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Centro Universitário do Vale do Iguaçu – UNIGUAÇU União da Vitória, 1º de abril de 2021. Acadêmica: Laryssa Kamille Gugelmin Purkott Turma: Direito 5B De acordo com o ponto de vista médico, pode ser considerado aborto a interrupção da gravidez antes do período perinatal, definido pela Organização Mundial de Saúde a partir da 22ª (vigésima segunda) semana completa de gestação. No entanto, do âmbito jurídico penal, considera-se aborto a interrupção do processo de gestação que ocorra entre a concepção ao início do parto, a qual deve-se ocorrer de uma conduta humana dolosa, provocando a morte do nascituro. O aborto é, atualmente, um dos assuntos mais polêmicos do mundo jurídico e social, no qual de um lado há um grupo que preza pela vida do que virá a nascer e do outro pessoas que valorizam a vida e liberdade da ora gestante. Hoje, no Brasil, o abortamento é criminalizado, previsto no artigo 128 do Código Penal e é permitido em apenas 3 casos: nas situações de violência sexual, quando há a anencefalia do feto e quando não há outro meio de salvar a vida da gestante. Segundo o Human Development Report 2016, quando analisadas as estatísticas de países em que o aborto fora ou não legalizado, concluiu-se que quanto mais religioso e menos desenvolvido é o país, mais proibido o aborto é. De acordo com a Pesquisa Nacional do Aborto de 2016, feita pelo Instituto de Bioética/UnB (Anis), dentre 5 mulheres, 1 já abortou até os seus 40 anos de idade. Esta mesma pesquisa concluiu que são realizados 500 mil abortos anualmente, sendo que há cerca de 1500 mortes de mulheres decorrente de abortos em clínicas clandestinas ou por automedicação. A criminalização, destarte, não impede ou diminui a pratica do aborto, mas apenas impede o acesso ao sistema de saúde adequado para resguardar a sua saúde, ocasionando o aumento das mortes por este motivo. Da mesma forma que a proibição do uso de drogas não impede o uso de entorpecentes, mas apenas fomenta o tráfico ilegal e perpetuação das organizações criminosas, assunto a ser discorrido em situação posterior. Nos últimos 10 anos, depois de décadas de debates, organização social e negociações no Poder Legislativo, Portugal, Espanha e Uruguai legalizaram a interrupção voluntária da gravidez. O resultado? Queda acentuada da mortalidade ocasionada pelas práticas de aborto e grandes investimentos na oferta de contraceptivos após o procedimento. Segundo o Ministério de Saúde Pública, de 2001 a 2005, o Uruguai registrou 67 mortes maternas, sendo que cerca de 38% eram decorridas de aborto clandestino. Depois da legalização do aborto, o país registrou de 2013 a 2016 um total de apenas 3 mortes decorrentes da prática, sendo que em nenhuma destas foi buscado o Sistema de Saúde e, portanto, realizado de forma independente pela gestante. Na minha concepção, o grande problema da discussão acerca da legalização do aborto, é o ponto de onde ela se desdobra. Os principais argumentos dos favoráveis à criminalização iniciam com “na minha opinião...”, “moralmente falando...”, ou então abordando a sua concepção religiosa: “mas na Bíblia...”, “mas Deus...”, assunto este que não deve ser olhado pelo viés moral e religioso, mas sim através da análise do problema pautado na situação da saúde pública brasileira. No ano de 2019, o Brasil atingiu o recorde de Projetos de Lei acerca da criminalização mais gravosa nos casos de aborto. A deputada Chris Tonietto, do PSL/RJ, justificou um Projeto de Lei (PL 2893/2019, afirmando que nem ao menos nos casos de gravidez decorrente de violência sexual a vida do feto colocaria em risco a vida da gestante e, portanto, o inciso do artigo 128 do Código Penal que prevê o aborto necessário nesse caso deveria ser revogado. Dizendo ainda que: “O autor do estupro ao menos poupou a vida da mulher – senão ela não estaria grávida. Pergunta que não quer calar: é justo que se faça com a criança o que nem sequer o agressor ousou fazer com a mãe: matá-la?” O ministro do STF, Luís Roberto Barroso, no debate em plenário acerca de uma ação ajuizada sobre o aborto legal nos casos de gestante com o Zika vírus, que somente fora rejeitada pelo órgão por questões processuais, pontuou que nos países em que o aborto foi legalizado houve resultados mais efetivos que os de proteção da vida do feto nos países que criminalizam o ato, afirmando, ainda, que este tipo de política pública seria menos repressivo e mais acolhedor, resultando na prática do aborto de forma mais rara e mais segura para a vida da mulher. Temos que ter a noção de que, apesar do Brasil ser um país laico e democrático, vivemos em um país institucionalmente religioso, machista e classista. O racismo institucional e estigmatização da condição socioeconômica dos negros e pobres são apontados por especialistas como fatores que contribuem para desigualdade no sistema brasileiro. O mesmo ministro retromencionado acrescentou em sua fala, que o maior impacto da criminalização paira nas mulheres pobres: “É que o tratamento como crime, dado pela lei penal brasileira, impede que estas mulheres, que não têm acesso a médicos e clínicas privadas, recorram ao sistema público de saúde para se submeterem aos procedimentos cabíveis. Como consequência, multiplicam-se os casos de automutilação, lesões graves e óbitos.” Barroso, em uma entrevista para o canal GNT, disse que “pessoas legislam na sua maioria por seus próprios interesses, e o problema é que o poder legislativo é majoritariamente composto por homens”. O que nos leva à conclusão, ante a afirmação e todo o exposto, que se os homens engravidassem, essa situação há teria sido resolvida há muito tempo e, em casos da busca da prática do aborto por mulheres ricas, há a sua submissão aos procedimentos cabíveis sem tantos riscos, em comparação às mulheres que não têm acesso de ser assistida por um médico e em condições apropriadas. Desta forma, conseguimos pontuar objetivamente o indivíduo que sofre com a criminalização do aborto: a mulher pobre, negra, sem condições de manter mais uma criança em uma família, na maioria das vezes, já grande e, consequentemente, de pagar por uma prática segura. Mesmo nos casos em que a mulher é vítima de estupro, há uma pressão da sociedade e um legítimo interrogatório para que esta prove que realmente foi violentada. O problema se agrava mais quando sua palavra é a única prova e o agressor é seu marido ou alguém que esta estabeleça um relacionamento amoroso. Vemos apenas nos casos extremistas o aborto sendo indagado, motivado. É plenamente possível não ser a favor do aborto, mas sim da descriminalização deste. Ninguém (senão a extrema minoria, quase ínfima) é a favor da prática do aborto, mas o debate sobre o assunto pelos que defendem a descriminalização é pautado no poder de escolha e, mais ainda, na diminuição deste problema latente da saúde pública. Quem dera a adoção fosse a solução, nossos abrigos fossem como na telenovela “Chiquititas” e viver em um orfanato fosse tão divertido e prazeroso. Gerar um filho indesejado pode ser considerado um ato de tortura e colocá-lo para adoção quando no seu nascimento só ocasionaria em outro problema brasileiro, no qual 48 mil crianças estão acolhidas em casas institucionais e apenas 1700 são adotadas ao ano. A morte de mulheres é um problema, assim como as crianças abandonadas em abrigos, as gestantes que não conseguem comprovar a violência que sofreram e que ocasionou a gravidez, o arrependimento de práticas realizadas sem orientação, e a criminalização não têm se mostrado como a melhor forma de sanar esses problemas. Por fim, concluo, portanto, que, através da minha análise, a legalização do aborto, como já demonstradas em casos de países que optaram pela sua descriminalização, apenas acarreta às mulheres maiores condições de pensar e refletir sobre o aborto, possibilitando a sua orientação técnicae psicológica ao passar pelo processo de abortamento e a drástica diminuição das práticas clandestinas e desnorteadas que pairam em nosso país.
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