. Nos Estados Unidos da América, essa tendência começou nos anos 1880, por meio da multiplicação das jurisdições arbitrais independentes dos tribunais e referia-se, principalmente, às causas comerciais. Entretanto, houve um avanço nas matérias que passaram a ser consideradas. Vejamos a citação a seguir: No decorrer do século XX, estende-se ao regulamento dos litígios menores, ocorridos entre vizinhos e indivíduos aparentados, ou os que envolvem crianças ou adolescentes (ROULAND, 2003, p. 131) Isso demonstra que não apenas o novo modelo da justiça alternativa foi bem- sucedido, mas também se firmou gradativamente; hoje em dia, uma parte significativa dos litígios não precisa ir aos tribunais. A antropologia, nesses termos, analisando comparativamente os modelos de justiça penal e segurança pública, propõe uma reflexão:
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