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Diversidade e Inclusão Educacional Jackeline Susann Souza da Silva Artigo científico 2 DIVERSIDADE E INCLUSÃO EDUCACIONAL Jackeline Susann Souza da Silva* RESUMO Este artigo tem como objetivo principal discutir a educação inclusiva no âmbito da diversidade, no processo de constituição da identidade e das diferenças dos estudantes, assim como na formação docente para adoção de práticas pedagógicas inclusivas na escola regular. Nessa linha, este estudo se fundamenta no levantamento bibliográfico e na análise documental das políticas educativas e da legislação brasileiras, que garantem o direito universal à educação por meio do ingresso de todos os estudantes à escola regular – a partir da oferta da matrícula, da permanência e da participação escolar em condições de igualdade. Em particular, o estudo do material “Educar na Diversidade”, do Ministério da Educação, se apresenta como alternativa para a formação docente na aprendizagem de competências didáticas inclusivas, uma vez que é de fácil acesso e está alinhado à proposta de educação para a diversidade. Conclui-se que, houve um avanço considerável na produção de pesquisas e de diretrizes pedagógicas sobre educação inclusiva e diversidade no Brasil. No entanto, é necessária uma constante atualização deste tema, pois a diversidade é uma problemática ampla, dinâmica e multifacetada. Palavras-chave: educação inclusiva; diversidade; políticas; formação docente; multiculturalismo. INTRODUÇÃO O objetivo central deste artigo é discutir as políticas, os fundamentos e as práticas pedagógicas, que orientam os princípios da educação inclusiva no âmbito da diversidade dos estudantes na escola comum. As perguntas que norteiam esse texto são as seguintes: a) Quais são as bases teóricas, político-legais e metodológicas que definem a educação inclusiva? b) Como a questão da diversidade é abordada no contexto do ensino regular brasileiro? O movimento pela inclusão tem proporção mundial e se desenvolve em meio ao esforço coletivo de ampliar o ingresso de crianças, jovens e adultos à escola, sobretudo, considerando a garantia da matrícula e da qualidade da permanência no sistema de ensino regular aos estudantes pertencentes a grupos vulneráveis, como pessoas com deficiência, imigrantes, meninas, populações negra e indígena. Por ser um tema de interesse global, a Organização das Nações Unidas (ONU) assume a inclusão social como tema transversal nas agendas e metas internacionais, com o propósito de eliminar a discriminação, a desigualdade e a exclusão, em particular, na oferta de oportunidades educativas à diversidade. Nessa * Professora e pesquisadora. Doutora em Educação pela Universidad de Salamanca. Mestre em Educação na linha de Estudos Culturais da Universidade Federal da Paraíba. Licenciada em Pedagogia com habilitação em Supervisão e Orientação Educacional. E-mail: jackelinesusann@gmail.com 3 linha, o Brasil é um dos países-membros dos acordos da ONU e, por isso, desde a década de 1990 reconhece a inclusão como um princípio relevante para as reformas educacionais e adequação dos planos pedagógicos. Por essa razão, em 2006, o Ministério da Educação lançou o programa “Educar na Diversidade” (BRASIL, 2006), com o propósito de formar professores para a adoção de práticas pedagógicas inclusivas. Esse projeto tem grande relevância para o país em virtude da ampla dimensão geográfica e da diversidade populacional que compõe a cultura brasileira, por isso a educação inclusiva é o modelo que melhor responde às diferenças regionais e à diversidade de identidades do país. Nessa linha, este texto está divido em três capítulos. O primeiro capítulo aborda: educação, diversidade e inclusão social, apresentando as diretrizes internacionais, como a Declaração de Salamanca e a Agenda ONU 2015-2030, assim como a problemática do multiculturalismo e da interculturalidade no âmbito das diferenças de identidades. O segundo capítulo discute as políticas públicas de inclusão na educação, destacando o público foco e as bases da formação docente para a diversidade. Por fim, o terceiro capítulo apresenta práticas pedagógicas para a inclusão, utilizando como marco referencial principal o material de formação docente “Educar na Diversidade”, difundido pelo Ministério da Educação nas escolas brasileiras na primeira década do presente século. 1. EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE E INCLUSÃO SOCIAL O conceito diversidade é parte das pautas atuais sobre educação, sendo incorporado às diretrizes nacionais e internacionais e às políticas institucionais dos estabelecimentos de ensino público e privado do Brasil. No entanto, não há consenso sobre sua definição na literatura, uma vez que este é difundido de maneira ampla e em diferentes perspectivas. Algumas definições se aproximam e, em outras vezes, entram em conflito. Em particular, a teoria crítica da diversidade supera a compreensão deste conceito como um traço meramente natural e essencialista da sociedade, pois esta perspectiva apaga as relações de poder e as desigualdades existentes entre os povos e as culturas. O relatório da Unesco (2009), “Informe mundial de la UNESCO: Investir en la diversidad cultural y el diálogo intercultural”, demonstra a dinamicidade, as transformações e as tensões conceituais que compõem os significados da diversidade humana no debate contemporâneo. Se por um lado a diversidade é entendida na abordagem positiva, em que se reflete a troca entre as diferentes culturas e o diálogo horizontal, por outro lado, este mesmo conceito é analisado como um processo conflitante, gerado na interação e o embate entre culturas. Nas últimas décadas, as tensões culturais fomentaram reivindicações por identidades – direito de ser – e deram visibilidades às relações desiguais que existem na estrutura social. Nessa linha, Gomes (1999) define diversidade a partir de duas abordagens: a primeira refere-se às diferenças humanas, que são perceptíveis diretamente por meio da observação, por exemplo: cor da pele, deficiência e gênero. A segunda abordagem de diversidade compreende as diferenças humanas, como aquelas que são marcadas ao longo da história e que resultam de relações de poder, por exemplo: status social, classe e padrões advindos de valores dominantes. 4 Assim, conforme Gomes (1999), a diversidade social não se caracteriza, simplesmente, por diferenças inatas entre os sujeitos e no reconhecimento do outro. Mas envolve um processo complexo de estruturação das sociedades, de subjetivação das diferenças e de desigualdades sociais geradas por relações de poder que colocam determinados grupos em mais desvantagens que outros. De forma resumida, o texto da Unesco (2009) define diversidade cultural como: [...] Um fato em que existe entre uma grande variedade de culturas que é, antes de tudo, distinguível rapidamente a partir de observações etnográficas, ainda que os limites que marcam as linhas de uma cultura específica sejam mais difíceis de perceber à primeira vista. Além disso, a consciência desta diversidade chegou a ser hoje praticamente um lugar comum devido à mundialização do intercâmbio e da maior receptividade mútua das sociedades. Ainda que, uma maior tomada de consciência não garanta de forma alguma a preservação da diversidade cultural, conseguimos dar maior notoriedade ao tema. (UNESCO, 2009, p. 4) A diversidade cultural se converteu em uma questão social de primeira instância, que busca revelar “os códigos sociais que operam no interior das sociedades e entre elas” (UNESCO, 2009, p. 4). Frente à diversidade de símbolos, expressões e formas de atuar nas sociedades, as nações, nem sempre, encontraram caminhos viáveis para evitar intensos conflitos culturais e tornar a percepção social da diversidade como um bem coletivo. Para contribuir na busca por soluções favoráveis à disseminação positivada noção de diversidade humana na constituição de sociedades plurais, muitos países formularam legislações específicas e planos de colaboração internacional com foco na problemática da diversidade cultural, social e econômica da população. No Brasil, a Constituição reconhece a diversidade populacional e a vasta extensão territorial que demarca diferentes povos e culturas no país, por isso, o artigo 5° defende que: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Nessa perspectiva, a Constituição garante a “inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (BRASIL, 1988, art. 5°). Em consonância, a educação, no contexto da pós-Constituição, se torna um dos direitos fundamentais de todos os estudantes. Na mesma perspectiva, o Ministério da Educação dedica um módulo dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1998, vol. 10) ao tema da diversidade, reconhecendo no Brasil: [...] diferentes características regionais, diferentes manifestações de cosmologias que ordenam de maneiras diferenciadas a apreensão do mundo, formas diversas de organização social nos diferentes grupos e regiões, multiplicidade de modos de relação com a natureza, de vivência do sagrado e de sua relação com o profano. O campo e a cidade propiciam as suas populações vivências e respostas culturais muito diferenciadas que implicam ritmos de vida, ensinamentos e valores e formas de solidariedade distintas. (BRASIL, 1998, p. 29-30) O discurso oficial apresentado tanto na Constituição (BRASIL, 1988) como no PCN (BRASIL, 1998) determina que os princípios da democracia devem se basear na construção de sociedades plurais, nas quais as diferenças humanas e culturais sejam respeitadas. Nesse contexto, a liberdade e a igualdade são as bases dos 5 direitos fundamentais dos indivíduos, como o direito indiscriminado de acesso à educação. É preciso compreender que a diversidade se expressa diferentemente nas cinco regiões do país, sendo um desafio para a população e as instituições de ensino reconhecê-la como uma dimensão importante da identidade nacional (BRASIL, 1998). Também é um desafio abordar a diversidade como parte da riqueza nacional para o desenvolvimento das sociedades, ordenamento das relações interpessoais e, em particular, para o avanço do próprio campo da educação. A diversidade brasileira “[...] é parte do ‘patrimônio socioculturalʼ, por isso a sociedade deve assumir o compromisso coletivo com a eliminação das desigualdades sociais e das discriminações que atingem determinados coletivos” (BRASIL, 1998, p. 117). Nesse contexto, as instituições educacionais precisam ater- se a sua parcela da responsabilidade social com a pluralidade sociocultural, reconhecendo internamente o valor da diversidade nas situações de aprendizagem e nas relações cotidianas. Tal valor deve ser o alicerce das práticas pedagógicas e curriculares, com a finalidade de fomentar a atitude coletiva para a tolerância, a cultura de paz, o respeito aos direitos humanos e a cidadania na escola e fora dela (BRASIL, 1996; 1998). Por outro lado, as dimensões continentais do espaço geográfico brasileiro revelam a complexidade política, o pluralismo e as contradições que estão implicadas na vida da população (BRASIL, 1998). Por isso, as intensas desigualdades, as discriminações e as exclusões sociais dificultam o acesso aos direitos básicos já conquistados desde 1988 no texto da Constituição. Vale destacar que a efetivação do direito constitucional à educação e o caminho da democracia passam pela discussão da diversidade humana, envolvendo saberes sobre o contexto global-local e o respeito aos diferentes grupos sociais. Ao mesmo tempo, a reflexão sobre o tema deve impulsionar o combate às desigualdades sociais e econômicas que afetam, de forma distinta, as pessoas e as minorias no âmbito da estrutura social. 1.1 A inclusão social como tema transversal nas metas internacionais Desde a década de 1980, uma série de documentos e leis foram publicados com o propósito de transformar a sociedade para a diversidade. As reivindicações em favor da diversidade humana vão em direção a modificações das relações humanas e da eliminação de desigualdade com vista às transformações sociais. Para isso, a inclusão aparece como diretriz fundamental. Para ilustrar, a Agenda ONU 2030 traz como tema transversal os Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável – ODS, a inclusão social (ONU, 2015-2030). Em específico, esse conceito está alinhado ao ODS 10, que se compromete com a redução da desigualdade dentro dos países e: [...] Até 2030, progressivamente alcançar e sustentar o crescimento da renda dos 40% da população mais pobre a uma taxa maior que a média nacional. Até 2030, empoderar e promover a inclusão social, econômica e política de todos, independentemente da idade, gênero, deficiência, raça, etnia, origem, religião, condição econômica ou outra. Garantir a igualdade de oportunidades e reduzir as desigualdades de resultados, inclusive por meio da eliminação de leis, políticas e práticas discriminatórias e da promoção de legislação, políticas e ações adequadas a este respeito. (ONU, 2015-2030, ODS10). 6 Esse mesmo tratado internacional, que o Brasil é parte, reforça como objetivo, a necessidade dos países-membros assegurarem uma educação de qualidade, comprometida com a inclusão e a oferta de oportunidades de aprendizagem para todas as crianças e os adolescentes, meninos e meninas que estão em idade escolar, bem como o acesso à educação ao longo da vida. Para isso, é meta para os próximos anos: garantir uma educação igualitária no ensino básico para meninos e meninas, de modo que estes possam usufruir de uma aprendizagem útil e relevante para sua vida e, assim, ampliem as possibilidades de participação social. Até o final da década de 2030, as crianças pequenas devem ter acesso à oportunidade de desenvolvimento na educação infantil e pré-escola, a fim de que estejam preparadas para o ingresso no ensino fundamental (ONU, 2015-2030). A Agenda da ONU 2015-2030 destaca ainda que é preciso assegurar a igualdade entre mulheres e homens na participação e na aquisição curricular, seja na educação técnica e profissional, seja no ensino superior. Nesse contexto, é preciso considerar nas modalidades de ensino a garantia da qualidade da educação e a acessibilidade das taxas de matrículas e dos cursos técnicos ou universitários (ONU, 2015-2030). A ampliação das oportunidades de formação à diversidade de jovens e adultos na educação técnica e universitária terá como resultado o aumento da qualificação da população em competências técnicas, profissionais e científicas, com o foco na melhoria da empregabilidade de trabalho decente e de participação empreendedora. Tratando-se dos desafios da educação inclusiva frente à diversidade discente, a meta da ONU é que os países-membros invistam em um projeto amplo de garantia da igualdade em todos os níveis e modalidades educativas, focando, sobretudo, os grupos mais vulneráveis, como: as crianças com deficiência, a população indígena, os imigrantes e outras pessoas que estão à margem da sociedade (ONU, 2015- 2030). Para isso, é preciso o investimento na construção e melhoraria da infraestrutura das escolas e instituições educacionais, objetivando que estas sejam “apropriadas para crianças e sensíveis às deficiências e ao gênero, e que proporcionem ambientes de aprendizagem seguros e não violentos, inclusivos e eficazes para todos” (ONU, 2015-2030, art. 4º). A conscientização dos discentes sobre o desenvolvimento sustentável e estilos de vidas compatíveis com a vida coletiva harmoniosa também é uma das metas dos países-membros na promoção da igualdade, dos direitos humanos e do reconhecimento da diversidade e da cultura de paz (ONU, 2015-2030). Os ODS são as diretrizes mais atuais em matéria de indicadores para a inclusão social eeducacional, por isso a Agenda da ONU deve ser incorporada aos projetos pedagógicos das instituições do sistema de ensino, bem como os ODS necessitam ser condensados nos objetivos educacionais de aprendizagem. Portanto, a afirmação da diversidade e o compromisso com um desenvolvimento sustentável e inclusivo são características fundamentais das agendas nacionais e internacionais para a transformação social e educacional. Para isso, o primeiro aspecto a ser considerado é a mudança de atitude no plano pessoal e nas relações com os demais, de modo que as diferenças humanas sejam respeitadas e vistas como elemento enriquecedor para o desenvolvimento humano e nas oportunidades educacionais ofertadas aos diferentes coletivos. Ao tratar esta problemática, é relevante entender a diversidade humana e a desigualdade social como eventos particulares. A primeira refere-se a uma 7 caraterística das sociedades, já a segunda é resultado dos conflitos e das relações de poder, que são intrínsecas à convivência e às negociações entre os povos. Tal como afirma Gomes (1999), a diversidade se compõe nas diferenças entre os sujeitos. Essas diferenças são produzidas em processos históricos a partir da organização coletiva da vida social. A organização social se dá por meio de saberes, de demarcações subjetivas e de encontros entre diferentes valores culturais. Nem sempre os choques entre culturas ocorrem de forma pacífica, muitas vezes, esses processos são condicionados por interesses, tensões e dominação. Por isso, embora as organizações internacionais, como a ONU, elaborem metas para a inclusão social, a efetivação de sociedades inclusivas depende de um processo constante de lutas e reivindicação por direitos e igualdades. Em particular, a educação ainda é um espaço privilegiado em determinadas regiões do Brasil, por exemplo: nas comunidades rurais, é preciso uma atenção especial por parte dos poderes públicos para que crianças e jovens do campo tenham acesso a uma educação adequada e com qualidade, considerando, inclusive, a igualdade nas diferenças locais. Na esfera da legislação que determina o direito à educação sem discriminação (BRASIL, 1988; 1998), a escola aparece como uma instituição com papel chave na eliminação da exclusão social por meio da supressão de barreiras no acesso a oportunidades educativas aos indivíduos que foram tradicionalmente excluídos, como pessoas com deficiência, meninas, populações indígenas, negros e crianças de baixa renda. Para isso, é preciso eliminar a desigualdade social que tem sua natureza própria: [...] A desigualdade social é uma diferença de outra natureza: é produzida na relação de dominação e exploração socioeconômica e política. Quando se propõe o conhecimento e a valorização da pluralidade cultural brasileira, não se pretende deixar de lado essa questão. Ao contrário, principalmente no que se refere à discriminação, é impossível compreendê-la sem recorrer ao contexto socioeconômico em que acontece e à estrutura autoritária que marca a sociedade. As produções culturais não ocorrem “fora” de relações de poder: são constituídas e marcadas por ele, envolvendo um permanente processo de reformulação e resistência. (BRASIL, 1998, p. 121) A desigualdade social, associada à discriminação, gera a exclusão social, que se expressa em diferentes níveis. De modo geral, por exclusão social se entende o ciclo de “impossibilidade de acesso aos bens materiais e culturais produzidos pela sociedade e de participação na gestão coletiva do espaço público – pressuposto da democracia” (BRASIL, 1998, p. 121). Para entender melhor, uma criança com deficiência, do sexo feminino, que nasceu em uma família com poucos recursos financeiros, terá menos chance de desenvolvimento que uma criança sem deficiência, do sexo masculino, que tem uma estrutura econômica mais favorável. Neste caso, a discriminação e a exclusão ocorrem de modo diferenciado, a depender das marcas de identidade associadas que compõem a história de vida dos indivíduos. Segundo Guimarães e Stoer (2006), a exclusão é resultado de desigualdades locais, macros e econômicas. Este é um problema complexo e multifacetado, não podendo ser resumido a questões de cunho econômico. As desigualdades que geram exclusão se distinguem também em aspectos socioculturais que estão no interior das sociedades. 8 Nessa linha, ao mesmo tempo que um lugar pode apresentar dados positivos quanto à menor pobreza regional, esse mesmo lugar pode trazer estatísticas negativas sobre a exclusão social, a partir do cruzamento de variáveis como gênero, raça, geração, deficiência. Nessa situação, é possível perceber que o conceito de exclusão abarca a questão da desigualdade econômica, mas este extrapola a categoria financeira, pois adentra em aspectos da diversidade social e de identidades culturais. 1.2 Multiculturalismo, identidade e diversidade A disseminação de princípios para a educação inclusiva trouxe para o debate educacional termos como: “identidade”, “diferença”, “interculturalidade” e “multiculturalismo”. No paradigma da educação multicultural, a escola é entendida como um lugar com múltiplas funções em que as relações humanas acontecem em meio às relações de poder (CANDAU, 2014). Por essa razão, a escola é um lugar de luta social, no qual a busca pela igualdade de direito de acesso e equidade de participação caracteriza as reivindicações de movimentos identitários. Nesse contexto, o reconhecimento da diferença e o direito de ser diferente são bandeiras de luta de grupos sociais em oposição aos preconceitos, discriminações e violências (CANDAU, 2014). Vera Candau (2014) caracteriza a educação no âmbito da pluralidade cultural em três perspectivas: multiculturalismo assimilacionista, multiculturalismo diferencialista ou monoculturalismo plural e multiculturalismo interativo ou interculturalidade. No parâmetro do multiculturalismo assimilacionista, as culturas são definidas de modo descritivo. A educação se baseia no processo de homogeneização dos valores culturais, no qual os estudantes são induzidos a aceitar e a internalizar os padrões da cultura dominante (CANDAU, 2014). Já o paradigma do multiculturalismo diferencialista ou monoculturalismo plural surge em contraposição ao caráter meramente descritivo da corrente do multiculturalismo assimilacionista. A principal contestação do multiculturalismo diferencialista é não negar ou apagar as diferenças humanas em prol da internalização de uma cultura dominante (CANDAU, 2014). Nessa corrente, o reconhecimento das diferenças humanas é um passo importante para uma educação plural no âmbito das relações culturais. Ao mesmo tempo, a perspectiva monoculturalismo plural acredita que existem comunidades homogêneas dentro da macrocultura, trazendo, assim, de certo modo, a crença no essencialismo das identidades culturais. Nessa corrente se faz necessário preservar, separadamente, os valores grupais. Uma terceira alternativa discutida por Candau (2014) é caracterizada como a perspectiva crítica das relações culturais, sendo esta nomeada de multiculturalismo interativo ou interculturalidade. A visão crítica das culturas analisa o multiculturalismo como aberto e interativo para a construção de sociedades inclusivas e democráticas, de modo que se articulem políticas para a equidade, em conformidade com a história das identidades (CANDAU, 2014). Segundo Andina Bolívar (2004 apud CANDAU, 2014), a educação intercultural pode ser classificada em três tipos: (1) Interculturalidade relacional: é caracterizada como a troca entre culturas e sujeitos, no intercâmbio entre seus distintos saberes, práticas, valores e 9 tradições. As relações se estabelecem no contexto da igualdade e desigualdade, mas nesta vertente, as relações interculturais são reduzidas às relações interpessoais; (2) Interculturalismo funcional: neste tipo de educação intercultural,a abordagem se baseia na coesão social – que significa a união entre grupos sociais em um estado de equilíbrio das diferenças. A principal crítica a essa vertente é devido à mesma responder aos interesses e à lógica do neoliberalismo, por meio da diminuição das tensões culturais entre grupos e sem a preocupação com a modificação da estrutura social e das relações de poder estruturantes; (3) Interculturalidade crítica: esta vertente questiona as diferenças e as desigualdades construídas no fluxo da história da humanidade; por exemplo, as disparidades de gênero, raça e etnia, classe social e deficiência. Na educação intercultural crítica, os sujeitos são empoderados a partir de uma perspectiva emancipatória de sociedade. Esta abordagem busca romper com a ideia essencialista de cultura e identidade. Nesse sentido, a teoria crítica reconhece a hibridização cultural e as diferenças como características relacionais, que estão abertas e em constante construção. A identidade não é, portanto, valores culturais puros e concretos. Por essa razão, a interculturalidade crítica identifica os mecanismos de poder que estão presentes nas relações culturais e articula as questões de diferença e desigualdade, já que estas são em si conflitantes, tanto no plano global como na diversidade local (CANDAU, 2014). No âmbito da educação intercultural, as práticas pedagógicas partem da reflexão sobre o reducionismo da ideia de igualdade, quando esta atrela-se à homogeneidade das identidades e o modo de ser, isto é, a noção de igualdade que tem como base oferecer condições semelhantes às pessoas, sem considerar as diferenças de identidade e de estilo de aprendizagem. Na perspectiva homogênea da igualdade, as diferenças são estigmatizadas e vistas como desvio do padrão ou como um problema a ser corrigido pelas instituições de ensino. Por outra parte, a educação intercultural fundamenta-se na desconstrução de práticas naturalizadas e enraizadas na ação docente e discente, baseando-se na troca e no reconhecimento dos saberes e identidades dos diferentes grupos (CANDAU, 2014). A educação intercultural foca o princípio inclusivo, no qual a diferença é vista como “vantagem pedagógica” (CANDAU, 2014, p. 25). Desse modo, é preciso que os processos de ensino interculturais contestem a monocultura do saber, a ciência moderna e a alta cultura, considerando a produção de conhecimento como um processo inacabado e que se elabora na ecologia de saberes, isto é, na valorização da pluralidade, das formas distintas de ver o mundo e de conhecer/aprender, no que se refere aos diferentes coletivos (SANTOS, 2006 apud CANDAU, 2014). Adentrando na discussão sobre identidade e diferença, Kathryn Woodward (2000) traz pontos relevantes para a reflexão. O primeiro aspecto defendido pela autora é que a identidade é um dado relacional, ou seja, uma identidade depende de 10 outra para existir – daquilo que está externo a ela própria. Por exemplo, ser brasileiro depende da relação diferencial entre ser mexicano. Um segundo aspecto apontado por Woodward (2000) é que, embora a identidade do outro seja diferente da nossa, esta mesma identidade diferente fornece as condições para que a nossa identidade possa existir. Em outras palavras, a identidade brasileira se diferencia da mexicana, e é nessa relação de diferença que ambas passam a existir. A construção da identidade, necessariamente, passa pelo processo psicossocial de classificação das diferenças humanas (WOODWARD, 2000). Nessa linha, Woodward (2000) explicita que a identidade é marcada por símbolos e relações que geram exclusão ou aproximação. Isso quer dizer que, no processo de formação das identidades, as características são avaliadas, psicossocialmente, sendo estas aproximadas ou distanciadas na relação de um grupo em comparação a outro. Tal avaliação pode ser feita por características de gênero, físicas, cognitivas, regionais etc. Como é possível perceber, a discussão sobre diferenças e identidades envolve um processo complexo de autoafirmação, comparação e representação social, formulado em meio aos símbolos culturais e relações humanas. Quijano (2005) acrescenta a essa discussão a questão da dominação, que opera na formação das identidades culturais: Na medida em que as relações sociais, que se estavam configurando, eram relações de dominação, tais identidades sociais foram associadas às hierarquias, lugares e papéis sociais correspondentes, como constitutivas delas e, consequentemente, ao padrão de dominação que se impunha (QUIJANO, 2005, p. 228-229). Portanto, a dominação cultural é uma interface da distinção das identidades culturais: um modo de estabelecer hierarquias entre grupos na estrutura social. Para entender como se formam as identidades no âmbito das diferenças humanas, Woodward (2000) expõe que é necessária a conceituação das dimensões socioculturais em que as identidades operam. Frequentemente, essas dimensões são definidas de modo essencialista, isto é, a partir de uma suposta essência natural das identidades culturais. Na visão essencialista, as identidades são compreendidas como categorias imutáveis e fixas (WOODWARD, 2000). Por isso, determinados grupos apelam para a natureza étnica ou para o gênero a fim de explicar um dado cultural – por exemplo, ao dizer que as mulheres têm mais inclinação biológica para educar os filhos em comparação aos homens, sustentando, desse modo, argumentos fixos e verdades universais sobre as identidades humanas. Mesmo com a crítica à vinculação de aspectos essencialistas, as identidades culturais estão, em diferentes graus, conectadas aos aspectos materiais, sociais e subjetivos. Assim, conforme aponta Woodward (2000), um grupo pode acumular experiências semelhantes; por exemplo, desvantagens no acesso aos bens materiais e culturais em razão do estigma dentro de um quadro de simbologia mais favorável aos valores dominantes. Nesse aspecto, Woodward (2000) destaca que: O social e o simbólico referem-se a dois processos diferentes, mas cada um deles é necessário para a construção e a manutenção das identidades. A marcação simbólica é o meio pelo qual damos sentido a práticas e a relações sociais, definindo, por exemplo, quem é excluído e quem é 11 incluído. É por meio da diferenciação social que essas classificações da diferença são “vividas” nas relações sociais. A conceitualização da identidade envolve o exame dos sistemas classificatórios, que mostram como as relações sociais são organizadas e divididas; por exemplo, ela é dividida em ao menos dois grupos em oposição – “nós e eles”. (WOODWARD, 2000, p. 48) Nesse contexto, os sistemas simbólicos são negociados em relações dinâmicas e multifacetadas, nas quais algumas diferenças ficam mais evidentes (positiva ou negativamente) que outras. Por exemplo, o nacionalismo pode esconder as questões de renda e as desigualdades de gênero (WOODWARD, 2000). O discurso de identidade extrapola a questão do macronacionalismo, pois envolve percepções psicológicas, antropológicas, culturais e econômicas. O pensamento moderno sobre identidade nasceu da disseminação do multiculturalismo frente à necessidade global de superar conflitos culturais e de promover a convivência entre grupos étnicos em espaços de trânsito comum (CANCLINI, 2004). Segundo Barbosa (2008, p. 1), a noção direta de identidade surgiu da reivindicação da diferença e da preservação das culturas: “a identidade tornou-se, desde então, um tema bastante emergente”, uma vez que, anteriormente, a percepção da “identidade estava ligada à concepção de um sujeito unificado”. Diferentemente, agora a noção de indivíduo percorre uma definição fluida, interdimensional e instável, vista desde marcos culturais variados. No atual momento, os grupos que foram marginalizados e silenciados ao longo da história assumem uma retórica de reivindicação (BARBOSA, 2008), exigindo, muitas vezes,dos poderes públicos e da sociedade reconhecimento da sua diferença e reparação das desvantagens históricas, que foi consequência de discriminações e da exclusão social. Esse movimento identitário ganha visibilidade nas redes sociais, em que grupos específicos se unem para defender pautas que representam suas demandas. Por essa razão, existe a tendência de reforço de determinadas identidades localizadas e, ao mesmo tempo, surge a expressão identidades flutuantes – chamada também de identidades híbridas (HALL, 2003), sendo estas resultado do diálogo e do intercâmbio entre culturas em redes virtuais e espaços globalizados (BARBOSA, 2008). Stuart Hall (2006) explicita que a história demarca três referências para entender o lugar que fundamenta a discussão sobre diferenças humanas: (1) sujeito do iluminismo, (2) sujeito sociológico e (3) sujeito pós-moderno. A visão de sujeito do iluminismo se aproxima da noção filosófica da identidade como princípio de não contradição, em que o indivíduo unificado e dotado de racionalidade era idêntico a si mesmo ao longo da sua existência. Desse modo, “o centro do eu era a identidade de uma pessoa” (HALL, 2006, p. 11). A visão de sujeito sociológico é concebida nas relações sociais e a identidade é constituída na interação do sujeito com a sociedade. O sujeito pós-moderno é compreendido como sendo composto por uma fragmentação de suas identidades que, muitas vezes, mostram-se contraditórias. (DELMONDEZ; PULINO, 2014, p. 633) Segundo Delmondez e Pulino (2014), na globalização, a fragmentação de identidades fica ainda mais evidente. No cenário pós-estruturalista, há a tendência de maior interação e de deslocamentos dos sujeitos, diminuindo as fronteiras grupais, que antes pareciam mais fixas: esse deslocamento dos sujeitos é também 12 positivo, porque “desarticula as identidades estáveis do passado”, abrindo novas possibilidades e a criação de novas “identidades, na produção de novos sujeitos” (HALL, 2006, p. 18). 2. POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCLUSÃO NA EDUCAÇÃO Com impacto em diferentes campos do conhecimento, as pesquisas demonstram as grandes mudanças no âmbito do sistema de ensino, especificamente devido ao avanço das políticas com foco na acessibilidade e inclusão de estudantes pertencentes a grupos vulneráveis (FREITAS, 2010). Isso tem impulsionado a formulação de novas propostas curriculares, práticas pedagógicas e projetos institucionais. É de consenso comum o direito de todas as pessoas, independentemente das características físicas e de identidade, à escolarização em condições de igualdade de participação (BRASIL, 1988). A escola, nessa conjuntura, tem a obrigação constitucional de receber todos os estudantes, sem que estes sejam submetidos a qualquer tipo de discriminação em razão de gênero, deficiência, raça/etnia e outras marcas de identidades. O acolhimento da diversidade no sistema de ensino brasileiro é fruto da publicação, nas últimas décadas, de uma série de leis e políticas educativas que têm a finalidade de provocar transformações profundas na estrutura das escolas e nos processos de aprendizagem (FREITAS, 2010). Em geral, as políticas de inclusão têm a finalidade de desenvolver uma proposta de aprendizagem que considere: [...] a ruptura entre as fronteiras existentes em diferentes disciplinas, entre saber e realidade. Trata-se de uma valorização da multiplicidade, da integração de saberes, das redes de conhecimento que, a partir daí se formam e se constituem. Assinala para a transversalidade das áreas curriculares e para a autonomia intelectual do aluno, sujeito do conhecimento e que, por isso mesmo, imprime valor ao que constrói. (FREITAS, 2010, p. 26) É relevante se atentar à importância da relação professor e estudantes quando se trata da efetivação das políticas para inclusão educacional. Frequentemente, o professor se percebe na posição desafiadora frente à tarefa de incluir seus estudantes com necessidades educativas na escola, sobretudo porque a maioria das escolas não está preparada para incluir (FREITAS 2010). Muitas vezes é atribuída como função da escola a compensação de problemas de ordem social – que são resultados das desigualdades e das exclusões que acontecem em plano macro. Essa visão ignora que a exclusão social nem sempre é responsabilidade direta da escola. Ao mesmo tempo, a escola é tanto responsável por processos de inclusão social como, também, ela mesma produz no seu interior determinados tipos de exclusões como consequências das relações internas, por incorporar mecanismos de segregação existentes nas relações sociais mais amplas. Devido ao risco da exclusão que existe dentro e fora da escola, a legislação brasileira exige que os docentes tenham competências profissionais para incluir a diversidade por meio de “domínios metodológicos e conhecimentos pedagógicos capazes de dar conta das distintas necessidades de seus alunos” (FREITAS, 2010, p. 26). 13 Nesse caso, a tolerância às diferenças é um ponto de partida para a consolidação de modelos de convivência, de relações escolares e de práticas pedagógicas inclusivas. É preciso, nesse contexto, que o professor tenha uma predisposição para incluir (SILVA, 2019), refletindo sobre “o que realmente significa aprender, quem aprende e como se aprende” (FREITAS, 2010, p. 26). A proposta de educação inclusiva, assim, prevê a consolidação de uma “pedagogia da diferença”, na qual todos os estudantes têm a oportunidade de aprender (Idem). A educação inclusiva surgiu como um movimento mundial pela inclusão em defesa do direito à educação de todos os alunos. A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva (BRASIL, 2008) define educação inclusiva como parte do: [...] movimento mundial pela educação inclusiva, que é uma ação política, cultural, social e pedagógica, desencadeada em defesa do direito de todos os estudantes de estarem juntos, aprendendo e participando, sem nenhum tipo de discriminação. A educação inclusiva constitui um paradigma educacional fundamentado na concepção de direitos humanos, que conjuga igualdade e diferença como valores indissociáveis, e que avança em relação à ideia de equidade formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e fora da escola. (BRASIL, 2008, p. 1) Como é possível perceber, a educação inclusiva se fundamenta nos direitos humanos, sendo a igualdade e a diferença parâmetros indissociáveis (BRASIL, 2008). A legislação sobre educação inclusiva cresceu expressivamente no Brasil, se tornando um dos marcos político-legais mais avançados da América – a começar pela própria Constituição Federal (BRASIL, 1988), que disciplina, em seu artigo 208, ser dever dos poderes públicos garantir o “atendimento educacional especializado” aos estudantes com deficiência, preferencialmente, na rede regular de ensino” e, para isso, necessário que se efetive a “igualdade de condições de acesso e permanência na escola” desses estudantes (BRASIL, 1988, art. 206). O marco político-legal para a educação inclusiva no Brasil se concentra, em maior proporção, em diretrizes em favor da escolarização das pessoas com deficiência. A lei nº 7.853/1989 determina a oferta gratuita da matrícula em cursos regulares de estabelecimentos públicos e particulares. Essa mesma lei enfatiza que constitui-se crime punível com reclusão de dois a cinco anos e multa: “recusar, cobrar valores adicionais, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, em razão de sua deficiência” (BRASIL, 1989, art. 8°). Em consonância, a lei nº 8.069/1990 determina o Atendimento Educacional Especializado (AEE) aos estudantes com deficiência, preferencialmente, disponível no sistema regular de ensino. A lei nº 9.394/1996 – lei maior da educação (LDB) – reforça o texto da lei nº 8.069/1990ao dedicar um capítulo à educação especial – capítulo V. Especificamente, o artigo 58 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional define “educação especial como a modalidade da educação escolar oferecida, preferencialmente, na rede regular de ensino, para estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação” (BRASIL, 1996, art. 58). Embora a educação especial seja um modelo diferente da educação inclusiva, no Brasil é oferecida nas escolas regulares com o intuito de apoiar os estudantes 14 com deficiência. Para isso, a LDB (BRASIL, 1996) especifica, no seu art. 58 e parágrafos, que: § 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial. § 2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular. § 3º A oferta de educação especial, nos termos do caput deste artigo, tem início na educação infantil e estende-se ao longo da vida, observados o inciso III do art. 4º e o parágrafo único do art. 60 desta Lei. (BRASIL, 1996, art. 58) Além da oferta do Atendimento Educacional Especializado (AEE) nas escolas comuns, para que a educação especial se adapte ao sistema de ensino regular, a LDB (BRASIL, 1996, art. 59) determina que as escolas assegurem aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação “currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específica para atender às suas necessidades”. De forma complementar, aos estudantes com deficiência deve ser garantida, se for o caso, a terminalidade específica, direcionada aos discentes que – em razão de deficiência – não atingem o nível escolar para a finalização do ensino fundamental exigido pela escola ou pelos órgãos gestores da educação (BRASIL, 1996, art. 59). A terminalidade específica pode ser uma alternativa para a obtenção da certificação de escolaridade em tempo adequado a cada caso. A escola é responsável por emitir o certificado de conclusão, por meio de um diagnóstico, e descrevendo os detalhes das competências e aprendizagens adquiridas pelos estudantes com deficiência. Em articulação com a LDB (BRASIL, 1996), o Plano Nacional de Educação estabelece como Meta 4: [...] Universalizar, para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados. (BRASIL, 2014, Meta 4) Compondo as políticas de educação inclusiva, a lei nº 10.436/2002 reconhece a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e sua difusão no meio social, incluindo os estabelecimentos de ensino. A Libras é definida como uma língua e uma “forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico é de natureza visual-motora” (BRASIL, 2002, art. 1°). Vale destacar que a estrutura gramatical da Libras é própria, transmite os valores culturais provenientes da comunidade surda brasileira. Assim, a escola bilíngue é um direito dos surdos, a fim de que eles tenham acesso à Libras e, ao mesmo tempo, possam aprender no intercâmbio entre culturas. É preciso mencionar que, em 2015, foi publicada a lei nº 13.146/2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – o conhecido 15 Estatuto da Pessoa com Deficiência. Essa é a lei mais atual e detalhada sobre os direitos das pessoas com deficiência, determinando condições de igualdade e o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais, com o foco na inclusão social e cidadania desse coletivo. 2.1 Público foco da política nacional de educação inclusiva A Declaração de Salamanca sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas (UNESCO, 1994) teve impacto mundial ao introduzir o princípio da educação inclusiva nas discussões educacionais, servindo de referência para as diretrizes e propostas pedagógicas nacionais e internacionais. Os Estados-partes que firmaram a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) reconhecem o direito universal de todas as crianças terem acesso à educação. Para isso, é preciso que a escola ofereça oportunidades educativas para que os estudantes atinjam um nível adequado de aprendizagem, considerando suas “características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem” (UNESCO, 1994, p. 1). Na perspectiva inclusiva, o sistema de ensino necessita adequar-se à diversidade discente por meio de uma “pedagogia centrada na criança” (UNESCO, 1994, p. 1). Nesse contexto, a educação deve ser capaz de satisfazer às necessidades educativas dos diferentes coletivos, bem como eliminar a discriminação por meio de uma atitude acolhedora (UNESCO, 1994). Enquanto a legislação brasileira foca nos estudantes com deficiência, quando se trata da educação inclusiva, a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) amplia o público-alvo da inclusão, uma vez que esse princípio deve considerar: [...] crianças deficientes e superdotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos desavantajados ou marginalizados. Tais condições geram uma variedade de diferentes desafios aos sistemas escolares. [...] crianças ou jovens cujas necessidades educacionais especiais se originam em função de deficiências ou dificuldades de aprendizagem experimentam dificuldades de aprendizagem e, portanto, possuem necessidades educacionais especiais em algum ponto durante a sua escolarização. (UNESCO, 1994, p. 14) Portanto, a educação inclusiva não se resume aos estudantes com deficiência, mas àqueles estudantes que enfrentam desvantagens e barreiras no seu percurso escolar. As instituições inclusivas se comprometem, assim, com a resposta às necessidades do alunado, acolhendo-o na sua diversidade identitária, nas diversas expressões, estilos e ritmos de aprendizagem (UNESCO, 1994). O projeto de educação inclusiva enfoca a qualidade dos processos de aprendizagem, seja no plano metodológico-curricular, seja nas relações interpessoais na escola. Tendo em conta esses aspectos, é preciso o investimento contínuo em serviços e apoio institucional aos discentes com necessidades educativas, assim como as instituições devem dispor de um “currículo apropriado, arranjos organizacionais, estratégias de ensino, uso de recursos e parceria com as comunidades” (UNESCO, 1994, p. 14). Tal como dito anteriormente, embora a proposta de educação inclusiva abranja diferentes grupos, no Brasil os estudantes com deficiência são foco da 16 política de inclusão. A razão para essa centralidade pode estar na grande representatividade populacional das pessoas com deficiência no país, pois 24% do total da população brasileira se autodeclaram “pessoas com deficiência” no Censo Demográfico do IBGE (BRASIL, 2010). Por essa razão, em 2008, o Ministério da Educação lançou a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), que tem por finalidade apresentar princípios orientadores para o atendimento educacional especializado e assegurar a inclusão no sistema regular de ensino de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. O texto dessa política aponta como estudantes com deficiência “aqueles que têm impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que, em interação com diversasbarreiras, podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade” (BRASIL, 2008, p. 15). Já os estudantes com transtornos globais do desenvolvimento se caracterizam como crianças, jovens ou adultos que têm modificações qualitativas nas relações interpessoais e no convívio social, apresentadas por meio da comunicação, nas áreas de interesses. Esses estudantes desenvolvem atividades restritas, estereotipadas, muitas vezes por meio de ações repetitivas. Se enquadram nos transtornos globais do desenvolvimento estudantes com autismo, psicose infantil e síndromes do espectro do autismo (BRASIL, 2008). Por último, são estudantes foco da política de educação inclusiva os alunos com altas habilidades ou superdotação – definidos como aqueles que demonstram elevada capacidade cognitiva em qualquer campo de conhecimento, seja em uma área, seja em campos associados (BRASIL, 2008). As capacidades intelectuais das pessoas com altas habilidades ou superdotação podem envolver interesse acadêmico, competência para a liderança, destreza e psicomotricidade e destaque nas artes. Além disso, esses estudantes podem apresentar “elevada criatividade, grande envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse” (BRASIL, 2008, p. 15). Algumas necessidades educativas podem ser enquadradas às práticas do atendimento educacional especializado com alunos com transtornos funcionais específicos; por exemplo, estudantes que apresentem quadros de dislexia, disortografia, disgrafia, discalculia, transtorno de atenção e hiperatividade (BRASIL, 2008). Prevendo a inclusão desses estudantes no sistema regular, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) apresenta como principais metas: • Transversalidade da educação especial desde a educação infantil até a educação superior; • Atendimento educacional especializado; • Continuidade da escolarização nos níveis mais elevados do ensino; • Formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais profissionais da educação para a inclusão escolar; • Participação da família e da comunidade; • Acessibilidade urbanística, arquitetônica, nos mobiliários e equipamentos, nos transportes, comunicação e informação; e • Articulação intersetorial na implementação das políticas públicas. (BRASIL, 2008, p. 6) 17 Quanto ao Atendimento Educacional Especializado (AEE), a Política determina que, preferencialmente, deve ocorrer na escola regular, de forma complementar e suplementar ao ensino comum (BRASIL, 2008). O AEE identifica, elabora e organiza materiais pedagógicos e técnicos, bem como prevê as barreiras à acessibilidade na escola para que os estudantes possam participar de maneira plena na escola. As atividades do AEE podem se diferenciar das atividades realizadas na sala de aula comum. No entanto, tal como expresso na Política, o AEE não pode substituir o ensino regular, isto é, os estudantes foco da política de inclusão devem participar das atividades comuns que ocorrem na escola (BRASIL, 2008). Os serviços e as situações ofertadas no AEE devem se basear em programas de “enriquecimento curricular, o ensino de linguagens e códigos específicos de comunicação e sinalização e tecnologia assistiva” (BRASIL, 2008, p. 11), sendo esses recursos e estratégias articulados à proposta pedagógica do ensino comum. 2.2 Formação docente para a diversidade Desde o início do presente século, a análise sobre a formação dos professores passa por rupturas e profundas reflexões acerca dos fundamentos e da maneira como os cursos são planejados e aplicados. A literatura indica que os docentes necessitam adquirir, nos anos de formação, uma abordagem curricular que esteja comprometida com a diversidade discente (DINIZ, 2011). As pesquisas no campo da cultura apontam questões relevantes para a formação dos professores na atualidade, trazendo análises sobre a constituição das identidades, da diferença e da subjetividade no espaço escolar. Nesse contexto, considera-se que o professor é formado em meio à influência de “identidades étnicas, sexuais, etárias, religiosas e de gênero, ao construírem saberes sobre suas práticas” (DINIZ, 2011, p. 48). Em geral, a teorização que discute a formação de professores traz a discussão sobre metodologias e práticas didáticas, sobretudo apresentando o âmbito técnico (DINIZ, 2011). O problema de investir apenas nos aspectos técnicos da formação docente é abandonar a dimensão subjetiva e qualitativa que compõe a identidade docente. Sobre a identidade docente, Diniz (2011) destaca que: [...] O que somos como educadores e educadoras e o trabalho pedagógico que realizamos vêm do desejo, de experiências, do lugar social, da luta de poder, de significantes que instauram discursos, de acasos que se consolidam em gestos, rotinas, ações, comportamentos que nos fazem nos identificarmos como docentes [...]. (DINIZ, 2011, p. 47) Portanto, para refletir sobre a qualificação docente é necessário considerar o âmbito subjetivo da experiência na escola e a diversidade humana (DINIZ, 2011). Segundo Diniz (2011, p. 47), a formação dos professores, no atual momento histórico, deve considerar “os valores, as normas, os discursos, os princípios que os sujeitos interiorizaram ao longo de suas trajetórias de vida e, ainda, a forma como os exteriorizam, transformando-os em atos diante da realidade objetiva”. É preciso considerar que, em conjunto com valores culturais e princípios éticos, existem aspectos inconscientes e involuntários da experiência que estão 18 presentes no labor docente. É necessário, assim, que as bases da formação docente tenham a finalidade de refletir sobre o caráter subjetivo da experiência de cada professor, bem como sobre suas concepções acerca dos discentes e da educação, refletindo sobre o posicionamento do professor a respeito da escola e de sua função social (DINIZ, 2011). Além disso, a formação docente deve despertar para uma identidade profissional crítica, que esteja comprometida com a escuta discente e com a dimensão política presente na didática, uma vez que não é apenas a dimensão técnica que compõe a identidade docente. Para isso, é preciso que a técnica esteja atrelada à dimensão política dos saberes pedagógicos: [...] Após os primeiros anos da década de 1980, a preocupação com a formação técnica do educador ganhou considerável importância, ao mesmo tempo que a questão da formação política do futuro educador. Nesse contexto, a competência técnica (traduzida pelo domínio do conteúdo do saber escolar e dos métodos adequados para se transmitir esse conteúdo às crianças que não apresentam pré-condições estabelecidas para sua aprendizagem), à qual subjaz um suporte pedagógico e um compromisso educacional e social, apresenta-se como condição necessária para que o educador assuma um compromisso político. A formação técnica deveria envolver tanto o conhecimento específico de determinado campo quanto o conhecimento pedagógico, o que gerou inúmeras críticas de educadores em relação à estrutura e ao conteúdo dos cursos de formação de professores e especialistas cuja marca era a justaposição da parte de conteúdo específico à de formação pedagógica. (DINIZ, 2011, p. 23) O fluxo histórico das teorias educacionais, na crítica à formação docente, sugere que a superação da abordagem meramente técnica dos cursos de preparação docente se dá por uma nova estruturação da formação dos professores nas instituições educacionais, que necessitam adotar a tridimensionalidade na formação acadêmica, envolvendo a dimensão teórica dos saberes pedagógico e técnico, a dimensão dos conhecimentos advindos das vivências e da história de vida do professor e a dimensão subjetiva da experiência de aprender uma profissão na interação com a própria cultura escolar, conforme nos aponta Diniz (2011). SegundoDiniz (2011, p. 48), o posicionamento do indivíduo na atividade docente antecede a base do que é determinado na “preparação para o exercício da carreira profissional”, pois a formação entrelaça aspectos pessoais e formais, associando-os “à própria história de vida do educador e da educadora”. Assim, o percurso particular produz um trajeto de formação contínua e, sem dúvida, este impacta na formação da identidade profissional do docente e na percepção da diversidade dos estudantes. Diniz (2011) sugere que, para explorar o potencial da subjetividade e de aprendizagem cotidiana, na consolidação de saberes para a experiência profissional, é necessário que o professor seja também pesquisador da sua prática, refletindo constantemente sobre sua experiência de vida e vivências escolares, bem como analisando os desafios da educação inclusiva na prática. A posição de professor investigador se difere da posição de saber predeterminado ou da aprendizagem de competências deslocada das relações com os estudantes e com a escola em geral. O professor pesquisador aprende com as situações que se apresentam. A prática pedagógica surge, portanto, do imprevisível e desconhecido (DINIZ, 2011). 19 Dito de outra maneira, a formação de competências deve acolher as “zonas cegas” (LEVY, 2001), em que os docentes aprendem a partir de situações improváveis e incertas, estabelecendo uma relação direta com o entorno, com os valores subjetivos e com os indivíduos que compõem as experiências – como colegas de profissão e os grupos discentes. Para esse tipo de abordagem, Diniz (2011) sugere o uso de memorial, relatos de experiência, debates sobre filmes e estudos de caso, já que tais técnicas contribuem para refletir de modo coletivo e localizado as experiências contextuais relacionadas à diversidade discente. 2.3 Desafios na formação inicial e continuada de professores para a inclusão A qualificação de professores para incluir as diferentes demandas dos estudantes é, atualmente, um dos maiores desafios das políticas institucionais de inclusão e dos cursos de formação docente. Em que pese parecer um problema novo, a história demonstra que os desafios para a efetivação do direito à educação por meio de práticas pedagógicas inclusivas já estão presentes desde a década de 1980, quando os professores e os pesquisadores do campo da educação trouxeram à tona os limites da formação docente. No entanto, foi neste século que o tema ganhou notoriedade, sobretudo em razão do crescimento significativo de matrículas de estudantes pertencentes à diversidade populacional – o que gerou um quadro heterógeno de discentes na sala de aula (SANTOS, 2010). Nessa linha, Santos (2010) argumenta que, atualmente, a diversidade está presente no projeto de educação inclusiva. No entanto, com outras proporções, esse foi um tema presente nas práticas educativas que surgiram bem antes da escola se apresentar tal como percebida hoje. Ainda assim, o tema da diversidade e o ideal de sistema de ensino (realmente) inclusivo são problemáticas que merecem revisão constante na literatura presente. Para reconhecer, efetivamente, a educação inclusiva no acesso da diversidade à escola, é necessário mais que uma reforma curricular ou adoção de terminologias da lei no ambiente escolar. Nesse contexto, é necessária “uma transformação simultânea do que denomino de dimensões das culturas, das políticas e das práticas pessoais, institucionais e sistêmicas educacionais em um sentido inclusivo” (SANTOS, 2010, p. 2). Reis (2016) corrobora com Santos (2010) ao acrescentar que é necessário atenção à formação inicial e continuada dos professores, com foco em estratégias didáticas para a inclusão: A efetivação do direito à educação requer estratégias eficazes de enfrentamento dos desafios que se interpõem ao processo de construção dos sistemas educacionais inclusivos. Um dos caminhos mais seguros na consecução dessa tarefa passa pela formação inicial e continuada dos profissionais docentes, sobretudo para o cumprimento do papel social que a eles compete. [...] entendemos que há que se investir maciçamente na formação inicial e continuada dos educadores. As políticas educacionais públicas devem garantir a esses profissionais o direito ético da formação de qualidade, uma formação que considere a diversidade. (REIS, 2016, p. 4) 20 Santos (2010) reconhece que houve grandes avanços nas últimas décadas nas propostas curriculares, com o foco na diversidade no sistema de ensino brasileiro. Devido a isso, muitas instituições de educação superior reformaram seus projetos pedagógicos para incluir diretrizes em favor dos direitos humanos, com ênfase na diversidade dos estudantes. Para comprovar isso, Santos (2010) identificou que os currículos dos cursos superiores de formação inicial estão contemplando a questão da diversidade nos seus objetivos e métodos, mas que esse tema ainda é introduzido de modo insipiente. Será que essa medida está contribuindo, de fato, para a qualificação do professorado em matéria de educação inclusiva? Reis (2016) reflete que é o investimento na educação inicial e continuada dos professores que trará dados positivos no que se refere à qualidade da inclusão dos diferentes grupos na escola. Nessa perspectiva, a autora acrescenta que as políticas educacionais necessitam assegurar aos docentes um percurso de formação inicial e continuada de qualidade, tendo como diretriz principal a diversidade de estudantes – já que essa é a problemática que mais exige sensibilidade e competência dos docentes na escola. A discussão sobre diversidade não deve se limitar ao ambiente universitário ou à instituição educativa onde é ofertada a formação inicial e continuada, mas envolver as “escolas, junto àqueles que já atuam na educação, garantindo, por meio de debates e formação continuada, que todos compreendam a importância do trabalho pedagógico centrado na diversidade, isto é, nas diferenças” (REIS, 2016, p. 5). Por outro lado, a forma ineficiente ou insuficiente que, muitas vezes, a formação inicial e continuada aborda as temáticas de inclusão e diversidade tem produzido problemas complexos no sistema de ensino (SANTOS, 2010; REIS, 2016). É uma situação frequente a garantia da matrícula do estudante com deficiência ou outra necessidade educativa sem que este seja, de fato, incluído na escola ou esteja participando em condições de igualdade com os demais estudantes: As considerações supracitadas revelam a realidade vivenciada ainda nas escolas atuais: crianças com deficiência frequentando as escolas normais, porém sem a preocupação efetiva com o processo de ensino e aprendizagem desses alunos, limitando-se ao acompanhamento para a socialização do mesmo com os demais colegas de sala de aula. Salientamos ainda que, para que o acompanhamento dessas crianças seja adequado, é necessário que o professor possua um conjunto de saberes que envolvam as epistemologias que fundamentam o ato de aprender, além de habilidades e competências sobre mediação pedagógica no processo de ensinar, possibilitando que o estudante tenha independência para a realização de diferentes tarefas e desenvolvimento de suas habilidades. (REIS, 2016, p. 6) Por essa razão, é relevante que o docente foque na inclusão como uma temática transversal em sua prática pedagógica, uma vez que o professor é a figura principal no processo de facilitação do direito dos discentes do acesso às condições adequadas de desenvolvimento, assim como às possibilidades de boa convivência e de aquisição de conhecimentos importantes para a sua formação escolar (SILVA, 2019). 21 Para isso, é preciso que o professor seja um sujeito autônomo e ativo no desenvolvimento da sua profissão, na qual ele busca por “soluções para as diversas situações que perpassam e permeiam a sala de aula, bem como informações e conhecimentos que o torne mais habilitado a trabalhare desenvolver projetos interdisciplinares e interculturais”, segundo Reis (2016, p. 6). É pensando nessas questões que a seção a seguir apresenta uma proposta de práticas pedagógicas inclusivas, baseada no material de formação docente “Educar na Diversidade” (BRASIL, 2006), elaborado pela Unesco em parceria com o Ministério da Educação. 3. PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE INCLUSÃO Este capítulo tem como objetivo refletir sobre práticas pedagógicas de inclusão apresentadas no material de formação docente “Educar na Diversidade”, que, a partir de 2006, foi difundido pela Secretaria de Educação do Brasil e tem o intuito de contribuir para o desenvolvimento de instituições inclusivas em todo o país por meio da qualificação docente para trabalhar com a diversidade. Os professores são agentes centrais na consolidação de um sistema de ensino que reconheça as diferenças entre os estudantes, por isso os docentes devem aprender sobre “abordagens educacionais dinâmicas e inclusivas”, a partir das quais os estudantes com deficiência ou com outras necessidades educativas possam aprender e participar de forma conjunta e em condições de igualdade na escola (BRASIL, 2006, p. 13). No combate à exclusão social e às oportunidades desiguais de acesso à escola, a partir da década de 1990, os países do Mercosul, incluindo o Brasil, assumiram o compromisso de ampliar as possibilidades de desenvolvimento educacional de crianças, jovens e adultos, sobretudo com o foco nos estudantes que estão em situação de vulnerabilidade, entre estes as pessoas com deficiência, os membros de populações nativas ou das comunidades quilombolas brasileiras (BRASIL, 2006). Nessa linha, o projeto “Educar na Diversidade” (BRASIL, 2006) tem a finalidade de contribuir com o desenvolvimento de práticas de ensino inclusivas nas escolas das cinco regiões do país por meio dos seguintes objetivos: • Desenvolver escolas para TODOS através do desenvolvimento de culturas, políticas e práticas escolares inclusivas a fim de combater a exclusão educacional e social e responder à diversidade de estilos e ritmos de aprendizagem existentes nas escolas brasileiras; • Formar e acompanhar docentes de 144 municípios-polo para o uso de metodologias de ensino inclusivas nas salas de aula das escolas da rede regular de ensino; • Preparar gestores, equipe de apoio e a comunidade escolar em geral, incluindo os familiares, para apoiar o desenvolvimento docente para a promoção da inclusão escolar; • Transformar o ambiente escolar em um espaço acolhedor para todos, no qual o processo de aprendizagem seja colaborativo, contínuo, valorize e responda às diferenças humanas; 22 • Formar rede de intercâmbio e disseminação de experiências inclusivas bem-sucedidas a fim de fomentar o engajamento de novos educadores no processo de transformação do sistema educacional brasileiro. (BRASIL, 2006, p. 13-14) A proposta de formação docente “Educar na Diversidade” é uma iniciativa governamental que foca na difusão do princípio da educação inclusiva, com vista a “responder à diversidade educacional dos estudantes, possibilitando a superação das barreiras à aprendizagem e a participação social” (UNESCO, 2006, p. 15). A seção a seguir destaca a metodologia do referido projeto. 3.1 Metodologia do projeto “Educar na Diversidade” A metodologia do projeto “Educar na Diversidade” fundamenta-se no texto da Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) e nas demais diretrizes internacionais que dissertam sobre educação para a diversidade. O tipo de metodologia adotada é a pesquisa-ação, caracterizando-se pelo desenvolvimento da investigação por meio de intervenção no contexto micro – da sala de aula. Esse tipo de estudo analisa os impactos da ação do próprio investigador no contexto real pesquisado (COHEN; MANION, 2002 apud BRASIL, 2006). Na pesquisa-ação, o investigador, os professores e a comunidade escolar em geral trabalham de forma colaborativa. Nesse modelo, os professores são levados a refletir e investigar a partir da sua própria realidade na escola, identificando os principais desafios em matéria de inclusão que estão presentes no cotidiano escolar (BRASIL, 2006). No caso específico do projeto “Educar na Diversidade”, o universo investigado é a sala de aula e as práticas pedagógicas que ocorrem no sistema de ensino regular. Os professores, em parceria com os membros da escola, devem aprender e consolidar práticas de ensino inclusivas na sala de aula. O projeto prevê, ao longo da execução dos objetivos traçados, que os “docentes que participaram das oficinas na primeira fase do projeto” aprendam a planejar “práticas de ensino inovadoras, aplicando os princípios que as orientam como práticas inclusivas” (BRASIL, 2006, p. 16). A primeira fase, portanto, se desenvolve a partir da aprendizagem de referenciais curriculares acerca da “Consolidação das práticas de ensino inclusivas na sala de aula” (BRASIL, 2006, p. 16). Já a segunda fase da metodologia do projeto é a “Oficina de multiplicação das práticas de ensino inclusivas dentro da escola”, que se caracteriza em: [...] oficinas planejadas, organizadas e coordenadas pelos membros da equipe coordenadora do projeto nas escolas e que contam com o apoio das secretarias de educação do estado e do município, assim como com a parceria do multiplicador. Durante essas ações, os membros do grupo coordenador e os docentes envolvidos na primeira fase do projeto devem realizar gradualmente, ao longo do ano, oficinas para o uso de metodologias de ensino inclusivas para todos os professores da escola, assim como para pais e colaboradores (parceiros da comunidade), a fim de envolvê-los no processo educacional de todos os estudantes. (BRASIL, 2006, p. 16) A terceira etapa da metodologia do projeto “Educar na Diversidade” aborda a “Expansão: Oficina de multiplicação na região e rede escolar”. Nesse momento, as 23 secretarias de educação de cada cidade assumem a função de difusão dos objetivos da proposta e oferecem o apoio institucional para execução de todas as etapas previstas no desenho do projeto. Entre as atividades propostas está a realização de cursos de formação de curta duração para os docentes, com intuito de abordar o conteúdo programático do material disponibilizado pelo Ministério da Educação. Além disso, a formação dos professores terá como finalidade a aprendizagem de “conteúdos específicos do processo educacional e práticas de ensino que considerem necessidades educacionais específicas de estudantes com deficiência (exemplos: deficiência física e neuromotora, surdez, altas habilidades/superdotação e alunos cegos e com baixa visão)” (BRASIL, 2006, p. 17). Vale mencionar que os cursos de formação docente, além de oferecerem a dimensão teórica dos temas abordados, devem, prioritariamente, trazer situações práticas do cotidiano escolar, revelando os desafios reais que os professores e a comunidade enfrentam em matéria de educação inclusiva e diversidade. Um dos aspectos inovadores do projeto “Educar na Diversidade” (BRASIL, 2006) é a proposta de multiplicadores, sendo estes: [...] colaboradores que devem apoiar de forma sistemática escolas e docentes no desenvolvimento de políticas e práticas inclusivas através de visitas regulares às unidades escolares. Durante essas visitas, os multiplicadores devem realizar coleta de dados (relatos e histórias de sucesso) através de observação de sala de aula, entrevistas informais e formais (estruturadas, planejadas), questionários e outros instrumentos que sejam considerados apropriados. (BRASIL, 2006, p. 17) Mais que coletar dados, os multiplicadores também estão se formando na escola, uma vez que aprendem sobre como funciona o projeto na prática: os limites, os avanços e o que necessita melhorar. Como a própria palavra diz, os multiplicadores aprendem no contexto vivo em que a proposta de educação inclusiva é desenvolvidae podem, a partir disso, difundir em outras escolas e instituições as práticas pedagógicas inclusivas exitosas. É importante registrar que a coleta de dados nas instituições educacionais deve destacar informações importantes sobre as transformações que ocorrem dentro das escolas frente ao desenvolvimento do projeto. Especificamente, é necessário revisar as práticas de gestão e administração, os métodos de ensino empregados nas salas de aula e as atitudes da comunidade escolar em relação à diversidade discente, sempre dando ênfase para os depoimentos de experiências exitosas e que sejam relevantes para a consolidação da proposta de educação inclusiva na rede. 3.2 Teoria ou prática na proposta de educação? Na área da educação, é frequente a discussão polarizada entre teoria e prática na formação docente. A teoria se refere aos conhecimentos científicos, já a prática seria a aprendizagem experiencial de saberes pedagógicos (BRASIL, 2006). No entanto, hoje há evidências que ambos os saberes são relevantes para o desenvolvimento profissional do docente, pois “somente o conhecimento dos conteúdos das disciplinas (currículo) não garante que os estudantes aprendam, assim como apenas uma boa metodologia de ensino ou gestão da aula tampouco assegura a aprendizagem dos conteúdos programáticos” (BRASIL, 2006, p. 22). 24 A tarefa de ensinar necessita ser compreendida como um exercício complexo, pois envolve uma série de processos objetivos e subjetivos, tal como explicita Mauri (2002 apud BRASIL, 2006, p. 22-23): aquisição e desenvolvimento da capacidade de refletir sobre sua prática pedagógica, nos quais o docente necessita buscar a inovação no dia a dia da vivência escolar para que possa aprofundar e qualificar a didática por meio da ação acompanhada da reflexão e investigação do que acontece em seu entorno. O autor complementa que: [...] A aprendizagem da prática reflexiva exige que as atividades de formação dos docentes levem em conta as características dos contextos nos quais eles intervêm e os problemas reais que enfrentam na sua prática. A reflexão e a análise da prática baseiam-se em uma permanente construção da realidade, o que implica contínua interação entre os conhecimentos que o docente possui e a realidade na qual atua. (MAURI 2002 apud BRASIL, 2006, p. 22-23) O processo de articulação da teoria e da prática na formação docente para a diversidade também envolve o desenvolvimento da habilidade para trabalhar em equipe, com outros docentes e profissionais, o que significa a colaboração para a construção de um plano pedagógico coletivo, que vise efetividade e ação contínua das soluções educativas que os professores desenvolvem na escola (MAURI 2002 apud BRASIL, 2006, p. 23). Por fim, Mauri (2002 apud BRASIL, 2006, p. 23) destaca a necessidade de reconstrução crítica do papel da educação na nova sociedade do conhecimento e da informação, uma vez que o mundo globalizado impõe aos professores a necessidade de aprender e acompanhar o avanço tecnológico e as mudanças intensas no âmbito das relações e interações humanas. Para isso, é fundamental que a proposta da educação inclusiva vise o “domínio dos recursos de informação quanto em habilidades sociais, cognitivas e linguísticas, que lhes permita responder criticamente à mudança” (Idem). É preciso ainda considerar que devem ser incorporados ao processo de formação crítica do professor: [...] conhecimentos, aptidões e atitudes para fazer face à diversidade; ou seja, os professores e professoras devem estar preparados para trabalhar com meninos e meninas procedentes de diferentes contextos sociais e culturais e com diferentes níveis de capacidade e ritmos de aprendizagem, a fim de garantir a participação, a aprendizagem e o sucesso escolar de cada um. (MAURI, 2004 apud BRASIL, 2006, p. 23) Portanto, é necessário que a preparação docente envolva a aprendizagem de princípios éticos e de convivência no âmbito da diversidade, pois tais conhecimentos são relevantes, tanto na teoria como na prática, uma vez que colaboram para a construção de sociedades verdadeiramente justas e inclusivas, em que as oportunidades educativas equitativas são oferecidas aos diferentes estudantes (BRASIL, 2006). 3.3 Princípios orientadores da prática de ensino inclusiva Como dito anteriormente, o material de formação docente “Educar na Diversidade” (BRASIL, 2006) tem como propósito colaborar com a formação continuada dos docentes na reflexão sobre seus posicionamentos e suas práticas 25 didáticas, assim como na aquisição de métodos inovadores e inclusivos de ensinar e aprender. Para isso, se faz necessário desconstruir crenças limitantes que fazem parte do imaginário coletivo acerca do desempenho dos estudantes com necessidades educativas, uma vez que os preconceitos sejam desconstruídos, as práticas pedagógicas são transformadas e os diferentes estudantes têm a oportunidade de demonstrar capacidades, saberes e habilidades. Prevendo mudanças positivas nas práticas pedagógicas na escola regular, o Ministério da Educação (BRASIL, 2006) sugere como fundamento para práticas pedagógicas inclusivas a incorporação no currículo dos cursos de formação docente, devendo abordar os seguintes princípios: • Aprendizagem ativa e significativa; • Negociação de objetivos; • Demonstração, prática e feedback (retroalimentação); • Avaliação permanente; • Apoio e colaboração. Esses princípios, para a formação docente em matéria de inclusão, contribuem para o planejamento e o desenvolvimento das aulas, com foco na ampliação da possibilidade de participação de todos os estudantes. É importante destacar que a sala de aula é um espaço central no qual o estudante interage, participa e tem acesso a situações intencionais de introdução ao currículo, por isso, o docente necessita ter clareza sobre os objetivos de aprendizagem que são desenvolvidos nesse espaço (BRASIL, 2006). Os princípios, descritos a seguir, contribuem nessa tarefa. 3.3.1 Aprendizagem ativa e significativa No modelo de aprendizagem ativa e significativa, a comunidade escolar é envolvida nas finalidades educativas e nas situações de aprendizagem que visem despertar o interesse dos estudantes por meio de um método ativo de participação, que leve “os participantes (de um curso, uma oficina ou classe) a trabalhar, cooperativamente, para desenvolverem capacidades, conhecimentos e, adquirindo habilidades, possam resolver conjuntamente problemas” (BRASIL, 2006, p. 24). Além de tudo, os métodos de aprendizagem ativa se tornam situações motivadoras e prazerosas, uma vez que a aprendizagem se constrói a partir dos interesses dos estudantes e das transformações que geram a ação cooperativa e simultânea (BRASIL, 2006). No que se refere à capacitação docente em metodologias ativas, para que, futuramente, o professor possa se fundamentar na aprendizagem significativa e ativa, ele mesmo deve vivenciar práticas pedagógicas que se baseiem nesse princípio. Segundo Farias (2015), para distinguir de outros modelos, as metodologias devem ser construtivas, colaborativas, interdisciplinares, contextualizadas, reflexivas, críticas, investigativas, humanistas, motivadoras e desafiadoras: Construtivista: se basear em aprendizagem significativa; Colaborativo: favorecer a construção do conhecimento em grupo; Interdisciplinar: proporcionar atividades integradas a outras disciplinas; Contextualizado: 26 permitir que o educando entenda a aplicação deste conhecimento na realidade; Reflexivo: fortalecer os princípios da ética e de valores morais; Crítico: estimular o educando a buscar aprofundamento de modo a entender as limitações das informações que chegam até ele; Investigativo: despertar a curiosidade e a autonomia, possibilitando ao educando a oportunidade de aprender a aprender; Humanista: ser preocupado e integrado ao contexto social; Motivador: trabalhar
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