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Programa de Pós-Graduação a Distância Curso de Pós-Graduação lato sensu em FARMACOLOGIA Módulo I Farmacologia Geral e Autonômica Disciplina: Farmacocinética Farmacocinética Absorção de Drogas Para alcançar seu local de ação, a droga, na maioria dos casos, é obrigada a atravessar diversas barreiras biológicas: • Epitélio gastrintestinal; • Endotélio vascular; • Membranas plasmáticas. Quando essa travessia leva a droga até o sangue, temos a absorção. A absorção tem por finalidade transferir a droga do lugar onde é administrada para fluidos circulantes, representado especialmente pelo sangue. Representação esquemática da absorção da drogas. Não se deve confundir o conceito de vias de administração de drogas com a noção de absorção de drogas. Uma droga pode ser ingerida ou mesmo injetada e não ser absorvida, isto é, não chegar até a corrente sanguínea. Só 60 há uma possibilidade nas quais os dois conceitos se equivalem: quando se administram drogas por via intravenosa ou intra-arterial. Alguns parâmetros podem influenciar a absorção de drogas, dentre eles destacamos: • Membranas biológicas; • Propriedades físico-químicas das moléculas das drogas; • Forças responsáveis pela passagem das drogas através das membranas; • Modalidade de absorção das drogas; • Locais de absorção das drogas; • Vias e sistemas de administração das drogas. Os princípios estudados nesses itens aplicam-se não só a absorção, mas também a distribuição e a excreção das drogas. Membranas Biológicas: A membrana celular é um envoltório que delimita todas as células, tanto as procariontes como as eucariontes. Ela estabelece a fronteira entre o meio intracelular e o meio extracelular (que pode ser a matriz dos diversos tecidos). "Tem cerca de 7 a 10 nm de espessura e figura nas eletromicrografias como duas linhas escuras separadas por uma linha central clara. Esta estrutura trilaminar é comum às outras membranas encontradas nas células, sendo, por isso, chamada de unidade de membrana ou membrana unitária". Nessa estrutura encontram-se moléculas de lipídeos e proteínas unidas por intermédio de forças fracas (pontes de hidrogênio e forças hidrofóbicas). Os lipídeos das membranas são moléculas que em soluções aquosas, formam camadas bimoleculares extensas, pois possuem uma porção hidrofílica polar (solúvel em água), e uma parte hidrofóbica apolar (insolúvel em água). A membrana celular não é estanque, mas uma “porta” seletiva que a célula usa para captar os elementos do meio exterior e para eliminar as substâncias que a 61 célula produz e que devem ser enviadas para o exterior, sejam elas produtos de excreção ou secreções que a célula utiliza para várias funções relacionadas com o meio. Representação esquemática da membrana plasmática. As bicamas lipídicas das membrans são impermeáveis à maioria das moléculas polares e aos íons, sendo, entretanto, permeávies às moléculas das drogas não polares. Estas últimas substâncias, por terem a capacidade de atravessar a membrana lipídica, o fazem porque se dissolvem na gordura, são lipossolúveis. Consequentemente, as drogas lipossolúveis serão facilmente absorvidas. Aquelas que não forem lipossolúveis precisarão de processos especiais para atravessar as membranas biológicas, como por exemplo, canais hidrofílicos funcionais, formados por proteínas das membrans ou por sistemas específicos de transporte. 62 Representação esquemática do papel das proteínas de membrana. As membranas celulares formam as barreiras entre os compartimentos do corpo. O compartimento intracelular é separado do compartimento extracelular por uma única camada de membrana. A barreira epitelial, como a mucosa gastrintestinal ou túbulo renal, consiste em uma camada de células estreitamente unidas umas às outras, de modo que as moléculas devem atravessar pelo menos duas membranas celulares (a interna e a externa) para passar de um lado para outro. O endotélio vascular é mais complexo e sua disposição anatômica e permeabilidade variam de um tecido para outro. As lacunas entre as células endoteliais são preenchidas por uma matriz frouxa de proteínas que atuam como filtros, retendo as grandes moléculas e deixando passar os menores. O limite de tamanho molecular, contudo, não é exato: a água é rapidamente transferida, enquanto moléculas de 80.000 a 100.000 têm a sua transferência muito lenta. Em alguns órgãos, especialmente no SNC e placenta existem junções firmes (tight junctions) entre as células, e o endotélio é envolvido em uma camada impermeável de células periendoteliais. Essas características 63 impedem a passagem de moléculas potencialmente deletérias para esses órgãos e possuem importante impacto farmacocinético na distribuição de drogas para estes locais. Em outros órgãos, o endotélio é descontínuo, permitindo a livre passagem de moléculas entre as células (endotélio fenestrado). Representação esquemática da passagem de drogas em capilares fenestrados e em capilares não fenestrados. Propriedades físico-químicas das drogas que interferem na absorção Lipossolubilidade: solubilidade da droga na bicamada lipídica das membranas biológicas, permitindo fácil travessia por mecanismo de difusão passiva. Hidrossolubilidade: que só permite a absorção quando existem, nas membranas, sistemas transportadores específicos ou canais ou poros hidrofílicos. 64 Estabilidade química da molécula da droga. Peso molecular: tamanho e volume da molécula da droga. Carga elétrica da molécula da droga (polaridade, ionização, pH do meio). Forma farmacêutica em que a droga é administrada. Velocidade de dissolução da droga, quando administrada por via oral, compatibilidade com as secreções gastrintestinais. Concentração da droga no local de absorção, que dependerá de: • Constante de dissociação iônica da droga (pK); • pH do meio; • Coeficiente de partição gordura-água da parte não ionizada da droga. O coeficiente de partição gordura-água indica a distribuição e equilíbrio da droga, na fase lipídica e aquosa dos sistemas biológicos. O coeficiente de partição gordura-água exprime a lipossolubilidade da droga. Quanto maior for esse coeficiente, maior será a lipossolubilidade da droga e maior será sua absorção. Existem quatro maneiras principais pelas quais as moléculas atravessam as membranas celulares: a) Por difusão através de lipídios; b) Por difusão através de poros aquosos formados por proteínas especiais que atravessam a camada lipídica; c) Por combinação com proteína transportadora de membrana, que se liga a uma molécula em um dos lados da membrana, sofre modificação conformacional e a libera do outro lado; d) Por pinocitose. 65 Características dos mecanismos de Transporte através de membranas Os processos passivos, que independem de energia celular, compreendem a difusão simples e a difusão por poros e a filtração. O caso mais comum é a penetração do fármaco por difusão simples seguindo um gradiente de concentração em virtude de sua solubilidade na camada lipídica. Esta transferência é diretamente proporcional ao gradiente de concentração através da membrana. A explicação física para o fenômeno da difusão é que cada partícula de soluto possui movimento aleatório próprio, dado pelo seu grau de agitação térmica molecular e que, além disso, sofre choques constantes de outras partículas adjacentes; assim, nas regiões onde a concentração de soluto é inicialmente maior, esses eventos de choque ocorrem em maior proporção que naquelas regiões onde a concentração de soluto é baixa ou nula. Desta forma, embora cada partícula se mova ao acaso, o movimento global médio do soluto se direciona para "invadir" áreas de menorconcentração e o transporte do soluto é realizado na região de maior para a de menor concentração através da membrana, sem interferência e gasto de energia pela mesma. Também intervém no processo de difusão simples o coeficiente de difusão da molécula: esta se difundirá mais rapidamente através de uma membrana quanto menor for seu tamanho; porém o elemento mais importante para a permeabilidade de uma molécula através de uma determinada membrana é seu coeficiente de partição lipídeo/água: quanto maior a lipossolubilidade da molécula, maior é seu coeficiente de partição e mais rápida será sua difusão. Apesar disto, não podemos esquecer que o organismo é uma sucessão de fases lipídicas e aquosas e que, portanto um coeficiente de partição muito elevado ou muito baixo pode constituir um obstáculo à difusão generalizada do fármaco. 66 A difusão por poros, também conhecida como difusão aquosa, ocorre para substâncias hidrossolúveis de pequeno tamanho (íons inorgânicos, ureia, metanol, água) e estas podem transpor a membrana através de poros virtuais, verdadeiros canais aquosos formados entre as proteínas; essa passagem envolve fluxo de água, resultante de diferenças de pressão hidrostática ou osmótica através da membrana, o qual arrasta pequenos solutos. O diâmetro dos canais é variável, para a maioria das membranas, os poros possuem diâmetro ainda menor, de 4 a 7 Å, permitindo somente a passagem de substâncias com peso molecular muito pequeno. Já as células endoteliais dos capilares têm poros de diâmetro maior, cerca de 30 a 40 Å, permitindo a passagem de moléculas maiores, mas, impedindo a passagem de moléculas tão grandes quanto à albumina. Por isso, fármacos ligados às proteínas plasmáticas não passam, em condições fisiológicas, ao líquido intersticial. O processo de difusão por poros é muito importante nos tecidos renais e hepáticos. A filtração também é um processo passivo que implica na passagem através dos poros da membrana, no entanto, aqui, soluto e solvente movem-se juntos pela membrana, a favor do gradiente de concentração, não havendo, portanto gasto energético pela célula. O solvente, normalmente água, leva consigo moléculas hidrossolúveis de pequeno tamanho, polares por meio dos poros da membrana; o tamanho e a carga elétrica do soluto e dos poros influem diretamente neste processo. Capilares e o glomérulo renal são os principais locais de ocorrência deste processo de transporte por membranas; as forças responsáveis pela filtração são: pressão osmótica e hidrostática. Transportes especializados são utilizados por fármacos hidrossolúveis de maior tamanho molecular, o que os impede de transpor a membrana pelos processos passivos. Deslocam-se mediante a conjugação com carreadores, componentes da membrana celular (proteínas) que atravessam segundo seu próprio gradiente de difusão, liberando o substrato no outro lado e retornando a 67 posição original. Os carreadores têm especificidade pelo substrato e são saturáveis. Os transportes especializados requerem, ou não, gasto energético. Na difusão facilitada o carreador transporta o fármaco a favor do gradiente de concentração, com velocidade superior a da difusão simples. Na difusão por troca, o carreador, após transportar o fármaco, retorna ao lado original, ligado à outra molécula. Já no transporte ativo, o movimento do fármaco se faz contra o gradiente de concentração, gradiente elétrico ou uma combinação de ambos, com gasto energético pela célula; esta energia é fornecida por hidrólise do ATP ou de outras ligações altamente energéticas. Estes sistemas de transporte especializados são passíveis de competição, ou seja, substâncias similares ao fármaco, endógenas ou exógenas, podem competir pelo mesmo carreador da membrana. Outros processos ativos que devem ser evidenciados são a endocitose e a exocitose. A endocitose ocorre quando partículas sólidas (fagocitose) ou líquidas (pinocitose) são englobadas pela membrana, mediante sua invaginação, seguidas de estrangulamento, formando-se vacúolos que se situam na própria membrana ou no interior da célula. Na exocitose, após a fusão com a membrana há liberação do conteúdo vacuolar para o exterior. 68 Representação esquemática dos mecanismos de transporte através da membrana. Difusão através dos Lipídios: Dentre essas vias, a difusão através do lipídio e o transporte por proteínas carreadoras são particularmente importantes em relação aos mecanismos farmacocinéticos. As substâncias não polares (isto é, substâncias com moléculas cujos elétrons estão uniformemente distribuídos), dissolvem-se livremente em solventes não polares, como os lipídios e, por conseguinte, atravessam livremente as membranas celulares por difusão. A difusão de moléculas através da membrana plasmática depende de dois fatores: • Diferença de concentração através da membrana; • Coeficiente de Permeabilidade (P): determinado, principalmente, pela Lipossolubilidade da substância. Por essa razão, a lipossolubilidade constitui um dos fatores determinantes mais importantes das características farmacocinéticas de um fármaco, e muitas propriedades como velocidade de absorção pelo intestino, a penetração no cérebro e em outros tecidos e extensão da eliminação renal podem ser previstas com base no conhecimento de sua lipossolubilidade. 69 pH e Ionização Um importante fator que interfere na permeabilidade da droga através da membrana é o fato de que muitas substâncias são ácidas ou bases fracas e, portanto, ocorrem tanto na forma não ionizada quanto na forma ionizada, variando a relação entre as duas formas de acordo com o pH do meio. No caso de uma base fraca, a reação de ionização é: E a constante de dissociação pKa é dada pela equação de Henderson- Hasselbalch: 70 Para um ácido: E a constante de dissociação pKa é dada pela equação de Henderson- Hasselbalch: Em ambos os casos, a espécie ionizada, BH+ ou A-, apresenta lipossolubilidade muito baixa e praticamente é incapaz de atravessar as membranas, exceto quando existe um mecanismo específico de transporte. A lipossolubilidade da espécie não ionizada B ou AH, irá depender da natureza química da substância. Para muitos fármacos, a espécie não ionizada, é lipossolúvel o suficiente para permitir a sua rápida passagem pela membrana, embora haja exceções. A relação entre as duas formas, por sua vez, é determinada pelo pH local e pela força do ácido ou da base representado pelo pKa. 71 A ionização afeta não apenas a velocidade com que as substâncias atravessam as membranas, como também a distribuição de equilíbrio das moléculas de substâncias entre os compartimentos aquosos, se houver algumas diferenças de pH entre eles. Em equilíbrio a concentração total da substância (ionizada + não ionizada) será diferente nos dois compartimentos. Concentração da substância ácida no compartimentode pH elevadoe vice- versa. A figura acima mostra como um ácido fraco (aspirina, pKa 3,5) e uma base fraca (pepdina, pKa 8,6) iriam distribuir-se em equilíbrio entre três compartimentos orgânicos: o plasma (pH 7,4), a urina alcalina (pH 8) e o suco gástrico (pH 3,0). No interior de cada compartimento, a relação entre 72 substância ionizada e não ionizada é controlada pelo pKa da substância e pelo pH do meio. Supõe-se que a forma não ionizada possa atravessar a membrana, atingindo, portanto, a mesma concentração nos dois compartimentos. Supõe- se, também, que a forma ionizada não atravesse a membrana. O resultado é que, em equilíbrio, a concentração total da substância (ionizada - não ionizada) será diferente nos dois compartimentos, com concentração da substância ácida no compartimento com pH elevado (retenção de íons) e vice-versa.Os gradientes de concentração produzidos pela retenção de íons podem, teoricamente, ser muito grandes se houver uma acentuada diferença de pH entre os compartimentos. Assim a aspirina iria concentrar-se mais de quatro vezes em relação ao plasma em um túbulo alcalino e cerca de 6000 vezes no plasma em relação ao suco gástrico. Entretanto, é pouco provável que estes gradientes sejam alcançados na realidade, por dois motivos: • A impermeabilidade total da forma ionizada não é real; • Os compartimentos orgânicos raramente se aproximam do equilíbrio e não permanecem imóveis. A partição do pH tem várias consequências importantes como mostra o esquema abaixo: 73 Distribuição de drogas: Distribuição de drogas é o processo no qual a substância reversivelmente abandona a corrente sanguínea e passa para o interstício e/ou células ou tecidos. Os medicamentos atingem os diferentes tecidos com velocidades diferentes, dependendo de sua capacidade de atravessar membranas. O anestésico tiopental, por exemplo, entra com rapidez no cérebro, porém o mesmo não ocorre com drogas como a penicilina. Em geral, os medicamentos solúveis em gordura (lipossolúveis) atravessam as membranas celulares com mais rapidez que os medicamentos solúveis em água (hidrossolúveis). Assim que absorvidos, os medicamentos não se disseminam igualmente por todo o corpo. Algumas substâncias tendem a ficar em meio aquoso como o sangue, enquanto outras se concentram em tecidos específicos, como os da glândula tireoide, do fígado, SNC e rins. Alguns medicamentos ligam-se firmemente às proteínas do sangue, abandonando a corrente sanguínea de forma muito lenta, enquanto outros escapam da corrente sanguínea rapidamente para outros tecidos. Alguns tecidos acumulam níveis tão elevados de determinado medicamento que passam a funcionar como reservatórios do mesmo, prolongando a distribuição da substância. De fato, alguns medicamentos, como os que se acumulam nos tecidos gordurosos, deixam esses tecidos lentamente e, em consequência, circulam pela corrente sanguínea durante vários dias após a administração. Pessoas obesas podem armazenar grandes quantidades do medicamento no tecido gorduroso, enquanto pessoas muito magras armazenam uma quantidade relativamente pequena. Fatores que interferem na distribuição das drogas: • Fluxo sanguíneo tecidual; • Permeabilidade capilar; • Ligação a proteínas plasmáticas. 74 Ligação de drogas a proteínas plasmáticas Fármacos, ao alcançarem a circulação sanguínea, podem se ligar, em diferentes proporções às proteínas plasmáticas. Essa ligação é uma medida da afinidade do fármaco pelas proteínas do plasma, especialmente, como já foi citado, pela albumina e alfa-1-glicoproteína ácida. Também pode haver ligação com proteínas das membranas dos eritrócitos, lipoproteínas circulantes, leucócitos, plaquetas e as transportadoras específicas, como a globulina transportadora de tiroxina e a transferrina. Os sítios receptores de fármacos em todas estas proteínas são chamados "receptores silenciosos", pois sua interação com aqueles não gera efeitos biológicos. Uma vez que as proteínas não passam através das paredes capilares, a ligação do fármaco às proteínas pode retê-lo no espaço vascular por um determinado tempo. A fração do fármaco não ligado é que atravessará as membranas tornando-se disponível para interações com receptores, ou seja, é ela que exercerá o efeito farmacológico sendo, assim, chamada de fração farmacologicamente ativa. Já a fração ligada é considerada farmacologicamente inerte. Porém, a interação do fármaco com a proteína plasmática é um processo rapidamente reversível e, à medida que o fármaco não ligado difunde-se dos capilares para os tecidos, mais o fármaco ligado dissocia-se da proteína até que seja alcançado um equilíbrio, onde há concentrações relativamente constantes de forma ligada e não ligada. É uma interação dinâmica, em que complexos continuamente se formam e se desfazem. Valores de ambas as formas podem variar de 0,0 a 1,0 (0 a 100%), dependendo da extensão da ligação. O complexo fármaco-proteína age como um reservatório temporário na corrente sanguínea, retardando a chegada de fármacos aos órgãos-alvo e sítios de eliminação. Quando a ligação à proteína ocorre fortemente (fração livre < 0,1), ela pode diminuir a intensidade máxima de ação de uma dose única de um fármaco, por diminuir a concentração máxima atingida no receptor, 75 alterando, assim, sua resposta clínica; reciprocamente, a diminuição da ligação pode aumentar a intensidade de ação do fármaco. Quanto aos fármacos com fração livre maior que 0,25%, as consequências da ligação proteica são pouco importantes. Os sítios proteicos de ligação de fármacos no plasma são passíveis de saturação. À medida que a concentração do fármaco aumenta, também pode aumentar sua forma livre, porque a capacidade de ligação pode estar saturada. No entanto, em uma ampla margem de concentrações, a fração livre não se altera porque há abundância de sítios de ligação; a saturação, na verdade, só ocorre em concentrações muito altas, clinicamente irrelevantes. A relação entre fração livre e fração ligada pode ser influenciada por situações onde ocorrem variações nas concentrações das proteínas plasmáticas, podemos citar as situações de hipoalbuminemia por cirrose; síndrome nefrótica; desnutrição grave e uremia; na gestação, em que há hemodiluição; e em idosos, onde, muitas vezes, por menor capacidade de produção de proteínas, o teor de ligação a fármacos torna-se menor. Fármacos podem competir entre si pelos sítios de ligação proteica, sendo deslocado o que tem menor afinidade pelos mesmos, ficando, consequentemente, com a fração livre aumentada no plasma. Também pode ocorrer que ao ligar-se à proteína altere a estrutura terciária desta, alterando, assim, a afinidade da proteína por outras substâncias. O ácido acetilsalicílico (AAS), por exemplo, altera a ligação de fármacos à albumina por acetilação do resíduo de lisina da molécula de albumina. Isto modifica a ligação de algumas substâncias ativas ácidas, como a fenilbutazona e o ácido flufenâmico. Estes mecanismos resultam em um aumento da fração livre do fármaco deslocado. Assim, o deslocamento de 1% da ligação proteica de um fármaco que se liga 99% à proteína, terá duplicada a percentagem da fração livre, farmacologicamente ativa, podendo, por isso, ocorrer um aumento de sua atividade farmacológica. 76 Em geral, podemos dizer que a importância quantitativa e clínica do deslocamento das proteínas plasmáticas dependem da quantidade total de fármaco ligado à proteína, bem como de seu índice terapêutico. A competição por locais de ligação não ocorre apenas entre fármacos, mas também entre fármacos e ligantes endógenos. Hormônios, por exemplo, podem ser deslocados de suas proteínas carreadoras por fármacos, porém, normalmente, sem importância clínica. Já o deslocamento de bilirrubina da ligação proteica no neonato, consequente à administração de sulfonamidas, é de importância clínica porque altos níveis de bilirrubina daí resultantes são capazes de atravessar a barreira hematoencefálica imatura, provocando icterícia (Kernicterus) e lesão cerebral. Diferenças individuais na ligação a proteínas podem ocorrer, o que pode contribuir significativamente para a variabilidade na resposta clínica a fármacos. Por exemplo, a fração livre de imipramina no plasma de pacientes deprimidos varia de 5,4 a 21% o que pode explicar uma das dificuldades de correlacionar os níveis plasmáticos de antidepressivos com a resposta clínica. As diferenças interindividuais estão parcialmente sob o controle genético, podendo, porém ser afetadas por patologias e idade. Os fármacos também podem interagir com moléculas intra e extracelulares, como as proteínasde membrana celulares, ácidos nucleicos, polipeptídios e polissacarídeos. Estas ligações podem igualmente influenciar a distribuição. A ligação de drogas a albumina podem ser: • De baixa capacidade: uma molécula da droga por molécula de albumina. • De alta capacidade: muitas moléculas da droga por molécula de albumina. As drogas também podem apresentar diferentes afinidades: a albumina apresenta maior afinidade por drogas aniônicas (ácidos fracos) e drogas 77 hidrofóbicas. Zanini-Oga, 2002 Competição entre drogas pela ligação a proteínas plasmáticas Quando dois fármacos são administrados, cada um com alta afinidade com a albumina, ocorre competição pelos sítios de ligação disponíveis. As drogas com alta afinidade com a albumina podem ser divididas em 2 classes: • Classe I: se a dose da droga for menor do que a capacidade ligante 78 da albumina, então a relação dose/capacidade é baixa. O número de sítios de ligação excede a quantidade de droga disponível, e a fração da droga ligada é alta. Esta classe engloba a maior parte das drogas clinicamente úteis. • Classe II: Estas drogas são administradas em doses que excedem em muito o número de sítios de ligação na albumina. A relação dose/capacidade é alta, e uma proporção relativamente alta da droga permanece na forma livre. Volume de Distribuição Aparente (Vd) É o volume hipotético de líquido necessário para conter a quantidade total da droga (Q) no organismo, na mesma concentração presente no plasma (Cp). Apesar do volume de distribuição não ter sentido fisiológico ou físico, é 79 útil para descrever a relação entre a quantidade da droga no corpo inteiro e a quantidade existente no plasma. Após a entrada no organismo, qualquer que tenha sido a via de administração, a droga tem o potencial de distribuir-se em quaisquer dos três compartimentos funcionalmente distintos de água do organismo, ou ficar sequestrado em um sítio celular. • Compartimento plasmático: em casos onde a droga tem alto peso molecular ou alta ligação a proteínas plasmáticas, esta fica restrita ao compartimento plasmático (vascular). Em consequência, a droga distribui-se em volume (o plasma) que representa cerca de 6% do peso corporal, ou seja, em média 4 litros para um indivíduo de 70 kg. • Líquido extracelular: no caso de ter baixo peso molecular, porém caráter hidrofílico, a droga pode movimentar-se por meio das fendas do endotélio para o líquido intersticial, entretanto, não conseguem atravessar as membranas celulares e penetrarem na fase aquosa intracelular. Assim, este 80 tipo de droga distribui-se em um volume que é a soma da água plasmática e o líquido intersticial, cuja soma constitui o líquido extracelular. Seu volume é cerca de 20% do peso corporal ou, aproximadamente, 14 litros em um indivíduo de 70 kg. • Água total do organismo: quando a droga tem baixo peso molecular e é lipossolúvel, esta pode não somente ir para o interstício através da fenestras do endotélio, mas também para o líquido intracelular através das membranas plasmáticas. Assim, a droga se distribui em um volume de cerca de 60% do peso corporal, ou seja, em média 42 litros em um indivíduo de 70 kg. • Outros locais: na gravidez, o feto pode captar parte da droga e deste modo aumentar o valor do volume de distribuição. Drogas como o tiopental, que são armazenadas na gordura do organismo, podem também apresentar volumes de distribuição muito grades. 81 Valores de Volumes de Distribuição Aparente Provável relação existente entre Vd e local de distribuição no organismo Vd calculado (Litros) Provável local de distribuição 3-5 Plasma – Sistema circulatório 10-20 Fluido extracelular 25-30 Fluido intracelular 40-70 Fluido total do organismo > 70 Acúmulo em território extravascular 82 Volumes de distribuição de três benzodiazepínicos após dose única (DU) IV Fármaco Ansiolítico Dose intravenosa (mg) Concentração sanguínea após a administração estar completa (m g/ml) Volume aparente de distribuição (Vd) (Litros) Volume aparente de distribuição (Vd) Corrigido pelo peso (L/Kg) Clordiazepóxido 0,05 1,80 28 0,4 Lorazepam 2,0 28,6 70 1,0 Diazepam 10,0 71,4 140 2,0 A tabela acima mostra exemplos dos volumes de distribuição aparente para três agentes ansiolíticos da classe dos benzodiazepínicos para um mesmo indivíduo pesando 70 kg, baseado nos dados representativos de estudos clínicos em que se utilizou uma única dose. Para tornar estes volumes mais aplicáveis, eles são usualmente corrigidos para o peso corporal e expressos em unidades de litro/Kg. Metabolização ou Biotransformação de Drogas A modificação bioquímica das drogas altera sua atividade farmacológica e sua velocidade de excreção. Embora a atividade seja frequentemente reduzida ou abolida (como no caso da oxidação de barbitúricos, fenitoína e álcool), pode, às vezes, ser aumentada pela geração de metabólitos ativos, como no caso da conversão de hidrato de cloral em tricloroetanol, que mantém a ação anestésica. 83 84 A formação de metabólitos polares que tem menor solubilidade lipídica resulta em uma reabsorção tubular renal reduzida e, consequentemente, em velocidade maior de excreção da droga. Portanto, o metabolismo das drogas ocorre sempre no sentido de tornar os agentes exógenos mais polares, favorecendo sua eliminação. Enzimas responsáveis pela biotransformação de muitos fármacos estão localizadas no retículo endoplasmático liso do fígado (fração microssômica). Tais enzimas também são encontradas em outros órgãos, como rins, pulmões e epitélio gastrointestinal, embora em menor concentração. Os fármacos absorvidos pelo intestino estão, portanto, sujeitos ao efeito de primeira passagem. As reações químicas da biotransformação enzimática são classificadas como reações de: Fase I Fase II 85 Reações de Fase I do Metabolismo: Convertem o fármaco original em um metabólito mais polar por meio de reações de oxidação, redução ou hidrólise. O metabólito resultante pode ser farmacologicamente inativo, menos ativo ou, às vezes, mais ativo que a molécula original. Quando o próprio metabólito é a forma ativa, o composto original é denominado pró-droga (ex: enalapril). Reações de oxidação: São catalisados por um grupo importante de enzimas oxidativas que fazem N- e O- desalquilação, hidroxilação de cadeia lateral e de anel aromático, formação de sulfóxido, N- oxidação, N- hidroxilação, desaminação de aminas primárias e secundárias e substituição de um átomo de enxofre por um de oxigênio (dessulfuração). A maioria das reações oxidativas é realizada por um grupo de hemoproteínas estreitamente relacionadas denominadas de Citocromo P-450 que são encontradas principalmente no retículo endoplasmático hepático, porém podem ocorrer também no córtex adrenal, nos rins, na mucosa 86 intestinal, os quais são locais de metabolização de droga. Outras enzimas oxidativas incluem a Monoaminooxidase (MAO) e a Diaminooxidase (DAO) que são mitocondriais e desaminam oxidativamente aminas primárias e aldeídos. A MAO está envolvida no metabolismo das catecolaminas e alguns antidepressivos são seus inibidores e podendo interferir no metabolismo de outras drogas. O P-450 é uma família de isoenzimas que ocorrem na maioria das células, mas que são particularmente abundantes no fígado. O nome P-450 deriva do pico espectrofotométrico observado quando a enzima é tratada com monóxido de carbono (que inibe a atividade da oxidase de função mista), que está em 448 nm. A sigla CYP, deriva de Cytochrome e Pink, que é a cor observada na reação com o monóxido de carbono. 87 Reaçõesde Hidrólise: Ocorrem no fígado, no plasma, e em muitos tecidos. Ésteres como a procaína e amidas como a lidocaína são hidrolisadas por várias esterases inespecíficas. As proteases hidrolisam os polipeptídeos e proteínas e têm grande importância na aplicação terapêutica. Reações de redução: São mais raras, mas algumas delas são importantes. Como exemplo, o fármaco warfarina é inativa por conversão de um grupo cetônico em um grupo hidroxila. Os glicorticoides ainda são ocasionalmente administrados como cetonas, que têm que ser reduzidas em compostos hidroxilados para poderem agir. Reações de Fase II do Metabolismo Compreende reações de conjugação I. Conjugação com ácido glicurônico É a principal envolvida no metabolismo de drogas e forma os glicuronídeos que é a maior fração de metabólitos de muitos fármacos que contêm um grupamento fenol, álcool ou carboxil. De modo geral, são inativos e rapidamente secretados pela urina e pela bile por um sistema de transporte aniônico. Pacientes portadores de deficiência hereditária para a formação de glicuronídeos (clinicamente apresentada como uma icterícia não hemolítica em virtude de um excesso de bilirrubina não conjugada) podem ter seu quadro 88 agravado após administração de drogas que são normalmente conjugadas por essa via. Alguns tipos de glicuronídeos podem ser hidrolisados enzimaticamente no intestino após excreção biliar, com posterior reabsorção do fármaco liberado, criando um ciclo entero-hepático que prolonga a ação do fármaco. II. Conjugação com glicina e glutamina Ocorre com ácidos carboxílicos aromáticos, como o ácido salicílico. III. Conjugação com o acetato Um doador ativo de acetato é a Acetilcoenzima-A que reage com um grupo amino na droga para formar uma acetilamida. Exemplos: isoniazida, hidralazina, procainamida, sulfonamidas, histamina. Reações deste tipo ocorrem em todo o organismo. IV. Conjugação com o grupo metil Envolve S-adenosil metionina como doador de metil às drogas que contém grupos amino, hidroxil ou tiol livres. Por exemplo, a Catecol O-Metil Transferase que metaboliza as catecolaminas. Outras conjugações como o sulfato ou a formação de ácido mercaptúrico pela reação com a glutationa são vias relativamente incomuns. Algumas drogas são conjugadas na sua forma original sem passar por reações da Fase I. 89 Exemplo de Metabolização: Ácido acetilsalicílico que por hidrólise é metabolizado a ácido salicílico (que ainda possui atividade farmacológica) e depois é conjugado ao ácido glicurônico ou a glicina gerando, portanto, dois metabólitos diferentes, que já não apresenta atividade e são mais hidrossolúveis sendo facilmente excretados pelos rins. Fatores modificadores da biotransformação: Polimorfismos genéticos; Sexo; Idade; Patologias; Indução Enzimática; Inibição Enzimática. A atividade das enzimas de biotransformação hepática é baixa no recém-nascido. A menor atividade de conjugação contribui para a hiperbilirrubinemia e risco de encefalopatia em prematuros, portanto fármacos 90 como clorafenicol, sulfas e determinados opioides podem agravar o caso em função da competição pelas enzimas conjugadoras. O principal fator de alteração no metabolismo é a interação entre drogas, que podem atuar como indutores ou inibidores enzimáticos; na qual uma droga aumenta ou diminui metabolismo de outra. Inibição Enzimática A inibição das enzimas microssomais hepáticas: • Diminui a velocidade de produção de metabólitos; • Diminui a depuração total; • Aumenta a meia-vida plasmática da droga; • Aumenta as concentrações séricas da droga livre e total; • Aumenta os efeitos farmacológicos se os metabólitos forem inativos. Dentre as numerosas enzimas que sofrem interferência de inibidores, assumem especial importância: • Colinesterases; • Monoaminooxidase (MAO; • Aldeído Desidrogenase; • Álcool Desidrogenase; • Citocromo P450. Exemplo: O dissulfiram inibe a enzima mitocondrial Acetaldeído Desidrogenase e provoca o acúmulo de acetaldeído após o consumo de álcool. 91 Indução Enzimática A estimulação da atividade das enzimas microssomais hepáticas por medicamentos e outras substâncias representa importante problema clínico. Centenas de drogas, inclusive analgésicos, anticonvulsivantes, hipoglicemiantes orais, sedativos e tranquilizantes, estimulam a sua própria biotransformação e a de outras drogas. A indução enzimática: • Aumenta a velocidade de biotransformação hepática da droga; • Aumenta a velocidade de produção dos metabólitos; • Aumenta a depuração hepática da droga; • Diminui a meia-vida sérica da droga; • Diminui as concentrações séricas da droga livre e total; • Diminui os efeitos farmacológicos se os metabólitos forem inativos. As drogas que produzem aumentos significativos das enzimas envolvidas na biotransformação de drogas no ser humano incluem os barbitúricos (por exemplo, fenobarbital), hidrocarbonetos da fumaça de cigarro, carbamazepina, ingestão crônica e excessiva de etanol e rifampicina. No caso dos barbitúricos são necessários cerca de 4 a 7 dias para que surja algum efeito clinicamente significativo, podem ser necessários de 2 a 4 92 semanas para que desapareça a indução enzimática. Representação esquemática de drogas inibidoras e indutoras enzimáticas Cinética do Metabolismo I. Cinética de Primeira Ordem: A transformação metabólica da droga é catalisada por enzimas e a maioria das reações obedece à cinética de Michaellis-Menten, na qual: V = velocidade do metabolismo da droga = Vmax [C] / Km + [C] Na maioria das situações clínicas, a concentração da droga [C], é muito menor que a constante de Michaellis-Menten, Km, e, portanto, a equação é reduzida a: V = velocidade do metabolismo da droga = Vmax [C] / Km Ou seja, a velocidade do metabolismo da droga é diretamente proporcional à concentração da droga livre. Isso significa que uma fração constante da droga é metabolizada por unidade de tempo. 93 II. Cinética de Ordem Zero: Com alguns poucos fármacos, tais como a aspirina, o etanol, e a fenitoína, as doses são muito altas, de maneira que [C] é muito maior que Km, e a equação da velocidade tem a seguinte forma: V = velocidade do metabolismo da droga = Vmax [C] / [C] = Vmax A enzima é saturada pela alta concentração de fármaco livre, e a velocidade de metabolismo permanece constante com o tempo. Esta cinética é denominada de ordem zero ou cinética não linear. Uma quantidade constante da droga é metabolizada por unidade de tempo. Excreção de Drogas A eliminação dos fármacos pode ser realizada por biotransformação ou excreção, sendo que a maioria deles passa por ambos os processos. Por excreção se entende a passagem dos fármacos da circulação sanguínea para o meio externo; é por este processo que os compostos são efetivamente 94 removidos do organismo. As leis gerais de passagem através de membranas, também aqui se aplicam, só que em sentido contrário ao dos processos de absorção e distribuição. Os órgãos de excreção de fármacos são denominados vias de excreção ou emunctórios e incluem os rins, pulmões, suor, glândulas lacrimais e salivares, mama (leite materno) e tubo digestivo (fezes e secreção biliar); destes, o rim se destaca nesta função e, os demais, exceto os pulmões para as substâncias voláteis, são quantitativamente menos importantes. As substâncias ativas excretadas nas fezes são ingeridas por via oral e em grande parte não absorvidas pelo trato gastrintestinal ou são metabólitos excretados ativamente pelo fígado pela bile e não reabsorvidos pela circulação entero-hepático; a reintrodução da substância ativa na circulação sistêmica por este circuito pode prolongar seusefeitos. Pela via biliar normalmente são excretados fármacos de alto peso molecular, os muito polares e aqueles que são ativamente englobados em micelas de sais biliares, colesterol e fosfolipídios. A excreção de fármacos no leite materno é importante porque pode produzir efeitos farmacológicos indesejados no bebê em sua fase de 95 amamentação. Já a excreção pulmonar, por sua vez, é importante na eliminação dos gases e vapores anestésicos. Excreção Renal Os mecanismos que asseguram a excreção renal de fármacos são os mesmos que intervêm na formação da urina; papel este que, como sabemos, é função do néfron, unidade anatomo-fisiológica dos rins. Estes mecanismos compreendem a filtração glomerular, a secreção tubular ativa e a reabsorção tubular passiva. Em um primeiro momento o fármaco é filtrado ou secretado para a luz tubular; em um próximo passo, podem ser eliminados com a urina ou reabsorvidos ativa ou passivamente, pelo epitélio tubular. A quantidade de fármaco que entra na luz tubular por filtração, bem como a velocidade com que ocorre este processo, depende de sua fração 96 ligada à proteína plasmática, da taxa de filtração glomerular e fluxo plasmático renal. Já a secreção tubular ativa não é afetada pelo teor de ligação a proteínas plasmáticas, é um transporte mediado por carreadores que apresenta alta velocidade, podendo ser saturável. Muitas substâncias de caráter ácido são transportadas por um sistema destinado à secreção de substâncias de ocorrência natural, como o ácido úrico. As bases orgânicas, são transportadas por outro sistema que secreta base endógena, como a histamina; assim pode ocorrer competição entre ácidos ou entre bases orgânicas pelo sítio de ligação de seu carreador; por exemplo, a probenicida retarda a excreção urinária da benzilpenicilina, o que aumenta sua vida média no organismo e consequentemente a duração de seu efeito farmacológico. Ambos os sistemas de transporte podem ser bidirecionais, entretanto, o transporte de substâncias exógenas é predominantemente secretor. A reabsorção tubular renal de ácidos e bases fracas em suas formas não ionizadas (lipossolúveis) se processa por difusão passiva no nível dos túbulos proximal e distal, sendo potencialmente bidirecional; porém como a água é progressivamente abstraída do lúmen tubular ao longo do néfron, o aumento da concentração intraluminal do fármaco cria um gradiente de concentração para retrodifusão. Este mecanismo é influenciado pelas propriedades físico-químicas do fármaco e pH urinário. Ácidos orgânicos fracos, por não se dissociarem em pH ácido, são reabsorvidos; podemos acelerar sua excreção alcalinizando a urina, o que os converte em formas ionizadas não livremente difusíveis. A alcalinização da urina teria efeito oposto na excreção de bases fracas. Estes artifícios podem ser utilizados, como já comentado, em casos de intoxicação. 97 Representação esquemática da secreção e reabsorção de diversos tipos de substâncias nos néfrons. Fatores fisiológicos ou patológicos que aterem a função renal influenciam decisivamente a excreção de fármacos por esta via. Em presença de insuficiência renal, fármacos e metabólitos ativos excretados fundamentalmente pelo rim podem acumular-se, ocasionando efeitos tóxicos. Para evitar tal ocorrência são necessários ajustes nos esquemas terapêuticos. O fator idade figura entre os fatores fisiológicos, como um dos principais interferentes na excreção renal de fármacos. Em recém-nascidos e prematuros, a filtração glomerular e o fluxo plasmático renal são aproximadamente 30 a 40% inferiores aos dos adultos, somente aproximando- se a estes aos três meses de idade, logo a cinética dos fármacos nestas crianças será totalmente diferenciada, devendo ser levada em conta nos regimes terapêuticos de substâncias administradas no período pós-natal. 98 Depuração ("Clearance") É um termo inglês usado universalmente para indicar a remoção completa de determinada substância de um volume específico de sangue na unidade de tempo. Depuração é o termo em português que mais se aproxima do sentido do termo inglês. No nível mais simples, a depuração de um fármaco do organismo pode ser compreendida como a taxa de eliminação por todas as vias, normalizada para a concentração do fármaco (C) em um líquido biológico: Depuração = Taxa de eliminação/C Os princípios de depuração dos fármacos são semelhantes àqueles da fisiologia renal, onde, por exemplo, a depuração da creatinina é definida como a taxa de eliminação da creatinina na urina em relação à sua concentração no plasma. É importante notar que a depuração não indica a quantidade do fármaco que está sendo removida, mas, em vez disso, o volume do líquido biológico, como o sangue ou o plasma, do qual o fármaco teria sido totalmente removido. O clearance é expresso em volume por unidade de tempo (ml/min ou L/h). A depuração por vários órgãos de eliminação é aditiva. A eliminação de um fármaco pode ser o resultado de processos que ocorrem no rim, fígado e outros órgãos. A divisão da taxa de eliminação por cada órgão pela concentração plasmática do fármaco, por exemplo, fornece as respectivas depurações em cada um destes órgãos; estas quando somadas representam a depuração sistêmica total. 99 Outros: refere-se a vias de excreção como lágrimas, saliva suor e fezes. Quando o fármaco é parcial ou totalmente excretado pelos rins sem sofrer alterações, o clearance renal pode ser calculado dividindo-se a velocidade de excreção urinária (mg/min) pela sua concentração sanguínea (mg/ml). O clearance de creatinina é um índice da função renal porque esta substância endógena sofre filtração glomerular completa e sua secreção e reabsorções tubulares são mínimas, desta forma pode também ser utilizado na avaliação do clearance renal de fármacos. Meia-vida de drogas (T1/2) A meia-vida é um conceito cronológico e indica o tempo em que uma grandeza considerada reduz à metade de seu valor. Em farmacocinética, ela representa o tempo gasto para que a concentração plasmática ou a quantidade original de um fármaco no organismo se reduza à metade. A cada intervalo de tempo correspondente a uma meia-vida, a concentração decresce em 50% do valor que tinha no início do período. Esse conceito é operacionalizado pela observação da concentração no plasma. Para a maioria dos fármacos, a meia-vida é constante em uma larga faixa de concentrações. Já o termo vida-média exprime a duração média da concentração e não sua meia-vida. O tempo de meia-vida ou t1/2 é um importante parâmetro farmacocinético. A caracterização de um evento farmacocinético pelo valor da meia-vida possibilita uma estimativa da rapidez com que o processo ocorre, originando dados importantes para a interpretação dos efeitos terapêuticos ou 100 tóxicos dos fármacos, da duração do efeito farmacológico e do regime posológico adequado. O conhecimento do t1/2 também é de grande utilidade para se conseguir alcançar a concentração plasmática média no equilíbrio (Css), após doses repetidas em intervalos que representam a meia-vida; a Css é a concentração do estado de equilíbrio, orientadora do regime posológico e é obtida quando se administra um medicamento em doses repetidas, a intervalos regulares. Tal repetição permite a manutenção desse platô de concentração constante, por reposição da parte do fármaco que está sendo eliminado. Diz-se que a concentração do estado de equilíbrio (Css) é alcançada após 4-6 intervalos de meia-vida; o paciente alcançará 50% de equilíbrio dinâmico após uma meia- vida do fármaco, 75% de equilíbrio dinâmico após duas meias-vidas, 87,5% após três meias-vidas e 94% após quatro meias-vidas, conforme figura abaixo. A mais importante meia-vida em farmacocinéticaé aquela que descreve o processo de eliminação ou remoção do fármaco do corpo. Esta "meia-vida de eliminação", frequentemente abreviada na literatura como t1/2b, indica como será a velocidade de desaparecimento do fármaco após 101 administração de uma dose única ou após o término de um longo período de terapia; normalmente, esta também ocorre em um período que varia de 4 a 6 meias-vidas do fármaco. Também aqui é necessário lembrar que os valores tabelados de t1/2 (como os de Vd) são usualmente valores médios representativos, que como outros eventos fisiológicos e farmacocinéticos irão variar de pessoa para pessoa e podem ser influenciados por muitos fatores como: sexo, idade, patologia, interação com outras drogas. O t1/2 para um dado fármaco pode variar temporalmente mesmo em um mesmo indivíduo. Índice Terapêutico A concentração terapêutica situa-se entre as concentrações geradoras de efeito mínimo eficaz (limite mínimo) e efeito tóxico (concentração máxima tolerada, limite máximo). A relação entre as concentrações terapêuticas e tóxicas é chamada índice terapêutico (I.T.) do fármaco; medicamentos com amplo I.T. apresentam uma ampla faixa de concentração que leva ao efeito requerido, pois, as concentrações potencialmente tóxicas excedem nitidamente as terapêuticas, esta faixa de concentração é denominada "janela terapêutica”. Infelizmente, muitos fármacos apresentam uma estreita janela terapêutica (I.T.<10), por apresentarem uma pequena diferença entre as concentrações terapêuticas e tóxicas. Nestes casos, há a necessidade de cuidadosa monitorização da dose, dos efeitos clínicos e mesmo das concentrações sanguíneas destes fármacos, pretendendo assegurar a eficácia sem toxicidade. 102 Índices terapêuticos de alguns fármacos: Na prática, o índice terapêutico é calculado a partir da razão entre a dose letal da droga para 50% da população (DL50), pela dose mínima efetiva em 50% da população (DE50). ----------- FIM DA DISCIPLINA------------ 103
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