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OBRIGAÇÕES E CONTRATO


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Aula 2Obrigações e Contratos 
Introdução 
As pessoas interagem economicamente em sociedade se apropriando dos bens (as coisas 
que possuam valor econômico) e estabelecendo relações com outras pessoas, relações 
estas que, quando dotadas de coeficiente econômico, são consideradas negócios 
jurídicos. 
Esse relacionamento interpessoal é fundamental para a perpetuação da sociedade como 
hoje a conhecemos, vez que a circulação das riquezas no ambiente social, ou o 
comércio, é elemento fundamental de nossa estrutura cultural. 
Historicamente a passagem do mundo feudal para o mundo moderno foi marcada pela 
ascensão da burguesia enquanto classe social em planos políticos; essa ascensão 
representou, em planos econômicos, a alteração dos mecanismos de acumulação de 
riqueza, que deixaram de se concentrar na propriedade de terras e de servos, passando a 
valorizar principalmente a mercancia, vale dizer, o comércio. 
Na imagem a seguir, visualizamos as rotas de comércio transnacionais das Grandes 
Navegações, que representam a ascensão da burguesia e a necessidade da estruturação 
do comércio em planos legais. 
 
E, para a viabilidade do comércio, essencial se revelava a formação de um sistema 
jurídico que regulamentasse os atos de comércio, os atos negociais, em vez de proteger 
a propriedade fundiária e a manutenção das relações entre proprietários e servos, 
relações absolutamente diversas das relações econômicas que a nova ordem impunha. 
 
Esse sistema jurídico foi representado pela estruturação do Direito das Obrigações e 
Contratos, em planos civis e comerciais. Assim como a uniformidade da moeda, nesse 
momento histórico e social havia a necessidade do estabelecimento de regras comuns à 
maior parte do mundo, que permitissem os atos de mercancia entre os diversos povos, 
que não poderiam interagir sem um denominador comum a respeito dessas regras, que 
pudesse ser conhecido previamente e obedecido por todos. 
Não se pode conceber a realização de comércio internacional em uma sociedade na qual 
cada feudo possui um padrão monetário e um sistema jurídico diferentes, muitas vezes 
absolutamente díspares entre si; a ascensão da burguesia impôs a criação de um 
conjunto de regras mais ou menos homogêneo, e esse conjunto de regras, aperfeiçoado 
na medida das exigências das evoluções históricas, nos foi legado em parte como 
Direito das Obrigações. 
A Europa Feudal se caracterizava pela imensa pulverização das divisões territoriais 
entre as áreas de poder e influência dos Senhores Feudais. Esse estado de organização 
geopolítica, que atendia ao modelo então vigente, era um obstáculo virtualmente 
intransponível ao comércio. 
A imagem a seguir representa a estrutura social feudal, em forma de pirâmide, e 
pretende demonstrar a composição de uma sociedade de castas altamente hierarquizada, 
transmitindo a impressão de imobilidade, estagnação, para se contrapor à ideia de 
sociedade mercantil, burguesa, essencialmente volátil e menos hierarquizada. 
A estrutura da sociedade feudal era extremamente hierarquizada e estática, com papéis e 
posições definidos, em geral, pelo nascimento – e não contemplava a ascendente 
burguesia como uma das classes relevantes. 
Portanto, temos que o direito obrigacional surgiu como resposta a um imperativo 
econômico e social e coincidiu com uma profunda alteração nos regimes políticos das 
então Metrópoles, movimento de que Portugal foi um dos precursores – a superação da 
Idade Média e o consequente início da Idade Moderna. 
 
Requisitos de estabelecimento do direito obrigacional 
O primeiro requisito para o ingresso no Direito das Obrigações é a relevância 
econômica dos negócios praticados; sem coeficiente econômico esses negócios serão de 
outra natureza, como, por exemplo, aqueles advindos dos direitos da personalidade, que 
são dissociados de coeficiente econômico ou são dotados de um coeficiente econômico 
inestimável. 
Assim, apenas podemos considerar um determinado negócio jurídico como compra e 
venda – e, portanto, integrante do Direito das Obrigações – quando preencha os 
elementos coisa, partes e preço, ou seja, quando presente o conteúdo econômico na 
relação. Da mesma forma uma doação, embora não tenha o elemento preço vinculando 
o ato entre as partes, recairá sobre um bem que possua valor econômico, já que, sem 
possuí-lo, jamais será objeto de um contrato. 
Importante destacar que essa apreciação de conteúdo econômico será uma regra de nosso 
Direito Privado, para o qual toda pretensão jurídica ou juridicamente admissível terá, via de 
regra, equivalência econômica, ou seja, quem realiza um negócio jurídico, quem formaliza 
um contrato, quem propõe uma ação, em geral deverá demonstrar que assim o faz por 
alguma razão econômica, ainda que inestimável, porque, como já vimos, uma das 
finalidades do direito privado é a garantia, a regulamentação da circulação das riquezas em 
sociedade. 
Os negócios jurídicos estabelecidos entre as pessoas, as obrigações, têm sua origem na 
formação de contratos, em disposição legal ou em virtude do cometimento de atos 
ilícitos (hipótese da responsabilidade civil). São hipóteses de que trataremos nesta 
Unidade. 
Formação e cumprimento dos contratos 
A formação de contratos se verifica quando as partes – as convergências de interesses 
contratantes (por exemplo: parte vendedora e parte compradora, em um contrato de 
compra e venda) – estabelecem um negócio jurídico, dispondo sobre a destinação 
econômica que pretendem emprestar a determinado bem (qualquer que seja a sua 
natureza). 
Será um contrato a compra e venda, e suas partes serão vendedor e comprador, vale 
dizer, partes no contrato, porque representam convergências de interesses: uma se 
interessa por adquirir determinado bem enquanto a outra se interessa por colocá-lo em 
comércio por um certo preço, consequentemente transmitindo sua propriedade ao 
comprador e por isso mesmo chegam a esse determinado contrato e não a outro. 
É regra de nosso Direito a liberdade para contratar. Isso significa que os cidadãos 
poderão contratar livremente, desde que respeitados a licitude e a possibilidade do 
objeto e a capacidade das partes contratantes. 
O fato de nosso Código Civil regulamentar determinados contratos, chamados por isso 
de contratos típicos, não impede que as partes livremente convencionem a formação de 
contratos diversos destes, a que se chamarão contratos atípicos. 
A liberdade de contratar, ou de assumir obrigações, pressupõe a liberdade de interagir 
socialmente e de praticar ou deixar de praticar atos jurídicos na medida do interesse de 
cada indivíduo. 
Outro elemento essencial do direito das obrigações é a coercitividade patrimonial que se 
estabelece quando da contratação, quando da conclusão do negócio. Não se pode 
simplesmente assumir uma obrigação, concluir um negócio jurídico, sem a intenção de 
cumpri-la, sem a seriedade na sua execução; sem esse animus, sem essa vontade, não 
subsistiria qualquer negócio, mormente aqueles de conteúdo economicamente 
apreciável. 
Isso quer dizer que, em caso de inadimplemento, de descumprimento da obrigação, o 
patrimônio da parte inadimplente, daquela que deixou de cumprir o que lhe cabia por 
força do contrato, responderá por esse inadimplemento, ou seja, o devedor terá seus 
bens comprometidos com o cumprimento da obrigação ou do contrato. 
 
Em última instância, o Estado pode executar os bens componentes do patrimônio do 
inadimplente para o cumprimento da obrigação, ou para sua indenização. 
Importante frisar que o direito obrigacional apenas se estabelece entre pessoas, em 
primeiro lugar porque apenas pessoas podem interagir socialmente; depois porque uma 
pessoa apenas pode se relacionar com um bem se apropriando dele, jamais mantendo 
com ele qualquer relação senão de assenhoreamento ou de propriedade. 
O contrato não será necessariamente, obrigatoriamente, escrito; também não se 
confundem o contrato com o seu instrumento, que é a sua forma. Contrato é a 
convergência de interesses,que preexiste à sua formalização, ou seja, preexiste à sua 
redação e até mesmo à sua assinatura, porque a assinatura nada mais é do que a 
reiteração da vontade anteriormente manifestada, que a parte exterioriza sob um critério 
de formalidade. 
Assim, o contrato se estabelece quando as partes convencionam a natureza do negócio 
jurídico e seus desdobramentos, suas repercussões econômicas e jurídicas – e não 
quando as partes assinam o seu instrumento, porque, quando o fazem, o contrato já 
estava firmado, uma vez que o negócio entre elas já se encontrava decidido. 
 
Repercussões patrimoniais das obrigações e contratos 
Quando as partes estabelecem um negócio jurídico, comprometem o seu patrimônio 
para garantir a sua consecução ou o seu cumprimento. Como já pudemos observar, o 
direito obrigacional não se sustentaria desprovido do poder de coerção patrimonial; de 
tal forma que ao cumprimento de um contrato se submetem os bens dos contratantes. 
O inadimplemento, ou o descumprimento dos contratos, impõe não apenas o seu 
cumprimento coercitivo como gera a obrigação de indenizar nas hipóteses em que o 
cumprimento coercitivo se mostrar impossível ou naquelas em que a sua simples 
imposição não se mostra suficiente para compensar o prejuízo causado ao devedor pelo 
inadimplemento. 
Como vimos anteriormente, ao Estado cabe a exclusividade na administração da Justiça 
e ainda no que diga respeito ao uso da força, ao monopólio da violência lícita, ou social 
e juridicamente admissível; tocam-lhe a estrutura judicial e o denominado Poder de 
Polícia. 
 
Portanto, o Estado – Juiz (que, como anteriormente mencionamos, é a representação do 
Estado quando compõe os conflitos surgidos entre os cidadãos) poderá determinar que o 
bem objeto do contrato de compra e venda descumprido pelo vendedor seja transferido 
para o patrimônio do comprador, por exemplo, e, além disso, pode determinar o 
emprego da força para realizar essa transferência. 
Nunca será demais reiterarmos que as partes jamais poderão, por meios próprios, 
substituir o Estado – Juiz, já que a vida em sociedade organizada pressupôs a entrega do 
monopólio da composição dos conflitos ao Estado, com a sua consequente retirada da 
esfera de poder dos particulares, pelo que o exercício dos direitos por meios próprios, 
ou o exercício das próprias razões é ato ilícito, somente sendo admissível em hipóteses 
excepcionais, como a legítima defesa ou o estado de necessidade, por exemplo. 
Tipologia das Obrigações em nosso sistema de Direito: 
Já vimos que a circulação de riquezas em nossa sociedade se mantém graças à 
estruturação de um ramo do Direito que denominamos, para fins didáticos, Direito das 
Obrigações, e que surgiu com a transição da Idade Média para a Idade Moderna, 
portanto teve a sua origem em uma profunda alteração das estruturas sociais, que 
abandonaram o feudalismo, ingressando na sociedade mercantil. 
As subsequentes alterações na estrutura social, decorrentes do fordismo e da revolução 
industrial, nos séculos anteriores, e da sociedade de consumo de massa e da 
globalização mais recentemente, impuseram alterações e aperfeiçoamentos ao direito 
obrigacional, que passou a incorporar normas e regras adequadas às realidades negociais 
então emergentes. 
Para um maior conhecimento dos temas globalização, fordismo e revolução industrial, 
pesquise na Wikipédia: 
 Fordismo 
 Globalização 
 Revolução industrial 
 Ludismo 
Em brevíssima síntese, e para fins acadêmicos, podemos classificar as obrigações 
segundo a natureza do negócio e da prestação que encerram da seguinte 
forma: obrigações de dar, obrigações de fazer e obrigações de não fazer. 
Obrigações de darObrigações de fazerObrigações de não fazer 
Obrigações de dar são aquelas cuja prestação encerra a entrega de um determinado 
bem, ou de seu equivalente; por exemplo, na compra e venda necessariamente teremos a 
entrega do objeto ao comprador quando do pagamento do preço ou quando da 
formalização do negócio. Assim também na doação, em que apenas não encontramos o 
preço, ou o valor estimado para o bem objeto da relação obrigacional. 
Os contratos, que representam a corporificação das obrigações, quaisquer que sejam os 
seus tipos ou as suas cláusulas, necessariamente limitam-se ao estabelecimento de uma 
ou mais dessas obrigações. 
Por exemplo, no contrato de locação podemos observar as obrigações de fazer, 
consistente em permitir, o locador, que o locatário use economicamente o bem locado, e 
de não fazer, consistente em exigir-se do locador que não pratique nenhum ato visando 
a livre utilização econômica do bem pelo locatário no prazo e nos limites do contrato. 
 
Contratos e obrigações e as relações de consumo 
O fenômeno da criação da sociedade de consumo impôs ao Direito uma evolução de 
conceitos e uma nova abordagem da teoria obrigacional e da teoria da relação 
contratual. Um novo tipo de negócio passou a ser primordial para o funcionamento 
econômico da sociedade, a relação de consumo dirigida ao mercado indistintamente, por 
isso mesmo denominada relação de consumo de massa. 
As especificidades dessa alteração social modificaram conceitos que mantínhamos 
ainda sobreviventes do liberalismo econômico que impregnava o pensamento jurídico-
político do século XIX, em que a liberdade para contratar era um fato real no cotidiano, 
e não existiam as figuras do fornecedor, do consumidor e do contrato de adesão. 
Também a forma de contratar, de assumir obrigações economicamente estimáveis em 
sociedade, se alterou profundamente na era das relações de massa, na medida em que os 
contratos, ou instrumentos das obrigações, deixaram de ser redigidos em razão de um 
acordo de vontades entre pessoas e passaram a ser a bem da verdade instrumentos 
preconcebidos, elaborados anteriormente pelos fabricantes ou fornecedores e veiculados 
à população como um todo e indistintamente, cabendo ao cidadão, então tornado 
consumidor, apenas escolher entre assinar ou não o contrato ou, por outra, entre 
contratar na forma preestabelecida ou simplesmente não contratar. 
A esse tipo de instrumento chamou-se contrato de adesão, porque a participação do 
consumidor na elaboração de seu conteúdo simplesmente inexiste ou se limita à adesão 
a cláusulas predefinidas pelos fornecedores, fabricantes e vendedores. 
A própria complexidade crescente na sociedade humana e, via de consequência, nas 
relações sociais e jurídicas, passou a demandar do cidadão um maior conhecimento para 
a prática dos atos em sua vida negocial – e por isso esse cidadão passou a ser cada vez 
menos capaz de compreender exatamente as implicações dos seus atos, cada vez mais 
complexos. 
A contratação de um plano de seguro saúde, contrato usual em nossa sociedade, 
pressupõe, para seu amplo conhecimento, noções técnicas de ordem médica e jurídica 
que a média dos cidadãos não detém, e nem se pode exigir que detenha, pela sua 
especificidade, restando sujeito, portanto, a toda sorte de abusos por parte de quem 
elabora tais contratos. 
 
As relações assim constituídas tinham sua origem na evidente predominância de uma 
parte sobre a outra, o que criava desequilíbrio essencial nos contratos, causando 
prejuízos injustificáveis à parte mais fraca. 
Interveio nosso sistema de Direito relativizando a liberdade e a autonomia das partes na 
formação de contratos para restabelecer, tanto quanto possível, o equilíbrio nas relações 
negociais. 
E o fez por meio da definição das figuras do consumidor, do fabricante e do vendedor e 
da instituição de alguns princípios, que são: 
 a interpretação em benefício do consumidor dos contratos de adesão; 
 a nulidade ou anulação das cláusulas abusivas destes instrumentos em seu desfavor; 
 a consideração de sua deficiência em termos processuais quando de ação judicial em face de 
fornecedores, fabricantes e vendedores (a denominada hipossuficiência) com a consequente 
inversão do ônus da prova em seu favor. 
Essas alterações integram um fenômeno que em doutrina passou adenominar-se 
dirigismo estatal das relações contratuais, e representa, de fato, uma intervenção do 
Estado na formação dos contratos, porém com a finalidade de garantir, tanto quanto 
possível, a isonomia e a igualdade de condições entre as partes contratantes. 
Para aprofundar o conhecimento dessa matéria, estude os tópicos 7, 8 e 9 do 
livro Direito Civil: Introdução, Pessoas e Bens (RS – EDUCS), de Alexandre Cortez 
Fernandes. 
Atividade 
A liberdade para contratar é a norma do nosso ordenamento jurídico. Seu reconhecimento 
importa em que as obrigações e contratos não serão necessariamente cobertos por 
determinada forma, senão em hipóteses especiais, legalmente previstas. Além disso, o 
objeto dos contratos apenas poderá ser limitado pela possibilidade jurídica e a licitude. 
Dito isto, analise as afirmativas a seguir e assinale a alternativa correta: 
1. aUm contrato que tenha por objeto a compra e venda de certo bem por meio de amostras será 
considerado inválido por serem grátis. 
2. bUm contrato de aluguel de um imóvel que possua cláusula determinando a cor de sua pintura no ato 
da entrega será inválido. 
3. cUm contrato cujo objeto consista na cessão de um terreno no Céu será considerado inexistente pela 
impossibilidade de seu objeto. 
4. dUm contrato de prestação de serviço cujo objeto consista no assassinato de um terceiro será válido 
porque o objeto será ilícito criminalmente. 
5. eUm contrato que determine, como multa, a prestação de trabalho compulsório e não remunerado 
será válido pelo arbitramento do valor.