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1 AES15-PROBLEMA 1 MATHEUS SIQUEIRA MED 5-2019.2 OBJETIVO 01: DESCREVER OS TIPOS DE TRANSTORNOS RELACIONADOS A SUBSTÂNCIAS E OS EFEITOS DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA (ÁLCOOL, MACONHA, COCAÍNA/ CRACK) INTRODUÇÃO O consumo de álcool, tabaco e outras drogas está presente em todos os países do mundo. Mais da metade da população das Américas e da Europa já experimentou álcool alguma vez na vida e cerca de um quarto da população é fumante. O consumo de drogas ilícitas atinge 4,2% da população mundial. A maconha é a mais consumida, seguida pelas anfetaminas, cocaína e os opiáceos, incluindo-se heroína. As complicações clínicas e sociais causadas pelo consumo de tais substâncias são hoje bem conhecidas e consideradas um problema de saúde pública. O tabaco foi o maior fator responsável pelas mortes nos Estados Unidos, em 1990, contribuindo substancialmente para as mortes relacionadas a neoplasias, doenças cardiovasculares, doenças pulmonares, baixo peso ao nascimento e queimaduras. O aumento do consumo de álcool está diretamente relacionado a ocorrência de cirrose hepática, transtornos mentais, síndrome alcoólica fetal, neoplasias e doenças cardiovasculares. O abuso e a dependência de substâncias, de uma forma geral, são mais comuns nos homens que nas mulheres. Substâncias com potencial de abuso são aquelas que podem desencadear no indivíduo a autoadministração repetida, que geralmente resulta em tolerância, abstinência e comportamento compulsivo de consumo. Tolerância é a necessidade de crescentes quantidades da substância para atingir o efeito desejado. As substâncias com potencial de abuso discutidas neste capítulo são agrupadas em oito classes: álcool, nicotina, cocaína, anfetaminas, inalantes, opioides, ansiolíticos benzodiazepínicos e maconha. Pode haver coadição de drogas e co-morbidade do uso de drogas com outros transtornos psiquiátricos. Há diferentes padrões de consumo que variam de intensidade ao longo de uma linha contínua. Antigamente, esses padrões de consumo se restringiam à dependência ou à não dependência. Contudo, qualquer padrão de uso pode trazer problemas para o indivíduo. Desse modo, o padrão de uso pode ser classificado em um consumo de baixo risco, uso nocivo ou dependência. O consumo de substâncias em baixas doses, cercado de precauções necessárias à prevenção de acidentes relacionados, faz deste um consumo de baixo risco. Há indivíduos que fazem uso de substâncias ocasionalmente, mas são incapazes de controlar ou adequar seu modo de consumo, o que pode levar a problemas sociais (brigas, falta no emprego), físicos (acidentes) e psicológicos (heteroagressividade). Diz-se, então, que tais indivíduos fazem uso nocivo. A presença de abstinência exclui este diagnóstico. Por fim, quando o consumo se mostra compulsivo e destinado à evitação de sintomas de abstinência, e cuja intensidade é capaz de ocasionar problemas sociais, físicos ou psicológicos, fala-se em dependência. O diagnóstico de dependência a uma determinada substância requer a presença de compulsão para o consumo, aumento da tolerância, síndrome de abstinência, alívio ou evitação da abstinência pelo aumento do consumo e consumo da substância em detrimento de outras áreas de interesse da pessoa (trabalho, p. ex.). As complicações clínicas orientam um critério de gravidade da dependência. Abordá-las de modo preciso e precoce é importante, entre outros motivos, pelo fato de que pode estimular o paciente a buscar a abstinência. Muitos pacientes não admitem a relação entre seu consumo de drogas e as complicações clínicas, mas aceitam ser submetidos a tratamento por conta delas. Pode haver coexistência de dois ou mais transtornos mentais, denominada comorbidade. Esta pode se dar como uso de duas ou mais substâncias e/ou uso de substância e outro transtorno mental, como por exemplo depressão e uso de cocaína. Nestes casos, a melhora do transtorno psiquiátrico associado pode ser benéfica para a evolução do quadro de dependência estabelecido. ETIOLOGIA DAS SPA A etiologia da dependência de drogas é multifatorial. O processo que leva à dependência de drogas pode ser dividido em três etapas: experimentação, uso e dependência. O contato com as drogas começa pela experimentação. Quanto mais precoce for o contato com a droga, maior a chance de surgirem problemas com seu uso. 2 AES15-PROBLEMA 1 MATHEUS SIQUEIRA MED 5-2019.2 Não é por acaso que restringir o acesso ao uso de tabaco e álcool aos menores de 18 anos é uma política presente em quase todos os países do mundo. No momento de exposição às drogas, entram em jogo os fatores de risco para o indivíduo tornar-se um dependente. Quanto maior o número de fatores de risco em um determinado sujeito, maior a sua chance de desenvolver o problema. São considerados fatores de risco: 1) Hereditariedade: filhos de pai ou mãe dependentes de droga têm mais chance de se tornarem dependentes quando experimentam droga do que os que não têm história familiar. Não sabemos ainda como esta vulnerabilidade se transmite mas um dos fatores está relacionado ao efeito da droga em nosso corpo. Alguns indivíduos têm mais prazer, outros têm mais desconfortos e esses efeitos devidos à droga podem ser herdados geneticamente. 2) Psicopatologia: indivíduos com transtornos psiquiátricos têm mais chance de se envolverem com a droga após a experimentação. Ansiedade, depressão, traços de personalidade como busca de sensações fortes (sensation seeking), hiperatividade e déficit de atenção são alguns dos fatores de risco. 3) Pressão de grupo: muitos adolescentes têm como verdade a afirmativa “todo mundo usa”. Essa sensação estimula o indivíduo a usar para poder fazer parte do grupo. 4) Acesso: o acesso hoje às drogas é muito fácil. Na maior parte das pesquisas, os sujeitos referem que encontram drogas “com facilidade”. 5) Situação familiar: pais mais tolerantes ao uso podem aumentar as chances de seu filho usar drogas. Discursos como: “faz parte da idade”, “é coisa de adolescente”, “isto passa”, podem impedir os familiares de abordarem seus filhos para conversarem sobre o assunto. Famílias disfuncionais com conflitos, violência e pouca interação também podem predispor ao consumo de drogas. 6) Falta de informação: adolescentes mal informados sobre as drogas têm mais chance de usarem drogas. Outra questão importante e alvo de debates no momento é a teoria da porta de entrada. Será que usar uma droga leva ao uso de outras? Algumas pesquisas apontam que sim. Um fumante de tabaco tem 2,8 vezes mais chance de se expor à maconha do que quem não fuma tabaco. Um fumante de maconha tem 5 vezes mais chance de se expor à cocaína do que os não fumantes de maconha. FISIOPATOLOGIA DAS SPA Sistema da recompensa da droga no cérebro Estudos a partir do funcionamento do sistema nervoso central de ratos sustentam que o processo de dependência de droga pode ser o mesmo para seres humanos. As ilustrações mostradas aqui usam a informação recolhida dos estudos animais para mostrar quais áreas podem ser envolvidas em sistemas da recompensa no cérebro humano. O sistema da recompensa da cocaína e anfetamina inclui neurônios dopaminérgicos encontrados na área tegmental ventral (VTA). Esses neurônios são conectados ao núcleo accumbens (Nac) e a outras áreas, tais como o córtex prefrontal. O sistema da recompensa de opiáceos e do álcool também inclui estas estruturas. A secreção de dopamina decorrente do uso de drogas seria maior e teria duração mais longa do que em processos fisiológicos. Dessa forma, a falta da SPAproduziria uma sensação de desconforto no usuário, fenômeno conhecido com fissura (craving), ou seja, a expressão de um intenso desejo pela droga, que levaria o usuário a voltar a consumir e a procurar obter mais facilmente a SPA, caracterizando a perda de controle do início, do término e dos níveis de uso. O processo de uso repetitivo das SPA com padrão compulsivo, sugerido a partir de modelos animais envolvendo vias estriatais, tem sido demonstrado por estudos com imagens como a tomografia por emissão de pósitron (PET) e a tomografia por emissão única de fóton (SPECT), envolvendo a administração aguda de etanol em voluntários sadios, demonstrando a ativação de regiões estriatais consideradas intimamente relacionadas com o sistema de recompensa, responsável pela fissura pelo álcool. 3 AES15-PROBLEMA 1 MATHEUS SIQUEIRA MED 5-2019.2 TRANSTORNOS RELACIONADOS AO ÁLCOOL O consumo de álcool é considerado atualmente um dos principais problemas de saúde pública no mundo. Estima-se que quase 14% da população americana preencha os critérios de dependência ou abuso de álcool em algum período da vida. O uso de álcool constitui a terceira causa de mortalidade que poderia ser prevenida. Esses dados são alarmantes e, uma vez que nos deparamos diariamente com pacientes com problemas relacionados ao uso de álcool na prática clínica, justifica-se a importância de um conhecimento mais aprofundado por parte dos médicos e dos profissionais de saúde em geral sobre o assunto. Ao contrário de outras drogas, nem todo consumo de álcool é prejudicial ao organismo. O consumo em baixas doses, especialmente na forma de vinho, parece diminuir o risco de doença cardiovascular. Oitenta por cento da população consome alguma quantidade, mas nem todas essas pessoas são dependentes. Mas como definir níveis seguros para beber? Para isso, costuma-se empregar o conceito de unidade de álcool, que equivale a 10 ou 12 g de álcool puro. Como a concentração de álcool varia em cada tipo de bebida, a quantidade de álcool também varia muito. Assim, por exemplo, 16 ml de álcool puro equivalem a uma lata (350 ml) de cerveja ou a um copo (150 ml) de vinho ou a uma dose (40 ml) de destilados. Dessa forma, foi definida a quantidade de unidades de álcool que um adulto hígido pode ingerir por semana sem colocar em risco sua saúde: 21 unidades por semana para os homens e 14 unidades por semana para as mulheres. Os efeitos fisiológicos do álcool incluem depressão do sistema nervoso central e alteração da arquitetura do sono, com diminuição do sono REM. Não existe um fator isolado que possa predizer quais indivíduos apresentam maior risco de desenvolver dependência do álcool. Na realidade, diversos fatores em conjunto determinam as condições para o aumento progressivo do seu consumo, criando a base para o desenvolvimento da dependência. A motivação inicial para o uso de álcool e outras substâncias deve- -se, em parte, aos efeitos dessas substâncias no comportamento, no humor e na cognição. As mudanças subjetivas decorrentes desse consumo podem ser experimentadas como muito prazerosas por algumas pessoas e levá-las ao uso repetido. Elas podem passar a ter a sensação de não conseguirem mais desempenhar suas funções adequadamente sem o uso da substância, o que aumenta as chances de desenvolver a dependência. Fatores genéticos também exercem influência no risco de desenvolvimento de dependência, especialmente no sexo masculino com antecedente de familiar alcoolista do mesmo sexo. A 4 AES15-PROBLEMA 1 MATHEUS SIQUEIRA MED 5-2019.2 maioria dos pacientes inicia o uso de álcool precocemente. Os primeiros episódios de intoxicação costumam aparecer na adolescência e a dependência desenvolve-se mais comumente entre os vinte e quarenta anos de idade. O abuso e a dependência de álcool potencialmente acarretam problemas sociais, legais, financeiros, no trabalho, na escola e nas relações interpessoais, além de estarem relacionados a doenças gastrointestinais, cardiovasculares, endócrinas, imunológicas e neurológicas. QUADRO CLÍNICO De uma forma geral, a dependência a diferentes substâncias apresenta critérios semelhantes, listados na introdução. Os indivíduos dependentes de álcool necessitam de uma grande quantidade diária de álcool para o funcionamento adequado. Quando não o fazem, apresentam sintomas de abstinência. Frequentemente, deixam de cumprir as obrigações de forma adequada, com atrasos ou faltas ao trabalho e conflitos familiares por conta disso. Também abandonam outras atividades que, no passado, eram prazerosas. A vida passa a girar em torno do hábito de beber, mesmo que esteja havendo prejuízos evidentes. Podem ser identificados com os seguintes questionários: CAGE (Cut down, Annoyed, Guilty, Eye- -opener) Contém quatro questões e a resposta afirmativa em duas ou mais é um indicativo de dependência do álcool. Observe as perguntas: 1 – Você já tentou diminuir ou cortar (“Cut down”) a bebida? 2 – Você já ficou incomodado ou irritado (“Annoyed”) com outros porque criticaram seu jeito de beber? 3 – Você já se sentiu culpado (“Guilty”) por causa do seu jeito de beber? 4 – Você já teve que beber para aliviar os nervos ou reduzir os efeitos de uma ressaca (“Eye -opener”)? AUDIT (Alcohol Use Disorders Identification Test) Utiliza dez questões, com pontuações específicas para cada resposta. Interpretação: até 7 pontos indica consumo de baixo risco; de 8 a 15 pontos indica uso de risco; 16 a 19 pontos indica uso nocivo; e 20 ou mais pontos, provável dependência. Perguntas: 1– Com que frequência você consome bebidas alcoólicas? 2– Quantas doses alcoólicas você consome tipicamente ao beber? 3– Com que frequência você consome cinco ou mais doses de uma vez? 4– Quantas vezes ao longo dos últimos doze meses você achou que não conseguiria parar de beber uma vez tendo comeca̧do? 5– Quantas vezes ao longo dos últimos doze meses você, por causa do álcool, não conseguiu fazer o que era esperado de você? 6– Quantas vezes ao longo dos últimos doze meses você precisou beber pela manhã para poder se sentir bem ao longo do dia após ter bebido bastante no dia anterior? 7– Quantas vezes ao longo dos últimos doze meses você se sentiu culpado ou com remorso depois de ter bebido? 8– Quantas vezes ao longo dos últimos doze meses você foi incapaz de lembrar o que aconteceu devido à bebida? 9– Você já causou ferimentos ou prejuiźos a você mesmo ou a outra pessoa após ter bebido? 10– Algum parente, amigo ou médico já se preocupou com o fato de você beber ou sugeriu que você parasse? INTOXICAÇÃO AGUDA Intoxicação é o uso nocivo de substâncias em quantidades acima do tolerável para o organismo. Os sinais e os sintomas da intoxicação alcoólica caracterizam-se por níveis crescentes de depressão do sistema nervoso central. Inicialmente, há sintomas de euforia leve, evoluindo para 5 AES15-PROBLEMA 1 MATHEUS SIQUEIRA MED 5-2019.2 tontura, ataxia e incoordenação motora, passando por confusão, desorientação e atingindo graus variáveis de disartria, anestesia, podendo chegar ao estupor, coma, depressão respiratória e morte. A intensidade da sintomatologia tem relação direta com a alcoolemia. O desenvolvimento de tolerância, a velocidade da ingestão, o consumo de alimentos e alguns fatores ambientais também são capazes de interferir nessa relação. A maioria dos casos não requer tratamentofarmacológico. De acordo com os sintomas e sinais, devem-se conduzir medidas gerais de suporte à vida. Broncoaspiração de vômitos e TCE por queda da própria altura também podem decorrer da intoxicação. Há uma forma peculiar de intoxicação, que é um pouco rara, porém de importância pela sua gravidade. Na intoxicação alcoólica idiossincrática ou patológica, há graves alterações de comportamento após a ingestão de pequena quantidade de álcool. Pode haver alterações da consciência, desorientação, amnésia lacunar, alucinações, delírios e atividade psicomotora aumentada. O comportamento pode ser impulsivo e agressivo, e o indivíduo pode tomar atitudes agressivas, das quais não se recorda. SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA A cessação da ingestão crônica de álcool ou sua redução pode levar ao aparecimento de um conjunto de sinais e sintomas de desconforto definidos como síndrome de abstinência. O sinal mais precoce e mais clássico da abstinência é representado pelos tremores. A maioria dos dependentes apresenta uma síndrome de abstinência entre leve a moderada, caracterizada por tremores, insônia, agitação e inquietação psicomotora. Cerca de 5% dos pacientes apresentarão sintomas graves. A síndrome de abstinência é autolimitada, com duração média de sete a dez dias. Crises convulsivas tônico-clônicas aparecem em 3% dos casos e a mortalidade gira em torno de 1%. Os sintomas têm certa relação temporal com o momento de cessação do uso. Os sintomas leves, como ansiedade, irritabilidade, insônia e tremor, costumam aparecer mais precocemente, cerca de 24 a 36 horas após a interrupção do uso. Já os sintomas mais graves costumam surgir cerca de três a quatro dias depois da abstinência. O delirium tremens é um estado confusional breve, mas ocasionalmente com risco de morte, geralmente resultante de uma abstinência absoluta ou relativa de álcool em usuários gravemente dependentes, com longa história de uso. A clássica tríade de sintomas inclui obnubilação da consciência, confusão, desorientação temporoespacial, alucinações e ilusões vívidas, além de tremores marcantes e sudorese profusa. Delírios, agitação, insônia, ou inversão do ciclo sono-vigília e hiperatividade autonômica (hipertensão arterial, taquicardia, taquipneia, hipertermia) também estão geralmente presentes. As alucinações visuais costumam ser de animais, denominadas zoopsias. Outro quadro, mais raro, pode ocorrer na síndrome de abstinência. A alucinose alcoólica se caracteriza por alucinações predominantemente auditivas, mas que também podem ser visuais ou táteis, e que podem causar ansiedade, medo ou agitação. Uma característica peculiar deste tipo de fenômeno é que ele ocorre na ausência de rebaixamento do nível da consciência e sem alterações autonômicas. O tratamento da síndrome de abstinência visa o alívio dos sintomas existentes, a prevenção do agravamento do quadro com convulsões e delirium e a vinculação do paciente no tratamento, que pode ocorrer de forma ambulatorial ou internação hospitalar, dependendo da gravidade do quadro. O tratamento baseia-se no uso de benzodiazepínicos e reposição de vitaminas para evitar a síndrome de Wernicke. 6 AES15-PROBLEMA 1 MATHEUS SIQUEIRA MED 5-2019.2 COMPLICAÇÕES CLÍNICAS O uso excessivo de álcool pode gerar diversas complicações clínicas, sendo as principais:- Gastrointestinais: pancreatite, gastrite, úlcera gástrica e duodenal, esteatose e cirrose hepática, tumores hepáticos; - Cardiovasculares: hipertrigliceridemia, hipertensão, aumento do LDL, cardiomiopatia; - Endócrinas: diminuição da libido, amenorreia, impotência; - Miopatia periférica induzida por álcool; - Cognitivas: disfunções cognitivas subclínicas, demência; - Neurológicas: relacionadas à deficiência de vitaminas, principalmente tiamina: neuropatias periféricas, deficits cognitivos, prejuízo da memória, alterações degenerativas cerebelares TRANSTORNO AMNÉSTICO PERSISTENTE INDUZIDO PELO ÁLCOOL Alterações da memória, principalmente da memória recente, podem ocorrer em usuários de grande quantidade de álcool por muito tempo. As duas principais entidades clínicas são: a síndrome de Wernicke e a síndrome de Korsakoff. Ambas são causadas pela deficiência de tiamina, presente nestes casos devido a maus hábitos alimentares ou alterações na absorção gastrointestinal. A Síndrome de Wernicke (SW) é um transtorno neurológico agudo caracterizado por ataxia, confusão mental e alterações da motilidade ocular extrínseca, como nistagmo. Há possibilidade de reversão do quadro com o tratamento. Caso contrário, há evolução para a Síndrome de Korsakoff (SK). O tratamento da SW é tiamina 100 mg, duas a três vezes por dia, por uma a duas semanas. A SK é uma síndrome amnéstica crônica que pode seguir-se à SW. Os aspectos fundamentais desta síndrome são deficits mnêmicos, principalmente da memória anterógrada ou recente. Pode haver confabulação, que é a inserção de dados na lacuna da memória, os quais não correspondem à realidade. Estes pacientes perdem a capacidade de fixação de qualquer nova informação. O tratamento se inicia da mesma forma que a SW, mas a fase de manutenção com reposição da tiamina pode durar de três meses até um ano. SÍNDROME ALCOÓLICA FETAL A síndrome alcoólica fetal é o resultado da exposição do feto ao álcool in utero. Por este motivo, recomenda-se que mulheres grávidas não devam ingerir derivados etílicos. Retardo mental, hipotonia, microcefalia, malformações craniofaciais e defeitos nos membros e coração são comuns nos bebês afetados. TRATAMENTO O tratamento da dependência do álcool é complexo, devido aos frequentes episódios de intoxicação, abstinência e recaídas. Os objetivos devem ser a abstinência, a prevenção de recaídas e a reabilitação. A diminuição da quantidade de álcool ingerida (ou beber controlado) é uma questão muito discutível, parecendo estar indicada em alguns grupos de pacientes, quando a melhora do estado clínico e psicológico é significativa. No entanto, para a maioria dos pacientes, a meta deve ser a abstinência total. MOTIVAÇÃO Constitui uma etapa importante do tratamento, devendo ser uma responsabilidade do paciente e do médico. Há quatro estágios descritos para a motivação: - Pré-contemplação: quando o paciente ainda não dimensiona as consequências negativas de beber e não planeja mudar seu comportamento; - Contemplação: quando o paciente começa a comparar as vantagens e desvantagens de beber e a possibilidade de realizar alguma mudança já é mais real; - Ação: quando mudanças objetivas no comportamento são realizadas; - Manutenção: quando alterações mais profundas no estilo de vida são concretizadas a fim de possibilitar a abstinência. RECAÍDAS Antigamente eram vistas como fracasso do tratamento, mas hoje se sabe que são muito frequentes e apenas significam que estratégias de prevenção devem ser empregadas. DESINTOXICAÇÃO Os dois principais objetivos são a melhora das condições gerais do paciente e emprego de medicações que possam aliviar os sintomas de abstinência. INTERVENÇÃO breve Geralmente realizada em uma a três sessões, inclui avaliar a gravidade do alcoolismo e oferecer feedback motivacional e aconselhamento. GRUPOS DE AUTOAJUDA Geralmente funcionam em esquema de reuniões diárias, nos quais são compartilhadas as experiências de cada um no processo de dependência e recuperação. MEDICAMENTOS De modo geral, o uso de medicamento está indicado para pacientes com consumo moderado a severo, que estão 7 AES15-PROBLEMA 1 MATHEUS SIQUEIRA MED 5-2019.2 motivadosa reduzirem a ingestão de álcool e que não tem contraindicação ao uso individual do medicamento. Naltrexona: antagonista opioide que tem a funcã̧o de diminuir o prazer ao beber, por meio da liberação das endorfinas e consequente bloqueio da liberacã̧o de dopamina. A dose usual é de 50 mg/dia, mas pode chegar a 100 mg/dia. Não deve ser utilizado junto com opioides, e é contraindicado para indivíduos portadores de hepatite ou insuficiência hepática. Acamprosato: o acamprosato, ao contrário da naltrexona, reduz o desejo compulsivo que aparece na abstinência, por meio da reducã̧o da atividade glutamatérgica e aumento da gabaérgica. Seu principal cuidado são os pacientes com insuficiência renal. Também é considerado uma droga de primeira linha. Dissulfiram (Antabuse): age inibindo a enzima acetaldeid́o desidrogenase, o que faz com que o acetaldeid́o (metabólito tóxico) se acumule no organismo, provocando vários efeitos colaterais, como rubor facial, cefaleia, tonturas, náuseas, vômitos, fraqueza, sonolência, sudorese, visão turva, taquicardia e sensacã̧o de morte eminente. Não deve ser utilizado em portadores de miocardiopatia grave, assim como em portadores de doença coronariana. Atualmente é considerado de segunda linha para o tratamento. TRANSTORNOS RELACIONADOS Á COCAÍNA A cocaína é uma das drogas ilícitas mais aditivas e perigosas, atualmente consumida por 0,3% da população mundial. A prevalência entre os homens é duas vezes maior do que entre as mulheres, com variações relacionadas à idade, sendo mais comum nos adultos jovens. É derivada das folhas de coca (Erytrhoxylon coca) e posteriormente transformada em vários subprodutos: crack, merla e produto refinado (“pó”). O consumo da substância pode se dar por qualquer via de administração, com rápida e eficaz absorção pelas mucosas oral, nasal e pulmonar. O mecanismo de ação se dá principalmente pela inibição da recaptação de dopamina, mas há também bloqueio da recaptação da noradrenalina e da serotonina. A euforia desencadeada reforça e motiva, na maioria dos indivíduos, o desejo por um novo episódio de consumo. Quanto mais rápido o início da ação, quanto maior a sua intensidade e quanto menor a duração, maior a chance de o indivíduo evoluir para situações de uso nocivo e dependência. Desse modo, a via de administração é um importante fator de risco para este comportamento prejudicial; as vias endovenosas e pulmonar (crack) parecem ser as vias de maior risco. Metabólitos podem ser detectados na urina em até dez dias após o consumo DIAGNÓSTICO E CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Deve-se suspeitar de uso de cocaína em indivíduos que apresentem mudanças em seu comportamento habitual, tais como irritabilidade, capacidade comprometida para concentrar-se, comportamento compulsivo, insônia severa e perda de peso. Os colegas de trabalho e a família podem perceber uma incapacidade para executar tarefas esperadas associadas com o trabalho e a vida familiar. Os critérios para dependência de cocaína são semelhantes àqueles para as outras substâncias (desejo compulsivo de consumo, tolerância, abstinência, abandono progressivo de outras atividades, persistência do uso a despeito de prejuízo etc.). Seu uso está associado a complicações agudas e crônicas. MANIFESTAÇÕES AGUDAS A cocaína possui múltiplas ações periféricas e centrais, ligadas ao seu efeito estimulante. Os efeitos agudos produzem sinais e sintomas psíquicos e físicos. Geralmente ocorre euforia, aumento do estado de vigília, aumento da autoestima, melhor desempenho em atividades físicas e psíquicas. Pode haver delírios persecutórios e alucinações, os quais melhoram depois de cessado o efeito da droga. Os efeitos físicos estão ligados à hiperatividade autonômica: taquicardia, hipertensão arterial, taquipneia, hipertermia, sudorese, tremor leve de extremidades, tiques, midríase, espasmos musculares (língua e mandíbula), vasoconstricção. Há também efeito anestésico. INTOXICAÇÃO AGUDA E OVERDOSE Doses maiores estão associadas a irritabilidade, sintomas maníacos, agitação, comportamento sexual compulsivo. Estas doses também estão associadas a complicações clínicas, ligadas à ação simpaticomimética. A overdose pode ser definida como a falência de um ou mais órgãos decorrentes do uso agudo da substância e é uma emergência clínica que requer atenção imediata. Os principais sistemas afetados costumam ser o cardiovascular e o sistema nervoso central. ABSTINÊNCIA Após a cessação do uso de cocaína ou após a intoxicação aguda, a depressão pós-intoxicação (“aterrisagem”) caracteriza-se por disforia, anedonia, ansiedade, irritabilidade, fadiga, hipersonolência e, ocasionalmente, agitação. Pode haver também ideação suicida. Com o uso de cocaína leve a moderado, esses sintomas de abstinência costumam melhorar em até vinte e quatro horas; porém, com o uso pesado, podem durar até uma semana. No estado de abstinência, a avidez por cocaína pode ser 8 AES15-PROBLEMA 1 MATHEUS SIQUEIRA MED 5-2019.2 poderosa e intensa, pois o indivíduo sabe que o consumo de cocaína pode aliviar estes sintomas. SISTEMA CARDIOVASCULAR As complicações cardiovasculares decorrentes do uso de cocaína são as mais frequentes entre as complicações não psiquiátricas. A angina pectoris é a queixa mais recorrente e não há diferença clínica entre esta e a angina ocasionada em outras situações. O infarto do miocárdio também foi relatado como uma complicação, geralmente em indivíduos coronariopatas e tabagistas. Pode haver, ainda, arritmias induzidas pela cocaína. SISTEMA NERVOSO CENTRAL As complicações do uso de cocaína neste sistema têm como substrato principalmente a va soconstricção, que causa principalmente eventos vasculares cerebrais isquêmicos (ataques isquêmicos transitórios, infartos cerebrais isquêmicos). Pode haver também infartos hemorrágicos cerebrais e medulares. Além disso, há relatos de convulsões tônico- -clônicas em 3 a 8% dos atendimentos relacionados à cocaína nas salas de emergência. A cocaína é a substância de abuso mais ligada a esta complicação; a segunda é a anfetamina. Morte Altas doses de cocaína estão associadas a convulsões, depressão respiratória, doenças cerebrovasculares e infarto do miocárdio, que podem levar à morte. GRAVIDEZ O consumo de cocaína durante a gravidez está associado a complicações, tais como: baixo peso ao nascer, abortos espontâneos e deficits cognitivos ao recém-nascido. COMPLICAÇÕES PSIQUIÁTRICAS AGUDAS As complicações psiquiátricas são o principal motivo de busca por atenção médica entre os usuários de cocaína, podem decorrer tanto de episódios de intoxicação quanto da síndrome de abstinência. Mesmo quando os sintomas psiquiátricos são evidentes, podem decorrer de condições clínicas, tais como hipoglicemia e distúrbios metabólicos. Desse modo, uma avaliação clínica é sempre desejável. Pode haver transtornos de humor relacionados à cocaína, sendo que os sintomas maníacos frequentemente ocorrem na intoxicação, enquanto que sintomas depressivos estão mais associados à abstinência. A presença de sintomas psicóticos que ocasionalmente ocorrem na intoxicação por cocaína, tais como delírios persecutórios; alucinações podem desaparecer espontaneamente após algumas horas, ao final da ação da cocaína. Agitações extremas, decorrentes destes sintomas, podem necessitar de abordagem farmacológica, com benzodiazepínicos ou antipsicóticos. Deve-se evitar o uso de antipsicóticos de baixa potência, como clorpromazina, pelo fato desta medicação provocar redução no limiar convulsivo. TRATAMENTO O maior obstáculo a ser superado no tratamento dos transtornos relacionados à cocaína é a intensaavidez do paciente pela droga. No entanto, até o momento, nenhum medicamento mostrou-se eficaz para proporcionar alívio aos sintomas de abstinência. Desse modo, os reforçadores negativos, como problemas no trabalho e na família, se colocam como importantes na motivação do paciente pelo tratamento. Intervenções psicológicas em grupo, familiares ou individuais, e grupos de apoio, como os Narcóticos Anônimos (NA) podem ajudar. TRANSTORNOS RELACIONADOS AO USO DE MACONHA Cannabis é o nome abreviado da planta Cannabis sativa, conhecida popularmente como maconha. Todas as partes da planta contêm princípios ativos, cerca de 400, dentre os quais o ∆9 -Tetraidrocanabinol (∆9 -THC) é o mais abundante. A planta é processada e consumida mais frequentemente na forma de cigarros. Os efeitos euforizantes são conhecidos há milhares de anos. Os potenciais efeitos medicinais são analgésico, anticonvulsivante e hipnótico. Recentemente a cannabis tem sido usada com sucesso no tratamento da náusea secundária às drogas, no tratamento do câncer e para estimular o apetite em pacientes com Aids. Alguns relatos menos convincentes incluem o uso no tratamento do glaucoma. A maconha é a droga ilícita mais consumida mundialmente. O uso geralmente é intermitente e autolimitado: os jovens param por volta dos seus vinte anos e poucos entram em um consumo diário. INTOXICAÇÃO COM CANNABIS Os efeitos euforizantes se desenvolvem após cerca de meia hora da administração e duram cerca de duas a quatro horas. Foi identificado um receptor cerebral específico para canabinóis. Os efeitos psicológicos e comportamentais incluem euforia, risos imotivados, comprometimento da coordenação (interferindo na condução de veículos), sensação de lentificação do tempo, prejuízo na memória de curto prazo e retraimento social. Os efeitos físicos mais comuns são: hiperemia conjuntival, boca seca, taquicardia e apetite aumentado podendo ocorrer também tontura, retardo psicomotor, hipotensão ortostática. Não parece haver risco de depressão respiratória, nem complicações cardiovasculares. Também pode haver depressão, aumento da percepção de cores, sons, textura e paladar, 9 AES15-PROBLEMA 1 MATHEUS SIQUEIRA MED 5-2019.2 despersonalização, desrealização e até mesmo sintomas psicóticos, como delírios persecutórios e alucinações. DEPENDÊNCIA E ABUSO DE CANNABIS A dependência de maconha vem sendo diagnosticada há algum tempo, nos mesmos padrões de outras substâncias. O risco aumenta conforme a extensão do consumo, mas, apesar disso, a maioria dos usuários diários não se torna dependente e uma minoria desenvolve uma síndrome de uso compulsivo semelhante a outras drogas. COMPLICAÇÕES – Agudas: o consumo de maconha pode desencadear quadros temporários de ansiedade, tais como reações de pânico ou sintomas psicóticos. Esse último pode ter sido desencadeado pela droga em indivíduos predispostos. O surgimento dos efeitos psíquicos pode estar relacionado à potência da droga, à via de administração, à técnica de fumar, à dose, ao contexto, à experiência passada do usuário e à vulnerabilidade biológica aos efeitos. - Crônicas: a síndrome amotivacional tem sido associada ao uso pesado em longo prazo e tem sido caracterizada pela relutância de a pessoa persistir em uma tarefa, seja na escola, no emprego ou em qualquer contexto que exija atenção prolongada ou tenacidade. O indivíduo é descrito como apático e sem energia. Há risco respiratório semelhante ao causado pela nicotina. TRATAMENTO O tratamento para o uso abusivo de cannabis se baseia nos mesmos princípios relatados na abordagem do uso abusivo de cocaína: abstinência e apoio. Podem ser usados ansiolíticos em caso de ansiedade quando da abstinência. Os usuários devem ser informados sobre os riscos do uso: risco de acidentes, danos respiratórios, risco de dependência para usuários diários e deficits cognitivos para usuários crônicos. Pode ser necessário o uso de antidepressivos para a síndrome amotivacional. ÁLCOOL E DROGAS O abuso e a dependência de substâncias psicoativas são um dos mais freqüentes transtornos mentais e um dos principais problemas de saúde publica. Além dos problemas sociais, familiares e no trabalho, é muito freqüente o comprometimento físico decorrente do abuso de álcool e/ou drogas. As complicações clínicas são amplas, e envolvem desde intoxicação e abstinência graves até infecções, distúrbios metabólicos, hemorragias, insuficiência hepática, cardiopatia, entre outras. Muitas vezes essas complicações são graves e requerem intervenção médica de urgência. A freqüência de complicações psiquiátricas decorrentes do uso de álcool e drogas nos prontos-socorros é muito alta. Aproximadamente 25% das internações de pacientes do sexo masculino, especialmente os jovens, são decorrentes do uso de álcool34. Portanto, em todo o paciente que procura atendimento em uma unidade de pronto-socorro, especialmente nos casos de agitação psicomotora, alteração comportamental e rebaixamento do nível de consciência, o médico deve sempre investigar a possibilidade do diagnóstico de complicações relacionadas ao uso de álcool e drogas. Neste texto serão abordados os principais quadros de urgências psiquiátricas decorrentes do uso de álcool e/ou drogas. INTOXICAÇÃO AGUDA AO ÁLCOOL O álcool tem múltiplas ações no sistema nervoso central. Ele potencializa a ação inibitória do ácido gama- aminobutírico (GABA) e bloqueia a ação excitatória do glutamato nos receptores NMDA (N-metil-Daspartato), que são os principais mecanismos fisiopatológicos para explicar os seus efeitos sedativos. Além disso, o álcool aumenta a liberação de dopamina no sistema de recompensa cerebral, interage com os sistemas mediados por serotonina e peptídeos opióides, que contribuem para os seus efeitos prazerosos34. A sintomatologia clínica da intoxicação alcoólica depende de quantidade ingerida, velocidade do consumo, ingestão concomitante de alimentos e tolerância aos efeitos do álcool. O quadro pode variar de leve embriaguez a coma, depressão respiratória e óbito. Os sintomas mais comuns da intoxicação alcoólica são: desinibição, irritabilidade, excitação psicomotora, prejuízo da atenção e do julgamento, rubor facial, hálito alcoólico, fala pastosa, incoordenação motora e ataxia. A abordagem de um paciente com sintomas de intoxicação alcoólica não se restringe aos cuidados quanto à desintoxicação. É extremamente importante realizar avaliação clínica geral e investigar especialmente a presença de complicações físicas associadas como infecções, traumatismo crânio-encefálico, distúrbios metabólicos, insuficiência hepática e outras comorbidades, como cardiopatia, neuropatia, entre outras. O tratamento básico da desintoxicação consiste em cuidados gerais, deixando o paciente em repouso em ambiente seguro, com baixa estimulação, pois em poucas horas o organismo metaboliza o álcool. Prática comum em pronto-socorro é a administração de glicose. É importante lembrar que a glicose não acelera a desintoxicação. A reposição de glicose é útil para os casos em que existe suspeita de hipoglicemia, que pode ocorrer especialmente nos usuários crônicos de álcool. Antes de administrar glicose é necessário administrar tiamina por via intramuscular, na dose de uma ampola de 100 mg, para evitar a precipitação da síndrome de Wernicke (ver a seguir tópico sobre síndrome de WernickeKorsakoff). Pacientes 10 AES15-PROBLEMA 1 MATHEUS SIQUEIRA MED 5-2019.2 com episódio isolado de intoxicação alcoólica e que não são usuários crônicos e que têm histórianutricional adequada, sem suspeita de hipoglicemia, não necessitam de reposição de glicose ou de tiamina. SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA DO ÁLCOOL A síndrome de abstinência é um quadro que surge após diminuição ou interrupção da ingestão etílica, em um indivíduo com história de alcoolismo. Esse quadro é decorrente da diminuição da atividade inibitória gabaérgica e aumento da atividade excitatória glutamatérgica, que surge após interrupção da ingestão etílica35. Os sintomas de abstinência alcoólica aparecem 6 a 12 horas após a interrupção da ingestão etílica e se caracterizam por tremor de mãos, insônia, náusea, vômitos, sudorese, taquicardia, aumento da pressão arterial, inquietação, irritabilidade, ansiedade. O aparecimento de crises convulsivas é sinal de maior gravidade, pois sugere evolução para delirium- tremens. Geralmente o quadro é autolimitado, remitindo em torno de cinco a sete dias. Em alguns casos, ele pode ter evolução mais grave. Em 5% dos casos ocorre evolução para delirium-tremens34. O tratamento visa ao alívio dos sintomas da abstinência e à prevenção de complicações. Os benzodiazepínicos, medicamentos que apresentam tolerância cruzada com álcool, são a medicação de primeira escolha no tratamento da síndrome de abstinência do álcool. Além de aliviar os sintomas de abstinência, os benzodiazepínicos ajudam a prevenir crises convulsivas (redução de risco de convulsão de 7,7 por 100 pacientes tratados) e evolução para delirium-tremens (redução de risco de 4,9 casos por 100 pacientes)36. Os benzodiazepínicos atuam potencializando a atividade inibitória do neurotransmissor GABA, aumentando a afinidade aos seus receptores. Não há estudos que mostrem que um benzodiazepínico seja mais eficaz que outro. Na escolha de um benzodiazepínico devem ser considerados muitos fatores. Os benzodiazepínicos de meia-vida longa são os mais indicados pelo fato de que aliviam os sintomas de abstinência de forma mais suave, são mais eficazes para prevenir convulsões e oferecem menor risco de causar sintomas rebote após interrupção36. Nos casos de pacientes que apresentam comprometimento hepático importante, é mais indicado usar lorazepam ou oxazepam que são benzodiazepínicos metabolizados via conjugação com ácido glicurônico, que são pouco alterados nas hepatopatias. O uso de benzodiazepínico deve ser de curta duração, e portanto, após a melhora dos sintomas de abstinência, deve ser retirado gradualmente O fenobarbital pode ser uma alternativa terapêutica, mas tem a desvantagem de apresentar uma margem de segurança menor que os benzodiazepínicos36. Os betabloqueadores, a carbamazepina e a clonidina são medicamentos que também aliviam os sintomas de abstinência, mas não são recomendados como monoterapia, pois não reduzem o risco de evolução para delirium-tremens e, com a exceção da carbamazepina, também não previnem aparecimento de crises convulsivas. Eles podem ser usados em associação com benzodiazepínicos em determinadas situações clínicas. É possível associar betabloqueadores nos casos de comorbidade com doença arterial coronariana ou quando se deseja reduzir a intensidade dos sintomas da hiperatividade autonômica como tremores, taquicardia, sudorese e hipertensão. A clonidina pode ser usada quando existe concomitância de síndrome de abstinência de opióides, e a carbamazepina, nos casos de comorbidade com dependência e abstinência de benzodiazepínicos. Da mesma forma, não se usam neurolépticos isoladamente, pois não reduzem o risco de evolução para delirium- tremens, além de aumentar o risco de convulsão. Eles podem ser usados em associação com benzodiazepínicos nos casos de marcada agitação ou alucinações. Além dos benzodiazepínicos, deve-se também administrar no início do tratamento, e durante três dias, uma ampola intramuscular de tiamina, pelo fato de que a síndrome de abstinência pode desencadear um quadro de Wernicke. DELIRIUM-TREMENS O delirium-tremens é um quadro de síndrome de abstinência alcoólica grave, que se instala aproximadamente após 48 horas da interrupção ou diminuição da ingestão etílica. A taxa de mortalidade é alta, variando de 5 a 15%. A alteração psicopatológica fundamental para o diagnóstico de delirium-tremens é a ocorrência de rebaixamento da consciência em um paciente que esteja apresentando sintomas de abstinência alcoólica. Além da alteração da consciência, o paciente apresenta desorientação temporal e espacial, prejuízo da atenção e da memória, ilusões e alucinações, mais freqüentemente visuais (insetos e pequenos animais). O paciente fica muito sugestionável, sendo fácil induzi-lo a ler uma folha em branco ou segurar um fio imaginário (sinal da linha). Os sintomas de liberação autonômica da síndrome de abstinência discutidos antes, como tremores, sudorese, taquicardia, aumento de pressão arterial, ansiedade, entre outros, são muito intensos. O paciente pode ainda apresentar febre, agitação psicomotora e crise convulsiva do tipo tônico-clônico generalizada. Exame físico detalhado e investigação laboratorial são necessários para detectar complicações físicas associadas, 11 AES15-PROBLEMA 1 MATHEUS SIQUEIRA MED 5-2019.2 como infecções, distúrbio metabólico e hidroeletrolítico, hematoma subdural etc., que, além de aumentar significativamente a taxa de mortalidade, podem contribuir para o rebaixamento de consciência apresentado pelo paciente. O paciente deve ser tratado em ambiente hospitalar. O quarto deve ser silencioso e bem ventilado. A medicação de primeira escolha é o benzodiazepínico. Não existem evidências que indiquem que um determinado benzodiazepínico seja mais eficaz que outro. Um esquema terapêutico muito utilizado é a administração oral de 10 mg de diazepam a cada 2 a 4 horas, ou 50 mg de clordiazepóxido a cada 2 a 4 horas, ou 1 mg de lorazepam a cada 2 horas, e para a maioria dos pacientes a dose máxima necessária é em torno de 120 mg de diazepam ou 600 mg de clordiazepóxido nas 24 horas39. A vantagem desse esquema é o controle maior do quadro e da medicação, evitando risco de superdosagem, pois a administração de uma nova dose requer avaliação clínica. Outra proposta é a prescrição de doses fixas de 10 a 40 mg de diazepam, via oral, quatro vezes por dia, ou um outro benzodiazepínico com dose equivalente34. Os benzodiazepínicos lorazepam ou oxazepam são indicados nos casos de pacientes que apresentam comprometimento hepático, pois eles são metabolizados pela conjugação com ácido glicorônico, que não é afetado quando há cirrose ou outra doença hepática grave associada. Se o paciente estiver agitado, ou apresentar alucinações ou delírios, pode associar haloperidol ao benzodiazepínico. Iniciar com 0,5 a 2 mg de haloperidol, repetindo a cada 2 horas, e para a maioria dos pacientes não há necessidade de doses maiores que 10 mg nas 24 horas39. Outra opção, dependendo da gravidade, é a administração de haloperidol 5 mg intramuscular. Alem do benzodiazepínico, é preciso também administrar uma ampola intramuscular de tiamina para evitar o desencadeamento de um quadro de Wernicke. SÍNDROME DE WERNICKE-KORSAKOFF A síndrome de Wernicke-Korsakoff é composta de uma fase aguda, a encefalopatia de Wernicke, e uma fase crônica, a síndrome de Korsakoff. A encefalopatia de Wernicke é um quadro de emergência neurológica que se caracteriza pela tríade: confusão mental, oftalmoplegia e ataxia cerebelar. É decorrente de deficiência de tiamina. O alcoolismo é uma das principais causas de Wernicke, pois o alcoólatra tem uma baixa ingestão alimentar e, além disso, o álcool inibe a absorção de tiamina. A iatrogenia, ou seja, a administração de glicose parenteral em pacientes alcoolistassem administração prévia de tiamina é uma das causas de encefalopatia de Wernicke. A tiamina transforma-se em pirofosfato de tiamina, que é uma coenzima que desempenha papel importante na metabolização da glicose. Como usuários crônicos de álcool com freqüência têm uma reserva baixa de tiamina, a administração de glicose leva a uma queda abrupta dos níveis dessa substância, resultando em micro-hemorragias cerebrais e instalação do quadro de Wernicke.Aslesões cerebrais são focais, comprometendo o tálamo, corpos mamilares, assoalho do quarto ventrículo, hipotálamo e cerebelo. O quadro se instala abruptamente. O sintoma mais comum é a confusão mental, seguido por oftalmoplegia e ataxia de marcha. Outros sintomas freqüentemente associados são: neuropatia periférica, nistagmo, sinais cerebelares e hipotensão. Trata-se de uma condição clínica muito grave, com alta taxa de mortalidade e morbidade. O tratamento é feito com tiamina parenteral. O primeiro sintoma a melhorar é a oftalmoplegia. Aproximadamente 85% dos pacientes evoluem para síndrome de Korsakoff, que é uma condição crônica que se caracteriza por comprometimento da memória recente, amnésia anterógrada e retrógrada, confabulação e desorientação temporal. 12 AES15-PROBLEMA 1 MATHEUS SIQUEIRA MED 5-2019.2 OBJETIVO 03: CONHECER AS INTERVENÇÕES TERAPÊUTICAS DA DEPENDÊNCIA QUIMICA Existem três medidas gerais envolvidas no tratamento do indivíduo alcoolista depois do diagnóstico do transtorno: intervenção, desin-toxicação e reabilitação. Essas abordagens presumem que todos os esforços possíveis foram realizados para otimizar o atendimento médico e contemplar emergências psiquiátricas. Dessa forma, por exemplo, um alcoolista com sintomas de depressão suficientemente graves a ponto de estar em risco de suicídio exige internação durante vários dias até o desaparecimento da ideação suicida. Da mesma forma, um indivíduo com miocardiopatia, problemas hepáticos ou san- gramento gastrintestinal necessita primeiramente de um tratamento adequado da emergência clínica. O paciente com abuso ou dependência de álcool precisa, en-tão, ficar face a face com a realidade do transtorno (intervenção), sofrer desintoxicação, caso necessário, e dar início à reabilitação. Os pontos principais dessas três medidas para uma pessoa alcoolista com síndromes psiquiátricas independentes comórbidas têm grande semelhança com as abordagens utilizadas com o indivíduo alcoolista primário sem síndromes psiquiátricas independentes. No primeiro caso, no entanto, os tratamentos são aplicados depois que o transtor-no psiquiátrico foi estabilizado o máximo possível. 13 AES15-PROBLEMA 1 MATHEUS SIQUEIRA MED 5-2019.2 ABSTINÊNCIA LEVE OU MODERADA A abstinência ocorre porque o cérebro se adaptou fisicamente à presença de um depressor cerebral e não consegue funcionar de maneira adequada na ausência da substân-cia. Administrar depressores cerebrais suficientes no primeiro dia para reduzir os sintomas e, então, reduzir a dosagem do fármaco até sua in-terrupção ao longo dos cinco dias seguintes proporciona, à maioria dos pacientes, o máximo de alívio com a menor possibilidade de desenvolver abstinência grave. Qualquer depressor – incluindo álcool, barbitúricos ou qualquer um dos benzodiazepínicos – pode funcionar, mas a maio-ria dos profissionais prefere um benzodiazepínico, devido a sua relativa segurança. Pode-se administrar um tratamento adequado seja com fár-macos de ação breve (p. ex., lorazepam), seja com substâncias de ação prolongada (p. ex., clordiazepóxido e diazepam). Um exemplo de tratamento é a administração de 25 mg de clor-diazepóxido via oral 3 ou 4 vezes por dia no primeiro dia, com indicação de pular a dose se o paciente estiver dormindo ou se sentindo sonolen-to. Podem ser ministradas 1 ou 2 doses adicionais de 25 mg durante as primeiras 24 horas se o paciente estiver com tremores ou mostrar sinais de aumento de tremor ou disfunção autonômica. Qualquer que seja a dosagem de benzodiazepínicos necessária no primeiro dia, ela pode ser reduzida em 20% a cada dia subsequente, o que resulta em falta de ne-cessidade da medicação após 4 ou 5 dias. Ao administrar um agente de ação prolongada, como clordiazepóxido, o clínico deve evitar produzir sonolência excessiva decorrente de sobremedicação; caso o paciente es-teja sonolento, a próxima dose agendada deve ser omitida. Ao tomar um fármaco de ação breve, como lorazepam, o paciente não pode perder nenhuma dose, porque alterações rápidas nas concentrações de benzo- diazepínicos no sangue podem precipitar abstinência grave. Um programa com modelo social de desintoxicação poupa fun-dos ao evitar medicamentos enquanto se faz uso de apoios sociais. Esse regime menos oneroso financeiramente pode ajudar em síndromes de abstinência leves ou moderadas. Alguns também recomendaram anta-gonistas do receptor β-adrenérgico (p. ex., propranolol) ou agonistas do receptor α-adrenérgico (p. ex., clonidina), embora esses medicamentos não pareçam ser superiores aos benzodiazepínicos. Diferentemente dos depressores cerebrais, esses outros agentes pouco fazem para reduzir o risco de convulsões ou delirium. ABSTINÊNCIA GRAVE Para aproximadamente 1% dos pacientes al-coolistas com extrema disfunção autonômica, agitação e confusão – ou seja, aqueles com delirium por abstinência alcoólica, ou DTs –, ainda não foi desenvolvido um tratamento ideal. O primeiro passo é questionar o motivo pelo qual uma síndrome de abstinência tão grave e relativamente incomum ocorreu; a resposta costuma estar relacionada a um problema médico concomitante grave que precisa de tratamento imediato. Os sin-tomas de abstinência podem, então, ser reduzidos ao mínimo por meio do uso de benzodiazepínicos (que, dependendo do caso, às vezes requerem doses elevadas) ou agentes antipsicóticos, como haloperidol. Novamente, no primeiro ou segundo dia, as doses são usadas para controlar o compor-tamento, e a medicação pode ser suspensa gradualmente até o quinto dia. Outro 1% dos pacientes podem sofrer uma única convulsão tônico--clônica; apenas em casos raros há crises múltiplas, sendo que a incidência de pico ocorre no segundo dia de abstinência. Esses pacientes necessitam de avaliação neurológica, mas, na ausência de evidências de um transtorno convulsivo, eles não se beneficiam de fármacos anticonvulsivantes. ABSTINÊNCIA PROLONGADA Sintomas de ansiedade, insônia e hiper-reatividade autonômica leve provavelmente continuam durante 2 a 6 meses após a cessação da abstinência aguda. Embora não pareça haver tratamentos farmacológicos apropriados para essa síndrome, é possível que alguns medicamentos usados para a fase de reabilitação, especial-mente acamprosato, possam funcionar ao reduzir alguns desses sinto-mas. É importante advertir o paciente de que algum tipo de problema de sono ou sentimentos de nervosismo podem permanecer após a abstinên-cia aguda e discutir abordagens cognitivas e comportamentais adequadas para ajudar o paciente a se sentir mais à vontade. Esses sintomas de abs-tinência prolongada podem aumentar a probabilidade de recaída. 14 AES15-PROBLEMA 1 MATHEUS SIQUEIRA MED 5-2019.2 REABILITAÇÃO Para a maioria dos pacientes, a reabilitação inclui três componen-tes principais: (1) esforços contínuos para aumentar e manter níveis elevados de motivação para abstinência; (2) ajudar o paciente a se readaptar a um estilode vida sem álcool; e (3) prevenção de recaída. Como essas medidas são tomadas no contexto de síndromes de abs- tinência aguda e prolongada, e crises de vida, o tratamento exige a constante reintrodução de recursos semelhantes que lembrem o paciente o quanto a abstinência é importante e que o ajudem a desen-volver novos sistemas de apoio diários e estilos de enfrentamento. Não há conhecimento de nenhum evento de vida único, período de vida traumático ou transtorno psiquiátrico identificável que seja uma causa única de alcoolismo. Além disso, os efeitos de quaisquer causas de alcoolismo possivelmente foram diluídos pelos efeitos do álcool sobre o cérebro e pelos anos de um estilo de vida alterado, de forma que o alcoolismo assumiu vida própria. Isso é verdadeiro apesar da crença de muitos indivíduos alcoolistas de que a causa foi depressão, ansiedade, estresse de vida ou síndrome dolo-rosa. Pesquisas, dados de registros e relatos pessoais normalmente revelam que o álcool contribuiu para o transtorno do humor, aciden-te ou estresse de vida, e não o contrário. A mesma abordagem de tratamento geral é usada em contex-tos ambulatoriais e de internação. A escolha do modo de internação intensiva, mais oneroso, costuma depender das evidências de outras síndromes psiquiátricas ou médicas graves, da ausência de grupos ambulatoriais próximos adequados e da história do paciente de fra casso em um sistema de cuidados ambulatorial. O processo de tratamento em qualquer um dos contextos envolve intervenção, melhora do funcionamento físico e psicológico, intensificação da motivação, colaboração da família e uso das primeiras 2 a 4 semanas de cuida-dos como um período intensivo de auxílio. Esses esforços devem ser seguidos por um período mínimo de 3 a 6 meses de cuidados ambulatoriais menos frequentes. A abordagem ambulatorial usa uma combinação de aconselhamento individual e em grupo, evitação cri-teriosa de medicamentos psicotrópicos, a menos que sejam necessá- rios para transtornos independentes comórbidos e envolvimento em grupos de mútua ajuda, como os AA. ACONSELHAMENTO Os esforços de aconselhamento nos primei-ros meses devem estar voltados para questões da vida diária com a finalidade de ajudar os pacientes a manter um nível elevado de motivação para abstinência e para melhorar seu funcionamento. Técnicas de psicoterapia que provocam ansiedade ou que exigem insights profundos não demonstraram nenhum benefício durante os primeiros meses de recuperação e, pelo menos teoricamente, podem, na realidade, prejudicar os esforços para manter a abstinência. Por-tanto, a abordagem se concentra nos esforços que provavelmente caracterizarão os primeiros 3 a 6 meses de cuidados. Aconselhamento ou terapia pode ocorrer individualmente ou em grupo; poucos dados indicam que uma das duas abordagens seja superior à outra. A técnica usada dificilmente fará muita diferença e em geral se reduz a um aconselhamento diário simples, ou praticamente qualquer outra abordagem comportamental ou psicoterapêutica que se concentre no aqui e agora. Para obter o máximo de motivação, as sessões de tratamento devem explorar as consequências do consumo, o provável curso futuro de problemas de vida relacionados ao álcool, e a grande melhora que se pode esperar com a abstinência. Seja em um contexto de internação, seja ambulatorial, costuma ser aconselhamento individual ou em grupo pelo menos oferecido três vezes por semana, durante as primeiras 2 a 4 semanas, seguido por esforços menos inten-sos, talvez de uma vez por semana, durante os 3 a 6 meses seguintes. Grande parte do tempo durante o aconselhamento é dedicada a como construir um estilo de vida sem álcool. Os tópicos cobrem a necessidade de um grupo de pares sóbrios, um plano para eventos sociais e recreativos sem consumo de álcool e abordagens para res-tabelecer comunicação com a família e os amigos. O terceiro componente principal, a prevenção de recaídas, primeiramente identifica situações nas quais há grande risco de recaída. O conselheiro deve ajudar o paciente a desenvolver modos de enfrentamento para que sejam usados quando a fissura por álcool aumentar ou quando um evento ou estado emocional tornar mais provável a retomada do hábito de beber. Uma parte importante da prevenção de recaída é lembrar o paciente da atitude adequada para lidar com deslizes. Experiências de curto prazo com álcool nunca podem ser usadas como desculpa para retomar o hábito de ingestão regular de álcool. Os esforços para alcançar e manter um estilo de vida sóbrio não são um jogo no qual todos os benefícios são perdi-dos com o primeiro gole. Na verdade, a recuperação é um processo de tentativa e erro; o paciente faz uso dos deslizes que ocorrem para identificar situações de alto risco e para desenvolver técnicas de enfrentamento mais apropriadas. A maioria dos esforços de tratamento identifica os efeitos que o alcoolismo tem sobre as pessoas importantes na vida do pa-ciente, e um aspecto de destaque na recuperação envolve auxiliar familiares e amigos próximos a entender o alcoolismo e perceber que a reabilitação é um processo 15 AES15-PROBLEMA 1 MATHEUS SIQUEIRA MED 5-2019.2 contínuo que dura de 6 a 12 meses ou mais. Aconselhamento para casais e família e grupos de apoio para parentes e amigos ajudam os indivíduos envolvidos a reconstruir relacionamentos, a aprender como evitar proteger o paciente das consequências de consumo no futuro e a oferecer o máximo de apoio possível no programa de recuperação do paciente alcoolista. MEDICAMENTOS Caso a desintoxicação tenha sido finalizada e o paciente não integre os 10 a 15% de alcoolistas que apresentam um transtorno do humor independente, esquizofrenia ou transtorno de ansiedade, há poucas evidências que indiquem a prescrição de medicamentos psicotrópicos para o tratamento do alcoolismo. Níveis residuais de ansiedade e insônia como parte de uma reação a estresses de vida e abstinência prolongada devem ser tratados com abordagens de modificação de comportamento e tranquilização. Medicamentos para esses sintomas (incluindo benzodiazepínicos) têm probabilida-de de perder sua eficácia muito mais rapidamente do que o desapa- recimento da insônia; portanto, o paciente pode aumentar a dose e apresentar problemas subsequentes. Do mesmo modo, tristeza e e oscilações de humor podem se manter em níveis mais baixos durante vários meses. Experimentos clínicos controlados, no entanto, indicam que não há benefícios em prescrever medicamentos antidepressivos ou lítio para tratar o indivíduo alcoolista médio que não apresenta transtorno psiquiátrico independente ou de longa duração. O transtor-no do humor irá se dissipar antes que os medicamentos possam fazer efeito, e pacientes que retomam o consumo de álcool durante o curso da medicação encaram perigos potenciais significativos. Sem evidên-cias convincentes de que os medicamentos são eficazes, os perigos superam quaisquer benefícios potenciais de seu uso de rotina. Uma possível exceção à recomendação contra o uso de medica-mentos é o agente de sensibilização ao álcool dissulfiram. O dissulfi-ram é administrado em doses diárias de 250 mg antes que o paciente receba alta da primeira fase intensiva de reabilitação ambulatorial ou dos cuidados durante a internação. O objetivo é colocar o paciente em uma condição na qual a ingestão de álcool precipite uma reação física desconfortável, incluindo náusea, vômito e sensação de queimação na face e no estômago. Poucos dados comprovam que o dissulfiram é mais eficiente do que o placebo, contudo, provavelmente isso se deve ao fato de a maioria dos indivíduos interromper o curso do dissulfi-ramquando retoma o hábito de beber. Vários profissionais pararam de prescrever o agente de forma rotineira, em parte por reconhecerem os perigos associados ao próprio fármaco: alterações do humor, ocasiões raras de psicose, possibilidade de aumento de neuropatias periféricas e ocorrência relativamente rara de outras neuropatias significativas e hepatite potencialmente fatal. Ademais, pacientes com condições preexistentes, como doença cardíaca, trombose cerebral, diabetes e uma série de outras condições, não podem ser medicados com dis-sulfiram porque uma reação do álcool ao medicamento pode ser fatal. Uma possível exceção à recomendação contra o uso de medica-mentos é o agente de sensibilização ao álcool dissulfiram. O dissulfi-ram é administrado em doses diárias de 250 mg antes que o paciente receba alta da primeira fase intensiva de reabilitação ambulatorial ou dos cuidados durante a internação. O objetivo é colocar o paciente em uma condição na qual a ingestão de álcool precipite uma reação física desconfortável, incluindo náusea, vômito e sensação de queimação na face e no estômago. Poucos dados comprovam que o dissulfiram é mais eficiente do que o placebo, contudo, provavelmente isso se deve ao fato de a maioria dos indivíduos interromper o curso do dissulfi-ram quando retoma o hábito de beber. Vários profissionais pararam de prescrever o agente de forma rotineira, em parte por reconhecerem os perigos associados ao próprio fármaco: alterações do humor, ocasiões raras de psicose, possibilidade de aumento de neuropatias periféricas e ocorrência relativamente rara de outras neuropatias significativas e hepatite potencialmente fatal. Ademais, pacientes com condições preexistentes, como doença cardíaca, trombose cerebral, diabetes e uma série de outras condições, não podem ser medicados com dis-sulfiram porque uma reação do álcool ao medicamento pode ser fatal. Outras duas intervenções farmacológicas promissoras foram objeto de estudo recentemente. A primeira envolve o antagonista de opioides naltrexona, o qual, ao menos em teoria, se acredita apresen-tar a possibilidade de reduzir o desejo de consumo de álcool ou embo-tar os efeitos de recompensa do ato de beber. De qualquer modo, duas pesquisas relativamente pequenas (aproximadamente 90 pacientes medicados com o fármaco ativo nos estudos) e de curta duração (3 meses de tratamento ativo) que utilizaram 50 mg ao dia desse fármaco obtiveram resultados promissores. No entanto, uma avaliação do im- pacto total desse medicamento, irá exigir estudos mais prolongados e grupos relativamente maiores de pacientes mais heterogêneos. O segundo medicamento que desperta interesse, acamprosa-to, foi testado em mais de 5 mil pacientes dependentes de álcool na Europa. Esse fármaco ainda não está disponível nos Estados Unidos. Usado em dosagens de aproximadamente 2.000 mg ao dia, esse me-dicamento esteve associado a cerca de 10 a 20% de resultados mais 16 AES15-PROBLEMA 1 MATHEUS SIQUEIRA MED 5-2019.2 positivos do que o placebo quando usado no contexto dos regimes de tratamento comportamentais e psicológicos habituais para lidar com alcoolismo. O mecanismo de ação do acamprosato é desconhecido, mas pode agir direta ou indiretamente nos receptores GABA em sí-tios NMDA, cujos efeitos alteram o desenvolvimento de tolerância ou dependência física de álcool. Outro medicamento promissor para o tratamento de alcoolismo é o fármaco não benzodiazepínico ansiolítico buspirona, embora seu efeito sobre a reabilitação não apresente consistência entre estudos. Não há evidências de que antidepressivos, como inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs), lítio ou medicamentos antipsicó-ticos, sejam significativamente eficazes no tratamento do alcoolismo. 17 AES15-PROBLEMA 1 MATHEUS SIQUEIRA MED 5-2019.2 MACONNHA O tratamento do uso de Cannabis se baseia nos mesmos princípios que o tratamento para outras substâncias de abuso – abstinência e apoio. A abstinência pode ser alcançada por meio de intervenções diretas, como hospitalização, ou mediante monitoramento atento de base ambulatorial por meio de exames de urina, que podem detec-tar a presença de Cannabis até quatro semanas após o uso. Pode-se obter apoio por meio de psicoterapia individual, familiar e de grupo. Esclarecimento e informações devem ser o alicerce tanto para absti-nência quanto para programas de apoio. Um paciente que não com-preende os motivos lógicos para enfrentar um problema de abuso de substância tem pouca motivação para saná-lo. No caso de alguns indivíduos, um fármaco ansiolítico pode ser útil para alívio de curto prazo dos sintomas de abstinência. Para outros, o uso de Cannabis pode estar relacionado a um transtorno depressivo subjacente, que pode melhorar com um tratamento específico com antidepressivos. OBJETIVO 04: DESCREVER AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE Á DEPENDÊNCIA QUÍMICA Entende-se por políticas públicas o conjunto de ações coletivas voltadas para a garantia de direitos sociais, caracterizando um compromisso público que visa dar conta de determinada demanda. As políticas públicas são mecanismos de mudança social, que visam promover o bem-estar, principalmente dos segmentos sociais mais excluídos, destacando-se as políticas públicas ligadas à área da saúde, uma das maiores preocupações do país. Na década de 1980, o intenso debate sobre direitos humano teve como ponto central a elaboração da Constituição de 1988, a qual evidenciou a saúde como direito fundamental e condição essencial à vida digna. Da mesma forma, o usuário de drogas é um ser com direito à saúde, devendo ser acolhido como qualquer outro usuário dos serviços de saúde. Desta forma, as políticas públicas de saúde constituem-se em um conjunto de ações sociais direcionadas para garantir o direito à saúde em todas as suas dimensões (promoção, proteção e recuperação), e visam, sobretudo, garantir às populações vulneráveis a melhoria das condições de saúde. Nesse diapasão, a questão do uso de drogas, deve ser vista não apenas como um caso de polícia, mas também de saúde pública, uma vez que a droga afeta a saúde física e mental dos dependentes, afetando toda a sociedade pelos transtornos causados por estes através da prática de delitos em decorrência do uso indiscriminado da droga, tais como: homicídios, suicídios, assaltos, estupros, violência doméstica, acidentes de trânsito dentre outros. Assim sendo, o tratamento do dependente de drogas traz vantagens de ordem financeira para o Estado, pois o custeio do tratamento se torna menos oneroso para os cofres públicos que a estada deste possível infrator em presídios, acarretando superlotação. Isso porque, após passar pelo sistema prisional, o qual se sabe incapaz de ressocializar o preso, este continua dependente, e pelo fato de não ter passado por tratamento, continuaria certamente a praticar crimes para financiar o vício. A responsabilidade da formulação das políticas públicas é do Estado. O poder público é, portanto, o grande provedor de recursos, de forma a viabilizar o tratamento desses dependentes através da inclusão na dotação orçamentaria 18 AES15-PROBLEMA 1 MATHEUS SIQUEIRA MED 5-2019.2 de verbas públicas destinadas a esse fim, bem como, do apoio com politicas públicas a nível nacional. As medidas de prevenção, atenção e reinserção social, previstas na atual Lei de Drogas (11.343/06) para os dependentes, evidenciamque o dependente químico deve ser visto como um cidadão que necessita de ajuda e cuidado, por encontrar-se em situação de risco e vulnerabilidade, não devendo ser visto e posto como criminoso e inimigo da sociedade. Nesse sentido o art. 1º da referida lei dispõe: Esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes. Anteriormente à reforma psiquiátrica, os procedimentos aplicados aos dependentes de drogas eram restritos a ações policiais, culminando na prisão dos mesmos ou ao encaminhamento destes à hospitais psiquiátricos, onde lá permaneciam para tratar da dependência de drogas como se esta fosse uma doença mental. Destarte faz-se necessário o aprimoramento de conhecimentos teóricometodológicos em áreas voltadas à problemática das drogas e adequação da ação conjunta através do enfoque multidisciplinar entre profissionais da área de atenção psicossocial (assistentes sociais, pedagogos, psicólogos, dentre outros), profissionais da área da saúde (médicos e enfermeiros), de modo que haja um equilíbrio entre prevenção e repressão: prevenção do uso, atenção e reinserção social para os dependentes e repressão para produção não autorizada e tráfico ilícito. O tema objeto desse estudo necessita do envolvimento de todos para que possamos obter resultados favoráveis, através da responsabilidade compartilhada entre Estado e sociedade nas atividades do SISNAD, como destaca a Resolução n° 3 do CONAD, de 27 de outubro de 2005: Fundamentar, no princípio da responsabilidade compartilhada, a coordenação de esforços entre os diversos segmentos do governo e da sociedade, em todos os níveis, buscando efetividade e sinergia no resultado das ações, no sentido de obter redução da oferta e do consumo de drogas, do custo social a elas relacionado e das conseqüências adversas do uso e do tráfico de drogas ilícitas e do uso indevido de drogas lícitas. A atividade de prevenção está voltada para dois momentos: impedir o primeiro contato do indivíduo com a droga através de estratégias ligadas ao esclarecimento das consequências do uso indevido de drogas, e evitar que os que já fazem uso de drogas menos pesada e de maneira menos habitual passem a usá-la de forma mais frequente. Durante muito tempo quando a conduta do uso era criminalizada houve grande dificuldade de acesso do dependente de drogas aos meios de tratamento adequado em decorrência do medo por parte dos dependentes da pena que poderia recair sobre eles se descobrissem sua situação de dependência, pois, de acordo com essa lógica criminalizadora, o dependente não poderia optar por tratamento, pois tinha a sua conduta criminalizada. Portanto, a nova Lei de Drogas, além de descriminalizar o consumo trouxe a política de prevenção ao Brasil, com estratégias voltadas para a redução dos fatores de vulnerabilidade, redução dos fatores de risco, promoção e fortalecimento dos fatores de proteção. Com a quebra de paradigmas houve o surgimento da política de redução de danos decorrente do artigo 196 da Constituição Federal, o qual dispõe: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Quanto ao tratamento destinado aos dependentes de drogas no Brasil, as Comunidades Terapêuticas (ONGS) e os CAPS AD (PÚBLICAS) atualmente são o perfil preponderante da rede de serviços que presta atendimento a estes, estando vinculadas à proposta de reinserção social do indivíduo. As comunidades são Instituições não Governamentais e sem fins lucrativos, que contam com pouca ou nenhuma ajuda de recursos provenientes da União, Governo Federal e dos Estados. O serviço prestado pelas Comunidades Terapêuticas é de obrigação pública, contudo, este não é disponibilizado de forma gratuita para a população. As Comunidades Terapêuticas são referência no tratamento de dependentes químicos, constituindo-se em importante e efetivo meio de aplicabilidade da Lei 11.343/06. Estamos vivenciando, um período de mudanças com a integralização das redes de serviços que prestam assistência no tratamento do dependente de drogas. Com a nova Lei Antidrogas 11.343/06, e o advento da reforma psiquiátrica, houve a introdução do tratamento ambulatorial (CAPSad), fora dos hospitais manicomiais, o uso da psicoterapia, a introdução de psicofármacos. No Brasil, a expansão dos CAPS-AD, baseada em um modelo de atenção integral à saúde de usuários de álcool e outras drogas, preconiza a passagem da idéia de doentes para a de cidadãos; reinserção social e intersetorialidade das ações; adoção da redução de danos dentre outros princípios. O CAPS é um Centro de Atenção Psicossocial de referência e tratamento para pessoas com sofrimento psíquico. É um recurso em saúde mental, constituindo-se em um serviço substitutivo ao modelo asilar, de assistência extra- hospitalar que diminui e procura evitar reinternações psiquiátricas, buscando a ressocialização do indivíduo. Seu objetivo é oferecer atendimento à população realizando o acompanhamento clínico e reinserção social dos usuários, contribuindo para o resgate da cidadania em função da discriminação por ser acometido de sofrimento psíquico. O 19 AES15-PROBLEMA 1 MATHEUS SIQUEIRA MED 5-2019.2 CAPS AD é voltado para pessoas com problemas pelo uso de álcool ou outras drogas. Dependendo da gravidade do problema, o CAPS realiza o tratamento intensivo, no qual o paciente é atendido de segunda a sexta-feira, o dia todo; o semiintensivo, em que a freqüência é de pelo menos três dias da semana; e o nãointensivo, que se resume a um dia da semana. Nesse ponto a nova Lei Antidrogas trouxe avanços significativos com relação às legislações anteriores, destacando críticas ao atendimento dispensado aos dependentes de drogas, requerendo um atendimento mais humanizado através das medidas de atenção estando incluso aí o tratamento, prevenção e reinserção social, a fim de assegurar a dignidade do dependente de drogas, como cidadão. As políticas públicas enquanto instrumento por meio do qual o Estado trabalha sobre as demandas da população são dispositivos relativamente novos, e, neste contexto, as políticas públicas direcionadas ao enfrentamento do consumo de drogas são ainda mais incipientes. Nesse sentido, promover o estudo sobre políticas públicas sobre o enfrentamento do consumo e da dependência de drogas na sociedade é extremamente importante, visto ser a base das políticas públicas no último século direcionadas para a parcela excluída da população. Observa-se que foram muitos os avanços referentes ao tema drogas, porém ainda muito precisa ser feito. Neste sentido, as políticas públicas atuais, estão voltadas para programas de prevenção, promoção da saúde e tratamento, pois, entende-se que tão importante como tratar os indivíduos já em uso é proteger os que ainda não entraram em contato com a droga. Assim sendo, procurou-se através deste estudo, levantar uma discussão a respeito da necessidade de políticas públicas sobre drogas, na área da saúde pública, voltadas ao tratamento dos usuários dependentes. Temos consciência de que uma mudança de mentalidade sobre a dependência química requer tempo, contudo, desejamos contribuir para que o dependente de drogas não receba tantas críticas e seja mais compreendido, em função de sua doença, reconhecido com cidadão
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