Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Júlia Figueirêdo – HM V PRINCÍPIOS EM ANESTESIA E MANEJO DA DOR: PROCEDIMENTOS ANESTÉRICOS NO CENTRO CIRÚRGICO: A atuação do anestesista se inicia ainda no processo perioperatório, estratificando o risco e as possíveis comorbidades que possam vir a necessitar de cuidados específicos antes, durante e após o procedimento. No centro cirúrgico, esse profissional se insere na cabeceira da mesa, trabalhando em equipe junto aos cirurgiões, auxiliares e enfermeiros. A avaliação pré-anestésica conta com 3 etapas principais: Estratificação do risco: determinado de acordo com a presença de comorbidades e seu controle (compensadas ou não) e a complexidade do procedimento a ser realizado (chance e volume de perda sanguínea). o Estado físico (ASA): determina o risco de mortalidade individual com base no histórico clínico do paciente. Alguns exemplos para cada categoria são: I: paciente hígido, sem malformações ou comorbidades; II: paciente com hipotireoidismo que realiza controle medicamentoso e apresenta exames laboratoriais normais; III: diabético descompensado com perda de função renal; IV: paciente portador de aneurisma cerebral grave não roto; V: indivíduo em choque ou com sangramentos complexos não controlados. Planejamento: considera a história patológica pregressa, alergias e o resultado de exames laboratoriais e de imagem para determinar as estratégias anestésicas a serem utilizadas. A complexidade de monitorização irá ser determinada pela associação entre o grau de risco do paciente e o caráter do procedimento. Após a consulta anestésica, é determinado o arsenal terapêutico a ser empregado no procedimento cirúrgico. Podem ser utilizadas diversas classes medicamentosas, a saber: Sedativos: são utilizados benzodiazepínicos (ex.: Midazolam) para reduzir a ansiedade e criar um estado de “relaxamento” para preservar o estado Júlia Figueirêdo – HM V emocional, e possivelmente, físico do paciente; Hipnóticos: causam perda da consciência, estado de sono profundo (ex.: Propofol). Esses tipos de medicamento privam o paciente de diversos reflexos de vias aéreas, o que aumenta o risco de broncoaspiração e promove alterações cardiovasculares e respiratórias; Analgésicos: normalmente opioides (ex.: Fentamil), usados para controle da dor decorrente do trauma cirúrgico; Bloqueadores neuromusculares: utilizados para facilitar a intubação orotraqueal, cessando espasmos e reflexos musculares (ex.: Succinilcolina); Adjuvantes. Na sala de cirurgia, o anestesista mantém constante atenção na monitorização do paciente, que sempre envolve a pressão arterial, frequência cardíaca e padrão respiratório, com aspectos específicos em cirurgias de maior duração ou em sistemas específicos. A hidratação basal deve ser bem calculada e administrada, considerando o jejum do paciente. O uso de bloqueios de neuroeixo permite a analgesia sensorial (e, por vezes, motora) sem complicações associadas à sedação geral, como necessidade de ventilação mecânica. As principais técnicas são a raquidiana/subaracnóidea e a peridural/epidural, escolhidas de acordo com o sítio de realização da cirurgia e as necessidades do paciente. Anestesia raquidiana/subaracnóidea: apresenta margem de administração na L2-L3, L3-L4 e L4-L5, podendo ser empregada em procedimentos na região abdominopélvica e nos membros inferiores. O bloqueio é sensorial e motor. A altura da analgesia irá depender do posicionamento do paciente e das características do medicamento usado (baricidade, dose e concentração); Anestesia peridural/epidural: pode ser administrada com uma maior margem anatômica, seja em região torácica ou abdominal. O início da ação desses medicamentos é mais lento e não há tanta intensidade de bloqueio motor (favorece o uso no parto normal), sendo possível inserir um cateter para administração constante de medicamentos. As contraindicações para o uso de bloqueadores do neuroeixo envolvem a recusa do paciente a hipersensibilidade aos compostos do medicamento a ser empegado (ambas absolutas), infecções no local de punção, sepse, alterações no nível pressórico e hipotensão (relativas). O bloqueio regional permite a anestesia de feixes nervosos específicos, sendo muito utilizados em cirurgias de membros superiores e inferiores. A identificação do Júlia Figueirêdo – HM V sítio adequado para injeção do anestésico se dá, atualmente, por meio de ultrassonografias acessórias, detectando assim as estruturas vasculares, musculares e nervosas presentes no local da punção, diminuindo assim o risco de complicações. As vias aéreas devem ser cuidadosamente avaliadas em busca de alterações morfológicas que dificultem a passagem da cânula traqueal, como abertura incompleta da cavidade oral ou incapacidade de hiperextensão do pescoço A classificação de Mallampati determina a complexidade das vias aéreas, observando a visibilidade da orofaringe e o tamanho e dilatação da língua. Pacientes com classificação III ou IV podem não conseguir ser intubados ou ventilados. O laringoscópio descia a língua lateralmente e o palato mole superficialmente, permitindo a visualização da epiglote, cordas vocais e do início da traqueia. Com a visualização dessas estruturas, torna-se possível a passagem do tubo. Frente a vias aéreas difíceis, com visualização comprometida, as estratégias de intubação devem ser modificadas, não sendo incomum a realização do procedimento com o paciente acordado. Laringoscópios com pontas flexíveis e câmeras podem ser utilizados para verificar a patência local, ao passo que máscaras laríngeas são empregadas para manter a ventilação enquanto não é possível intubar o indivíduo. O check-list anestésico intraoperatório conta com diversos itens, a saber: Avaliação prévia do risco cirúrgico do paciente; Monitorização adequada; Punção de um acesso venoso; Cálculo da hidratação; Garantia de oxigenação adequada; Decidir sobre a necessidade ou não de ventilação mecânica; Manter o estado de sedação do paciente; Executar profilaxias para efeitos adversos e infecções; Garantir a analgesia; o Com a dor, o paciente emprega maior esforço ao miocárdio e consome oxigênio em maior velocidade, com respiração curta e rasa. Isso pode afetar tanto o intra como o pós- operatório. Júlia Figueirêdo – HM V Escala da dor utilizada no pós-operatório Programar o despertar do paciente. DOR AGUDA: A dor pode ser definida como a “experiência sensitiva e emocional desagradável decorrente de lesões teciduais reais ou potenciais”, tendo como propósito alertar um indivíduo quanto à presença ou ação de um agente lesivo ao organismo, normalmente autolimitada. Reflexos autonômicos diversos podem surgir, como sudorese e aumento da frequência cardíaca, assim como respostas psicológicas, dentre as quais se destaca a ansiedade. A avaliação do quadro deve ser feita de forma detalhada, buscando causas reversíveis de dano tecidual capazes de comprometer a qualidade de vida e a capacidade funcional de membros ou órgãos. Nesse momento inicial, são também identificadas as “red flags”, sinais de alerta para a complexidade da causa basal à dor. O tratamento de quadros álgicos deve ser feito de forma a avaliar comprometimentos físicos e psicológicos advindos desse incômodo, envolvendo aspectos farmacológicos ou não farmacológicos. O manejo incorreto desse quadro favorece o desenvolvimento da dor crônica, na qual não é mais importante identificar a ordem da dor, mas sim cessar sua continuidade. A OMS estabeleceu, com base nos relatos e pesquisas em dor oncológica, a escada analgésica da dor, de forma a ajudar otratamento de pacientes de forma adequada. Essa ferramenta permite a estratificação das manifestações quanto à sua intensidade, empregando medicamentos mais potentes à medida que o sintoma se torna mais intenso. A dor aguda, também chamada de nociceptiva, ocorre a partir de um estímulo agressivo de origem química, térmica ou mecânica sobre a pele ou demais tecidos. As fibras nervosas envolvidas são do tipo Aδ e C (esta última ainda mais ativa nos quadros cronificados), que apresentam alto limiar de ativação. Tais receptores convertem esses estímulos em sinais elétricos que, após trafegarem por nervos periféricos irão penetrar o corno dorsal da medula e, a partir daí, ativar interneurônios e ascender ao tálamo e o córtex somatossensorial, onde ocorre a percepção da dor. Júlia Figueirêdo – HM V Diversas citocinas, neurotransmissores e leucócitos compõem uma “sopa inflamatória”, liberada após os processos de lesão tecidual de forma a neutralizar possíveis antígenos e deflagrar a resposta imune local, mas também promovem a sensibilização das fibras nociceptivas regionais, reduzindo seu limiar de ativação. Esse processo dá origem aos sinais cardinais da inflamação (dor, calor, vermelhidão, rubor e edema). Frente a quadros inflamatórios persistentes ou a lesões nervosas, vários neurotransmissores são liberados nos cornos dorsais da medula, sensibilizando-os aos estímulos externos, mesmo que inócuos. Esse fenômeno promove a ativação constante de receptores NDMA e a manutenção da dor. Surgem sintomas como alodinia e diestesia. As vias de modulação descendentes permitem o controle endógeno da dor, sendo mediada por segmentos corticais cerebrais e medulares, bem como a liberação de encefalinas, endorfina e serotonina. A percepção da dor ocorre em múltiplos segmentos do sistema nervoso, a saber: Trato espinotalâmico: função sensitiva discriminativa da dor; Trato espinorreticular: associado ao sistema límbico, relaciona-se aos aspectos afetivos e motivacionais associados à nocicepção; Sistemas rostrocaudais: promovem a inibição do corno dorsal da membrana espinhal. Medicamentos analgésicos ou anestésicos promovem o controle da dor em qualquer dos segmentos supracitados, como o bloqueio periférico, o uso de AINES e a administração de opioides (atuam no SNC). O tratamento da dor deve ser realizado de forma completa e abrangente, uma vez que reduz os impactos psicológicos, fisiológicos e funcionais do quadro, minimizando também o risco de desenvolvimento de Júlia Figueirêdo – HM V comorbidades futuras. A escolha do analgésico irá respeitar a escada analgésica da OMS e as necessidades do paciente. A prescrição de fármacos para o manejo da dor deve ser feita respeitando as doses seguras, com baixo risco de toxicidade, e o intervalo adequado, impedindo assim períodos de ressurgimento do incômodo.
Compartilhar