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O conhecimento na vertente empirista Márcio Tadeu Girotti Introdução O conhecimento na vertente empirista relaciona o saber que é adquirido por meio da expe- riência, pelos sentidos, pelas sensações transformadas em percepções, que por sua vez serão trabalhadas pela razão a fim de formar conceitos de objetos. Ao lado do racionalismo, o empirismo se mostra como uma forma de interpretação do mundo, marcado sempre pela base empírica de seu conhecimento, a experiência. O maior destaque dessa corrente de pensamento é o empirismo inglês surgido entre os séculos XVI e XVIII. Objetivos de aprendizagem Ao final desta aula, você será capaz de: • compreender os aspectos da filosofia empirista e o método de conhecimento; • identificar as características da filosofia empirista de Locke e Hume. 1 A filosofia empirista O empirismo afirma que a nossa alma é como uma folha em branco, não há nada escrito nela, nada impresso nela; contrariando o inatismo, a filosofia racionalista, que afirmara que nascemos com certas ideias e conceitos das coisas, antes mesmo do contato com a experiência sensível. Figura 1 – Alma como uma folha em branco Fonte: Rodin Anton/Shutterstock.com Para o empirismo, todo o conhecimento deriva da experiência. As ideias são aquisições a partir da experiência, que excita nossos sentidos produzindo sensações que serão transformadas em percepções das coisas externas a nós. Vale dizer que o empirismo não descarta o trabalho da razão, que reúne as percepções em conceitos; mas essa não é a razão tal como enaltecida pelo racionalismo, que cria ideias a partir dela mesma. “Somos como uma cera sem forma e sem nada impresso nela, até que a experiência venha escrever na folha, gravar na tábula, dar forma à cera. A razão é uma maneira de conhecer e a adquirimos (por meio da experiência sensorial) no decorrer de nossa vida” (CHAUI, 2005, p. 71). A filosofia empirista, muito marcante entre os filósofos ingleses entre os séculos XVI e XVIII - em especial, David Hume e John Locke -, afirma que as ideias trazidas pela experiência por meio dos sentidos e das sensações, ou mesmo pelo hábito, são reunidas na memória e formam pensa- mentos a partir dela e por intermédio da razão. Os pensamentos são a reunião das percepções trazidas da experiência que, organizadas pela razão, serão convertidas em conceitos das coisas. A experiência imprime, grava em nossa alma esses conceitos. Quando, pelos sentidos, observamos o mundo, o identificamos e conhecemos por meio desses conceitos. Dessa forma, o empirismo somente se afasta do racionalismo à medida em que estabelece o conhecimento como adquirido a partir da experiência. Já o racionalismo afirma que o conheci- mento não deriva da experiência. No entanto, ambos confirmam o papel da experiência e da razão com maior ou menor ênfase, para comprovar teses, para adquirir material para o conhecimento. Ou, simplesmente, para dizer que os sentidos nos enganam e a razão não prova as teses e concei- tos que concebe para o conhecimento. FIQUE ATENTO! O pensamento racional e o empírico consideram tanto a razão quanto a experiência no processo de conhecimento, prescrevendo maior ou menor subordinação de um para com o outro. 2 Racionalismo x empirismo A partir de problemas relacionados ao conhecimento, no século XVII aparecem duas corren- tes de pensamento que são opostas: o racionalismo e o empirismo. Para Aranha e Martins (2003, p. 134), em última análise “o racionalismo é o sistema que consiste em limitar o ser humano ao âmbito da própria razão, e o empirismo é o que limita ao âmbito da experiência sensível”. Tanto do lado racionalista quanto do empirista, a experiência se faz presente. Para o primeiro, como ocasião para o conhecimento, estando sujeito a enganos. Para o segundo, a experiência se coloca como fundamental, tendo a razão como subordinada a ela para formar os conceitos dos objetos sensíveis. Relacionado ao sujeito do conhecimento, para os racionalistas o ser humano possui a capa- cidade de atingir verdades universais e eternas, enquanto os empiristas questionam tais verdades, atendo-se ao conhecimento sensível, ao real, que está ao alcance dos sentidos, considerando sem- pre um mundo em constante transformação. Nessa perspectiva, coloca-se também em contraposição o inatismo e o empirismo acerca da origem de nossas ideias: “De onde vieram os princípios racionais? De onde veio a capacidade para a intuição e para o raciocínio? Nascemos com eles? Ou nos seriam dados pela educação e pelo costume? Seriam algo próprio dos seres humanos, constituindo a natureza deles, ou seriam adquiridos pela experiência?” (CHAUI, 2005, p. 69). Figura 2 – Interrogações Fonte: Trueffelpix/Shutterstock.com Para essas perguntas sempre existiram duas possibilidades de solução: pelo lado do ina- tismo, se afirma que nascemos com ideias verdadeiras, inatas a nós; pelo lado do empirismo, se afirma que a razão, ou nossas ideias, são adquiridas por nós por meio da experiência. Como podemos perceber, há uma dicotomia entre racionalismo (inatismo) e empirismo, que permaneceu até o século XVIII, quando o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) rompeu com ela. Ele afirmava que o conhecimento deriva da experiência, mas o sujeito do conhecimento também participa ativamente da constituição do conhecimento; ou seja, todo o conhecimento começa com a experiência, mas nem todo deriva dela. FIQUE ATENTO! Inato diz respeito àquilo que é nascido comigo, não é adquirido externamente, a partir da experiência. SAIBA MAIS! Assista a um vídeo para entender melhor a diferença entre racionalismo e empirismo, de uma forma simples e dinâmica. Disponível em: <https://www.youtube.com/ watch?v=Hgxu4SyyrVQ>. 3 Empirismo de Locke O filósofo inglês, John Locke (1632-1704), um dos grandes representantes do empirismo, apresenta uma reflexão sobre a essência, origem e alcance do conhecimento humano, tese apre- sentada na obra “Ensaio sobre o entendimento humano”. Figura 3 – John Locke Fonte: Georgios Kollidas/Shutterstock.com Enquanto o racionalismo enfatiza as verdades oriundas da razão, privilegiando a lógica e a matemática acerca da origem das ideias, Locke constituiu sua investigação pelo viés psicológico, distinguindo duas fontes para a origem de nossas ideias: a sensação e reflexão. As modificações feitas na mente por intermédio dos sentidos resultam em sensações, ao passo que a percepção que a alma tem sobre aquilo que ocorre, que acontece, o fato, é a reflexão. A produção de uma ideia simples em nós, segundo Locke, ocorre pela qualidade do objeto, como qualidades primárias, que são a solidez, a extensão, a configuração, o movimento, o repouso e o número, sendo estas qualidades primárias do objeto, que são objetivas, existem nas coisas. Há também as qualidades que são relativas e subjetivas, sendo qualidades secundárias do objeto, como cor, som, odor, sabor, que provocam no sujeito certas percepções, variando de um sujeito a outro (ARANHA; MARTINS, 2003). O sujeito pode ligar e separar ideias simples constituindo ideias complexas, que não são objetivas, pois são formadas pelo intelecto, mas que são úteis para ordenar e classificar as coisas, como nomes. Nesse sentido, para Locke, seguindo a corrente empirista, nossa alma seria como uma lousa em branco, uma tábula rasa onde se imprime as sensações, os conceitos das coisas, contrariado, assim, o inatismo, tal como defendido por René Descartes (1596-1650), que afirma que as ideias nascem com o sujeito. EXEMPLO A partir de vários exemplares de cadeiras, tenho sensações que serão reunidas em um conceito de cadeira, imprimindo em minha alma essa percepção. Ao ver uma cadeira, posteriormente, saberei que aquele objeto é uma cadeira. FIQUE ATENTO! A expressão lousa ou folha em branco diz respeito à expressão tábularasa utiliza- da pelos empiristas para afirmar que a alma do sujeito se encontra sem nenhum conceito de objeto, até ser colocado na ocasião da experiência. 4 Empirismo de Hume David Hume (1711-1776) segue de perto os ensinamento de Locke, afirmando que observa- mos os fenômenos, toda a relação entre as coisas são estabelecidas no exterior, na experiência; e aquilo que não se pode observar, não pertence ao objeto: “As relações são apenas modos pelos quais passamos de um objeto a outro, de um termo a outro, de uma ideia particular a outra, sim- ples passagens externas que nos permitem associar os termos a partir dos princípios de causali- dade, semelhança e contiguidade” (ARANHA; MARTINS, 2003, p. 134). Figura 4 – David Hume Fonte: Georgios Kollidas/Shutterstock.com A principal tese de Hume diz respeito a causalidade, a sucessão de fatos que ocorrem na experiência e sua repetição, por hábito, somos levados a esperar que o mesmo evento se repita dadas as mesmas condições. O hábito nos leva a ultrapassar a própria experiência, aquilo que ela nos apresenta, pois de casos que se repetem e se tornam semelhantes podemos prever o efeito, considerando que a partir de certos casos podemos esperar efeitos análogos a partir do que já ocorrera em situações semelhantes. Essa constatação de Hume, o princípio da causalidade, mostra não só que as ideias da razão são adquiridas da experiência, mas que os próprios princípios da racionalidade se originam desta. Isso leva a crer que a busca por verdades universais, por parte da razão, do racionalismo, nada mais é do que uma associação de ideias, sua sequência de acontecimentos, um hábito, uma crença, que se torna, como causa e efeito, algo universal, necessário, um hábito psíquico. EXEMPLO Para Hume, o fato do sol nascer e se por todos os dias é um hábito. Como observa- mos o mesmo exemplo ocorrendo todos os dias, somos levados a crer que todo dia ocorrerá o mesmo evento, ou seja, o sol irá nascer amanhã, assim como nasceu hoje. SAIBA MAIS! David Hume foi responsável pelo despertar de Immanuel Kant de seu sono dogmático. Devido à tese da causalidade de Hume, Kant começou a questionar o conhecimento racional e o uso da razão na experiência sensível. Acesse: <https:// www.academia.edu/7895542/Kant_e_o_Despertar_do_Sono_Dogm%C3%A1tico_ algumas_considera%C3%A7%C3%B5es_sobre_a_influ%C3%AAncia_de_Hume_ sobre_o_pensamento_de_Kant>. Fechamento Nesta aula, você teve a oportunidade de: • compreender o que é a vertente do conhecimento empírico; • conhecer os aspectos do racionalismo contraposto ao empirismo; • entender as características da filosofia empirista de Locke e Hume. Referências ANTELO, Breno. Racionalismo x empirismo. Vídeo. 2015. Disponível em: <https://www.youtube. com/watch?v=Hgxu4SyyrVQ>. Acesso em: 25 jan. 2017. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução a filosofia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2003. CHAUI, Marilena de Souza. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2005. CUNHA, Bruno. Kant e o Despertar do Sono Dogmático: algumas considerações sobre a influên- cia de Hume sobre o pensamento de Kant. Revista Cogitationes, Juiz de Fora, v. II, n. 4, p. 5-21, 2011. Disponível em: <https://www.academia.edu/7895542/Kant_e_o_Despertar_do_Sono_Dog- m%C3%A1tico_algumas_considera%C3%A7%C3%B5es_sobre_a_influ%C3%AAncia_de_Hume_ sobre_o_pensamento_de_Kant>. Acesso em: 08 mar. 2017. HUME, David. Investigações sobre o entendimento humano. São Paulo: Hedra, 2009. LOCKE, John. Ensaio sobre o entendimento humano. 5. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2014. 2 V.
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